quarta-feira, janeiro 13, 2016

Pusilânime - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 13/01

Há alguns anos, 2008 ou 2009, não me lembro bem, estive na Argentina com um amigo para visitar autoridades e economistas locais. Na ocasião, no jantar com um desses economistas, meu amigo perguntou sua opinião sobre o então presidente do BCRA (banco central), Martín Redrado. Ele suspirou, olhou para nós e, caprichando no insuperável sotaque portenho, confidenciou: "Martiiiin... ¡Martin es un pusilánime!".

Não pude deixar de me lembrar disso ao ler a Carta Aberta do presidente do nosso BC ao ministro da Fazenda, explicando as razões pelo estouro espetacular da meta de inflação (10,7%, ante 4,5%, muito além dos dois pontos percentuais de tolerância). Aqueles com paciência para encarar 5 páginas e 38 parágrafos do que, em meu tempo de escola, era conhecido como "encher linguiça" podem até ficar com pena da atual diretoria do BC, que se coloca como impotente e surpresa diante do choque inflacionário, mas, se for o caso, terão sido devidamente enrolados.

A narrativa do BC é a mesma desde 2014: a inflação refletiria dois processos de mudança de preços relativos, isto é, o ajuste dos preços administrados (como energia ou combustíveis) vis-à-vis preços livres, assim como a elevação dos preços de bens afetados pelo dólar (normalmente exportados e importados) em comparação àqueles cujo preço depende essencialmente das condições domésticas (tipicamente, mas não apenas, serviços).

Diante desses choques, caberia ao BC apenas evitar sua propagação aos demais preços, por exemplo, reduzindo a demanda para que empresas não repassassem integralmente o aumento das tarifas de energia sobre o preço dos seus produtos, ou o custo das matérias-primas importadas.

Ao atribuir a culpa pela inflação de 2015 aos preços administrados, porém, o BC deixa de lado algumas informações importantes. Em primeiro lugar, deveria reconhecer que tanto em 2013 como em 2014 a inflação só se manteve dentro dos limites de tolerância graças à prática (irresponsável) de contenção artificial dos preços públicos. Sua negligência inicial no trato com a inflação se encontra, portanto, na raiz da política de controle de preços entre 2012 e 2014 e, por consequência, da necessidade do ajuste em 2015.

Já no que se refere ao efeito do dólar, vale praticamente o mesmo ponto. O BC, por meio de suas intervenções, represou o ajuste da moeda e é, ao menos em parte, responsável pela forte desvalorização do real no ano passado.

É verdade, reconheço, que o dólar saltou de patamar após o infeliz anúncio do Orçamento para 2016 e dos sinais cada vez mais claros da incapacidade do governo no que se refere ao controle de seus gastos.

No entanto, enquanto agora o BC culpa o desempenho fiscal, em todas as suas manifestações oficiais anteriores afirmara que, "no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público tende a se deslocar para a zona de neutralidade e não [se] descarta a hipótese de migração para a zona de contenção", ou seja, sem maiores críticas à política fiscal, muito ao contrário. Hipocrisia pode ser a homenagem que o vício presta à virtude, mas um pouco mais de sutileza não faria falta.

Trata-se, enfim, de um documento pusilânime, em que o BC foge da responsabilidade pelo problema que criou. Que use de mais coragem na Carta do ano que vem.

Gerentona diferentona - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 13/01

Quanto vale a Petrobras? Segundo os donos do dinheiro grosso, que negociam ações, a petroleira é aquela empresa pequena, que não tinha pré-sal, do início do século.

Uma empresa menor, de um país de economia também muito menor, mal saído de uma saraivada de crises: apagão, restos e rescaldos dos anos FHC, o medo da eleição de Lula. A vitória do PT provocaria uma desvalorização enorme da moeda, o dólar chegaria a custar mais de R$ 8 em 2002, a preços de hoje.

Feitas as contas certas, aliás, a ação da Petrobras vale muito menos do que no primeiro ano de governo de Lula, 2003.

Ontem, a empresa anunciou seus planos até 2019. Também ontem, o preço do barril do petróleo triscou os US$ 30. No mercado, se vendia ação da empresa às baciadas. De tão liquidados, os papéis preferenciais da Petrobras baixaram à casa do dólar e pouco. Nos EUA, um hambúrguer custa três ações da Petrobras.

