segunda-feira, maio 14, 2012

De que ri a senhora Cachoeira? - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


Andressa Mendonça não vai posar para a Playboy. Pelo menos por enquanto. Ela recusou o convite da revista. "Meu papel, neste momento, não é esse", disse a mulher de Carlinhos Cachoeira em entrevista ao jornal O Globo. Qual seria o papel de Andressa neste momento? Aparentemente, algo um pouco mais obsceno que vender sua nudez graças à prisão do marido: rir. Quando ela disse que "o Cachoeira é uma pessoa encantadora", a repórter perguntou: "Por isso encantou tanta gente?". Andressa concluiu seu striptease mo­ral com uma risada: "Acredito que sim".

A musa dos caça-níqueis também riu ao dizer que não daria "esse gostinho" (expor sua nudez) e que deixaria "só para o Cachoeira", com quem está há nove meses. A graça que Andressa vê nas coisas a sua volta traz a dimensão pornográfica que faltava ao caso do bicheiro. Não pode haver nada mais obsceno que as risadas da senhora Ca­choeira no centro de um dos maiores escândalos políticos brasileiros. Nin­guém precisa tirar a roupa.

Fora um eventual deficit cognitivo da moça, o que será que lhe inspira tama­nha tranquilidade e senso de humor? Não se sabe. O que se sabe é que ela diz estar confiante no doutor Márcio Tho­maz Bastos, advogado de Cachoeira e também, coincidentemente, de Lula. Depois dos indícios de que, além de privatizar o senador Demóstenes Torres, o bicheiro é dono de coisa maior - incluindo um bom pedaço do PAC -, os altos círculos da República parecem conspirar pela paz interior de Andressa.

Romântica, a emergente dama do Cerrado lamenta não ter podido ver o parceiro no dia de seu aniversário. Mas con­ta que deixou na penitenciária um cartão em que escreveu "coisas lindas de uma mulher apaixonada': O enredo policial não a constrange, e isso lhe dá confiança para dizer ao ser amado que tudo é "apenas uma turbulência da vida". "Quem não passa por isso?", diz a loura de 28 anos, convencida da normalidade da situação. E emenda o argumento definitivo:
"Quem está livre de ser preso?".

Ninguém. Qualquer pessoa de bem, que pague em dia seus deputados e senadores, pode ter o azar de acordar um dia vendo o sol nascer quadrado. São as fatalidades da vida. Nessas horas, não adianta desespero. Melhor pensar em coisas boas, como o Supremo Tribunal Federal (STF). Certamente é um alento para a jovem Andressa Cachoeira lembrar o bando do mensalão, que também pagava regiamente seus parlamentares - e encontrou no STF um calmante para suas angústias. Quando o ministro revisor avisa, sete anos depois, que não sabe se vai dar tempo de julgar os mensaleiros - e de evitar a extinção de seus crimes -, o que mais pode fazer a mulher do bicheiro preso, além de rir?

O Supremo é uma inspiração para todas essas pessoas que não estão livres de ser presas. Ponha-se no lugar de alguém cujas negociatas, por acidente, foram grampeadas e que foi em cana. Imagine o alívio de olhar para a mais alta corte e ver juízes batendo boca como adolescentes, a ponto de um dizer para o outro que ele é "brega" por­que "nunca curtiu (a banda) The Ink Spots". Ou assistir aos mais altos magistrados dando gritos populistas, tipo "Viva o país afrodescendente!", para agitar a bandeira racial dos padrinhos. Um bem-sucedido empresário da contravenção não pode levar isso a sério.

Por essas e outras, assim como sua amada, Carlinhos Cachoeira também dá risadas. "Eu contei do convite (da Playboy), e ele gostou, morreu de rir." Portanto, quem achou que o bicheiro estava chateado com a fatalidade de sua prisão agora fica sabendo que ele anda até gargalhan­do. Cachoeira confia nas instituições. Especialmente na­quelas que o consideram uma pessoa encantadora, como explicou Andressa.

A missão da CPI é decidir quem vai rir por último. Ca­choeira é homem bomba. Se parar de rir, explode. "Tenho certeza de que ele não quer prejudicar ninguém", disse a primeira-dama, num simpático recado à clientela: salve sua pele salvando Carlinhos - tratar com o advogado de Lula.

Andressa Cachoeira planeja o casamento para breve, quando seu príncipe sair do xadrez. Cada povo tem o con­to de fadas que merece. Ou os brasileiros saem às ruas para incendiar a CPI e explodir o homem bomba ou serão todos súditos da rainha risonha do bicho.

Comissão da Verdade - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 14/05

Causou certo desconforto em alguns ministros do STJ a indicação do colega Gilson Dipp para integrar a Comissão da Verdade. Nada pessoal, claro. É que a Lei Orgânica da Magistratura vedaria tal atuação a juízes em atividade, pois este tipo de causa pode ser julgada no STJ.

Até aí eu fui

De todos os membros da Comissão da Verdade, o mais ligado ao PT é, como se sabe, a psicanalista Maria Rita Kehl. Ainda assim, ela é crítica do partido em vários episódios, inclusive no caso do mensalão.

Tem boi na linha

Henrique Meirelles, pelo que se diz no Palácio, conversou com Lula sobre a compra da Delta pela JBS, empresa de gado. Talvez achasse que bastava falar com o ex-presidente para tocar o negócio. Avaliou errado. Dilma foi surpreendida pelo anúncio nos jornais e nunca deu aval ao esquisito casamento.

Boletim médico

Oscar Niemeyer, 104 anos, o gênio do traço, saiu do CTI e, agora, está em um quarto no Hospital Samaritano, no Rio.

No mais

Por falar em Gilson Dipp, vem em boa hora a proposta da comissão de juristas que ele preside, de revisão do Código Penal, que prevê a condenação de empresas envolvidas em corrupção. Eu apoio.

Betto eterno
Frei Betto, 67 anos, autor de 53 livros, iniciou ontem seu depoimento ao CPDOC, o rico arquivo de memória nacional da FGV. Gravou o dia todo. O acervo já conta com 2 mil depoimentos de brasileiros considerados históricos.

O TÚNEL REBOUÇAS, que liga as zonas Norte e Sul do Rio, ganha hoje um novo sistema de sinalização: o X-Seta, que informa aos motoristas se os trechos à frente estão liberados ao trânsito (com uma seta verde) ou interditados (com um X vermelho). Ao todo, foram instalados 42 blocos de sinalização. Nas galerias entre o Cosme Velho e a Lagoa, a distância entre eles é de 500 metros. Já nas galerias na altura do Rio Comprido, é de 250 metros. É mais uma medida da CET-Rio para melhorar o fluxo do trânsito na cidade

Bacha na geral
Do tricolor Edmar Bacha, fazendo coro com Abel Braga, do Flu, campeão estadual ontem, que criticou o fato de o time ter ficado em 1º lugar na fase inicial da Taça Libertadores e só pegar pedreira agora (Inter e Boca): — Sugiro outro critério. O 1º lugar escolhe, entre os classificados, com quem quer jogar nas oitavas de final. Depois, o 2º escolhe. E assim por diante. É. Pode ser.

CD do Rock in Rio

A MZA, gravadora dos produtos do Rock in Rio, lança em julho CDs/DVDs dos shows de Titãs, Detonautas, Frejat, Skank, Jota Quest e Capital Inicial na última edição do festival. E deve lançar ainda este ano o ao vivo “Concerto sinfônico Legião Urbana”.

Racha no brizolismo

Vivaldo Barbosa e José Maurício, ex-deputados e fundadores do PDT, vão deixar o partido.

Cabelo cresce
O Instituto Beleza Natural, rede de salões especializada em cabelos crespos, ou “toinhoinhoim”, como se diz em Morro Agudo, cresce sem parar. Com 17 filiais no Rio, Espírito Santo e Bahia, vai abrir mais duas no segundo semestre — uma no bairro carioca Cachambi, outra em Campos, RJ, num investimento de R$ 2,5 milhões.

Aliás...

A meta da rede é bater, em 2012, a marca de 1 milhão de atendimentos.

Dono do chumbo

O juiz Március da Costa Ferreira, da Auditoria Militar, aceitou nova denúncia do MP contra o cabo Sérgio da Costa Júnior. Ele, um dos denunciados pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli em 2011, é acusado agora de desviar da PM projéteis usados na execução da magistrada.

Nos trilhos

Até setembro, o ramal de trens Deodoro, no Rio, estará funcionando apenas com trens novos. Por ali, passam 250 mil pessoas por dia.

Para concluir

Viva o Fluminense! Salvo porque logo após a conquista de ontem os jogadores vestiram uma camisa alusiva ao título com a inscrição: “All Rio All win” (algo como: “Todo Rio, todos ganham”). Só que “All Rio All win” é o cacete. Com todo respeito.

OS FATOS SÃO TEIMOSOS - ENTREVISTA COM EX- PROCURADOR ANTONIO FERNANDO DE SOUZA


REVISTA VEJA

HUGO MARQUES

Em 2006, o então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, transformou em réus quarenta petistas e aliados. Eles operavam o que foi caracterizado na denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal de "sofisticada organização criminosa", encabeçada pelo ex-ministro José Dirceu. Agora, com a proximidade do julgamento, o ex-chefe do MInistério Público afirma que a tentativa de negar a existência do mensalão é uma afronta à democracia.

O senhor sofreu pressão para não apresentar denúncia do mensalão? Não. MInha postura reservada sempre inibiu qualquer atitude desse tipo. Nunca assumi nenhum compromisso com as autoridades que me procuraram. Fiz meu trabalho da forma mais precisa e célere possível. Tinha 100% de convicção formada. Conseguimos fazer a relação entre os fatos e montamos o quebra-cabeça do esquema, tudo em cima de documentos, de provas consitentes.

O PT tem se dedicado a difundir a versão de que o mensalão não passa de uma farsa...
 Chamar esse episódio de farsa é acusar o procurador-geral e os ministros do Supremo de farsantes. Dizer que aqueles fatos não existiram é brigar com a realidade, é querer apagar a história. Esse discurso não produzirá nenhum efeito no STF. Os ministros vão julgar o processo com base nos autos. E há inúmeras provas de tudoo o que foi afirmado na denúncia. Depoimentos, extratos bancários, pessoas que foram retirar dinheiro e deixaram sua assinatura.

