domingo, setembro 02, 2012

Lula, os dragões e o poder dos fracos - ROBERTO DaMATTA

REVISTA ÉPOCA 


Um imperador chinês adorava dragões. Colecionava suas imagens e os reverenciava. Os dragões, que ocupavam o lugar mais alto na hierarquia dos animais na China e eram associados ao próprio imperador - a palavra dragão em chinês produz o som do trovão ficaram felizes quando, nas mon­tanhas onde viviam exilados, souberam que ele os admirava. Rompendo o confinamento, eles resolveram visitá-lo. Desa­jeitados, rastejaram, galoparam e voaram para o palácio im­perial. Foram recebidos com insultos. O imperador até tentou encarar a visita como uma cortesia. Mas, quando se viu diante daqueles bichos escamosos e fedorentos, que, enquanto fala­vam, provocavam labaredas que queimavam plantações, dei­xou de lado a admiração que sentia e os expulsou do palácio.

Ouvi essa história de um cientista político chinês, durante uma palestra numa universidade americana. Como se sabe, disse com ironia o colega chinês, todo mundo ama e admira a democracia desde que ela, como os dragões, permaneça nas montanhas. Quando a demo­cracia chega cuspindo o fogo da liberdade - com seu poder de reduzir ricos e pobres, fracos e fortes à igualdade perante seus poderes -, há em toda parte uma forte reação. Hoje, os dra­gões são bons símbolos das confusões perma­nentes da competição eleitoral e da igualdade de todos perante as leis, porque a vida numa democracia liberal é tão complexa e difícil quanto a desses seres que, de repente, podem botar fogo pela boca.

Como domesticar os dragões no caso de países como o Brasil? Aqui, eles correspondem não ao ideal de democracia, mas a outra idealização: a enorme diferença entre o que se diz e o que se faz com nossos companheiros e com nosso partido quando chegamos ao poder. Aí está o mensalão, armado por aficionados desses monstros, que não me deixa mentir. O dragão pergunta: será que o voto deve ter o mesmo valor para todos? Se sabemos a solução para os problemas do Brasil, não seria legítimo comprar votos e políticos, e até mesmo partidos inteiros - para permanecer no poder resolvendo, a nosso modo, os problemas do povo brasileiro? Não se trata de tomar partido, trata-se de condescender com a desonestidade como um meio para permanecer no poder.

Lula, sem sombra de dúvida, foi o político simbolica­mente mais forte da história do Brasil. Ele não precisava adorar dragões, porque dentro dele conviviam o dragão da miséria, da fome, do abandono e da pobreza, com todos os seus terríveis coadjuvantes. Jamais se viu um presidente ou líder político com tanto poder de aglutinação simbóli­ca como Lula. Ele atraía os ricos pela culpa e pelas novas oportunidades de ganhar dinheiro com - e não contra - os trabalhadores sindicalizados; era amado pelos subordinados e ressentidos; era incensado pelos intelectuais - sobretudo os chegados a um despotismozinho inocente -, porque, como Platão, supunham que ele poderia ser educado ou convertido; era idolatrado pelos fanáticos pelo poder porque, com Lula, algo novo ocorreria com seus donos. E, finalmente, Lula dragava na sua figura os cristãos porque, nascido no centro da opressão, ele sofreu, mas não desistiu.

Sua fala repleta de erros crassos de por­tuguês e de imagens simplórias não era, como pensavam os letrados, um demérito. Era o mais sincero testemunho de sua ori­gem popular, porque essa fala confirmava o “pobre” iletrado (e explorado) no papel do presidente que pode tudo. Lula foi pre­miado com a Presidência por suas virtudes e por algo que a teoria política burguesa dos Hobbes, Rousseaus, Lockes e Mills jamais perceberam: aqui­lo que alguns antropólogos chamaram de “poder dos fracos”. O poder dos miseráveis nas sociedades intransigentemente desiguais, como a nossa, que tem a ilegítima legitimidade de transformar o assalto à mão armada em distribuição de renda. Esse poder dos fracos é o velho poder das ciganas que vivem miseravelmente no presente, mas predizem o futuro. Lula foi a imagem da redenção do Brasil pelo Brasil.

Nem a Revolução Francesa, nem a Russa, nem a Ame­ricana tiveram um ator com tais atributos. Pois Lula é a metáfora viva do que uma democracia pode fazer e do que só pode ser feito numa democracia construída por meio de uma imprensa livre e da competição eleitoral. Nas revolu­ções que romperam as realezas e inauguraram a democracia como uma forma de vida, esse dragão feio, imperfeito, inclassificável - porque é ave, réptil e é também um mamífero

não há nenhum líder como Lula. A Revolução Gloriosa e a Francesa foram feitas por pensadores burgueses. Nem mesmo Mandela, negro e advogado, se iguala a ele. Ne­nhum deles veio tão de baixo - nem mesmo na Revolução Americana, onde se fundou a primeira sociedade civica­mente igualitária do planeta, como tão bem percebeu um deslumbrado Alexis de Tocqueville.

Medir o que Lula representa simbolicamente é mais fácil hoje porque o tempo e a vida - e, mais que isso, a presença do petismo nas engrenagens paradoxais do poder - re­velaram, logo no primeiro governo, a impossibilidade de seguir à risca o projeto ideológico de permanência, hoje em julgamento pelo Superior Tribunal Federal. Lula perdeu parte de sua atração ideológica quando se filiou ao projeto brasileiro perene de manter nossas desigualdades confian­do ao Estado (não à sociedade) seu projeto de revolução. E tome roubo e recursos públicos, e tome funcionalismo acima das leis.

Está Lula hoje, como um ex-presidente profissional que sabe como ninguém jogar com a dramaticidade de sua trajetória e com os anseios messiânicos do povo brasileiro, ainda desejoso de ter um dragão que tudo resolva? É certo que Lula tem um papel ímpar no processo político nacional. Mas também é seguro que ele não goza mais aquela ausência de verniz que o cobria como um presidente messias - um po­bre governando os pobres. A aura de pureza e de inocência dos fracos e destituídos desmanchou-se diante da fieira de roubalheiras que é parte de sua era.

As eleições são o teste. Veremos se Lula continua com o mesmo poder de transferir carisma ou se o desfrute do poder concreto tem mesmo a capacidade destrutiva de transformar dragões em lagartos. Quem viver verá. E quem viver também verá se ainda precisamos de messias populistas que são pais (e mães) do povo - ou se começamos a exigir um estilo de governo mais impessoal, menos mendaz, mais democrático, que gerencia em nome do povo o que só a ele pertence.

Um norte ético - CARTA AO LEITOR

REVISTA VEJA

Coube à imprensa livre revelar que no coração do governo do ex-presidente Lula funcionava uma impressionante máquina montada para desviar dinheiro dos cofres públicos e, com ele, subornar parlamentares e comprar partidos políticos. Coube ao Congresso Nacional esmiuçar em uma CPI os caminhos tortuosos do escândalo que ficou nacionalmente conhecido como mensalão, o maior caso de corrupção política da história reèen-te. À Justiça, cabe agora punir os envolvidos. Temia-se que a tradição de impunidade prevalecesse. Na semana passada, porém, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) anunciaram os primeiros veredictos, condenando cinco dos 37 acusados, entre eles o deputado João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, o petista Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, e o empresário Marcos Valério, apontado como o operador do esquema. Suas penas só serão anunciadas no fim do julgamento, mas a decisão dos magistrados já começa romper um dos mais vexatórios paradigmas da cultura brasileira: o de que prisão não é lugar para os poderosos, principalmente se os poderosos também são políticos. A porta da cadeia enfim foi aberta para eles.

Ao anunciarem seus votos, os ministros surpreenderam os mais incrédulos. Não se limitaram a fundamentá-los tecnicamente. Externaram também uma enfática indignação com a ousadia patrocinada pelos ladrões do dinheiro público. “Agentes públicos que se deixam corromper e particulares que corrompem são corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os delinquentes, os marginais da ética do poder, infratores do Erário que trazem consigo a marca da indignidade, que portam o estigma da desonestidade”, disse o ministro Celso de Mello, o decano do STF. Ainda falta muito para saber se a impunidade será inteiramente derrotada, mas as primeiras condenações são exemplares em sua essência e trazem um sentimento de alívio e alma lavada à opinião pública, já que apontam o inédito caminho da prisão para os corruptos poderosos — um feito histórico, que pode fazer o Brasil finalmente reencontrar o rumo da ética e voltar a distinguir o certo do errado.

O MENSALÃO NA CADEIA - REVISTA VEJA

REVISTA VEJA


"Agentes públicos que se deixam corromper e particulares que corrompem são, corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem intitucional, os delinquentes, os marginais da ética do poder." Ministro Celso de Mello, decano do STF

O Supremo começa a fazer história ao apontar o caminho da prisão para políticos e poderosos. Cinco mensaleiros foram condenados e, pela veemência com que os ministros repeliram a corrupção, a tradição de impunidade pode estar no fim.

DANIEL PEREIRA e LAURA DINIZ

Ex-prefeito de São Paulo, o empresário Paulo Maluf transita com desenvoltura pelos gabinetes do Congresso, onde cumpre seu terceiro mandato como deputado federal. Mas, se deixar o país, o mesmo Maluf será imediatamente preso sob a acusação de desviar milhões de reais dos cofres públicos. Essa contradição é um exemplo acabado da impunidade que impera no Brasil e chancela a máxima popular segundo a qual políticos e poderosos não se sentam no banco dos réus nem vão para a cadeia. Foi com base nessa tradição degradante que o ex-presidente Lula — não por acaso um aliado de Maluf — se lançou numa ofensiva para desmontar a “farsa do mensalão”, o maior escândalo de corrupção da história política do país. A meta de Lula era clara: limpar a própria biografia e salvar petistas processados. Inocentar a companheirada ou, pelo menos, adiar o julgamento a fim de garantir a prescrição dos crimes imputados pelo Ministério Público. Considerado o histórico nacional, o plano lulopetista parecia fadado ao sucesso. Parecia, não fosse uma contundente reação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Depois de resistirem às pressões do ex-presidente para que o mensalão fosse julgado após as eleições municipais, numa demonstração clara de que instituições republicanas não se curvam às vontades imperiais de políticos recordistas de popularidade, os ministros do STF condenaram, na semana passada, cinco dos 37 réus do processo. Oficialmente, a pena não foi imposta, mas já é certo que todos eles serão condenados à prisão em regime semiaberto ou fechado. Isso mesmo: os poderosos, como os ladrões pés-rapados, expiarão os pecados na cadeia. Entre eles, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Câmara dos Deputados, o petista Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, e o empresário Marcos Valério, o principal operador do mensalão. O grupo foi condenado por corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Ao votarem, os ministros deixaram claro que a tradição de impunidade — uma marca nacional desde o descobrimento — está seriamente ameaçada, principalmente quando próceres da República desviarem recursos dos contribuintes, como demonstrado no processo, para bolsos privados.