Em termos relativos, a dívida da empresa é dez vezes a de grandes irmãs, Chevron, Exxon e Shell (trata-se aqui da relação entre dívida e a geração de caixa anual). A fim de sobreviver, a empresa tem de diminuir, vender partes, pois não consegue arrumar dinheiro bastante para bancar um mínimo de investimento e pagar suas dívidas. Não fatura o bastante e, além de tudo, está sem crédito, crédito a preço razoável.

Em resumo, a empresa corta investimentos, também em produção, e encolhe, vende ativos. Como vai sair da crise?

Tão importante quanto, como vai investir no pré-sal, supondo que os preços ainda compensem? Como a empresa vai participar de pelo menos 30% em sociedades de exploração de campos do pré-sal, tal como a lei o exige, se vive nessa penúria?

Não vai conseguir fazer nem uma coisa nem outra. O assunto ora parece algo distante e abstrato, pois o corte de investimentos em petróleo é geral. Mas, em se tratando de energia, dois, três anos são uma piscadela.

Enfim, vamos ficar mais cinco anos sem leilão de áreas de exploração do pré-sal, como de 2008 a 2013, quando os governos do PT e Dilma Rousseff se dedicavam a desgraçar o setor de energia?

A Petrobras e o setor de petróleo precisam de reforma urgente. Divirtam-se os especialistas a descobrir ou discutir em qual direção. Mas não é mais possível fingir que tudo vai se resolver, que o caso é de "business as usual". A Petrobras é importante demais para ser deixada ao método Dilma de administração, no qual, entre outros problemas, apenas se tomam decisões à beira da ruína final.

Convém sempre relembrar que tamanho desastre se deveu à lambança amadora, incompetente, irresponsável, fraudulenta e corrupta que engoliu a empresa, em especial de 2010 para cá, desde quando a dívida quadruplicou.

Mesmo que se desconte a queda de 70% do preço do petróleo, desde meados de 2014, mesmo com as desgraças sem fim da crise mundial de 2008, a Petrobras padeceu muito mais que suas grandes irmãs petrolíferas. Mais grave, não tem como reagir, tais como muitas das grandes petroleiras, livres para refazer suas estratégias.

No Brasil, a Petrobras, empresa mais importante do país, vive sob o tacão das intervenções diferentonas do governo, inspirada pela gerentona da energia, mãe do PAC e do grão-estelionato eleitoral de 2014. Até quando?

Os mascarados estão soltos - ELIO GASPARI

O GLOBO - 13/01

Marcelo Odebrecht está preso preventivamente, mas os desordeiros que barbarizaram em São Paulo foram libertados


Há algum parafuso solto no sistema nacional de manutenção da ordem pública. Marcelo Odebrecht, dono da maior empreiteira do país, completa sete meses de prisão preventiva na próxima terça-feira, e todas as 17 pessoas detidas durante as desordens ocorridas em São Paulo no início da noite de sexta-feira foram libertadas no dia seguinte. Em poucas horas, foram depredados oito ônibus e cinco agências bancárias. Pode-se dizer que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa, mas essas duas situações acontecem no mesmo país. Juntas, não fazem sentido.

Tem gente que fica feliz com a hipótese de os presos endinheirados mofarem na cadeia pelas malfeitorias que praticaram, mas não é assim que funciona a coisa. A prisão preventiva de um cidadão só se justifica pelo flagrante de delito ou para impedir que ele continue praticando um crime. Admita-se que esse é o caso para todos os empresários, políticos e espertalhões que estão presos em Curitiba e em Brasília. O mesmo deveria valer para os desordeiros.

Ao contrário do que acontecia no mundo das empreiteiras, onde as roubalheiras eram dissimuladas, a ação dos mascarados deu-se às claras e foi registrada ao vivo e em cores. A polícia de São Paulo mobilizou centenas de PMs, sua tropa de choque e veículos blindados para acompanhar a manifestação contra o aumento de tarifas de ônibus. Para quem quer dar uma manifestação de força, serviço perfeito. Durante mais de uma hora, mascarados tumultuaram o Centro da cidade. Só 17 pessoas foram detidas. É pouco, mas vá lá. O relaxamento das prisões em flagrante foi determinado pela Justiça. Uma juíza considerou inconclusivas as provas apresentadas contra os cidadãos. A força foi exibida, mas deu em nada. Das duas uma: a polícia prendeu quem não devia ou a Justiça soltou quem deveria continuar preso. Ao final das contas, não prenderam uma só pessoa com provas que a juíza considerasse irrefutáveis. Há apenas um desordeiro recolhido. Está na Fundação Casa, por ser menor de idade, e foi levado a uma delegacia na segunda-feira pelo pai policial, ao vê-lo num vídeo de quatro minutos na cena do espancamento de um PM.