O senhor se sente incomodado com isso? Na democracia, todas as pessoas estão sujeitas à fiscalização, ao controle, à responsabilização, e há órgãos dispostos a isso. Não serão os partidos políticos nem seus dirigentes que vão dizer o que é crime e o que não é crime. Quando eles querem transmitir um ar de que não aconteceu nada, estão indo para o reino da fantasia. Negar a existência do mensalão é uma afronta à democracia.

Como o senhor vê as afirmações do atual procurador-geral, Roberto Gurgel, de que está sofrendo ataques de mensaleiros com do julgamento? 
Se ele fez essa acusação, preciso admitir que tem elementos para justificá-la. A CPI está se preocupando com um assunto que não tem relevância para o seu trabalho. O procurador-geral avaliou que a Operação Vegas não produziu evidências suficientes para pedir indiciamentos, mas não arquivou o inquérito - inclusive a pedido da Polícia Federal - para não prejudicar o andamento das investigações da Operação Monte Carlo. E a estratégia se mostrou bem-sucedida.

Está comprovado que o PT utilizou dinheiro público no mensalão? Quem vai fazer esse juízo é o Supremo. Da perspectiva de quem fez a denúncia e acompanhou o processo até 2009, digo que existe prova pericial mostrando que dinheiro público foi utilizado. Repito: há prova pericial disso. E o supremo, quando recebeu a denúncia, considerou que esses fatos têm consistência.

O ex-ministro José Dirceu afirma que o senhor o apontou como chefe de uma organização criminosa para se vingar do fato de ele nunca tê-lo recebido na Casa Civil. 
Nunca tive nenhuma interesse em falar com ele. A minha escolha como procurador-geral foi feita pelo presidente da República. Uma denúncia é formalizada somente se há elementos probatórios sobre uma conduta criminosa. Sentimentos pessoais não entram em jogo. Tudo o que se fala em relação à conduta dessa pessoa tem se revelado verdadeiro na prática. Reduzir uma denúncia dessa gravidade a uma rusga do procurador-geral é quase risível.

Como o senhor vê essa tentativa de usar a CPI para desviar o foco do julgamento do mensalão?
 É normal que quem está denunciado fique tenso às vésperas do julgamento. O julgamento no Supremo Tribunal Federal é uma decisão definitiva. Vivemos num país democrático, num estado de direito. O Supremo jamsi faria um justiçamento, vai fazer um julgamento. Tem prova, tem condenação; não tem prova, não tem condenação".

O que o senhor achou da iniciativa de alguns parlamentares de tentar usar uma CPI para investigar a imprensa? A imprensa não faz processo penal, a imprensa dá a notícia, dá a informação. Parece mais um meio de desviar a atenção do inquérito fundamental.

Os acusados tentam reduzir o caso a um crime eleitoral. É uma boa estratégia? A referência que fazem é que a movimentação de dinheiro tinha origem em caixa dois de campanha. Do ponto de vista ético e jurídico, isso não altera nada. Quando há apropriação do dinheiro público, não é a sua finalidade que vai descaracterizar o crime. No processo do mensalão, temos imputação de crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, ativa, peculato, evasão de divisas, quadrilha, falsidade ideológica. Crimes assumidamente confessados. Eles não podem deixar de admitir.

O governo passado indicou a maioria dos ministros que, agora, vão julgar muitos de seus aliados. Isso pode influir de alguma maneira no resultado? Uma pessoa, quando aceita ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, sabe das responsabilidades que tem e vai cumpri-las. Toda a sociedade espera um julgamento justo e correto. Que esses processo sirva para o amadurecimento da democracia

Novo obstáculo - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 14/05/12


Vetar um projeto de lei e editar uma medida provisória em seu lugar para repor o que o governo deseja ainda vai dar o que falar no Supremo Tribunal Federal. E essa discussão esquentará quando Dilma vetar o Código Florestal


A presidente Dilma Rousseff ainda nem anunciou o que fará a respeito do Código Florestal aprovado pelo Congresso e as excelências já põem uma nova polêmica na Praça dos Três Poderes: se é válido o Poder Executivo anular o que foi feito pelos parlamentares e, no lugar do que foi anulado, editar uma medida provisória para repor o que considera correto. Por exemplo, alguns dizem o seguinte: suponhamos que os parlamentares tenham aprovado uma lei dizendo que o lindo pôr do sol de Brasília é vermelho. Aí, vem o chefe do Executivo, seja homem ou mulher, veta essa lei aprovada pelo Congresso e edita uma medida provisória, que tem força de lei, para definir que o pôr do sol é lilás.

Ok, o exemplo aí de cima não é lá essas coisas nem vai acontecer algo assim. Mas, em outras palavras, é mais ou menos isso mesmo que os chefes do Executivo andam fazendo de uns tempos para cá. A Constituição não proíbe esse tipo de coisa. Ao se referir às matérias sobre as quais não cabe a edição de medidas provisórias, não trata desses casos específicos. O assunto vai dar polêmica. O artigo 62, em seu parágrafo primeiro, inciso IV, diz que não cabem MPs sobre matéria “já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do presidente da República. Ou seja, Dilma deve primeiro vetar o que receber do Congresso e publicar os vetos para, depois, editar uma medida provisória a respeito.

Por falar em polêmica…
Não se enganem. Se Dilma vetar as partes do texto que os deputados repuseram na última votação sobre o Código Florestal — e, ao mesmo tempo, editar uma medida provisória repondo o que foi decidido pelos senadores —, é bem capaz de os ruralistas seguirem em bloco para o Supremo Tribunal Federal (STF). E não sem razão, uma vez que o Supremo está aí para dirimir dúvidas e impasses em relação ao texto constitucional e outros quesitos.

Nesta segunda-feira, por exemplo, a bola está com o ministro Celso de Mello. Cabe a ele decidir se Carlos Cachoeira, que a esta altura do campeonato já dispensa apresentações, deve ou não comparecer à CPI que investiga o bicheiro e suas relações com as autoridades públicas. Concordo com o deputado Luiz Pitiman quando ele fala da simbologia da presença de Cachoeira como fundamental para que a CPI retorne aos trilhos. E tem mais: hoje, o sujeito pode ir e ficar calado para não gerar provas contra si. Essa moda, que ainda não era adotada nos tempos da CPI PC-Collor, obrigou muitos a falar por ali. Se agora os sujeitos não precisarem mais nem comparecer, as CPIs vão perder mais força ainda.

Por falar em força
Essa história de marcar depoimento em fase inicial de CPI tem apenas a função de promover um evento, uma imagem para as emissoras de tevê, jornais e revistas. Para dizer que a CPI é forte, chama delegado e coisa e tal. O que esse pessoal da CPI deveria mesmo fazer era estar na tal sala secreta lendo tudo o que tem de documentos. Em outras palavras, estudar, fazer o dever de casa. Quem sabe, inspirados por ontem, Dia das Mães, eles se lembrem daquelas que sempre recomendam aos filhos que aproveitem a semana para estudar. Aí sim, informados, podem chamar depoentes para esclarecer dúvidas ou acrescentar alguma informação.

Hoje pela manhã, entretanto, alguns integrantes da CPI não vão poder se dedicar a esse trabalho. Os peemedebistas têm compromisso logo cedo: uma sessão do Senado em homenagem ao PMDB. Não por acaso, muitos planejavam desembarcar hoje pela manhã em Brasília. Afinal, como me lembrou o deputado Pitiman ontem, será a primeira sessão presidida por José Sarney (PMDB-AP) depois do cateterismo a que foi submetido em São Paulo. Na sessão de hoje, já que não tem nada, será a hora da simbologia, de o partido tentar demonstrar à presidente Dilma que consegue reunir bastante gente no Congresso Nacional, mesmo numa segunda-feira, na hora do almoço. O PMDB não vê a hora de demonstrar sua força congressual perante o governo, hoje diluída porque a pauta não tem nada que seja caso de vida ou morte para o governo Dilma. Só o fez no Código Florestal ao retomar o texto da Câmara. E esse projeto é um dos poucos que, este ano, ainda causará muita polêmica. Pode apostar.

Bola no chão - AÉCIO NEVES


FOLHA DE SP - 14/05


Sou um apaixonado por futebol. Dia desses testemunhei um episódio que, acredito, de alguma forma, fala à nossa condição humana.

Refiro-me ao tento anotado no começo do ano por Tim Howard, goleiro do Everton, contra o Bolton, times da primeira divisão inglesa. Batido o tiro de meta, eis que a bola ganhou um súbito impulso do vento e soltou-se em trajetória tão descontrolada que acabou encobrindo o surpreso goleiro adversário.

Foi só um gol -por mais surpreendente que tenha sido! Inusitado mesmo foi o comportamento de Howard: recusou-se simplesmente a comemorar. À saída do gramado, lamentou: "Foi um gol cruel. Não foi nada legal, é constrangedor, sinto muito pelo Adam". Referia-se a Adam Bogdan, o arqueiro adversário, do Bolton.

Todos nós sabemos que o futebol nos leva às raias da irracionalidade. Não costuma ser local onde floresce o cavalheirismo. No entanto, até o mais fanático dos aficionados há de reconhecer a nobreza do goleiro relutantemente artilheiro. É só uma partida de futebol -mas quem sabe não há aí uma pequena lição para a vida cotidiana?

Pergunto-me se não podemos aprender alguma coisa com ela, no dia a dia da política. Reconhecer, por exemplo, que muitas vezes não temos todos os méritos pelas conquistas que celebramos. Que o vento, entendido como fator que não depende do nosso esforço ou talento, existe. E pode surgir, no caso da política, do trabalho exaustivo e dedicado de antecessores, que máquinas de propaganda tentam apagar da memória do país.

Pode surgir ainda nas conjunturas globais, sobre as quais não temos controle, mas que podem nos favorecer.

O cavalheirismo de Howard nos traz ainda outros ensinamentos. Reconhece o óbvio: que o oponente merece respeito. Que não faz sentido tripudiar sobre o adversário quando não somos os legítimos merecedores da vitória celebrada. Se reunirmos essas simples lições talvez pudéssemos criar as condições necessárias para um novo patamar de convivência política no país.

Sei que alguns não compreendem quando defendo que a convivência entre adversários pode se dar em um ambiente diferente daquele estimulado pelo antagonismo cego, pela perigosa transformação de adversário em inimigo, pela tentativa sistemática de legitimar o uso da calúnia e da mentira como armas políticas.

No entanto, essa é a minha convicção. Entendo a política como um processo que exige a paciente superação das diferenças menores para que os avanços fundamentais possam acontecer.