“Agentes públicos que se deixam corromper e particulares que corrompem servidores do estado são, corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os marginais da ética do poder”, disse o ministro Celso de Mello, decano do Supremo. A contundência das palavras não foi um ato isolado. Pelo contrário, a indignação foi a tônica das manifestações. Para determinarem a culpa dos cinco réus, os onze ministros votaram “condeno” 224 vezes. Entremearam razões jurídiéas com recados claros de que, daqui para a frente, a Justiça será intransigente com quadrilhas especializadas em assaltar o Erário. Uma mudança de postura e tanto. Há décadas a legislação prevê os parâmetros de punição para corruptos e corruptores. Mas a interpretação da lei era feita sob uma ótica extremamente leniente, de modo que só os flagrantes eram punidos. Como corruptos nem sempre assinam recibo, agem entre quatro paredes e evitam deixar rastros, tais flagrantes eram tão comuns como notas de 3 reais. Essa conveniente blindagem montada sob o argumento da necessidade de provas cabais começou a ruir com o voto da ministra Rosa Weber, caloura do tribunal e indicada pela presidente Dilma Rousseff.

Rosa lembrou que, quanto maior o poder do réu, maior sua facilidade para esconder o ilícito. Daí a necessidade de a Justiça formar seu convencimento como se montasse peças de um quebra-cabeça. Faltava vontade institucional para tanto. Não falta mais. O Supremo decidiu abraçar as chamadas provas indiciárias — aquelas que não comprovam diretamente um fato, mas, vistas em conjunto e analisadas sob o prisma da lógica dedutiva, fazem crer que o tcil fato ocorreu. Ninguém gravou em vídeo João Paulo Cunha aceitando receber dinheiro de Marcos Valério para beneficiá-lo em uma licitação na Câmara e, depois, no contrato firmado entre a Casa e a agência do empresário. Mas os dois tinham uma relação próxima antes de o parlamentar se tomar presidente da Câmara. Cunha nomeou a comissão que escolheu o vencedor da licitação. A agência de Valério, que havia sido desclassificada por falta de capacidade numa concorrência anterior, sagrou-se vencedora em 2003. Durante o processo de licitação, a mulher de Cunha sacou 50000 reais de uma conta de Valério no Banco Rural. Perguntado sobre o saque, o deputado mentiu. Disse que a esposa fora ao banco pagar uma conta de televisão por assinatura. Depois, mudou a versão, que também não se sustentou porque era baseada em provas forjadas. Sob as barbas do petista, Valério desviou dinheiro da Câmara dos Deputados. “Espantoso”, exclamou o ministro Cezar Peluso.

Essas e muitas outras evidências não deixaram margem para dúvidas na cabeça de nove dos onze ministros do Supremo. Ficaram vencidos apenas os MM ministros Ricardo Lewan-dowski e Dias Toffoli. Condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, João Paulo Cunha deve receber pena de prisão, na melhor das hipóteses para ele, em regime semiaberto. Se isso ocorrer, terá de passar a noite na cadeia. Para o sociólogo Demétrio Magno-li, a condenação do petista tem um peso simbólico relevante. Afinal, quando chefiava a Câmara, Cunha chegou a ocupar interinamente a Presidência da República. “Se uma figura que chegou a presidir o país por dois dias for para a cadeia, a possibilidade de políticos saírem ilesos diminuirá radicalmente.” Há também os efeitos práticos. Julgado pelo STF, Cunha desistiu na semana passada da candidatura à prefeitura de Osasco. Os votos dos ministros também minaram o ânimo dos cardeais petistas. A análise corrente é de que o rigor adotado pode levar à condenação de todos os políticos, o que inclui o ex-presidente do partido José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-ministro José Dirceu, apontado como o “chefe da quadrilha”. Em conversas com companheiros, até o atual presidente do PT, Rui Falcão, concorda com a tendência de condenação generalizada — apesar de debitá-la na conta de uma suposta motivação política. As teorias conspiratórias sempre servem de muleta para os males petistas.

“Os ministros disseram que teve corrupção, peculato, desvio de dinheiro público. Foram muito duros. A tendência é condenar todo mundo. João Paulo e Ge-noino estão muito abatidos”, disse um petista íntimo de Lula. “Não vai sobrar nada. Está um constrangimento enorme”, acrescenta outro — este interlocutor da presidente Dilma. Os sinais emitidos não são mesmo animadores para o partido e os demais réus do processo. Na semana passada, além de rechaçarem a necessidade de uma prova cabal, os ministros traçaram outras premissas desfavoráveis aos ladrões de dinheiro público. Disseram que para comprovar a corrupção passiva não é preciso que o político ou servidor use o cargo em benefício do corruptor. Se o político aceita a vantagem indevida, não precisa fazer nada em troca para se configurar a corrupção. “Basta a possibilidade de praticar algum ato de ofício, porque o delito está em pôr em risco o prestígio e a honorabilidade da função”, disse Peluso em seu último voto antes da aposentadoria. Foi um recado claro: da autoridade pública espera-se compostura, além de devoção ao cargo e ao bem público — e não flertes com interesses privados.

Para se configurar a corrupção ativa, segundo o entendimento da maioria absoluta dos ministros, basta que o bandido ofereça a vantagem ilícita, ainda que o servidor a recuse. Da mesma forma, o crime de peculato passou a valer em toda a sua extensão: será condenado o servidor que desviar ou se apropriar de dinheiro ou qualquer outro bem, público ou privado, de que tem a posse em razão do cargo. Foi assim que caiu a casa de Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, condenado por unanimidade. Pouco importava se os mais de 70 milhões que ele ajudou a desviar para as contas de Marcos Valério eram públicos ou privados — os ministros entenderam que, sim, eram públicos. Pizzolato tinha acesso aos recursos por ser funcionário do banco e não se comportou com a compostura exigida pelo cargo. O petista possivelmente será condenado a cumprir pena em regime fechado (cadeia) — assim como Marcos Valério e seus ex-sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach. Valério, por sinal, já passou duas temporadas na prisão — ambas, no entanto, breves. “A tese da acusação aponta o desvio de dinheiro público. Se estamos preocupados com a dignidade dos réus, e devemos estar preocupados com a dignidade dos réus, também temos de nos preocupar com a dignidade da vítima, que é toda a sociedade brasileira”, sentenciou o ministro Luiz Fux.

Segundo especialistas ouvidos por VEJA, a mudança de mentalidade dos julgadores reflete os avanços institucionais do Brasil e o aumento da intolerância social com a corrupção. “O julgamento do mensalão representa um marco porque inverte o que chamamos na sociologia de expectativa de comportamento”, diz o filósofo e professor de ética Roberto Romano. Antes do julgamento, a expectativa natural dos cidadãos era de impunidade praticamente absoluta. A regra agora passa a ser a punição. JNTas últimas duas décadas, a polícia e o Ministério Público se fortaleceram na investigação dos crimes contra a administração pública, e a imprensa se aperfeiçoou na revelação das denúncias. O próprio mensalâo foi descoberto pela imprensa, investigado por uma CPI do Congresso e depois denunciado pelo Ministério Público. É o que se espera de instituições fortes num regime democrático, por mais que se descontentem os poderosos de turno. Com o desenvolvimento econômico do país e a melhora das condições de vida dos cidadãos, que inclui mais acesso à informação, a pressão popular contra a impunidade tende a ganhar corpo. “Mantidas as condições atuais, de aprimoramento da democracia e manutenção da estabilidade econômica, já podemos considerar essa primeira parte do julgamento como o prenúncio de uma era de mais probidade”, prevê Roberto Romano.

Além da punição penal dos réus, a decisão do Supremo subsidiará ações de improbidade administrativa para reclamar que corruptos e corruptores devolvam o dinheiro roubado. Só assim o crime terá castigo efetivo — carcerário e financeiro. “Isso é crucial. Já pensou se Va-lério sair da cadeia como um ricaço ou se os dirigentes do Banco Rural forem passar férias na Europa?”, questiona Magno-li. “A punição dos culpados e a devolução do dinheiro são igualmente importantes para compor a noção de justiça e mostrar que o crime não compensa”, reforça Romano. Só assim, alegam os dois, os corruptos pensarão duas vezes antes de roubar. A restituição aos cofres públicos é uma exigência antiga. Consta do Sermão do Bom Ladrão, do padre Antônio Vieira. O texto reclama o fim da impunidade e foi citado pelos ministros durante o julgamento. Não foi à toa. Apesar de escrito há mais de 300 anos, continua atual. Retrata uma realidade secular que a Justiça brasileira finalmente decidiu encarar de maneira dura e, acima de tudo, corajosa.

COM REPORTAGEM DE GUSTAVO RIBEIRO, HUGO MARQUES E ADRIANO CEOLIN


PATROCÍNIO MENSALEIRO

O mensalão não é o único problema do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. Condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que já o colocou na antessala da prisão, o petista também está sendo investigado por outras irregularidades ocorridas no período em que ocupou o cargo. Um inquérito da Polícia Federal apura as responsabilidades pelos repasses ilegais que o Banco do Brasil fez para competições esportivas organizadas pela agência de marketing Koch Tavares. Em cinco anos, o banco remeteu à empresa mais de 20 milhões de reais para patrocinar competições de tênis, vôlei e futebol de areia. Eventos que contaram com a participação de astros do esporte, como Gustavo Kuerten, o maior tenista da história do Brasil. A polícia já descobriu que uma parte desse dinheiro não chegou ao destino. Assim como no mensalão, sumiu. Assim como no mensalão, simulou-se a realização de serviços que nunca existiram. Assim como no mensalão, há suspeitas de que os recursos foram desviados para os bolsos de pessoas e empresas ligadas ao PT.