A ação dos mascarados foi demorada. Num incidente, eles pararam dois ônibus, obrigaram os passageiros a desembarcar e ordenaram aos motoristas que manobrassem os veículos para que obstruíssem uma avenida. Em seguida, quebraram vidros e picharam a lataria dos veículos. A polícia é treinada para intervir em situações desse tipo e dispõe de equipamento para registrar a cena.

Um cidadão mascarado no meio de uma manifestação pacífica é pelo menos suspeito de estar ali para provocar alguma desordem. Quem já viu alguma dessas explosões de violência sabe que elas partem de grupos perfeitamente identificáveis antes, durante e depois das manifestações. Desordeiro não é ativista, nem um sujeito quebrando vidros de ônibus está manifestando uma opinião.

Se a prisão dos empreiteiros tem a virtude de desestimular futuras traficâncias, o fato de não haver um só desordeiro na cadeia torna-se um estímulo a novas violências, cuja principal consequência é a inibição de manifestações pacíficas.

Quantos e quais são os avessos de Dilma? - JOSÉ NÊUMANNE

O Estado de S. Paulo - 13/01

A sequência de medidas provisórias e a nova regulamentação da Lei Anticorrupção, que na prática anulam o sentido do prefixo, que quer dizer contra, revelou a total desistência do mínimo de pudor pelo desgoverno Dilma no findo ano de 2015. A mudança da condição de 50 anos após a morte para 10 para que se lhe permita outorgar o título de Herói Nacional a Leonel Brizola, sem motivo aparente que não o de atormentar o vivo Luiz Inácio Lula da Silva, põe em dúvida a sanidade mental de quem a promoveu. Pois sobram problemas para a chefe do desgoverno enfrentar neste grave momento e não faltava nesta hora aziaga uma decisão sem motivo sério algum em meio à recessão brutal e a um processo de impeachment, que, na verdade, mal começou.

Mas a presidente não desiste de nos surpreender e nos tem propiciado mais do mesmo em seu estilo pouco sagaz e nada sutil, sem lógica e com ousadia imodesta. Há uma semana, seu padrinho Lula lhe ocupou a agenda com oportuno jantar (à véspera de um depoimento de cinco horas à Polícia Federal). E nele exigiu dela entusiasmo e otimismo. A sucessora não se fez de rogada e convidou os setoristas do palácio para um café da manhã, sob a égide de uma exibição de falsas flores do recesso e coroado com um selfie cretino que irradia, do lado dela, um absurdo desconhecimento da gravidade da crise e, do ângulo dos encarregados da cobertura da Corte desapegada aos fatos, um grau similar de alheamento brechtiano da realidade.

O pessedista pernambucano Thales Ramalho cunhou a expressão flores do recesso para definir o truque de políticos espertos de irem a Brasília nas férias para ocuparem tempo e espaço – às vezes com destaque – nos meios de comunicação revelando fatos irrelevantes que no cotidiano do quadro político não tinham como merecer importância. Lula mandou Dilma ser irrealista, ela obedeceu e os repórteres pareciam dizer, sem ligar a mínima para seu público, assolado por falências e desemprego: “Se fui pobre, não me lembro”.

Os semblantes deslumbrados de Dilma com o poder que se esvai e dos jornalistas com a proximidade da glória efêmera e rara contrastam com as notícias da planície, que são de fazer chorar. No congraçamento pré-carnavalesco em pleno recesso da recessão, a presidente festejou vitórias eventuais e inconsistentes no processo do impeachment. Mas, entrementes, o anúncio da inflação de 10,67% em 2015, a mais alta desde 2002, é a pior de uma série de notícias ruins, como o retorno de 3,7 milhões de pobres da classe C às classes D e E. E desolador é que, no “país do futuro” (apud Stefan Zweig), o desemprego de patrícios entre 15 e 24 anos deve ter sido de 15,5% em 2015 – maior do que a média mundial no ano, de 13,1% .