A força do vento é legítima. Precisa, no entanto, como um tributo à realidade, ser reconhecida e saudada com humildade. Até porque, nem sempre ele sopra a favor...

Gays, raça, classe e religião - LÚCIA GUIMARÃES


O ESTADÃO - 14/05/12


NOVA YORK - Na quarta-feira passada, quando Barack Obama garantiu mais uma vaga na história ao defender o casamento entre pessoas do mesmo sexo, Cory Booker, o popular prefeito negro de Newark, disparou pelo Twitter: vou dar entrevista, assim "que eu parar de dançar".

A importância do anúncio feito por Obama ainda é muito recente para ser compreendida, mas, que tal mandarmos o cinismo dar uma volta ali na esquina? Podemos, por um momento, deixar de lado o escrutínio do cálculo político que fez com que o presidente assumisse o risco de alienar eleitores-chave em novembro?

Imagine se um político racista conseguisse introduzir um plebiscito na Carolina do Sul, onde a bandeira confederada, símbolo da luta contra a abolição da escravatura, continua desfraldada na capital. O dito plebiscito perguntaria aos eleitores se a proibição das práticas eleitorais que impediam negros de votar e o fim da segregação em escolas públicas, conquistas do Ato de Direitos Civis de 1964, devem ser revogadas. Não tenho dúvidas de que ficaríamos chocados com o número de votos a favor da volta da segregação racial.

Esse plebiscito, felizmente, não vai acontecer e sugiro o exercício da imaginação apenas para argumentar que direitos civis não devem ser submetidos ao varejo nas urnas, especialmente num mês em que um partido nazista conquistou 20 assentos no parlamento do berço da democracia ocidental.

E, numa semana em que a Carolina do Norte aprovou uma emenda constitucional para impedir que o casamento gay seja legalizado entre suas fronteiras, tenho um recado para quem acha que os homossexuais americanos são elitistas brancos e antidemocráticos, refestelados em privilégio na Califórnia e em Nova York. Somente 34% dos eleitores compareceram às urnas para votar a odiosa emenda. A mobilização conservadora é muito mais intensa, o que, de acordo com o respeitado Pew Research Center, fez com que a maioria dos Estados americanos que lançaram plebiscitos locais tenha banido o casamento gay. Ou seja, quem não se opõe ao casamento gay tende a ficar em casa, revelam os números do Pew.

A "evolução de opinião" sobre o assunto, que Barack Obama alega, é refletida numa das mais incomuns evoluções estatísticas nos Estados Unidos. Em 1996, 65% da população geral se manifestava contra o casamento gay, 27% a favor. Uma nova pesquisa do Pew revela 47% a favor, 43% contra. O anúncio de quarta-feira acendeu os púlpitos das igrejas protestantes americanas. Sabemos que a Proposition 8, passada há quatro anos para banir o casamento gay na Califórnia, contou com quase 60% de apoio dos negros, mobilizados por seus pastores.

Mais de 95% dos negros americanos votaram em Obama em 2008 e continuaram a apoiar o presidente, apesar de constituir a minoria mais punida pelo crash de 2008. A mídia americana, predominantemente branca, voltou a sugerir que os negros são homofóbicos e vão ficar em casa em novembro. Aposto minha coleção de CDs do Paulinho da Viola que eles vão votar em massa em Barack Obama.

Sim, a cara da militância gay americana ainda é um homem branco de meia-idade e de classe média alta. Os líderes religiosos que demonizam a estabilidade de famílias lideradas por pessoas do mesmo sexo fariam por bem observar que 66% das crianças negras americanas são criadas por mães ou pais solteiros. Entre os brancos, esse número cai para 24%. Sim, são principalmente os brancos afluentes que insistem no burguês direito de se casar. Um negro que vive abaixo da linha da pobreza terá mais dificuldade de apresentar um companheiro à família e esta é uma fonte de distorção estatística. Mas, em vez de contemplar o fato com escárnio, podemos lembrar que Obama mudou de opinião sob pressão de Michelle e das filhas Sasha e Malia. As meninas frequentam colegas de escola que são criadas por gays e lésbicas e aproximaram o pai do absurdo da intolerância. Quanto mais as pessoas convivem com gays assumidos e ajustados, maior a tolerância.

Graças a um gesto simbólico do primeiro presidente negro americano, um gesto que não implica burocracia ou imposição legal, quantas famílias estarão, hoje à noite, fazendo as pazes?

Do flagelo partidário ao ocaso da oposição - SEBASTIÃO VENTURA P. DA PAIXÃO JR.


O ESTADÃO - 15/05


O Brasil deve estar em festa. Faz pouco, foi anunciada a criação do 30.º partido político nacional. Sim, caro leitor, você não leu errado, temos a fantástica cifra de 30 agremiações partidárias! No entanto, uma simples pergunta insiste em navegar perdida nos mares de meus pensamentos: será que temos ao menos 30 políticos autênticos? Caso não consiga apresentar-me uma resposta nominal, fique tranquilo: o questionamento, que não quer calar, seguirá falando por si só. É lamentável e assustador ter de conviver com a suposição de que inexista um político digno para cada partido. Aliás, talvez fosse melhor ter apenas pedido meio político, pois, assim, bastariam 15 potenciais candidatos a políticos inteiros. Seria aquela velha fórmula de dois para valer um, ou seja, em matéria política a matemática é inexata. Enfim, vivemos um tempo tão paradoxal que não é de duvidar que haja mais partidos do que políticos de boa cepa.

Será? E se sim, por quê?

Bem, esse descalabro dos quadros políticos tem nome e sobrenome: tibieza partidária. Enquanto os partidos brasileiros forem uma confraria de amigos, não podemos esperar muita coisa. Ora, não existe política alta sem partidos fortes. E, como sabido, partidos não são erguidos com improvisações.

Infelizmente, a história partidária brasileira tem como marca o flagelo institucional. Sem cortinas, é possível dizer que durante a República Velha a insinceridade era o traço das urnas - poderíamos ter usado um termo mais penetrante, mas vamos ser delicados e convir que insinceridade já diz o que tem de dizer. Nesse contexto, a busca da lisura eleitoral foi um dos objetivos do Código Assis Brasil. Por falar no bom e velho Joaquim Francisco de Assis Brasil, é oportuno lembrar que em 1928 foi fundado o Partido Libertador e entre seus princípios norteadores estava a imposição do voto secreto como condição impreterível da moralidade dos pleitos. O Código Eleitoral de 1932 foi, nessa medida, uma reação à falta de probidade e igualdade das eleições.

Com o advento Estado Novo, os partidos vieram a ser extintos em dezembro de 1937. Concomitantemente ao movimento nacional de retomada da liberdade, os partidos ressurgiram em 1945, com a exigência de que deveriam ser de âmbito nacional. A ferro e fogo, os partidos foram criando corpo, unindo semelhantes e afastando dissidentes. Aos poucos, com muito tato e labor artesanal, um esboço de vida partidária voltou a ser desenhado no País. Todavia, traindo os preceitos que ensejou, o movimento de 1964 fez o que fez: para atender aos interesses do arbítrio, ou ao arbítrio dos interessados, os partidos foram novamente extintos, pelo malsinado Ato Institucional n.º 2, de outubro de 1965. A partir daí tivemos um bipartidarismo forçado e perneta, pois um dos partidos tinha de ser másculo e potente, enquanto o outro haveria de ser esquálido e frágil; um tinha de ganhar todas, o outro estava condenado a viver na derrota permanente. Acontece que, como dizia a inteligência luminosa de Otávio Mangabeira, ninguém pode tudo, ninguém pode sempre. Cedo ou tarde, aquilo que agride a natureza das coisas desmorona sobre suas pífias estruturas.

Enquanto esse bipartidarismo de fantasia atendeu aos donos do poder, o modelo foi mantido. Mas incompreensivelmente, como num passe de mágica, os ventos mudaram, trazendo novos interesses, e em 1979 se voltou a permitir o que estava proibido. Foi partido para cima, para baixo, para a direita, para a esquerda... Em judiciosa expressão, foi o "facilitário partidário". O objetivo da medida, fracionar a oposição, que, apesar de todas as dificuldades e dos impedimentos, ganhava força nas ruas e arregimentava crescentes fiéis para a causa democrática. A Constituição de 88 consagrou a livre criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos. Com a volta do clima democrático, foi natural a explosão de instituições partidárias. Nesse fértil terreno de siglas e mais siglas, para não dizer letras sobre letras, a decisão do colendo Supremo Tribunal Federal no sentido de assegurar a fidelidade partidária, bem como o recente pronunciamento sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa deixam a palpável esperança de que algo positivo começa a delinear-se.

Como se vê, resta claro e incontestável que a acidentada vida partidária brasileira é um elemento que não pode ser desconsiderado no tabuleiro incoerente da política nacional. Com a chegada do PT ao governo foi possível ver que o discurso cândido de outrora não passava de conversa pra boi dormir. Nossos políticos e partidos são muito parecidos. Ocasionalmente discutem em público, mas ao cair da noite se deitam na mesma cama, fazendo juras de amor. Olhando as coisas como estão, independentemente do que aconteça, com um sol bonito ou no relampejar das trovoadas, o PMDB será sempre governo; o PDT ainda busca um norte pós-Brizola; o DEM, especialmente após o caso Demóstenes, parece estar rumo ao ostracismo; o PSDB, para fazer uma oposição madura e aguerrida, precisa voltar a ter coesão interna e deixar as vaidades pessoais de lado; Kassab precisa decidir se é de direita ou de esquerda, pois, quem tudo quer acaba sem nada; e o PSOL e o PV precisam ganhar mais corpo e representatividade coletiva.

Caso tenha esquecido alguém ou algum, esclareço que foi por lapso involuntário. Falando nisso, lembrei-me de mais um personagem que não poderia deixar de ser mencionado: afinal, "nunca antes na História deste país" ocorreram fatos tão alarmantes. Entre tantas incertezas e incredulidades, é imperioso reconhecer que o lulismo foi ou é um fenômeno que não pode ser ignorado, mas para falar desse assunto necessariamente teremos de analisar o esfacelamento do princípio da legalidade em favor de uma permissividade absoluta aos amigos do poder. Aí terei de escrever um artigo só sobre esse tema. Será que então terei a oposição de 30 com valor de 15? Aliás, qual o valor da oposição brasileira?

Inconveniência cara - MARIA INÊS DOLCI

FOLHA DE SP - 14/05


Conveniência é aquilo que atende ao gosto, às necessidades e ao bem-estar do indivíduo. Comprar ingressos para um show pela internet ou pelo telefone, então, é conveniente? Sim, sem dúvida, porque economiza tempo e evita problemas como o trânsito das grandes cidades.