O departamento de marketing patrocinou, por exemplo, o Desafio de Vôlei de Praia da Bahia. Pagou 350000 reais. E quem ganhou o desafio? Ninguém, porque ele nem sequer foi realizado. As fraudes são variadas. Há casos de torneios patrocinados pelo banco que foram efetivamente realizados, mas que não contaram com uma única placa de patrocínio. E há os casos em que houve o torneio e o patrocínio, mas os preços contratados estavam muito acima dos de mercado. A polícia já sabe que havia uma relação íntima entre a turma de Henrique Pizzolato e as empresas beneficiadas com os contratos. Assim que estourou o escândalo do mensalão, José Augusto Gonçalves, subordinado a Pizzolato, deixou o banco e foi contratado por uma subsidiária do grupo Koch Tavares. Hoje, ele é diretor comercial da empresa na qual despejou milhões de reais. Desde que minguaram os patrocínios oficiais, porém, a agência passa por dificuldades. Trocou sua sede em São Paulo, despediu funcionários e responde a vários processos trabalhistas.

OTÁVIO CABRAL


O calendário do julgamento

O que já aconteceu


O relator Joaquim Barbosa concluiu seu voto sobre os desvios de recursos públicos no Banco do Brasil e na Câmara dos Deputados, pedindo a condenação de todos os réus. Barbosa condenou o publicitário Marcos Valério e seus sócios por pagarem propina ao ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha e ao ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato -em troca, foram favorecidos em licitações. O revisor, Ricardo Lewandowski, acompanhou Barbosa no caso do Banco do Brasil, mas considerou que não houve crime no caso envolvendo o petista João Paulo Cunha.

Como foi a semana


Depois de relator e revisor votarem, os demais ministros se manifestaram sobre o capítulo. João Paulo foi condenado por lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva e absolvido de outra acusação de peculato. Os demais réus foram condenados por todos os crimes.

Na quinta-feira, Joaquim Barbosa começou seu voto sobre os empréstimos simulados pelo Banco Rural, em nome do PT e de Marcos Valério, para obter vantagens do governo petista. Ele afirmou que os dirigentes do Rural contrariaram as normas do Banco Central. 0 dia 30 também marcou a última sessão no STF do ministro Cezar Peluso, que se aposenta nesta semana.

O que vai acontecer
O relator deve concluir seu voto sobre as operações bancárias do Banco Rural na segunda-feira. Em seguida, o revisor, Ricardo Lewandowski, se pronuncia sobre o mesmo tópico, seguido dos demais ministros. A ordem de votação é inversa à ordem de antiguidade na corte, começando pela ministra Rosa Weber e terminando pelo presidente, Ayres Britto. A partir de agora, o Supremo passa a julgar o mensalão apenas com dez ministros

“A cada desvio de dinheiro público, mais uma criança passa fome, mais uma localidade fica sem saneamento, sem mais um hospital, sem leitos.”

Luiz Fux, ministro do STF

“A corrupção é um dos males deste século. O arrojo, a febre do fausto, o affairismo fazem com que a corrupção campeie.”

Cármen Lúcia, ministra do STF

“O avanço no patrimônio público e o fazer do patrimônio público um prolongamento da casa, da copa, da s cozinha são coisas antigas neste Brasil.”

Carlos Ayres Britto, presidente do STF citando o padre Antônio Vieira

Com a ajuda dos amigos - IVAN MARTINS

REVISTA ÉPOCA


Não existe uma única maneira de viver, mas em todas elas os amigos são fundamentais 
 

Percebi outro dia que parte dos casais que eu vi surgir no início dos anos 2000 não existe mais. Várias pessoas que começaram a namorar naquela época, e que nos anos seguintes viriam a casar e ter filhos, não estão mais juntas. Elas se separaram ou estão em processo de separação. Começam inclusive a formar novos pares. Algumas estão com pessoas totalmente novas, outras revisitam relações antigas. Os que estão sozinhos têm o ar de que ainda não se acostumaram à nova situação.

Todos parecem estar bem, mas, ainda assim, um pedaço de mim entristeceu ao constatar as separações.

Acho que a gente simplesmente não gosta que as histórias dos outros acabem. A vida das pessoas de quem a gente gosta deveria ser como um filme que termina, congela e se eterniza no beijo final. Assim ele pode ser repetido a qualquer momento. A gente quer um final feliz eterno porque estava lá quando os amigos se agarraram pela primeira vez, porque soube quando eles transaram no réveillon da praia, porque dançou, bebeu e se emocionou até as lágrimas quando eles se casaram. Naquele dia memorável eles pareciam tão apaixonados, tão jovens e tão bonitos que nada poderia impedir que se amassem para sempre.

Alguém aí põe "Eduardo e Mônica", por favor?

Pode tocar "With a little help from my friends", da abertura de Anos Incríveis. A imagem da felicidade dos casais amigos é tão preciosa que não pertence apenas a eles. Ela faz parte da nossa vida. Compõe o filme da nossa existência. Está lá junto com a foto engraçada em que nos preparamos para a primeira balada. Faz parte da mesma sequência em que estamos gritando e batendo panelas na passeata. Lembra daquele momento em que todo mundo está bêbado e abraçado na festa da formatura? A gente se amava tanto... Essa é a sensação, essa é a imagem que a gente quer levar para o resto da vida.

Nostalgia é um sentimento delicioso, mas ele não deveria dirigir a nossa vida. Assim como a adolescência e os dias de “cabelo ao vento e gente jovem reunida” da faculdade fatalmente acabam, a grande paixão inesquecível da juventude também deixa de existir para muitos de nós. Haverá aqueles que tendo encontrado o amor aos 17 anos crescerão com ele até casar, ter filhos e construir, com base nessa relação afortunada, uma vida intensa e plena. Para outros, não. Para esses será preciso deixar para trás o amor dos 20 anos e descobrir outras formas de amar, outras pessoas, outros tipos de relação. Também nisso há uma espécie de fortuna: a possibilidade de viver outras vidas na mesma vida, a possibilidade de começar de novo quantas vezes for preciso.

A boa notícia é que a vida se renova em todas as formas que a gente decide viver. Muitas vezes literalmente.

No mesmo momento das separações, há pessoas que estão celebrando uniões duradouras com o primeiro filho, depois de terem batido pé por boa parte do mundo. Há outras que tendo procurado o amor com a dedicação e a ansiedade dos caçadores de tesouro, agora parecem sossegadas, e se preparam para por no mundo uma menina que nasce para dizer: encontrei!

No mundo que nós recebemos de nossos pais, e ajudamos a definir com as nossas escolhas todos os dias, parece não existir uma única direção em que as coisas se movem. Certamente não existe uma única maneira de fazer as coisas e um tempo único em que elas aconteçam. Todos os tempos convivem e todos os estilos de vida se tocam. O essencial é que todos eles sejam cercados de carinho, amizade e tolerância.

Não é possível estender a ternura visceral e a solidariedade da adolescência para o resto da vida, mas talvez seja possível organizar um mundo do qual ela não tenha sido varrida. Um mundo em que as pessoas construam suas vidas, da forma que acharem melhor, sob o olhar generoso e cúmplice de quem fez parte dela. Com a ajuda dos amigos e cercado por eles, fica tudo mais fácil.

Pode tocar de novo "With a little help from my friends"…

Cafonice intelectual - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA



Diversão é pecado? Alguém não pode ir ao teatro, ler um livro, assistir a um filme sem nenhum compromisso? 


Intelectuais gostam de dizer o que é bom ou ruim em termos artísticos. São tão severos quanto os inquisidores medievais. Também como eles, costumam prejulgar a partir de crenças pessoais. Houve uma época em que a MPB merecia todos os elogios. Ninguém tem coragem de falar mal da MPB, é claro. Mas grandes interprétes como Gal Costa e Maria Bethânia pouco interessam à crítica atual. Chico e Caetano ainda ocupam seus espaços. Os críticos preferem, porém, falar de bandas de rock inglesas. Há alguns anos, a escritora Ana Maria Machado ganhou o prêmio Hans Christian Andersen. É considerado o Nobel da literatura infantojuvenil. Só vi algumas linhas a respeito. Enquanto isso, já li centenas de vezes a história de J.K. Rowling, autora deHarry Potter, pobre, escrevendo o primeiro livro num café... Um bom sotaque causa arrepios na intelectualidade brasileira. Há muitos anos, uma intérprete de jazz americana veio ao Brasil. Admirou-se com a quantidade de reportagens a seu respeito. Nos Estados Unidos, nunca merecera tal atenção. Começou a apresentação dizendo:

– Sei que vocês não me conhecem...

Há um preconceito generalizado contra o teatro musical. Cheguei a ler uma crítica aconselhando o público a gastar o dinheiro do ingresso em três peças experimentais. Como se entretenimento fosse pecado. Alguém não pode ir ao teatro, ler um livro, assistir a um filme só para se divertir? Sem nenhum compromisso com os destinos da humanidade? Estudantes da USP torcem o nariz. “É muito comercial”, dizem quando um espetáculo é criado para fazer sucesso. Qual o problema, se as pessoas gostam?

Houve uma época em que o bom ou ruim tinha inspiração política. Durante o governo militar, no Brasil, entre os artistas, ser a favor era péssimo. Contra, dava um atestado de qualidade. Os filmes de Gláuber Rocha, perseguido pelos militares, receberam um lugar de honra no panteão da cultura nacional. Terra em transe é chatérrimo. Além do mais, a frase “uma ideia na cabeça e uma câmera na mão” acaba com a profissão de roteirista. Sinceramente, como roteirista, fico muito irritado ao ouvi-la. Raramente alguém diz que os monumentos de concreto criados por Niemeyer são áridos. Niemeyer sempre foi um corajoso homem de esquerda. Recebeu carteirinha de ótimo.