A maior novidade contada por ela agrada a pouquíssimos: deverá reunir-se no café com setoristas em 2017, porque o profeta Lula de Caetés, o vice Temer, que se refestela no poder à sombra, e Madre Marina acham que o impeachment morreu, mas não foi enterrado. As exéquias são previstas para depois do carnaval, época em que a Quarta-Feira de Cinzas terá ares de terça-feira gorda. Ao menos nos salões do palácio onde o escárnio vira orgia do acinte a desafiar cidadania e República, corroídas pelos ratos.

Ninguém achou um só deslize que ponha sob suspeita sua honra pessoal – repete Dilma. Não lhe falem no rombo das propinas da Petrobrás, na capivara de sua protegida Erenice Guerra nem nas dúvidas sobre o comportamento do fiel Walter Cardeal, diretor da Eletrobrás. Para limpar as fichas dos espíritos santos de orelha Jaques Wagner e Edinho Silva madama conta com o pretexto do “vazamento seletivo”, agora comprometido pelo destaque à citação de Fernando Henrique na delação de Cerveró. E com o beneplácito alugado do baixíssimo clero (nas profundezas de pré-sal) da Câmara, liderado por Leonardo Picciani. Só não dá mais é para soltar o líder Delcídio “do” Amaral.

Palavras impressas em papel não têm como ser fiéis a mais uma confissão de probidade feita pela presidente naquele repasto. A frase “tenho clareza de que tenho sido virada dos avessos” é um exemplo cabal da desconexão entre seu discurso e os dicionários existentes. Quantos e quais são os avessos de Dilma? Terá ela mais de um avesso (o lado oposto ao dianteiro) ou quis dizer às avessas (ao revés)?

É impossível adivinhar onde encontrou o plural de uma palavra singular para se eximir da evidência de que deixou tanta gente roubar tanto sem nunca ter percebido. Não dá para entender tal sentido oculto na leitura, ainda que atenta. Para isso há que assistir às pausas súbitas, às sílabas atropeladas e aos aflitos apelos à compreensão dos interlocutores. E isso só é possível vendo-a e ouvindo-a na televisão. O jeito de dizer a frase sem nexo importa mais do que a falta de nexo de sua fala. Pois denota o cansaço desesperado que Dilma expõe ao repetir infindas vezes algo que considera óbvio, mas não consegue comprovar e assim convencer quem tente, sempre em vão, ouvi-la e entendê-la. Da outra ponta da linha, assediado de todos os lados pela crise, o pobre brasileiro só pode ficar mais exausto e mais desesperado do que ela própria.

Dilma disse ainda que ninguém devia aposentar-se aos 55 anos. “Nós estamos morrendo menos. E os jovens estão nascendo mais”, justificou-se. Estas patacoadas estão à altura da transmissão da tríplice epidemia pelo ovo do mosquito, da glorificação da mandioca e da sagração da mulher sapiens. Não querem dizer nada e nada indicam. São somente novas pérolas da língua particular de Sua Excelência, tratada comme il faut por Celso Arnaldo Araújo no livro O Dilmês. Criará um ministério para traduzi-la?

Após ouvir que a CPMF é um problema de saúde pública, o contribuinte a ser assaltado entende perfeitamente que terá de pagar pelo 2016 feliz que Dilma se almeja. Pois sabe que só lhe restará pagar a conta de um problema de saúde pública sem jeito: o desgoverno dela.