Mas que conveniência é essa se, além dessa taxa, ainda é preciso pagar pela entrega do ingresso? Ou seja, o consumidor paga a intermediação da venda, o que não é correto. Esse custo deveria recair sobre a organização do evento, uma vez que, de qualquer maneira, os ingressos seriam vendidos. A compra virtual, evidentemente, facilitaria o acesso ao entretenimento, o que seria do interesse de quem o organizasse.

O Procon-SP suspendeu, no último dia 20, a venda dos ingressos para a apresentação da cantora Madonna, devido à cobrança da taxa de conveniência. Após a pré-venda pela internet ou pelo telefone, o cliente ainda seria obrigado a pagar pela entrega do bilhete.

A T4F Entretenimentos conseguiu na Justiça, posteriormente, a liberação da venda dos ingressos.

Apesar da alegada conveniência, há casos em que não há sequer a possibilidade de receber o bilhete em casa e absurdos como a cobrança para retirar o ingresso na bilheteria, embora o comprador tenha de buscá-lo no local, munido de documento de identidade e do cartão de crédito com o qual fez a compra.

Além disso, em eventual cancelamento do show, as taxas de conveniência e de entrega não são ressarcidas. Ou seja, o espectador é prejudicado duplamente, sem diversão e com o custo da intermediação.

Há outros abusos. Quem compra dois ou mais ingressos para um mesmo espetáculo é taxado em cada um deles, o que é injustificável.

No Rio de Janeiro foi sancionada, em dezembro do ano passado, a lei nº 6.103/2011, que estipula, por exemplo, que não haja mais de uma cobrança por cliente. E que a taxa não varie conforme o valor do ingresso.

A autora da lei, a deputada Clarissa Garotinho (PR-RJ), afirmou não ver justificativa para a cobrança "porque as vendas on-line e por telefone são mais baratas para as empresas".

Acrescento que vender ingressos é parte indissociável do show -logo, o valor do ingresso deveria custear também isso.

Esses abusos só acabarão quando houver uma lei federal que regulamente a venda de ingressos à distância. Há um projeto de lei (nº 3.323/2012), do deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), que amplia, para todo o Brasil, o que está disposto na lei nº 6.103. O PL está na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados.

É importante que seja apreciado, votado e vigore o quanto antes, porque o Brasil entrou, definitivamente, na rota dos grandes eventos internacionais, como as apresentações musicais de Paul McCartney, Madonna, Noel Gallagher, Joe Cocker, Bob Dylan e Morrissey (ex-Smiths), entre outros artistas famosos.

Há diversão para todos os gostos e para todas as idades. Nada incomum, uma vez que a maioria dos países ricos está em crise econômica e financeira, que reduz a renda de seus cidadãos.

O Brasil vive momento de ascensão das classes C e D e ainda tem baixos níveis de desemprego. Logo, nossos palcos são boas saídas para artistas famosos.

Isso não justifica os preços absurdos cobrados em todo o ramo de entretenimento e diversão, o que inclui restaurantes e bares, especialmente em São Paulo.

Afinal, os salários pagos para a maioria dos brasileiros são muito baixos, mal permitindo arcar com as contas públicas e com serviços que pagamos em dobro (como saúde e educação), devido à precariedade do que é fornecido pelo governo, em contrapartida aos impostos.

Estamos brincando de país rico, embora não tenhamos indicadores que comprovem essa miragem. Diante das dificuldades mundiais, a propaganda governamental nos mostra diferentes, especiais, sem problemas.

Desenvolvimento também é respeito aos direitos do consumidor, inclusive na compra de ingressos para shows com os quais muitos sempre sonharam.

Crise existencial - RUBENS RICUPERO


FOLHA DE SP - 14/05


Os governos têm medo de descer à raiz das coisas, e as agendas não abrem espaço para bons questionamentos

Algo de grave deve estar ocorrendo no mundo quando os questionamentos profundos partem não das vítimas e contestadores do sistema, mas de seus dirigentes e intérpretes.
As críticas mais persuasivas e contundentes à ordem econômica que nos governa provêm hoje de pessoas como os bilionários Warren Buffett e George Soros, analistas como Pascal Lamy e Martin Wolf, para não falar dos críticos mais assíduos, os prêmios Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz.
Nem por esforço de imaginação seria possível atribuir a algum deles a etiqueta de ideólogo, lunático ou radical. Embora diversos entre si, convergem todos em pontos cruciais: o colapso irremediável da financeirização da economia, a inaceitabilidade da desigualdade crescente, a inadequação da ênfase obsessiva na austeridade, a gravidade do desemprego. O que esses problemas têm em comum é que constituem, por qualquer critério, as questões essenciais que nos deveríamos colocar, mas se encontram quase sempre ausentes dos debates dos governos e das instituições internacionais.
É curioso, por exemplo, que Pascal Lamy, dirigente máximo da Organização Mundial do Comércio (OMC) e homem de reflexão exigente, tenha julgado necessário escrever artigos para exprimir ideias que seriam consideradas fora de lugar se expressas em sua organização.
Os governos, com efeito, têm medo de descer à raiz das coisas. Preferem, em nome da eficiência, concentrar-se na conjuntura, no curto prazo da crise. Controlam e burocratizam as agendas, que não abrem espaço para questionamentos de valor. Não é difícil imaginar o espanto que Lamy teria provocado na OMC se tivesse repetido o que escreveu no artigo "O futuro do capitalismo".
Nele citava a previsão de Schumpeter de que o capitalismo das grandes corporações acabaria por desencadear forte contestação. Esta teria chegado sob a forma de crise de legitimidade provocada por três causas: a tendência ao agravamento da desigualdade, o desemprego em níveis intoleráveis e um regime financeiro enlouquecido, ameaçando destruir o próprio sistema.
Escrito meses atrás, quando parecia esboçar-se uma recuperação tímida, o artigo vê suas previsões confirmadas por Martin Wolf, que denuncia um desemprego de jovens em 51% na Grécia e na Espanha, e 36% na Itália e em Portugal!
Em todos esses países, mais a Irlanda, a tendência é para queda ou estagnação da economia e crescimento da dívida, apesar da austeridade. Wolf conclui que alguma coisa precisa mudar, mas todos os caminhos estão bloqueados.
A alusão deve ser à austeridade, única das questões em pauta devido à eleição de Hollande na França e ao impasse na Grécia.
A reforma financeira foi praticamente abandonada pelos governos e pelo G20. A desigualdade e o desemprego jamais foram objetos de exame. No melhor dos casos, espera-se que desapareçam com a recuperação, embora já estivessem presentes antes do início da crise.
O aumento do extremismo nas eleições europeias sinaliza o perigo do bloqueio. Reconhecer que, além da conjuntura, as questões de fundo têm de ser enfrentadas e resolvidas é o único meio de garantir um processo político gerador de esperança.

'‘Caudismo’' - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO


O Estado de S. Paulo - 14/05/12


A maioria dos partidos brasileiros sofre de “caudismo” crônico. A divergência entre seus deputados é tão grande que a cauda formada pelos dissonantes é mais pesada do que o corpo partidário. Se fossem répteis, essas siglas seriam serpentes. A dispersão dos votos dos deputados de um mesmo partido começa no mais desapegado governismo e termina em destemida oposição. Pode significar tudo, menos coesão ideológica. O caso mais extremo de “caudismo” é o do PSD, que foi pensado para ser assim. Seu fundador definiu o PSD como um partido que não está nem à direita, nem à esquerda, nem no centro. Proféticas palavras. Quântico, o PSD está em todo lugar ao mesmo tempo. E não está sozinho. O “caudismo” não tem lado. Vai da oposição à base governista, do DEM ao PDT, do PPS ao PR, passando por PP e PV.

O Basômetro, desenvolvido pelo Estadão Dados, revela que a taxa de governismo da bancada do PSD na Câmara está em 86%. Mas um único número não traduz o comportamento de membros da sigla. Essa taxa embute um desvio padrão que é sete vezes maior do que o do PT, o mais coeso dos grandes partidos. O governismo do PSD varia dos 95% de votos pró-Dilma de João Lyra (AL) até os 36% de Nice Lobão. A independente deputada maranhense é mulher de Edison Lobão, ministro das Minas e Energia. Nice Lobão não está sozinha no lado oposicionista do PSD: 7 deputados do partido votaram mais vezes contra o líder do governo na Câmara do que segui-ram sua orientação. Na outra ponta, 8 obedeceram o governo em mais de 90% das vezes. E o resto dos deputados do partido ficou no meio do caminho, entre um extremo e outro, sem deixar espaço vazio no espectro de governismo. O corpo de votos tem o formato de uma cauda.

O fenômeno se explica pela origem dos deputados do PSD. Eles foram eleitos por outras legendas, e só se juntaram na nova sigla em outubro do ano passado. Os que emigraram do PMDB, do PR e do PTB, como João Lyra, carregavam na bagagem de votações uma alta taxa de governismo. Já os que vieram do DEM, como Nice Lobão, tinham um passado oposicionista. Depois que o PSD formou sua bancada na Câmara, o comportamento de seus deputados tornou-se majoritaria-mente governista, votando quase sempre de acordo com a vontade de Dilma. Nas 26 votações nominais ocorridas entre outubro e dezembro de 2011, a taxa de governismo do PSD foi de 97%: 45 dos 48 deputados do partido votaram com o governo em mais de 90% das vezes. Mas isso mudou no começo deste ano.

Desde fevereiro, aumentaram os votos oposicionistas do PSD. Só sobraram dois deputados no “núcleo duro” do governo na Câmara. Na média, a taxa de governismo do PSD caiu de 97% para 68%. A causa dessa mudança de comportamento é a eleição municipal. Em fevereiro, o presidente do partido, Gilberto Kassab, trocou a aliança com o PT em São Paulo pelo apoio a José Serra, do PSDB. A troca de aliado refletiu-se em outras cidades. Seria injusto dizer que o PSD inventou o “caudismo”. Ele só aperfeiçoou-o.Tome-se o partido de onde migraram mais peessedebistas, o DEM. Nas 53 votações nominais anteriores à defecção de seus parlamentares para o PSD, o DEM tinha uma taxa média de governismo de apenas 22%. Só 4 de seus 43 deputados tinham votado mais de metade das vezes com o governo. Desde então,
o governismo do DEM subiu para 29%, e 5 deputados da sigla deram mais de 50% dos seus votos para Dilma. Um deles, Lael Varela, é um renitente membro do “núcleo duro” do governo: tem 100% de votos pró-Dilma em 2012.