Antes, a divisão entre esquerda e direita definia o que era bom. Hoje o preconceito é a partir do meio. Ou seja: filme nacional é em princípio ótimo. Convivo com atores que contam, de peito estufado como pavões:Talvez a maior injustiça já cometida pela intelectualidade brasileira tenha sido durante a ditadura. Havia uma escritora, Cassandra Rios, que vendia aos borbotões, inclusive em bancas de revistas. Era uma literatura erótica, fortemente apoiada no lesbianismo. Pelo menos um de seus livros foi adaptado para o cinema: Ariella, com Christiane Torloni e Nicole Puzzi. O governo militar também perseguiu Cassandra Rios. Seus livros desapareceram, sob a pecha de imorais. Ninguém abriu a boca. Era considerada “ruim”, por que defender? Tratava-se, porém, do princípio da liberdade de expressão, esquecido em nome do preconceito intelectual. Conheci Cassandra Rios já com idade, lutando para recuperar o espaço perdido. Morreu praticamente esquecida.

– Estou fazendo cinema.

– E daí? –, pergunto.

Ninguém recusa um convitezinho para fazer novela. Mas muitos agem como se TV fosse menor que cinema e teatro. Televisão é um meio, simplesmente. Obras artísticas ou de entretenimento convivem, como em outros meios. Ou se mesclam, unindo arte e diversão. Glória Perez já ganhou o Emmy com a novela Caminhos da Índia. Quantos prêmios da mesma importância o cinema nacional conquistou nos últimos tempos? Temos filmes, peças, novelas, séries, bons e ruins artisticamente. O preconceito é fruto da falta de profundidade intelectual. A pessoa valoriza o que os outros valorizam, para não ser tachada de ignorante. Melhor não ir contra a corrente. Não dizer, por exemplo, que adorou Cabaret, com Cláudia Raia, só porque é um musical. Embora seja um dos espetáculos mais competentes que já vi. Chamo isso de cafonice intelectual. É a maior tendência cultural de nossos tempos.

Ninguém pense que advoguei em causa própria, porque sou autor de televisão. Meu maior prêmio aconteceu no teatro. É o Shell, o mais respeitado do país. Poderia ficar quieto. Mas prefiro ter minha própria opinião, o que parece ser raro ultimamente.

A perua vã - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 02/09


Neste domingo ela faz anos - mas vamos devagar com as comemorações. Nada de bolo, até porque a aniversariante não precisa de vela para pegar fogo. Suicida, é capaz de combustão espontânea. Homem, seria um fauno; mulher, uma ninfomaníaca a arder sozinha. Se alguma dúvida eu tivesse, teria sido incinerada faz uns dias, quando, no curto trajeto de São Paulo a Santos, vi duas delas a despejar fumaça.

Estou falando - você já percebeu - desse anacronismo automotivo chamado Kombi, cuja produção no Brasil começou em outro 2 de setembro, 55 anos atrás. Estou longe de ser autoridade no assunto (neste ou em qualquer outro), mas falo com a segurança de quem acaba de fazer um tour pelo site da fábrica. Como crônica eventualmente também é cultura, ainda que vã, deixo aqui migalhas do saber lá recolhido.

O pão de forma de lata que vemos torrar nas ruas e estradas - em virtude, se bem entendi, da temerária proximidade entre o distribuidor e a mangueira de gasolina - saiu do forno em 1950, quando a Volkswagen comprou a ideia do holandês Ben Pon de uma perua com chassis de fusca. No Brasil, o trambolho começou a ser montado em 1953, com peças importadas, e a partir de 1957 com 50% de peças nacionais. Fim de verbete.

Nada disso me interessaria minimamente, não fosse o fato de meu pai ter sido, em 1958, um dos primeiros donos de Kombi no País. Que mais poderia escolher quem teve 11 filhos? Para não falar na coisarada que ele transportava em suas expedições de passarinheiro amador. Até mandou fazer uma cama desmontável que ocupava todo o espaço dos bancos de trás. Para evitar barbeiros (não os maus motoristas, mas o inseto transmissor do mal de Chagas), nos cafundós onde se enfiava, era ali que meu pai dormia.

Gozado, não me lembro de Kombi pegando fogo naquele tempo - e olha que fizemos viagens puxadas como aquela em 1960, para a inauguração de Brasília. Acho que ela ainda não tinha autossuficiência pírica, ou seja, não ardia sozinha. Será que a mangueira passava longe daquele ponto G em que hoje provoca tanto incêndio?

Na estrada, a Kombi quase resolvia nossa disputa para viajar junto à janela. Embora sem charme de cinema, fomos um pouco como o clã da pequena Miss Sunshine. Na cidade, o deselegante furgão motivava os gozadores. "Padeira!" - ouviu mamãe na rua mais de uma vez, ao levar filhos à escola (função na qual, contabilizava, completou bodas de prata). Uma vantagem da Kombi, dizia a d. Wanda, era desestimular peditório de mendigo.

Em compensação, sua ambivalência funcional suscitava equívocos. "O senhor faz carreto?" - indagou uma senhora a meu pai, numa beira de calçada. (Precisava de quem transportasse uma raspadora de pisos - e não é que o velho Hugo, prestativo, esteve a pique de encarar a parada?) Uma vez, na entrada da rodoviária, um guarda perguntou a um de meus irmãos se já tinha feito a boa ação do dia - e, sem esperar resposta, abriu a Kombi para um estridente grupo de cantadores cegos do interior de Minas, que o Marcos, bom samaritano a contragosto, teve de levar até o estúdio da Globo. Outro irmão, o Flávio, que tinha ido comprar passagem, chegou nesse momento, e ao dar com a cena quedou estarrecido, enquanto em meio à cantoria o Marcos gargalhava.

Na adolescência, minhas irmãs se tomaram de vergonha pela Kombi - tratavam de apear a boa distância do colégio ou festa, temerosas de que mesmo sem incêndio a fuleirice sobre rodas lhes queimasse o filme. "Você não tem carro", dizia ao papai o Flávio, que tinha vistas altas - e escandia: "Você tem con-du-ção!" O que não o impediu de bater "pegas" com a instável caranga paterna. Ele não viveu para ver o crepúsculo da perua cinquentona, numa decadência que já não comporta plástica e botox. Dizem que está para sair de linha. Das fábricas que havia pelo mundo, resta a brasileira, que em outros tempos aprovisionou vários países. Hoje, só a Inglaterra compra. Não me pergunte por quê. Será que tem a ver com o fato de que lá o pessoal gosta de dirigir na contramão?

Imagina na Copa - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 02/09

A Coca-Cola, como sempre faz nos grandes eventos mundiais, vai trazer convidados estrangeiros para a Copa de 2014.
Mas a gigante do refresco já começa a encontrar problemas para reservar vagas de hotel em Belo Horizonte.

Política afirmativa
Sérgio Cabral dará posse, terça, a cotistas negros como novos defensores públicos. O governo fluminense é o primeiro do país a adotar um sistema de cotas em seus concursos públicos (20% das vagas).

Boa noite, Edney
Depois de fazer sucesso como romancista, Edney Silvestre estreará no teatro. Christiane Torloni vai interpretar o monólogo do coleguinha “Boa noite a todos”. A direção será de José Possi Neto.

Estreia em Olinda...
A peça fala de uma mulher cuja memória está se deteriorando. Estreia em novembro, na abertura da Fliporto, a festa literária pernambucana.

No mais
Tomara que Dilma resista à partidarização do STF. Mas alguém duvida que essas condenações no Supremo farão aumentar a pressão dos comissários petistas para que a presidente, daqui para frente, só nomeie para as vagas de ministro gente dos quadros do partido, como Antônio Dias Toffoli?

Aliás...
Pelas regras atuais, o ex-advogado do PT, que tem 44 anos, ficará no Supremo até 2037, quando completará 70.

O DOMINGO É...
...de Letícia Persiles, a linda carioca de 29 anos que conquistou o Brasil em seu primeiro papel na telinha, como a Míriam de “Amor, eterno amor”, novela das 18h da TV Globo. Quando a trama acabar, sexta agora, a formosa promete se dedicar ao filho Ariel e ao lançamento de um CD. É que, além de atriz, também é cantora. Canta pra eu 

Memórias do futebol
Félix (1937-2012), o goleiro do tri do Brasil na Copa de 1970, no México, pouco antes de morrer, deixou um depoimento gravado para um projeto tocado em parceria entre o Museu do Futebol, do governo paulista, e o CPDoc-SP, da FGV.
Nele, revela que, naquele Mundial, Pelé e o zagueiro reserva Fontana brigaram na concentração.

Aliás...
O ex-goleiro também contou que ainda tinha guardada a camisa daquela Copa, e a ofereceu por... R$ 100 mil. A gravação é parte de uma coletânea de depoimentos de heróis das Copas.

Harlequin no Brasil
A editora canadense Harlequin, líder mundial em ficção romântica vendida em bancas, está entrando firme no mercado de e-books no Brasil.

A gringa vai lançar aqui, de uma só vez, 23 títulos no formato digital — entre os quais, o terceiro livro da trilogia “As lendas de Yelena Zaltana”, de Maria V. Snyder. A gigante tem, mundo afora, acredite, um catálogo com 33 mil títulos neste formato, em dez idiomas.

Zona Franca
Arlindo Cruz faz show amanhã no Net Rio. Pedro Trengrouse foi incluído no ranking dos melhores advogados da América Latina pela Chambers & Partners (chambersandpartners.com).

Dia 6, Bruce Bode, da Universidade de Atlanta, participa de congresso sobre novas tecnologias em diabetes, no Sofitel
Mauricio Szapiro agora recomenda seus vinhos prediletos no site SeloReserva.com.br. Galeria TeC, em Copacabana, apresenta mostra coletiva de seis artistas, dia 10. Termina hoje o Festival Gastronomia do Mar, no Jardim Icaraí, com espaço gourmet. Isabela Francisco, artista plástica, recebeu, homenagem especial da Academia Petropolitana de Letras.

O Cristo é nosso
O Museu dos Anos 30, da cidade francesa de Boulogne Billancourt, vai reunir (veja o cartaz), nos dias 13 e 14 de setembro, especialistas numa conferência sobre o nosso Cristo Redentor. O encontro é um biombo para celebrar o escultor Paul Landowski (não confundir com Lewandowski, sobrenome do ministro do STF) como o autor do monumento.

Mas...
O Brasil, inclusive por decreto de Eduardo Paes, reconhece o engenheiro brasileiro Heitor da Silva Costa como o verdadeiro criador do nosso Cristo. Heitor foi o grande líder de uma equipe que incluía o francês Landowski e o desenhista italiano Carlos Oswald, que, por sinal, era bisavô da coleguinha Vivian Oswald.