Repensar a política - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 13/01

Essas mudanças de partidos, um troca-troca interminável, muitas apenas previstas, mas tantas outras concretizadas, são a evidência cristalina de que precisamos urgentemente tratar de uma reforma que obrigue os políticos a se darem o respeito que deveriam merecer por serem representantes do cidadão brasileiro. Mas eles pensam primeiro em seus interesses pessoais, e trocam de siglas como se elas fossem aquelas peças de tamanho único que servem para todos os tipos de pessoas.
Os potenciais candidatos à presidência, por circunstâncias específicas ou mero arranjo político de ocasião, passaram por diversos partidos, não sendo incomum que um mesmo político tenha participado de nada menos que oito siglas, ou até mais, durante sua carreira política, muitas delas conflitantes entre si.
Os mais coerentes são os do PT e do PSDB, não por acaso as duas siglas que polarizam a política nacional. Mas, nos bastidores, há movimentos por parte de potenciais candidatos tucanos para abrir mão da coerência por acertos partidários heterodoxos que viabilizem suas candidaturas.
Não é possível discutir sistema político sem colocar um controle institucional na criação de partidos, que se transformou em um dos melhores negócios da política. É inconcebível que candidatos a presidente da República em quase todas as eleições, como Levy Fidelix do PRTB, ou Eymael do PSDC, simplesmente desapareçam do noticiário político nacional depois das eleições, para apenas retornar em novas eleições ou em propagandas oficiais no tempo gratuito que a legislação partidária lhes oferece, com uma boa verba anual do fundo partidário com dinheiro público.
O surgimento de partidos políticos esdrúxulos como o Partido da Mulher Brasileira (PMB), que não tinha nenhuma deputada ou senadora no seu lançamento, é sintoma de um sistema partidário exaurido, que já conta com 35 partidos políticos atuando no Congresso, a maioria deles sem representatividade nas urnas, vários compostos de deputados e senadores que ficam zanzando de um partido para outro nas brechas da legislação, vendendo literalmente seus tempos de televisão.
O cientista político Sérgio Abranches em recente estudo sobre o nosso sistema político que ele batizou de “presidencialismo de coalizão”, adverte que não basta apenas “rever o mecanismo de voto em si, é preciso repensar as campanhas eleitorais, para deixar de serem uma batalha caríssima entre marqueteiros que escondem, em lugar de expor os candidatos”.
Essa característica das nossas campanhas eleitorais, que se tornam cada vez mais caras, é uma das razões da deterioração de nosso sistema político: “Campanha deve expor os candidatos ao escrutínio persistente do eleitorado, informá-lo adequadamente sobre as intenções, valores e capacidades dos candidatos, para fazerem uma escolha informada”.
Se o debate fosse em torno de programas partidários, e a coalizões se fechassem a partir deles, seria mais difícil praticar o estelionato eleitoral que se tornou habitual em nossa política. Para Sérgio Abranches, “os mandatos devem estar sujeitos à renovação por algum tipo de recall e algum mecanismo de convocação de eleições antecipada”.
O erro original foi o Supremo Tribunal Federal ter barrado a instituição das cláusulas de barreira, que haviam sido instituídas 10 anos antes justamente para que os partidos pudessem se preparar para adotá-las. Poderíamos ter quantos partidos políticos quisessem fundar, mas apenas uma parte deles – no máximo 10 – estaria em condições de exercer atividades congressuais, e de usar o fundo partidário, pela votação recebida.
As coligações teriam uma lógica interna menos sujeita a questões circunstanciais, e os programas partidários ganhariam maior importância para representantes e representados.

Operação de salvamento de empreiteiras da Lava-Jato - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/01

Chamada de ‘presente de Natal’, a MP 703, assinada em dezembro, permite acordos de leniência com empresas sem que elas sejam obrigadas a fazer revelações


A medida provisória 703 tem sido chamada, com propriedade, de “presente de Natal” do governo Dilma às empreiteiras investigadas pela Lava-Jato. Baixada no dia 18 de dezembro, não por acaso quando o Congresso entrava em recesso, a MP altera dispositivos da Lei Anticorrupção, para facilitar os chamados acordos de leniência, pelos quais as empresas contribuem nas investigações de delitos e, em troca, podem voltar a participar de licitações públicas e deixam de receber qualquer outro tipo de punição na esfera administrativa.

Com todas as características de ter sido engendrada na Advocacia Geral da União (AGU), muito ativa na defesa da presidente Dilma, a MP produz o truque de centralizar no Executivo — na própria AGU e na Controladoria Geral da União — a condução dos acordos de leniência. Alija o Ministério Público das negociações com as empresas, assim como o Tribunal de Contas da União (TCU), organismo do Congresso.

De forma clara: quem passa a lavrar os acordos é um governo interessado em que não se avance nas investigações do esquema lulopetista que saqueou a Petrobras e agiu em canteiros de obras de outras estatais (Eletronuclear, por exemplo).

O argumento oficial, repetido pela presidente Dilma — “deve-se punir CPFs, mas não CNPJs" —, para preservar empregos, é exemplo perfeito da “quase lógica", método muito usado pelo ex-presidente Lula para justificar atos lógicos apenas na aparência.