É tentador identificar o “caudismo” como um reflexo do comportamento caudatário que a maioria dos partidos tem em relação ao governo. Afinal, apenas 4 das 23 legendas com representação na Câmara podem dizer que fazem oposição a Dilma. Na média, suas bancadas votaram mais de metade das vezes contra o governo em 98 votações nominais: PSDB (78% de oposicionismo), DEM (74%), PSOL (72%) e PPS (66%). Mas enquanto PSDB e PSOL são razoavelmente coesos nos votos de seus deputados, os outros dois sofrem de “caudismo”. Entre os deputados do PPS, a taxa de governismo varia dos 25% de Roberto Freire (SP) a mais do que o dobro disso, como é o caso de Almeida Lima (SE), que votou mais vezes com o governo do que contra ele. O desvio padrão dos votos da bancada do PPS é 26% maior do que a dos tucanos, por exemplo. Não é coincidência que PT e PSDB, os partidos que polarizam a política no País há 18 anos, estejam entre os mais coesos. Nem que PSB e PMDB, que buscam romper essa polarização, rivalizem com eles em coesão.

Comissários da verdade - VINICIUS MOTA


FOLHA DE SP - 14/05


Na democracia em especial, o julgamento histórico é uma incógnita para os líderes políticos. Juscelino Kubitschek atravessou anos de turbulência institucional e econômica na Presidência, mas o futuro o redimiu como um governante visionário -imagem que o passar do tempo só reforça.

Quem tomar o valor de Winston Churchill pela desastrosa incursão militar na península de Galípoli que patrocinou na Primeira Guerra -ou por sua infeliz passagem pelo Tesouro britânico (1924)- não reconhecerá o estadista consumado pela história.

Com tiranias, é diferente. Os déspotas e seus regimes estão condenados à danação histórica, pois acabarão sucedidos seja por autocratas sem compromisso com o passado, seja por sistemas mais modernos e liberais. Eis uma das poucas sanções morais contra o arbítrio governante.

A ditadura militar brasileira (1964-1985) não foge à regra -à qual a cubana tampouco escapará. Os sete comissários da verdade nomeados pela presidente Dilma Rousseff vão reforçar a linha-mestra dessa narrativa, há muitos anos conduzida, na academia e fora dela, pelos adversários do regime, destacadamente pelas vertentes marxistas da esquerda.

A verdade histórica, em certa medida, está sempre em disputa, pois reflete o embate entre grupos que tentam contá-la no presente. Petistas tendem a realçar o papel de organizações radicais que atuaram na clandestinidade. Buscam uma conciliação difícil entre programas inspirados nos regimes de Cuba e da URSS, de um lado, e a democracia que sucedeu a ditadura militar, do outro.

No plano individual, a comissão poderá ajudar a preencher lacunas de histórias familiares marcadas por assassinatos, torturas e desaparecimentos praticados pelo regime. Deveria dispor-se, também, a reconstituir as narrativas de vítimas da esquerda armada -quer de militantes assassinados por colegas, quer de civis atingidos por atos terroristas.

O sucesso dos genéricos - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S. Paulo - 14/05/12


Introduzidos há treze anos no País, vencendo pressões da indústria farmacêutica e desconfianças de consumidores, os medicamentos genéricos são hoje um sucesso.
Dados divulgados pela Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró- Genéricos) revelam que, de cada quadro remédios vendidos pelas farmácias brasileiras, de janeiro a março deste ano, um foi genérico. No período, a participação desses produtos no mercado aumentou para 23,5%, um avanço significativo em relação ao primeiro trimestre do ano passado, quando participava com 18,5%. Isso se deve, principalmente, ao preço. O medicamento genérico produzido com a mesma substância ativa do produto de marca é, em média, 52% mais barato do que este. A diferença, em alguns casos, pode chegar a 85%. Isso significa uma substancial poupança tanto para a população, especialmente para as camadas de mais baixo poder aquisitivo, como para hospitais, entidades assistenciais e para o próprio Sistema Único de Saúde (SUS), que também fornece de graça, aos portadores de doenças crônicas, remédios de uso contínuo.

Na realidade, o Brasil está tirando o atraso com relação aos genéricos. Na Europa, a participação das vendas desses produtos é superior a 30% do total. Na Grã-Bretanha, supera 50%. Nos EUA, os genéricos, que são vendidos há mais de 20 anos, respondem por 60% do mercado. De acordo com a BCC Research, a indústria mundial desses produtos cresce a uma média de 15% ao ano, devendo faturar US$ 168 bilhões em 2014. Nos EUA, o faturamento do setor, que foi de US$ 33 bilhões em 2009, deverá saltar para US$ 54 bilhões em 2014, segundo a mesma fonte. Quando os genéricos foram introduzidos no Brasil, muitas pessoas, acostumadas aos produtos farmacêuticos de marca, duvidavam da sua eficácia e s egurança. Essa desconfiança se foi dissipando com o tempo, à medida que aumentava a oferta e os médicos passaram a receitá-los normalmente.

Também as farmácias passaram a oferecê-los como opção para os clientes. Na última década, segundo informação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o número de genéricos registrados no País mais que decuplicou, indo de 1.562 em 2001 para 16.675 em 2010. Com isso, as vendas desses produtos somaram R$ 2,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano, um crescimento de 35,4% em relação a igual período de 2011 (R$ 1,772 bilhão). Essa evolução também contribuiu para o
fortalecimento dos laboratórios farmacêuticos nacionais, que detêm a liderança nesse setor no mercado interno. A variedade dos produtos oferecidos pode aumentar mui-to mais com o vencimento de patentes detidas por grandes laboratórios. Deixando de ter validade as patentes, as próprias empresas multinacionais que eram suas proprietárias procuram outros laboratórios para fabricá-los como genéricos ou se encarregam elas próprias de fazê-lo. No ano passado, o número de novos registros cresceu 30% no Brasil, mas a quantidade poderia ser maior, se o processo de aprovação da Anvisa fosse menos demorado. Hoje, a aprovação de um genérico demora 15 meses em média.

De acordo com Odnir Finotti, presidente da Pró-Genéricos, a agência reguladora manteve, de 2001 a 2006, uma equipe exclusiva para cuidar do licenciamento de genéricos. A partir de 2006, porém, o tratamento mudou: os pedidos de registro de produtos genéricos passaram a entrar na fila junto com outros medicamentos novos. Como Finotti afirmou ao Estado (8/5), o setor não reivindica que os padrões de análise e o nível de exigência sejam modificados, mas quer que seja dada prioridade aos genéricos inéditos, ou seja, àqueles cujas patentes venceram e não existe outro genérico no mercado. A seu ver, esta é a maneira de garantir o acesso pela população a esses remédios. A Anvisa não explicou as razões da mudança de critério.

Como estudos internacionais comprovam, a competição também funciona nesse setor. Quanto maior for a participação de produtos genéricos em um mercado, maior é a queda de preços dos medicamentos em geral.

A marca nas fusões e aquisições - DANIELLA BIANCHI


O ESTADO DE S. PAULO - 14/05



Nos EUA, a década das grandes consolidações foi de 1895 a 1905. Para se ter uma ideia, em 1900, o valor das companhias adquiridas em fusões representava algo em torno de 20% da economia americana. Mais de um século depois, não é novidade para o mundo que o Brasil vive o seu próprio grande movimento de consolidação. Se este é apenas o começo, o meio ou fim dele, ainda não sabemos, mas sob a perspectiva das marcas envolvidas, uma coisa é certa: nada será como antes e os consumidores terão de praticar o desapego.

Nos últimos cinco anos, as consultorias de marca têm sido convidadas a participar de grandes movimentos de consolidação. Ocorre que, na maioria das vezes, os pedidos chegam aos consultores depois que os acordos estão consolidados e anunciados ao mercado. Apesar do entendimento de que marca é um ativo estratégico, é raro que ela seja tratada, desde o início, como uma ferramenta importante na mesa de negociações.

Se por um lado as empresas entendem que suas marcas são mais do que nomes ou logotipos, por outro ainda existe muita dúvida sobre como transformá-las de fato num ativo vivo de negócios, capaz de gerar identificação, diferenciação e valor. Nesse sentido, questões como a estratégia de portfólio, a criação de uma cultura única e a definição da plataforma de cidadania corporativa dos negócios que nascem passam a ser, sim, assunto de marca.

Um projeto de marcas no calor de uma fusão tem sempre o objetivo de assegurar a melhor mensagem para as principais audiências envolvidas. São muitas as variáveis possíveis e quando não há uma única solução, a definição de critérios fica sempre mais complexa. Soma-se a isso o fato de que nem sempre a estratégia de negócios está consolidada. O importante é definir o que deve ser mantido, o que deve ser combinado, o que deve ser eliminado e o que deve ser criado de novo. Se considerarmos pelo menos a análise do nome, do símbolo, da identidade visual, da cultura e da comunicação dos envolvidos, é fácil de entender que um projeto como esse exige recursos dedicados e muito jogo de cintura.

A busca por uma definição clara e que aponte um único caminho é importante porque a ideia é não perder valor enquanto as definições estão sendo estudadas. A impressão que fica é que os concorrentes tornam-se mais rápidos e assertivos depois de um grande movimento. Aproveitam a "oportunidade" para se reposicionar ou para investir mais. Simples ação e reação.

O controle da ansiedade e do processo de engajamento para que as definições sejam comunicadas de dentro para fora é sempre um desafio: apesar do entendimento óbvio de que nenhum funcionário gostaria de saber pelos jornais que a marca para a qual trabalhou durante anos vai desaparecer ou transformar- se em algo que para ele não significa nada, muitas empresas acabam pensando nisso apenas depois de sentir os efeitos do anúncio.

Mensurar o impacto econômico das alternativas também é algo complexo, principalmente quando estamos falando de marcas que operam em âmbito global. Um simples registro de nome em vários países pode custar mais de um milhão de dólares. Portanto, concluir uma transição que exige a mudança de uma ou mais marcas em inúmeros pontos de contato é um investimento relevante, principalmente na indústria do consumo, com suas gôndolas, embalagens, frotas e comunicação.