Grande hotel
O grupo português de hotelaria e turismo Vila Galé vai se instalar no Rio. Erguerá um hotel cinco estrelas no Rua do Riachuelo, no Centro. Serão 254 suítes.

Cabana do pescador
Sabe a casa do Tufão, da novela “Avenida Brasil”, em Cabo Frio, RJ? É o mais novo ponto turístico da Região dos Lagos. Todo mundo quer tirar uma foto ali.

Segue...
A casa, na verdade, é a Cabana do Pescador, que fica entre as praias do Peró e das Conchas, no Parque da Costa do Sol.
A novela-sensação da TV Globo fez alegria dos jovens proprietários da Cabana, que está cheia de clientes, mesmo em baixa temporada.

O STF NA BOCA DO POVO
Nunca antes na história deste país, como diria Lula, o Supremo Tribunal Federal, em seus 204 anos, foi tão popular, e os nomes de seus 11 ministros soaram tão familiares aos ouvidos do povão. Nas mesas de bar, nas arquibancadas dos estádios, nas escolas, nas esquinas, personagens como Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski viraram assunto recorrente — para o bem e para o mal.

Tudo graças ao julgamento do mensalão. Aonde vai, o ministro Joaquim, por exemplo, relator do processo, é reconhecido e saudado. A TV do ponto de táxi da QI 11, em frente à Península dos Ministros, no Lago Sul, em Brasília, tem ficado ligada 100% do tempo nas sessões do Supremo. Não é só na capital. Até no Lamas, catedral da boemia carioca, no Flamengo, a turma do chope se pega assistindo ao que vai no julgamento.

O interesse se reflete nas páginas dos jornais. Só no GLOBO, este ano, até o fim de agosto, o termo STF surgiu 1.125 vezes — 125 na primeira página, 990 no noticiário político, 160 na seção de opinião, 45 na coluna do coleguinha Ilimar Franco, outras 42 na do nosso Merval Pereira e, não seria diferente, 92 aqui neste nosso quadrado. Até no Segundo Caderno (cinco vezes), nos suplementos de bairros (três) e, acredite, no Prosa & Verso (duas). Mais que o dobro de menções em todo o ano passado (543).

A concorrência não ficou atrás. Na “Folha de S. Paulo”, a sigla STF — ou o termo Supremo, para os íntimos — foi publicada 1.147 vezes.

É uma baita vitória da democracia (salve ela!). Dos 11 ministros que fazem história e dão exemplo às supremas cortes de países vizinhos, com a possibilidade de mandar para a cadeia politicões envolvidos no mensalão petista, só três não foram nomeados por Lula ou Dilma — Celso de Mello (por Sarney), Marco Aurélio (Collor) e Gilmar Mendes (FH). E, ainda este ano, Dilma deve nomear mais dois, com as aposentadorias de Peluso e Ayres Britto.

ELE É CARIOCA...
Aliás, conta feita por um especialista em STF nestes dias quentes de julgamento dos mensaleiros mostra que o Supremo é... carioca. Desde a Proclamação da República, o tribunal já teve 32 ministros nascidos no Rio. Logo a seguir, vêm Minas (30), São Paulo (24) e Rio Grande do Sul (17). Mas aí é outra história.

O poder moderador - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 02/09 


O velho recurso de contrate o melhor advogado da praça que está tudo certo parece não ter mais o mesmo efeito do passado. E isso está deixando os bastidores da política em polvorosa

O mundo político nunca esteve tão atônito quanto nesses dias de atenções voltadas para o Supremo Tribunal Federal. Isso porque, pela primeira vez em muitos anos, pelo menos até onde a vista alcança, há entre os grandes caciques partidários a sensação de deslocamento do eixo gravitacional do sistema político como um todo, sem que seja possível calcular os próximos lances do jogo para sobreviver às suas consequências.

Políticos são seres hábeis na arte de projetar o futuro e, assim, se preparar para as ondas que conseguem enxergar mais adiante. Agora, há muitos com medo de condenação. Antes do julgamento da Ação Penal 470, o imponderável residia nas CPIs. Foram tantos que caíram — ou cresceram politicamente — por causa das CPIs que os maiores partidos aprenderam a controlar essas comissões, de forma a reduzir seus efeitos. Até os depoentes descobriram o caminho das pedras para não precisar falar. A maioria já entra na sala de peito cheio para proferir “o direito constitucional de ficar calado”.

Assim, de CPI em CPI, houve quem perdesse o mandato aqui e ali, e alguns voltaram à ribalta. Afinal, criou-se a tradição de que situação política desfavorável do ponto de vista ético era um problema que o tempo podia apagar. Fernando Collor talvez seja o exemplo mais emblemático, uma vez que hoje é um senador atuante.

Aqueles que experimentaram a prisão foram poucos e, invariavelmente, de forma preventiva - entre os políticos do DF, tivemos Luiz Estevão, preso pelo desvio do TRT, e o ex-governador José Roberto Arruda, ambos levados à carceragem antes de qualquer julgamento. Em todos os casos, os advogados sempre disseram, “olha, politicamente, não posso fazer nada, mas condenado, você não será”.

Desde a tarde de quarta-feira, quando João Paulo Cunha (PT-SP) foi condenado, essa sensação de que autoridades estavam sujeitas apenas à prisão preventiva mudou. Embora ainda tenhamos pela frente pelo menos um mês de julgamento, há, no meio político, a sensação de que a Suprema Corte vai aos poucos assumindo o papel de poder moderador da moralidade e da ética pública. E o velho recurso de “contrate o melhor advogado da praça que está tudo certo” parece não ter mais o mesmo efeito do passado. Em tempos de ficha limpa, tudo está mudando e isso é salutar. Por ironia da história, essa mudança de eixo começa justamente pelo PT, que cresceu pregando a moralidade e a ética e, agora, vê seu primeiro integrante condenado. Mas não se assuste, leitor, porque a onda parece que veio para ficar. E se não for assim, o PT, que abriu os trabalhos, é bem capaz de voltar à velha cantilena oposicionista e cobrar decisões duras para outros que tiverem comportamento semelhante ao dos petistas que estão no cadafalso. Vamos aguardar.

Por falar em PT…

Nos bastidores, há quem esteja inquieto com as reações que podem advir, se confirmada a onda de condenações que parece despontar no horizonte. O silêncio público de Lula é considerado ensurdecedor. No comício da campanha de Patrus Ananias em Belo Horizonte, na sexta-feira, ele não citou o caso. Nem poderia. O PT publicamente tem dito que o julgamento não terá qualquer influência sobre as eleições, portanto, não será nos palanques eleitorais que tratará desse tema. Pelo menos, não agora, muito menos em Belo Horizonte, onde Patrus apresenta larga desvantagem para o prefeito-candidato, Márcio Lacerda, do PSB, apoiado por Aécio Neves (PSDB).

Mas, entre os ases da política, ninguém acredita que Lula permanecerá publicamente calado por muito tempo, olhando o fim do alto comando petista, que conduziu a sua primeira campanha presidencial vitoriosa. O confronto entre militantes petistas e grupos que comemoravam condenação, na última quinta-feira, em Osasco, soou como um alerta.

Vida parte 2 - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 02/09


Uma menina me perguntou certa vez: a vida da gente melhora da metade para o final? Ela deveria ter uns 14 anos, jovem demais para dividir a existência em duas partes e colocar suas esperanças na segunda. Já eu havia recém feito 40: estava me despedindo do ensaio geral e estreando na Parte 2, ainda sem saber o que estava por vir. Logo, o que responder?

Admiti que considerava encantadora a primeira parte: a virgindade existencial, os primeiros amores, a juventude do corpo, os sonhos projetados para frente, a morte a uma distância teoricamente segura. Não tinha como afirmar se a segunda parte possuiria munição suficiente para superar tanta vitalidade e expectativa, mas, dali onde eu me encontrava, seguia confiante, o futuro não me assustava. Apesar de ter vivido muito bem os primeiros 40, secretamente desejava que a resposta ao questionamento dela fosse um categórico sim.

Hoje aquela menina deve estar em torno dos 24 e ainda não tem sua resposta, mas garanto que anda tão ocupada que isso deixou de importar. Eu, no entanto, avancei um pouquinho na parte 2, porém continuo sem um parecer. Tenho apenas uma intuição.

Menina que não sei o nome: decretar o que é melhor, se a primeira ou a segunda metade da vida, é uma preocupação inútil – não perca tempo com isso. A única coisa que você deve ter em mente é o seguinte: o que fizer na primeira metade terá conseqüências na segunda, para o bem ou para o mal.

Se você for muito seletiva e insegura, acabará transferindo para mais tarde projetos que já poderiam ter sido experimentados. Procure viver as delícias de cada idade, arrisque-se. Se não conseguir, ok: então morra de amor, vá morar sozinha em Londres, entre para uma seita, monte uma banda, tudo isso aos 60, aos 70, e danem-se as convenções.

A maturidade traz ganhos reais. A ansiedade diminui, a teatralidade também: já não vemos sentido em agradar a todos, a opinião alheia deixa de nos influenciar. Essa liberdade de ser quem realmente somos me parece o benefício maior – os jovens não percebem, mas sua liberdade é muito restrita. São pressionados a fazer escolhas tidas como definitivas (casamento, filhos, profissão) e as dúvidas se amontoam.

A sociedade exige eficiência na condução desse script. Depois dos 40, a boa notícia: que sociedade, que nada. Não é ela que banca suas ideias, não é ela que enxuga suas lágrimas, não é ela que conhece suas carências. Você passa, finalmente, a ser dona do seu desejo. Não é pouca coisa.

A segunda metade trará vista cansada, um joelho menos confiável, um rosto não tão viçoso, umas manias bobas, mas o fato de já não haver tempo a desperdiçar nos torna mais focados e até mais aventureiros – pensar demais deixa de ser producente.

Perder a ilusão da eternidade traz, sim, conquistas instantâneas, mas, para isso, é preciso ter cabeça boa, conhecimento e uma forte base moral e ética. E isso você adquire na primeira metade da vida – ou padecerá na última.