É indiscutível que as empresas devem ser ao máximo preservadas, mas não podem servir de escudo a acionistas criminosos. Tudo deve ser feito para que não se protejam em nome da “manutenção dos empregos", o que facilitaria o crime continuado.

O Proer (Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), criado na época do Plano Real para sanear o sistema bancário, viciado nos ganhos ilusórios da inflação, serve de modelo: bancos foram preservados, mas acionistas entraram com o patrimônio pessoal para ressarcir danos. A ponto de terem de repassar o controle da pessoa jurídica. Não pode tudo ficar por isso mesmo.

A MP 703 — que o Congresso precisa rejeitar — cria o que os americanos chamam de “risco moral”: quando empresários e investidores deixam de temer perdas patrimoniais, degradam a administração das empresas e desestabilizam o próprio sistema capitalista, cuja base, entre outras, é premiar o mérito e punir o erro.

A medida provisória, denunciam procuradores da Lava-Jato, permite que sejam feitos acordos no atacado com as empreiteiras, sem a exigência de que cada uma contribua com informações inéditas nas investigações. Grave retrocesso.

A MP 703 desconstrói de vez o discurso da presidente Dilma de que é fiel combatente na luta anticorrupção. Pois a medida provisória vai em direção inversa.


No reino da corrupção - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 13/01

O governo de Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente Lula e o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, surgiram com destaque ontem no noticiário político dos principais jornais brasileiros, por conta de revelações feitas pelo ex-diretor da área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró. Durante o governo FHC, afirma Cerveró, a venda da petrolífera argentina Perez Companc para a Petrobrás envolveu propinas num total de US$ 100 milhões. A informação é imprecisa, de ouvir dizer. Não identifica funcionários corruptos, ficando em generalidades.

Já as denúncias que se seguem são de primeira mão, testemunho direto das bandalheiras que Cerveró protagonizou durante sua permanência na Petrobrás e sua subsidiária. Em 2008, depois de ter sido afastado da Diretoria Internacional da estatal, Cerveró revela que foi nomeado por Lula, atendendo a “um sentimento de gratidão do PT”, para uma diretoria da BR Distribuidora. Finalmente, Cerveró informa que em 2012 foi convocado ao gabinete do senador Renan Calheiros, que reclamou da falta de repasse de propina acertada com a direção da BR Distribuidora e, em outro encontro, indicou “negócios” que poderiam render propina “mais substancial”.

A história da compra irregular da petroleira argentina pela Petrobrás é a única que não provém de delação premiada de Cerveró. Ela é parte de um resumo das informações que ele prestou à Procuradoria-Geral da República (PGR) antes de fechar seu acordo de delação e consta de documento apreendido pela Polícia Federal no gabinete do senador Delcídio Amaral. Ninguém sabe explicar como o senador, ex-líder do governo, hoje preso, teve acesso a esse documento da PGR. Deve ser um dos “vazamentos seletivos” de que o governo e o PT tanto se queixam.

Sobre o “sentimento de gratidão” que levou Lula a nomeá-lo para a Diretoria de Finanças da BR Distribuidora, Cerveró explica, conforme publicado pelo Valor e pela Folha de S.Paulo, que foi uma compensação pelo fato de ele ter sido exonerado da Diretoria Internacional da Petrobrás por pressão do PMDB, que colocou em seu lugar Jorge Zelada, também posteriormente preso pela Lava Jato. A gratidão dos petistas se deveria ao fato de Cerveró ter comandado a operação de “quitação” de um empréstimo feito pelo Banco Schahin ao PT, com o aval de José Carlos Bumlai, o pecuarista amigo de Lula que tinha livre acesso ao Palácio do Planalto. Desse empréstimo, R$ 6 milhões destinavam-se a comprar o silêncio de um empresário da região do ABC que estaria fazendo chantagem com os petistas. Ou seja, o caso remete ao episódio do assassínio do prefeito Celso Daniel, ainda não suficientemente esclarecido. A “quitação” do empréstimo foi feita, sob a responsabilidade de Cerveró, com a contratação da Schahin Engenharia, por US$ 1,6 bilhão, para a operação de um navio-sonda da Petrobrás.