Ao contrário do que acontece em outros países, no Brasil era permitido que um movimento de consolidação fosse anunciado antes de ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O processo de espera levava até dois anos. Nesse contexto, muitas razões sociais viraram marcas. A lei antitruste atual será substituída pela Lei de nº 12.529, que entrará em vigor no próximo dia 29 de maio. Entre as principais mudanças, a nova lei define um sistema de notificação prévia de atos de concentração e a aprovação do Cade. Essa é a grande chance para que as "novas" marcas passem a se comunicar com seus funcionários, clientes e investidores desde o princípio.

Na busca aguerrida por uma identidade, a estratégia fica de lado. E, ironicamente, o nome e o logotipo, que representam a visão redutora de uma marca, são criados em reuniões apressadas, quando deveriam passar por processos complexos de criação, num exercício coletivo e abstrato. Na hora do "gosto" ou não "gosto", a razão perde para a emoção.

Pensar a marca parece simples aos olhos de quem se envolve nas complexas negociações de fusão. Mas pode se tornar algo complexo quando é ignorado. Para quem trabalha em projetos de fusão, um conselho: o mais importante é evitar a percepção de que existem ganhadores e perdedores.

O Vício pela Virtude - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADO DE S. PAULO - 14/05


Você está no peso ideal, colesterol abaixo de 100, pressão 12 por 8, boa alimentação,exercícios em dia e - quer saber? - você está em desvantagem. Não tem como melhorar.Suponha que você fique doente. O que o médico poderia recomendar para aperfeiçoar sua qualidade de vida? Bem diferente se você estivesse gordinho e meio paradão. Haveria ampla possibilidade de ação e melhoria.

Foi com esse tipo de lógica que o ministro Guido Mantega andou demonstrando uma suposta superioridade brasileira no cenário de crise mundial. Lembrou, por exemplo, que em muitos países a taxa de juros está próxima de zero, de modo que seus bancos centrais, coitados, não dispõem de poderoso instrumento de estímulo à economia.Já o Banco Central( BC)brasileiro,que pilota a maior taxa de juros do mundo, teria ampla possibilidade de reduzi-la várias vezes.

Assim, um dos piores vícios brasileiros, o juro descabido, se transforma em virtude. Mas, se essa lógica faz sentido, também faria sentido derivar daí uma recomendação de política monetária: que os bancos centrais mantivessem juros elevados para poder reduzi- lo sem caso de necessidade. Eis sonos levaria a uma contradição em termos: na crise, os juros não poderiam ser reduzidos porque se perderia o instrumento.

Vai que o BC brasileiro coloca a taxa de juros a zero e a economia continua exigindo mais estímulo, o que fazer? Parece absurdo, é absurdo, mas é isso o que nos estão dizendo: teria sido enorme sabedoria manter os juros mais altos do mundo.

Pode?!Não é incrível que apareça esse tipo de questão em meio a um momento difícil e complexo da economia global?

É claro que os bancos centrais que já reduziram os juros não têm mais o que fazer nessa direção. Mas os juros no chão continuam fazendo o serviço de baratear consumo e investimentos.

Portanto, vamos reparar: em qualquer circunstância, os juros brasileiros constituem vício. E formam o sintoma mais visível de diversas doenças da economia local,incluindo dívida pública elevada e com rolagem curta, gasto público exagerado e baixo nível de investimento.

Aplicaram a mesma manobra mental aos compulsórios - dinheiro que os bancos devem deixar depositado no Banco Central -, também os maiores do mundo aqui,no Brasil.Com tanto dinheiro retido, quando surge algum problema de liquidez, como falta de dinheiro e crédito na praça, o nosso BC pode liberar recursos do compulsório.

Do mesmo modo que na lógica maluca dos juros altos, o "correto" seria deixar o compulsório elevado para poder reduzi-lo quando ocorresse algum problema. Outro vício que virou virtude.

Reparem: compulsório é dinheiro retirado do sistema financeiro, que tem reduzida sua capacidade de emprestar para empresas e pessoas. É vício, sintoma de uma economia doente que não pode conceder crédito abundante.

Olhando bem, juros altos e compulsórios elevados são duas faces do mesmo vício. Decorrem das necessidades de um governo gastador,que avança no mercado para se financiar, e do baixo nível de investimentos. Dito de outro modo: com juros baratos e mais dinheiro disponível, o crédito cresceria e ampliaria a capacidade de investimento e de consumo de empresas e pessoas.E isso traria mais inflação, porque a oferta de bens e serviços ficaria muito abaixo dessa demanda turbinada.

Sim, é verdade que,em muitos países, juros muito baixos, por muito tempo, e muito dinheiro disponível levaram a bolhas e excessos de gastos públicos e privados. O momento, portanto, é de maior prudência.

Não decorre daí que é melhor ter crédito caro e limitado. E, se for para escolher o problema, é melhora abundância do que a falta de crédito.

Vamos reparar, portanto: o mundo está num período de crescimento baixo, com inflação também baixa e juros no chão. Que, neste momento, o Brasil tenha crescimento muito baixo e, ainda assim, juros altos e inflação acima da meta é um baita sinal negativo.

Como isso pode ter acontecido? Quais são as causas dessa anomalia?

Em vez de responder a essas questões com uma política consistente, o governo resolve atropelar bancos, incluindo os públicos, para forçar a queda dos juros, na marra. Parece que os juros são altos por causa da ganância dos bancos e porque os governos anteriores, incluindo o de Lula, não tinham vontade de reduzi-los.

Reparem: até a presidente Dilma iniciara campanha, os bancos públicos cobravam juros "normais", quer dizer, parecidos com aqueles praticados nas instituições privadas. De um dia para outro, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal descobrem que podiam cobrar bem menos.

Quer dizer que antes estavam inteiramente errados? Ora, sendo bancos públicos, era preciso que viessem a público para explicar por que não reduziram essas taxas antes e ficaram tanto tempo punindo o público com juros excessivos.Nem os bancos,muito menos o governo, deram as explicações.

Vai ver que a redução efetiva e duradoura dos juros depende de outros fatores além da determinação da presidente. E, se for isso, todo esse barulho pode levar a duas consequências.Ou essa derrubada estaria mais no barulho do que na realidade dos clientes (muitos já reclamando das condições difíceis para obter as novas taxas). Ou os bancos públicos vão mesmo derrubar suas taxas de modo amplo e geral, o que os levará, no mínimo, a uma perda de rentabilidade e, no limite, a prejuízos.

Não nos esqueçamos: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, conduzidos politicamente, já quebraram mais de uma vez.Só o governo FHC gastou cerca de R$ 15 bilhões,dinheiro nosso,dos contribuintes, para salvar esses dois bancos.

Canção verde e amarela do Adeus - IVAN LESSA

O ESTADÃO - 14/05


Cá estou de novo no cais. Os aeroportos andam apinhados de gente indo ou voltando, eu ficaria exposto como um batedor de carteiras com meu lenço branco na mão cantarolando o Cinco Letras que Choram, do Silvino Neto, na pior imitação possível de Chico Viola, O Rei da Voz.

Fico, pois, no cais, todo de preto feito futura viúva de pescador português em Nazaré, a me despedir.

Despedir de quem? Dos brasileiros que, após estada razoavelmente frutífera em terras britânicas, conseguiram escapar das balas policiais, do rapa e das autoridades que zelam pela legitimidade dos benefícios sociais.

Londres, principalmente, foi sacudida pelo estrondo do vazio deixado pelos brasileiros que retornam ao solo pátrio, muito pimpões, esperançosos como um parágrafo de Stefan Zweig, nada avexados da experiência europeia que não deu certo.

Eu não enturmava nem frequentava suas bibocas multicores nos bairros que escolheram para armar suas ubíquas bandeiras, mas nunca deixei de estar presente ao guaraná legítimo e à magra fantasia de picanha com que fizerem seu nome.

Deixam um legado histórico: a caipirinha. Dois, aliás, se contarmos a caipiroska, assim mesmo com K, como estava na Tendinha Brasil, no verde e amarelo bairro de Stockwell.

É duro para nós que ficamos, com nossos enfisemas e cônjuges à doença semelhantes, mas a verdade está publicada em todos os meios de comunicação. Os brasileiros estão voltando para o Brasil.

Parabéns, Brasil! Aguentai a parada Londres e arredores! Vai ser duro, mas assim é a vida: um dia se vem, outro se vai.

Melhor coisa é não se afeiçoar muito de ninguém nem nada que pinte a cara de verde e amarelo e desfralde bandeira com frases positivistas em dias de concerto de roquiendirôl.

São gente que, com sua presença alegre, desinibida, marota como um banana goal, feito eles chamam, alegram com sua presença qualquer vendinha ou limpeza de cinzeiro em restaurante argentino.

Mais uma vez, embargado, ensaio o Neruda que não canso de citar, olhos marejados: amo el amor de los marineros que besan y se van, gente boa, longe de mim mas tão perto do coração. Ficarei um pouco mais sozinho do que já o sou.

Adeus, adeus, adeus, Sejam felizes na terrinha que os viu partir chorosa e agora vai recebê-los como um hotel cinco estrelas recebe um governador carioca e comitiva: com bons modos, fazendo paredinha para os outros hóspedes não verem e, mais tarde, contando os talheres.

Aos fatos que só os fatos não lacrimejam feito este palerma que vos digita estas mal tecladas: há perto de 50 mil brasileiros sediados no Reino Unido.

Muitos atestam ser 4 vezes esse número. Pode não ser, mas é como se o fosse, tamanho o fuzuê que fazem.

O Brasil ultrapassou a Grã-Bretanha em matéria de tutu dando sopa e, agora, é a sexta maior economia do mundo.

Economia é ponto que não acaba mais na bizantina equação da "saudade", esse mal que nos aflige e ao que parece não tem solução a mão ser voltar e ser Classe C (ou B+ e coisa parecida, uma dessas invenções econômicas que fica bem de frente e de perfil no papel) na terra natal.

A recessão pelas bandas de cá cai pelas tabelas como nossos velhos bêbados e crescerá, neste ano olímpico, apenas 0,8%, ao passo de valsa dos 3% que nos credita o FMI, aquele do DMK, o que corre atrás de arrumadeira.

Que importa que o preço das coisas verde e amarelas no verde e amarelo país nosso estejam disparando? Lá, com aquele solzão, nosso futebol e mocinha bunduda depilada, isso não conta ponto.

O negócio - o melhor negócio - é voltar e fazer de conta (como temos samba para todas as ocasiões!) que de lá, como Antonio Maria e Dolores Duran, nunca saímos.

Vozes possantes e bramantes garantem que o Brasil é um estado de espírito.