Certa pobreza - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 02/09


A pobreza urbana é agressiva; são mulheres com uma criança no colo, duas pela mão



Outro dia tive que ir ao centro da cidade, onde não ia havia anos. Conheci esse centro quando ainda era criança e tinha chegado do Espirito Santo para viver no Rio. Na zona sul não havia lojas, ainda não existiam as butiques, e uma vez por semana ia com minha mãe ao centro.

Era onde se faziam compras, desde as mais banais, até as mais importantes, que na época era um par de sapatos ou o tecido para fazer um vestido. Não existiam vestidos prontos, e cada família tinha sua costureira. Comprava-se o figurino (revista de moda), a costureira dizia de quantos metros precisava, fazia-se uma prova, e um dia chegava um embrulho de papel cor de rosa, fechado com alfinetes -o durex ainda não tinha sido inventado-, trazendo o vestido.

Era uma emoção ir ao centro, onde havia um comércio que me parecia o luxo dos luxos. Havia até lojas que vendiam casacos de pele, e imagino que fazia frio no Rio para usar peles -devia fazer-, pois as vitrines das lojas Canadá e Sibéria mostravam as mais lindas.

Depois das compras, um lanche na Colombo, e a volta para casa de bonde. Era um dia completo, de total felicidade. Foi lá que pela primeira vez tomei um sundae e comi uma coxinha de galinha; em Vitória não existiam essas coisas chiques.

O mundo mudou, há anos não ia ao centro, mas tive que ir, semana passada. Passei pelas mesmas ruas e me deu uma tristeza tão grande que era melhor não ter ido.

Fui parar no largo da Carioca; é um largo, como diz a palavra, onde hoje as lojas são barraquinhas, e havia uma que, para animar, tocava um som bem alto. Das músicas, nem vou falar. Mas o que me impressionou mesmo foi a quantidade de pessoas que circulava por ali. Eram muitas e todas, absolutamente todas, muito pobres.

Em qualquer bairro do Rio existe gente pobre, mas não tantas assim, nem tão pobres. Era uma miséria absoluta, que se via nas roupas, nos sapatos -a maioria com uma sandália havaiana já bem usada- e nos rostos. Muitas lanchonetes pela rua, e numa delas o cartaz: "Arroz, feijão e batata frita por R$ 10,50".

Fiquei pensando nos pobres do Nordeste, que se veem na televisão e em alguns filmes brasileiros; eles moram em casebres com chão de terra batida, sempre muito bem varrido. E têm uma dignidade; não sei bem de onde ela vem, mas ela existe. Talvez por terem um pedacinho de chão só deles, talvez.

A pobreza urbana é agressiva; são mulheres com uma criança no colo, duas pela mão, levadas pelas mães porque não têm com quem ficar, adolescentes de short e camiseta que devem ser a única roupa que têm. Ninguém pedia esmola, todos estavam ali fazendo alguma coisa, trabalhando, encarando um bico qualquer, talvez de ambulante, talvez de ajudante de camelô.

E notei que apesar dessa miséria tão evidente, tão dramática -essas pessoas não pertenciam, seguramente, à tão falada classe C-, quase todas as mulheres, e as crianças que iam junto, tinham as unhas dos pés pintadas de esmalte colorido.

E me ocorreu que talvez seja esta a única fantasia a que têm direito.

O poder da vírgula - JOSUÉ GOMES DA SILVA


FOLHA DE SP - 02/09

Numa prova de português do ensino fundamental, ante a pergunta sobre qual era a função do apóstrofo, um aluno respondeu: "Apóstrofos são os amigos de Jesus, que se juntaram naquela jantinha que o Leonardo fotografou".

A frase, além de alertar sobre os avanços que precisamos na excelência da educação, é didática quanto aos cuidados no uso da língua portuguesa, preciosidade que herdamos dos lusos, do galego e do latim.
O erro gritante que o aluno cometeu ao confundir dois termos com sonoridade parecida foi agravado com a colocação da vírgula depois de "amigos de Jesus". Sim, pois o sinal tornou a frase afirmativa de que os apóstolos eram todos os amigos que Jesus tinha. Ou seja, uma simples vírgula colocou em xeque o que teólogo algum ousou questionar, em mais de 20 séculos, quanto ao número de seguidores de Cristo.

Aliás, observo que vírgulas usadas indevidamente têm transformado Lula no único chefe de Estado anterior à presidenta Dilma Rousseff. Há quem escreva assim: "O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, (...)". Ao destacá-lo entre os sinais de pontuação, o redator renega, por virgulação, todos os demais ocupantes do cargo desde a Proclamação da República.

Por falar em vírgula, lembrei-me de caso ocorrido numa cidade paulista. O vereador proponente lia seu "improviso" na cerimônia de outorga do título de cidadania a um professor de português. A iniciativa deveu-se ao fato de o mestre ter alfabetizado o nobre edil e outros munícipes no curso de adultos. O exaltado orador disparou: "Este grande letrista me transformou num competente palavrista, pontuador e virgolapense".

Um constrangido catedrático, ao discursar, agradeceu, mas recusou a homenagem. "Não a mereço", frisou! Em tempo: virgolapense é o gentílico do município de Virgem da Lapa, localizado no Vale do Jequitinhonha (MG).

Ao não dar explicações sobre o óbvio, o velho membro do magistério evitou a redundância, esse vício que polui

o idioma, como ilustra ato de assinatura de convênio para projeto de piscicultura numa pequena cidade do interior gaúcho. "Vamos vender nosso peixe em todos os países da Terra", bradou o prefeito, num arroubo de entusiasmo. "Questão de ordem, Excelência, mas só nos da Terra? Por que não também nos países de Marte, Vênus e até Saturno?" -ironizou o líder da oposição na Câmara Municipal.
O poder da vírgula e o das palavras é tão importante que, no passado, o artifício do veto à pontuação foi usado para mudar o teor das leis contra os interesses da sociedade.

Assim, preocupado com o nosso idioma e com a paciência dos leitores, encerro hoje um ano de modesta colaboração à Folha. Obrigado!

Os nativos estão calmos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 02/09


Pibinho não tem impacto no prestígio de Dilma, que continua a crescer até entre adversários


DE QUASE nenhuma parte se ouve crítica pesada ao governo de Dilma Rousseff, com exceção da facção mais aguerrida, "teórico-ideológica", dos economistas-padrão, e da direita ideológica, nanica.

Os inimigos internos de sua coalizão até que estão comportados, com exceção do sindicalismo público, que acabou, no entanto, domado pelo reajuste salarial sensato e pela firmeza da presidente.

O partido de Dilma Rousseff, ao menos nominalmente, está esquecido de morder, em parte petrificado pela ameaça real de cadeia. Os peemedebismos estão distraídos com a eleição. A oposição realmente existente (PSDB) inexiste.

O desempenho medíocre da economia não suscita revoltas maiores ou menores. Os nativos não estão inquietos: o povo está amaciado pelo consumo que ainda aumenta. Há mais demissões, mas tais avarias no emprego são setoriais.

A economia não cresce porque não se investe e o comércio exterior vai mal das pernas. Não será possível sustentar esse padrão por muito mais tempo, de consumo sem expansão quantitativa e qualitativa do investimento e da mão de obra, mas isso é irrelevante para a política, no curto prazo ao menos.

Dilma marcou pontos com os mais céticos ao bancar uma política econômica heterodoxa, sem lá grande visão de futuro, mas que ficou muito longe de dar com os burros n'água ("descontrole inflacionário" e outras histerias). Em vez disso, vai deixar o país com juros e dívida pública relativamente baixos. No caso dos juros, contou com a "ajuda" da conjuntura internacional (paradeira e tsunami monetário), decerto, mas apenas em parte.

Dilma descobriu tarde, mas descobriu, que precisava privatizar serviços públicos. Vamos ver resultados disso apenas a partir do final de seu governo, mas politicamente a presidente fez pontos e converteu mais "liberais" ao seu governo.

No fim das contas, apesar da problemática e evidente falta de "reformas", Dilma deve entregar um setor público com contas quase equilibradas, juro real por volta de 2% e dívida pública que é um terço da europeia ou americana. A inflação ainda será desconfortável, um problema, mas contida.

Dilma conquistou a maior parte do empresariado com juros básicos menores, muito juro subsidiado, muita isenção setorial de imposto, muito crédito de banco público, câmbio melhor e algum protecionismo.

Acelerou o programa Minha Casa, Minha Vida, para o qual a elite não liga muito, mas que alegra o povo miúdo. Os programas sociais para miseráveis continuam a se expandir e a se aperfeiçoar, assim como os planos de levar a pequena classe média e pobres para o ensino superior, coisa que causa enorme impacto entre essas pessoas.

Apesar da adoção tardia de um plano de governo (uma descoberta, não um projeto), Dilma praticamente não tem responsabilidade pelo Pibinho, que em dois anos fará uma média semelhante à dos anos FHC. Nos três primeiros anos, o crescimento terá sido pouco melhor que o dos anos fernandinos.

Mas o país vem de anos razoáveis de crescimento, distribuiu um pouco mais de renda, cuidou melhor de seus miseráveis e também dos apenas remediados.

Por ora, basta para acalmar os nativos.

Depois daquele setembro - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/09


A dívida que quebrou o Brasil em 1982 um dia teve final feliz. Foi renegociada e paga, mas essa foi daquelas histórias econômicas brasileiras cheias de emoções e reviravoltas. O Brasil teve que esperar quase 24 anos até o dia em que o Tesouro Nacional divulgou uma nota dizendo que havia terminado a “faxina” da dívida externa. Pedro Malan negociou a travessia do atoleiro.

Quando foi contraída nos anos do milagre, a dívida parecia fácil de pagar. Havia dinheiro abundante no mundo. Após setembro de 1982, ficou impagável. Ela agravou nossa amargura econômica. O país já vivia a disparada da inflação e enfrentou a recessão e a humilhação imposta pelos fiscais do FMI e dos bancos.

Nesse clima, o país festejou o fim do governo militar. A democracia recebeu como herança econômica essa crise. O presidente civil eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, disse que não pagaria a dívida com o sangue do povo brasileiro. O presidente que de fato assumiu, José Sarney, queimou o que havia de reservas e decretou moratória em 1987. Depois, retomou o pagamento, mas voltou a ficar sem dólares para honrar os juros.