Consta ainda desse capítulo da delação de Cerveró que em 2009 o então presidente da BR Distribuidora, José Eduardo Dutra, falecido em 2015, teria recebido do presidente Lula “a missão de participar do ‘esvaziamento’ da CPI” que investigava a maior estatal brasileira.

A soma dessas informações reitera as graves suspeitas de envolvimento do Palácio do Planalto – ou seja, de Lula – e de destacadas lideranças políticas, como a de Renan Calheiros, no maior escândalo de corrupção da história da República. Até porque seria impossível um escândalo dessas proporções sem a conivência do primeiro escalão do governo.

Lula e a tigrada petista não inventaram a corrupção. Apenas aprimoraram os desvios de conduta que até então combatiam, elevando-os à condição de método político. O “presidencialismo de coalizão” que permitiu a formação de uma base de apoio parlamentar ao governo de amplitude sem precedentes, da qual Lula sempre se gabou, foi sustentado pelo mais rasteiro fisiologismo, pela descarada transformação do Congresso Nacional em balcão de negócios. Essa “aliança” espúria, que se manteve enquanto o governo tinha o que oferecer em troca de apoio parlamentar, desmilinguiu-se aos primeiros sopros do desastre econômico e político provocado pela irredimível incompetência de Dilma Rousseff, uma chefe de governo que, apesar da honestidade pessoal que proclama, em seis anos de mandato fez contra a corrupção pouco mais do que discursos.

Impasse na Venezuela denuncia golpe político - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/01

Judiciário chavista anula medidas do Legislativo, que se recusou a acatar a impugnação de deputados da oposição. Governo afronta decisão das urnas


Uma semana após a posse da nova Assembleia Nacional da Venezuela, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) considerou seu presidente, Henry Ramos Allup, em desacato e anulou as medidas aprovadas ou em discussão pela Casa até agora, entre elas, a lei de anistia que poderá beneficiar cerca de cinco mil exilados e presos políticos do governo de Nicolás Maduro. O impasse está na decisão do presidente da Assembleia de dar posse a três deputados da oposição impugnados pelo TSJ sob a acusação de fraude. Para a oposição, a impugnação é irregular e a posse dos deputados, garantida pela Constituição.

Adotada por um tribunal aparelhado, de ampla maioria chavista, a impugnação tem implicações políticas graves, uma vez que cassa da coalizão de oposição Mesa de Unidade Democrática (MUD) o número de parlamentares necessários para uma maioria qualificada de dois terços (112 deputados). Ou seja, obrigaria o Executivo a fazer o jogo democrático e dialogar com o Parlamento. Mais do que um choque entre os poderes Legislativo e Judiciário, a decisão do TSJ significa um golpe contra a vontade popular expressa nas eleições.

É crescente o descontentamento da população diante de uma economia falida e um projeto político que se esfarela diante da realidade e, mesmo assim, tenta a qualquer custo se perpetuar no poder. Não têm sido poucas as medidas para inviabilizar na prática o resultado das urnas e minar o campo de ação do Legislativo. Entre elas, estão a criação de um parlamento comunal paralelo à Assembleia e a redução do poder dos deputados de aprovarem nomeações para órgãos e agências governamentais. Além disso, em dezembro, no fim do ano legislativo, a velha Assembleia Nacional aprovou a renovação do TSJ, substituindo 13 dos 32 magistrados por nomes comprometidos com a “revolução bolivariana”.

Apoiada na legitimidade das urnas, a oposição promete enfrentar o Judiciário. Ramos Allup, que foi insultado por militantes chavistas no domingo, quando fazia compras no supermercado, afirmou que “não dará um passo atrás”. Segundo ele, o Legislativo tem pressa e não pode ficar paralisado diante do TSJ.

Preocupa o rumo que vai tomando o impasse entre os poderes na Venezuela, sobretudo ao se considerar os antecedentes do governo Maduro, denunciado várias vezes por violações de direitos humanos. Também são motivos de apreensão os sinais de divergência entre membros da oposição. No passado recente, tais divisões custaram caro à democracia venezuelana.

O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, divulgou nota ontem exortando que seja respeitado o equilíbrio institucional de poderes na Venezuela, sobretudo após a manifestação da população por meio do voto.

Espera-se que o Brasil, que recentemente deu sinais de que, enfim, está abandonando uma postura de conivência silenciosa, reforce o apelo da OEA.