Se assim for, nunca o deixamos, apenas o espalhamos nos 4 cantos da Terra. Até os japoneses, povo danado de decidido, leio eu que estão voltando com um sorriso amarelo e desse tamanho para o Brazucão, que já foi um dia, mas nunca mais o será, Bananão. Boa viagem, boa gente!

Em vez de saúde, negócios - LIGIA BAHIA


O Globo - 14/05/12



Neste ano, a incômoda sensação de pagar muito imposto e não dispor de serviços públicos suficientes e bons não se prolongou. De todo modo vai ficando cada vez mais evidente a importância da política fiscal para a privatização da saúde. Mesmo que para uma parte dos contribuintes a dedução seja encarada como uma espécie de bônus - para tirar da fila do Sistema Único de Saúde (SUS) quem pode pagar -, fica uma pulga atrás da orelha.

Da constatação que, quanto mais se pagar por assistência privada, maior será o abatimento, deduz-se que os incentivos fiscais podem contribuir para a formação de várias classes de assistência privada. Mas o impacto das medidas e expectativas para reduzir juros e expandir o crédito talvez tenha deixado os questionamentos sobre as disparidades entre a magnitude da arrecadação e o destino dos tributos para trás.

Temas eletrizantes e complexos como as tensões entre banqueiros e governo sobre os spreads e desoneração de setores produtivos, mesmo sem tradução fácil, se tornaram palpáveis. Os anúncios de redução de IPI nos preços estampados em qualquer loja de eletrodomésticos e a variedade de oferta de empréstimos são diretos e objetivos. A economia a pleno, médio ou até pouco vapor também mudou o rumo das conversas sobre saúde.

Em tempos bicudos só tinha plano privado de saúde quem fosse trabalhador especializado de empresas de grande porte ou servidor público. Para somar os poucos empregados autônomos com domésticos e indivíduos com maior renda vinculados a planos de saúde bastavam seis dígitos. Tinha-se, então, a forte impressão de gigantismo do SUS e nanismo dos planos e seguros de saúde. Não era bem assim. Mesmo nas décadas recessivas, as dimensões da medicina privada sempre foram muito maiores do que as de seus potenciais consumidores e bagunçavam explicações simplistas. Mas, para fins de uma introdução ao sistema brasileiro, a ideia de um SUS para todos e poucos planos de saúde se coadunava com uma visão genérica sobre a distribuição de renda.

A situação atual é completamente distinta. A aterrissagem nos planos de saúde das aspirações de melhor atendimento dos denominados segmentos C e D alterou a fisionomia do sistema de saúde.

O intenso ritmo de crescimento dos negócios conduziu o Brasil ao limiar de uma americanização da saúde pré-Obama. Nessa marcha, e com a renovação dos incentivos à privatização, poderemos atingir, em médio prazo, a marca de 60% da população coberta por planos e seguros. Essa previsão não é um chute. Entre 2000 e 2010, a taxa de crescimento da população, 12,3%, foi bem menor do que a do aumento do número de contratos de planos de saúde, 48%. O potencial de expansão dos mercados tem sido a principal justificativa utilizada para a abertura do capital e da fusão e tomada de empréstimos de bancos de investimentos de diversas empresas de saúde.

Trata-se, é claro, de uma americanização à nossa moda. Como aqui tem SUS, os planos de saúde desenhados para atender às novas demandas são pouco abrangentes. Quem estiver vinculado a um plano relativamente mais barato e precisar utilizar serviços de saúde tem que tirar dinheiro do bolso para superar as restrições das coberturas e em certos casos pegar o caminho de volta para o SUS.

Pode-se dizer que não há nada de novo, a segmentação é uma regra comum a qualquer mercado. Os bancos e outros serviços customizam produtos. Porém, não é admissível diferenciar a qualidade de exames, transplantes ou consultas de acordo com o status básico ou vip dos clientes. Consequentemente, as legislações existentes pressupõem a igualdade biológica dos seres humanos e garantias assistenciais padronizadas.

A comercialização de planos com preços relativamente mais baixos colide com a democracia e a tendência inexorável de elevação das despesas com saúde.

A fragmentação das coberturas situa o Brasil na contramão dos países desenvolvidos. As propostas do recém-eleito presidente Hollande para a saúde, puxadas pelo compromisso de reduzir o tempo de espera do atendimento para no máximo meia hora, concentraram-se em torno do fortalecimento do sistema público. Na França, dizer que a saúde é um cimento do pacto republicano dá votos.

No Brasil, a Agência Nacional de Saúde Suplementar permite a atuação de planos com coberturas restritas, eufemisticamente alcunhadas flexíveis. Questionar as convicções sobre a suposta perfeição do sistema de saúde brasileiro (um SUS pobre para pobres e planos de saúde com garantias assistenciais precárias) costuma irritar determinados líderes da privatização.

A imposição de uma racionalidade de curto prazo sobre as reflexões acerca das alternativas para garantir o direito à saúde parece ser um suplemento vitamínico necessário à prosperidade dos negócios. A criação de um vasto e pouco sustentável mercado de planos de adesão (os denominados falsos coletivos) deixará para um SUS desprestigiado e subfinanciado a tarefa de assistir doentes graves e pagar tratamentos caros. Por isso, a chamada penetração do mercado exige o controle da faca, do queijo e da mão para extirpar desacordos. Uma verdade inabalável já anunciada dispensa esforços para avançar o conhecimento.

A rejeição a uma pesquisa realizada com o objetivo de estudar a reestruturação do mercado de planos de saúde pode ter sido movida por sinceras certezas. Mas a intolerância não pode se repetir. A desqualificação das reflexões críticas distrai, atrapalha, mas não desata os nós do sistema de saúde.

Papel transparente - MELCHIADES FILHO


FOLHA DE SP - 14/05


BRASÍLIA - Não convém subestimar a Lei de Acesso à Informação, em vigor a partir desta quarta-feira.
Seu significado vai muito além do bem-vindo sinal verde para entrar nos arquivos oficiais e reconstituir episódios conturbados do país.
Trata-se também de ferramenta poderosa para melhorar a gestão e desinfetar a administração pública.
O brasileiro agora terá o direito de fiscalizar todo e qualquer ato dos governos. As repartições -autarquias e estatais incluídas- deverão fornecer os dados requisitados em no máximo 30 dias corridos. Compras, convênios, atas de reuniões, relatórios, folhas de pagamento: nada disso poderá ser ocultado.
O servidor que desobedecer ficará sujeito a sanção. Constatada má-fé, correrá risco de perder o emprego.
Nos poucos casos protegidos de revelação imediata (segurança nacional, vida privada, segredos industriais), o funcionário precisará encaminhar justificativa por escrito -argumentação a ser verificada por superiores e fadada, ela própria, a vir a público depois de certo tempo.
Corruptos, incompetentes e preguiçosos estarão expostos. O contribuinte poderá monitorar o caminho inteiro do dinheiro e comparar o serviço contratado com o prestado.
Muita gente, claro, resistirá e tentará evitar que a lei "pegue". Falta de tempo, infraestrutura, cultura: já dá para imaginar as desculpas.
Daí a importância de Dilma Rousseff liderar a construção desses novos protocolos de transparência. A presidente já ostenta marcas fortes: a política monetária, que forçou a queda rápida dos juros, e a "faxina" de ministros. Mas deixará um legado definitivo se der o exemplo e endossar a lei com convicção.
Poderia começar por abrir sua agenda em detalhes e deixar registro (para divulgação futura) de todas as reuniões, compromissos e contatos, obrigando os subalternos diretos a fazerem o mesmo. Quem tiver o que esconder vai correr.

Reforma previdente - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 14/05/12


Envelhecimento populacional impõe necessidade de mudar regras de aposentadoria dos trabalhadores, hoje, para não prejudicar gerações futuras


Está em negociação na Câmara dos Deputados uma proposta que estabelece mudanças na aposentadoria. O tema veio à tona em pelo menos outras quatro ocasiões no governo Dilma Rousseff. Espera-se que esta seja a definitiva.
Reformar a Previdência é necessidade incontornável, imposta pelo envelhecimento da população. Hoje, 11% dos brasileiros têm mais de 60 anos. Estima-se que o contingente salte para 30% em 2050. Em termos absolutos, os idosos devem passar dos atuais 22 milhões para 56 milhões, em 40 anos.
O desafio demográfico está em que não só as pessoas vivem mais como também os casais têm menos filhos. Aproxima-se o momento em que começará a reduzir-se o total de adultos em idade produtiva. O desequilíbrio temido viria quando o grupo de contribuintes para a Previdência se tornasse menor que o de aposentados.
A solução da equação é conhecida: aposentadorias mais tardias. Como chegar ao resultado, porém, é questão bem mais difícil, por força do custo político.
O fator previdenciário em vigor tem sido um paliativo. Além de impopular, em poucas décadas terá se revelado incapaz de conter a bomba-relógio demográfica.
A complicada fórmula reduz o benefício de quem para de trabalhar mais cedo e trouxe alívio importante para as contas da Previdência. Mas nem por isso cumpriu o objetivo de desestimular aposentadorias precoces -na média, o brasileiro se aposenta aos 53 anos.
A alternativa em discussão é um modelo mais direto, que combina idade mínima com tempo de contribuição. Trata-se da fórmula 85/95, em que o primeiro número é a soma daqueles dois fatores para mulheres, e o segundo, para homens.
É uma boa proposta conceitual. Mas, segundo o governo, implicaria hoje economia menor que a do fator previdenciário. Aumentar o deficit da Previdência, atualmente em R$ 36 bilhões só no setor privado (12,5% do gasto total), é inaceitável. Desse ponto de vista, a fórmula deveria ser 95/105. E, para dar conta do envelhecimento da população, seria preciso fixar uma regra de revisão periódica.
Além disso, é o caso de perguntar se tamanha diferenciação de gêneros faz sentido. As mulheres, que vivem mais, ainda sofrem com jornadas duplas de trabalho (profissional e em casa), mas cada vez mais os homens dividem com elas os afazeres domésticos.
No começo do mês, Dilma sancionou a lei que instituiu as Fundações de Previdência Complementar do Servidor Público (Funpresp). É uma iniciativa acertada para tentar reduzir o deficit da Previdência do funcionalismo federal, cerca de R$ 60 bilhões por ano. Mexer na aposentadoria dos trabalhadores é claramente impopular. Mas certas decisões precisam ser tomadas hoje para evitar que as gerações futuras se deparem com uma conta impagável.