Em 1991, o economista Pedro Malan foi nomeado pelo então ministro Marcílio Marques Moreira para renegociar toda aquela dívida que, com seus vários calotes, havia demolido a reputação brasileira. Éramos tratados como párias no mercado internacional. Aqui dentro, o país chegava à hiperinflação, que havia sobrevivido aos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

No dia 9 de julho de 1992, às 4h50m da madrugada, na sala de um escritório de advocacia de Nova York, dois homens se deram as mãos. Eram Pedro Malan, representante do Brasil, e Bill Rhodes, representando os credores. Devíamos a 880 bancos. O Brasil devia até ao Banco do Brasil.

Esse aperto de mãos selou o acordo, em princípio de troca de toda a velha dívida, que explodira 10 anos antes, por novos papéis. Era “em princípio” porque precisava de adesão dos bancos e aprovação do Congresso brasileiro.

Já estava em curso uma operação secreta que foi decisiva. Os novos papéis embutiam uma perda para os credores e eles fizeram uma exigência: o Brasil teria que conseguir do Tesouro americano a emissão de títulos para serem dados em garantia, para a eventualidade de o Brasil não pagar de novo. O Tesouro americano fez para o México, mas não quis fazer para o Brasil. Exigiu que o país fechasse antes um acordo com o FMI. E o Fundo exigiu que o Brasil derrubasse a inflação. Ela estava a mais de mil.

Secretamente, o Banco Central comprou títulos americanos. Quando chegou o prazo fatal o Brasil tinha o suficiente sem precisar pedir. Houve momentos de aflição na renegociação que só terminou em fins de 1994. O Senado quase rejeitou o acordo; o Banco do Brasil teve que fingir ser contra o Brasil para, juntando-se aos contrários à adesão, impedir que a ação deles na Justiça prosperasse.

Toda a velha dívida foi trocada então por sete modalidades de títulos, que eram diferentes em prazo e juros dentro do formato do Plano Brady. Em 1995, o Brasil voltou ao mercado internacional e foi bem recebido, pela primeira vez depois de muitos anos, e as emissões de bônus brasileiros atraíram mais compradores do que precisava.

A maioria dos Brady bonds da velha dívida venceria só depois de 2020. Mas já foram resgatados. O presidente Fernando Henrique recomprou uma parte, o presidente Lula recomprou o resto. E no dia 18 de abril de 2006 o Tesouro Nacional divulgou a nota informado que a “faxina” da dívida externa havia terminado. Isso, 23 anos e sete meses depois daquele doloroso setembro.

União faz a força - MERVAL PEREIRA


O Globo - 02/09


A “geografia do voto” das últimas eleições para prefeito do Rio mostra que a situação do atual prefeito, Eduardo Paes (PMDB), é relativamente tranquila para a sua reeleição, que pode ocorrer no primeiro turno.

Mas, se houver segundo turno, aumenta o risco de derrota com a união de todas as forças políticas que estão fora da aliança do governo estadual com o municipal, como quase aconteceu em 2008, quando Fernando Gabeira perdeu por muito pouco para o mesmo Paes.

Essa é a conclusão de um grupo de analistas da PUC do Rio, comandado pelo professor Cesar Romero Jacob, que lançou um e-book com a análise do comportamento dos eleitores nas eleições para presidente e prefeito no Rio e São Paulo de 1996 a 2010.

Com 150 mapas contendo a votação por zonas eleitorais, o e-book, está acessível gratuitamente na página da Editora PUC-Rio.

Para Cesar Romero, no Rio o elemento novo é que, depois de tantos anos com as forças locais em rota de colisão com o governo federal, há um pacto entre o PT nacional e o PMDB estadual.

Essa situação mudando com o governo Lula e Sérgio Cabral, é favorável a Eduardo Paes porque “há muito tempo não temos tanto dinheiro federal entrando no Rio, especialmente por conta de Olimpíadas, com a reurbanização da área portuária”.

Essa aliança nos três níveis de governo está trazendo investimentos para o Rio, e, com tantos eventos internacionais programados — Jornada Mundial da Juventude, Copa das Confederações em 2013, Copa do Mundo e Olimpíadas — tudo faz com que haja muito interesse em que esse caminho tenha continuidade, analisa o professor.

No entanto, não podemos perder de vista que as demais forças políticas, por instinto de sobrevivência (e só isso uniria Garotinho e Cesar Maia), estarão juntas na tentativa de derrotar Cabral.

Ele acha que, além do “instinto de sobrevivência”, as forças políticas opositoras não desejam que o governador detenha o poder também na capital.

E se, além disso, o candidato a prefeito é também aliado do presidente da República, o problema torna-se maior para a oposição: se o prefeito de uma capital como Rio e São Paulo for aliado no plano nacional, poderá ter muitos recursos federais, além dos tradicionais.

De acordo com os mapas eleitorais, é possível afirmar que começa a se configurar no Rio uma divisão entre a metade norte e a metade sul da cidade, que tem a ver com escolaridade e renda.

Romero Jacob chama a atenção para o fato de que a votação de Eduardo Paes é fundamentalmente na metade norte da cidade, sendo que no segundo turno de 2008 ele chegou a ter 70% dos votos em Santa Cruz, Campo Grande, Bangu. Na orla, ele não passou de 25% em bairros como Barra, São Conrado, Leblon, Ipanema, Copacabana. Fernando Gabeira chegou a 76% na orla, e, na metade norte, ele não passou de 36%.

Outro aspecto importante no Rio é a religião. A área com mais evangélicos é a metade norte do município, sobretudo a Zona Oeste popular (Bangu, Campo Grande e Santa Cruz). Já o mapa dos católicos inclui a orla, a Zona Sul, a Tijuca e a Zona da Leopoldina.

No Rio, lembra o professor, que tem um estudo sobre a influência das religiões nos votos, conta mais para evangélicos, por que a Igreja Católica já aprendeu que católicos podem ser de vários partidos, e é melhor não levar para a Igreja o que está fora dela. Ela defende valores: católicos não devem votar em quem defende aborto. Mas lembra que os evangélicos levam a política para dentro das igrejas, e isso pode interferir na votação.

Na sua avaliação, no primeiro turno vai haver uma fragmentação eleitoral. “Alguma máquina o Cesar Maia há de ter ainda. O Marcelo Freixo, do PSOL, vai ter voto no que chamo de “a grande Santa Teresa”, reduto da esquerda carioca: Laranjeiras, Flamengo, Tijuca,e Vila Isabel e Maracanã. Mas não acredito que vá ter o desempenho na orla que Gabeira teve”.

Ele adverte que não se deve esquecer que Cesar ganhou quatro eleições seguidas para a prefeitura, e que “é um bom estrategista político”. “Na verdade, é a primeira vez na história das eleições que um candidato como Paes ganha derrotando a metade sul do município. Em todas as vitórias de Cesar Maia, ele ganha com o voto da orla”.

Pais, mães e filhos - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O GLOBO - 02/08


Mesmo que o conceito de família, como se tem muito noticiado, não viesse sofrendo mudanças ocasionadas por novos valores, as descobertas da ciência imporiam - e já começaram a impor - alterações jurídicas complicadas, que a gente ainda não sabe direito em que é que vão dar. Agora mesmo, ouvi a observação casual de uma comentarista de tevê, segundo a qual o aluguel de uma boa barriga está em torno de 200 mil reais. É claro que deve haver normas e conceitos aplicáveis a essa locação e as consequências de abdicar do sonho da barriga própria também terão implicações legais.

Por exemplo, o aluguel da barriga envolve somente a obrigação de portar o feto no útero e parir, mais nada? A locadora não tem também de amamentar a criança, ou isso seria classificado como adicional de peito e pago separadamente? É válido o contrato que não garanta à criança esse direito? Incorrerá a locadora no delito de negação de peito, caso a locatária não possa arcar com as despesas extras? O preço da barriga é social e, nos casos de locatárias de baixa renda, deve ser subsidiado pelo Estado? Os custos dos cuidados pré-natais são, como as taxas de condomínio, responsabilidade da locatária? Como distinguir um mal-estar causado pela gravidez de outro, que não tenha a ver com ela? Em caso de defeito no produto final, será sempre possível diferençar um problema originado dos pais biológicos daquele advindo de alguma imprudência ou acidente de responsabilidade da locadora? Haverá seguro compulsório? Cabe indenização, cabe devolução do produto, cabe queixa ao Procon? No caso de a criança vir a ser rejeitada e oferecida para adoção, a locadora tem preferência?

Irmão de barriga será uma das novas categorias, provavelmente com a designação politicamente correta de "irmão couterino". Caberá à lei estabelecer se isso implica algum grau de parentesco, além de definir outros pontos delicados, como, por exemplo, se todos os couterinos terão direito a chamar a dona da barriga de aluguel de "mamãe", detalhe que parece simples, mas logo se vê que não é, quando se levam em conta aspectos psicológicos e de vida social. E até ocorrências triviais talvez necessitem revisão, como no caso de xingamentos, pois poderá haver discussão sobre se ambas as mães, ou somente uma delas, poderão considerar-se injuriadas, difamadas ou caluniadas, quando objeto de alguma ofensa.

Como sabem os leitores das páginas de ciência dos jornais, os avanços nessa área estão longe de limitar-se à hoje quase corriqueira barriga de aluguel. Já é possível "produzir" uma criança com material genético de um ou mais pais e/ou mães. Não sem razão, os cientistas empenhados nesse campo argumentam que, assim, podem substituir genes defeituosos que seriam herdados, por outros, de genitores excluídos desse risco. E esse interesse é suficiente para estimular a pesquisa. Teremos, portanto, mais dia menos dia, a figura de outro "co", no caso o copai ou a comãe.

Pensar nos parentescos possíveis, a partir somente disso aí, já deixa o sujeito zonzo. Dá pena do advogado formado no tempo do "mater certa, pater sempre incertus", quando uma boa ação de investigação de paternidade era uma aventura de suspense e emoção e não essa coisa sensaborona e sem arte, exame de DNA. Daqui a pouco, vai-se ver com problemas de patrimônio e sucessão antes inimagináveis. Haverá meios-irmãos por parte de pai e por parte de mãe, ou por ambos, e a confusão já começará no registro civil. Quando chegar a alguma herança, declarar-se-á um aranzel jurídico indescritível, em que vai ser difícil alguém tomar pé.

Até porque os, digamos, multiparentescos não vão limitar-se a um genitor extra em cada caso. Na verdade, não é absurdo prever-se que material genético de vários "colaboradores", de ambos os sexos, poderão vir a ser utilizados na produção ou "aperfeiçoamento" genético de um embrião humano. Ou seja, é possível que haja um filho de diversos pais e mães, uma obra coletiva, por assim falar. Não deixa de ser uma ideia curiosa e não hão de faltar comitês de amigos que se unam para perpetuar-se como grupo, na figura de um único rebento, que, para acabar de enlouquecer o advogado, usará uma barriga de aluguel. Creio já poder adivinhar que o bebê assim produzido será chamado de "poligênico", sua figura paterna será um álbum e seu Édipo terá um harém. Com toda a certeza, pelo menos uma torcida organizada criará um menino com material genético doado pelos craques do clube - e o menino receberá o nome de Cocktailson, comerá a bola desde os 5 anos de idade e passará oito minutos dedicando seu primeiro gol como profissional à família.

Finalmente, nestes tempos em que essa festinha de suspender impostos a qualquer hora vai ter que acabar e cairemos na real, é alentador ver as primeiras manifestações do que certamente será uma próspera economia, geradora de empregos e oportunidades. Em relação às barrigas de aluguel, o mínimo que se pode antecipar é a institucionalização da profissão de corretor de barriga, que deverá trazer segurança para os interessados, além de alguma ordem para um mercado que, do contrário, poderia ficar à mercê de aproveitadores e monopolistas. E serão eles os primeiros grandes clientes dos cadernos especiais que os jornais, da mesma forma que em relação a carros e imóveis, passarão a publicar, com anúncios e matérias envolvendo desde a cotação do sêmen e do óvulo de primeira até ofertas de excedentes de produção, pontas de estoque, etc. Só não creio que veiculem anúncios de um DNA com características que dificultem seu receptor vir a ser um adulto corrupto. Não há mercado, todo mundo pensa no futuro de seus filhos.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 02/09

Governo de São Paulo fará PPP para cinco hospitais e fábrica de remédio
O governo de São Paulo vai realizar parcerias público-privadas para a construção de cinco novos hospitais estaduais e uma unidade da Furp (Fundação para o Remédio Popular) que fabrica medicamentos.

"Serão erguidos hospitais em regiões que não possuem hospital público, conforme as necessidades locais", afirma o secretário estadual da Saúde, professor Giovanni Guido Cerri.

Pelas projeções, serão cerca de mil novos leitos.

Na região de São José dos Campos, dada a proximidade de estradas, há carência de centro cirúrgico de maior complexidade, voltado para as áreas de traumatologia e neurologia, afirma.

A estimativa é que tenha entre 150 e 200 leitos e custo de cerca de R$ 92,5 milhões.

O novo hospital de Sorocaba, por sua vez, será de média e alta complexidade e terá perfil semelhante, com foco em ortopedia e trauma.

Além de contar com um pronto-socorro referenciado, o novo centro cirúrgico poderá fazer até transplantes, de acordo com Cerri.

Diferentemente da unidade central que já existe na cidade, o Hospital Estadual de Sorocaba será mais periférico, com acesso fácil por rodovias.

Deverá contar com aproximadamente 250 leitos e representará um custo de R$ 154 milhões.

O terceiro prédio será o Hospital Pérola Byington, que ficará na região central da capital, possivelmente na Nova Luz. O edifício atual, na avenida Brigadeiro Luís Antônio (Bela Vista) é alugado pela Secretaria e precisa de reformulação.

Com investimentos de cerca de R$ 61,6 milhões e 200 leitos, seguirá voltado para a saúde feminina, como problemas de reprodução e decorrentes de violência contra a mulher.

Também na cidade, está previsto um centro de referência em tratamento de olhos e ouvidos, no Hospital das Clínicas, que terá cem leitos e vai custar R$ 127,3 milhões aproximadamente.

Por último, o Vale do Ribeira, provavelmente Registro, receberá um hospital com cerca de 250 leitos e aporte de R$ 154 milhões.

OFERTA DE REMÉDIO
"A nova fábrica de medicamentos populares permitirá o aumento da oferta de remédios mais baratos, além de evitar a oscilação de preço e a falta de produtos", afirma o secretário Cerri.

Em São Paulo, são gastos com remédios cerca de R$ 1,5 bilhão do orçamento anual de R$ 10 bilhões do Estado (além dos R$ 4 bilhões do Ministério da Saúde).

A expectativa é que as obras se iniciem no segundo semestre de 2013 com prazo de 24 meses para conclusão, incluindo equipamentos.

O investimento dos parceiros foi calculado em R$ 490 milhões para obras e R$ 100 milhões para aquisição de equipamentos.

Além da injeção de recursos, para o secretário, "a vantagem das PPPs é dar mais agilidade na contratação e conclusão das unidades porque são tocadas por particulares com interesse na rápida conclusão das obras. Evita processo demorado de licitações públicas."

Pelo padrão proposto, as empresas parceiras poderão explorar os serviços não relacionados à área de assistência médica, tais como limpeza, lavanderia e manutenção, por exemplo, pelo prazo de 15 anos.

"Esperamos ter pronta até final de outubro ou novembro essa modelagem, que segue formato já desenvolvido em outros países."

O modelo está em fase final de elaboração, coordenado pelo vice-governador Guilherme Afif Domingos.

O QUE ESTOU LENDO
Alexandre Gama, diretor de criação da BBH

"Leio muita poesia por razões pessoais e profissionais. Agora estou lendo 'Em Alguma parte Alguma' (José Olympio), do Ferreira Gullar. Essa forma literária é importante para o trabalho de texto que faço. Esse livro do Ferreira Gullar é para ser lido aos goles, matando a sede de surpresa que a gente tem diante da vida", diz Alexandre Gama, diretor global de criação da agência de publicidade BBH e presidente da Neogama BBH.

O publicitário começou a ler também "Made to Stick" (Random House), de Chip Heath e Dan Heath, sobre comunicação.

PRESENTE PRÉ-PAGO
Antes mesmo de começar a operar, a Vale Presente, companhia de cartões pré-pagos, já faz novas aquisições.

Adquiriu 50% do site de compras coletivas Ofertas e negocia com outras quatro empresas, diz o presidente-executivo, Rodrigo Bordes.

"A saúde financeira dos nossos investidores nos permite alçar voos além da Vale Presente." A Vale recebeu R$ 30 milhões da Mastercard no ano passado.

A ideia é formar uma holding com todas as empresas quando concluir as transações, diz Bordes. "Queremos ser a maior empresa de pré-pago da América Latina."

Quando começar a funcionar na segunda semana de setembro, a Vale Presente será a primeira a emitir cartões virtuais da bandeira Mastercard.

GOSTOSA


Cadê a torcida? - PAULO VINÍCIUS COELHO


O Estado de S.Paulo - 02/09


Quarta-feira passada, o Fluminense entrou em campo disputando a liderança contra o Corinthians e diante de apenas 7.500 torcedores. Um escândalo! Mais assustador, apenas o fato de dirigentes de todos os tipos e clubes terem na ponta da língua a sua desculpa própria, tão pronta quanto esfarrapada, para explicar o fiasco de público do Brasileirão 2012.

Hoje é dia de jogo entre o campeão de público do primeiro turno, o Corinthians, contra o dono da melhor média de ocupação de seu estádio, o Atlético-MG. O Corinthians tem o maior número de torcedores do campeonato, 24.800 por jogo, mas o Pacaembu tem em média 38% de espaço vazio. É muita cadeira sem torcida.

O Atlético é o campeão do primeiro turno e resolve melhor a ocupação de seu estádio. Tem 80% do Independência ocupado, enquanto o Flamengo enche apenas 23% do Engenhão, o São Paulo 22% do Morumbi. O Flamengo, maior torcida do País, tem público ridículo de 9.100 por partida.

O Galo resolve melhor a ocupação do Independência, mas isso pode acontecer apenas neste momento.

Isso porque o Corinthians é o único clube brasileiro que, aparentemente, entende qual será a única maneira de encher seu estádio em todos os jogos nos próximos anos: sócio-torcedor. Dependendo do pacote comprado, o sócio-torcedor corintiano ganha descontos quanto mais ingressos compra. Sabe também que só terá prioridade para comprar bilhetes nos jogos decisivos se estiver presente em um número maior de partidas comuns. É o que o fideliza em outros países do mundo.

O Atlético não faz isso. Seu plano de sócio-torcedor tem preço único de R$ 200. É caro! Se o time vai bem, o torcedor comparece, se está mal, a torcida some.

Eis o fator do qual os clubes brasileiros precisam se livrar. Na Itália, os carnês levaram mais de 30 mil torcedores a todos os jogos até começar o declínio da Série A e o pay-per-view ficar mais barato do que o ingresso de arquibancada. Na Inglaterra, o carnê é caro, mas as tribunas estão cheias sempre. Na Espanha, idem. Real Madrid x Barcelona jogaram pelo primeiro turno da liga passada, em dezembro, com 3 graus de temperatura, chuva, sábado às 22h. Tudo o que serviria de desculpa aqui. Havia 87 mil pessoas no Santiago Bernabéu. Sim, era Messi x Cristiano Ronaldo.

Na quarta-feira, não era preciso haver 87 mil, mas Fluminense x Corinthians mereciam 30 mil. Pelo menos.

Não é verdade que no passado só houvesse estádio lotado por aqui. No Brasileirão 1973, seis rodadas antes de ser campeão, o Palmeiras enfrentou o Corinthians com 16 mil pessoas. Pelo Paulista 1973, no Palmeiras x São Bento tinham 260 torcedores no Palestra Itália. A melhor media de público de qualquer torneio na história do Brasil é de 22 mil pagantes, no Brasileiro de 1983. Muito pouco comparado com os 46 mil presentes a cada partida na Alemanha.

Aqui prevalecia e continua valendo a lógica de jogo grande tem torcida, jogo pequeno não tem. Com estádios modernos, a partir do ano que vem, isso precisa mudar. Mas o conformismo segue. Percebe-se isso a cada vez que alguém diz que o público é bom, com 20 mil pessoas e 20 mil lugares vazios no estádio.