O dificuldade ou oportunidade? - ANTONIO PENTEADO MENDONÇA


O ESTADO DE SP - 14/05


Obstáculos impostos pelas companhias que fazem resseguro podem abrir oportunidades importantes para corretores que conseguirem inovar

O setor de seguros vive uma situação inesperada quando da quebra do monopólio do resseguro. Uma série de atividades econômicas,que nunca teve maiores problemas para segurar seus riscos patrimoniais, passou a não encontrar cobertura nas companhias de seguros em operação no País.

É possível acontecer algo assim? Tanto é que está acontecendo. Apenas é inusitado. Principalmente porque a forma como as recusas estão sendo feitas demonstra que não estão baseadas em estudos mais sofisticados da condição de cada risco, mas apenas numa postura cômoda e preguiçosa dos responsáveis pelos contratos de resseguros que garantem as carteiras de riscos patrimoniais das seguradoras.

É um absurdo? Com certeza é. Não tem cabimento riscos que eram aceitos sem maiores problemas pelo IRB, à época do monopólio, deixarem de ser aceitos pelo mercado, quando as condições de desenvolvimento nacional permitem medidas de proteção muito mais eficazes do que as existentes 30 ou 40 anos atrás.

Na origem do problema está o momento porque passa a atividade seguradora no Brasil. Ao longo das últimas décadas, houve um enorme crescimento dos chamados ?pacotes de seguros?, que substituíram o clássico seguro de incêndio. Esse tipo de apólice deixou de lado a técnica essencial para segurar bem um risco, para assumir taxas e condições automáticas, aplicáveis indistintamente a todos os tipos de plantas.

A tarifação individualizada dos riscos patrimoniais, que durante décadas pautou a atuação do IRB e que, apesar das tarifas únicas obrigatórias, na prática, favorecia sensivelmente as empresas que investissem em medidas de proteção contra perdas, foi esquecida.

Ninguém fala em descontos por hidrantes, distância do Corpo de Bombeiros, paredes e portas corta-fogo, sistemas de identificação de fumaça, sprinklers, etc. O "pacote de seguro" tem uma taxa básica de incêndio, calculada no "olhômetro", para aquele tipo de atividade e ela é aplicada a todos os riscos ?seguráveis?, enquanto os "declináveis" não são aceitos.

A explicação que tem sido dada para a não aceitação desses riscos é que as resseguradoras, ao oferecer seus contratos de resseguro para garantir a carteira das seguradoras, já determinam a exclusão de até mais de 60 tipos de atividades empresariais para os quais não garantem proteção.

Tanto faz se o risco pode ser bom ou não. Tanto faz se o segurado toma medidas de proteção, tanto faz se ele está disposto a pagar mais prêmio.

Parece que boa parte das resseguradoras que vieram para o Brasil se esqueceu de uma verdade básica para o sucesso: nenhum risco é bom ou ruim, o que existe são seguros mal feitos e mal precificados.

E é aqui que, em vez de continuar criticando as resseguradoras, eu quero colocar um desafio para corretores de seguros profissionalizados e capazes de desenvolver parcerias baseadas em competência profissional com companhias de seguros interessadas em sair do jogo de "rouba montinho" que caracteriza o comportamento do mercado segurador nacional.

Dificuldades são também grandes oportunidades. Quem consegue encontrar o caminho das pedras e inovar no meio de uma crise leva enorme vantagem sobre quem fica no arroz com feijão. O momento é de inovação, de criatividade, de competência.

A quantidade de empresas de todos os portes que não conseguem contratar seus seguros em razão do seu ramo de atividade é enorme. Madeira, móveis, plásticos, espumas, químicas, farmacêuticas e outras foram simplesmente marginalizadas, como se não houvesse empresas boas e outras não tão boas nesses setores. Elas não têm seguro e pronto.

Não é assim. Mas, para mudar o jogo,os corretores profissionais terão de suar a camisa, convencendo as empresas a investirem na melhoria dos riscos, escolhendo as seguradoras parceiras, mostrando para elas que os riscos podem ser bons e forçando-as a renegociarem seus contratos de resseguros. Quem fizer isso tem tudo para se dar muito bem.

A traição da psicologia social - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 14/05

Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros



Olha que pérola para começar sua semana: "Esta é a grande tolice do mundo, a de que quando vai mal nossa fortuna -muitas vezes como resultado de nosso próprio comportamento-, culpamos pelos nossos desastres o Sol, a Luz e as estrelas, como se fôssemos vilões por fatalidade, tolos por compulsão celeste, safados, ladrões e traidores por predominância das esferas, bêbados, mentirosos e adúlteros por obediência forçada a influências planetárias". William Shakespeare, "Rei Lear", ato 1, cena 2 (tradução de Barbara Heliodora).

Os psicólogos sociais deveriam ler mais Shakespeare e menos estas cartilhas fanáticas que dizem que o "ser humano é uma construção social", e não um ser livre responsável por suas escolhas, já que seriam vítimas sociais. Os fanáticos culpam a sociedade, assim como na época de Shakespeare os mentirosos culpavam o Sol e a Lua.

Não quero dizer que não sejamos influenciados pela sociedade, assim como somos pelo peso de nossos corpos, mas a liberdade nunca se deu no vácuo de limites sociais, biológicos e psíquicos. Só os mentirosos, do passado e do presente, negam que sejamos responsáveis por nossas escolhas.

Mas antes, um pouco de contexto para você entender o que eu quero dizer.

Outro dia, dois sujeitos tentaram assaltar a padaria da esquina da minha casa. Um dos donos pegou um dos bandidos. Dei parabéns para ele. Mas há quem discorde. Muita gente acha que ladrão que rouba mulheres e homens indo para o trabalho rouba porque é vítima social. Tadinho dele...

Isso é papo-furado, mas alguns acham que esse papo-furado é ciência, mais exatamente, psicologia social. Nada tenho contra a psicologia, ao contrário, ela é um dos meus amores -ao lado da filosofia, da literatura e do cinema. Mas a psicologia social, contra quem nada tenho a priori, às vezes exagera na dose.

O primeiro exagero é o modo como a psicologia social tenta ser a única a dizer a verdade sobre o ser humano, contaminando os alunos. Afora os órgãos de classe. Claro, a psicologia social feita desta forma é pura patrulha ideológica do tipo: "Você acredita no Foucault? Não?! Fogueira para você!".

Mas até aí, este pecado de fazer Bullying com quem discorda de você é uma prática comum na universidade (principalmente por parte daqueles que se julgam do lado do "bem"), não é um pecado único do clero fanático desta forma de psicologia social. Digo "desta forma" porque existem outras formas mais interessantes e pretendo fazer indicação de uma delas abaixo.

Sumariamente, a forma de psicologia social da qual discordo é a seguinte: o sujeito é "construído" socialmente, logo, quem faz besteira ou erra na vida (comete crimes ou é infeliz e incapaz) o faz porque é vítima social. Se prestar atenção na citação acima, verá que esta "construção social do sujeito" está exatamente no lugar do que Shakespeare diz quando se refere às "esferas celestes" como responsáveis por nossos atos.

Antes, eram as esferas celestes, agora, são as esferas sociais as culpadas por roubarmos os outros, ou não trabalharmos ou sermos infelizes. Se eu roubo você, você é que é culpado, e não eu, coitado de mim, sua real vítima. Teorias como estas deveriam ser jogadas na lata de lixo, se não pela falsidade delas, pelo menos pelo seu ridículo.

Todos (principalmente os profissionais da área) deveriam ler Theodore Dalrymple e seu magnífico "Life at The Bottom, The Worldview that Makes the Underclass", editora Ivan R. Dee, Chicago (a vida de baixo, a visão de mundo da classe baixa), em vez do blá-blá-blá de sempre de que somos construídos socialmente e, portanto, não responsáveis por nossos atos.

Dalrymple, psiquiatra inglês que atuou por décadas em hospitais dos bairros miseráveis de Londres e na África, descreve como a teoria da construção do sujeito como vítimas sociais faz das pessoas preguiçosas, perversas e mentirosas sobre a motivação de seus atos. Lendo-o, vemos que existe vida inteligente entre aqueles que atuam em psicologia social, para além da vitimização social que faz de nós todos uns retardados morais.

BRANCA DE NEVE - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 14/05

A atriz americana Jennifer Morrison posa no hotel Emiliano; famosa pelo papel de Allison Cameron em "House", ela veio ao Brasil na semana passada para divulgar sua nova série, "Once Upon a Time", do canal Sony, em que vive a filha da personagem Branca de Neve

PESO NA BALANÇA

A confiança da população no Judiciário subiu três pontos percentuais na sondagem trimestral da Direito GV: passou de 39%, no final de 2011, para 42% nos três primeiros meses deste ano. Está atrás de Forças Armadas (73%), Igreja Católica (56%), Ministério Público (55%), das grandes empresas (45%) e da imprensa escrita (44%).

EM BAIXA

Os partidos políticos aparecem na lanterna, sendo confiáveis para 5% da população. O Congresso Nacional aparece com 22%. Foram ouvidas 1.550 pessoas em seis Estados e no Distrito Federal.

MORA AO LADO

A FGV perguntou, pela primeira vez, se as pessoas confiam em seus vizinhos. Só 30% disseram que sim.

APOIO

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça discute na próxima semana uma política de apoio psicológico às vítimas da ditadura e de acompanhamento às testemunhas da Comissão da Verdade. Especialistas da Argentina e do Uruguai, onde iniciativas semelhantes vêm sendo realizadas, estarão presentes.

O PREÇO DA ARTE

O ex-jogador Coutinho diz que não autorizou a utilização de sua imagem no documentário "Santos, 100 Anos de Futebol Arte" por questões financeiras. "O filme vai rodar o mundo, alguém vai lucrar. E os artistas do filme não tiveram cachê. Achei melhor não participar."

MONARQUIA

Autor de 370 gols com a camisa do Peixe, ele critica a badalação em torno dos 106 tentos (até sábado) que colocam Neymar como o maior artilheiro do Santos pós-Pelé. "Não citam Pepe [405 gols], Toninho Guerreiro [283], Dorval [198], Edu [183]. Tem muita gente na frente."

PROSPECÇÃO

O diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araujo, esteve há alguns dias em Salvador na casa de Luíza Ramos, filha de Graciliano Ramos. Foi colher material para exposição sobre o escritor, marcada para outubro.

MINA

A Vale contratou o advogado Sergio Bermudes para contestar as cinco execuções fiscais bilionárias que estão sendo cobradas da empresa. Elas estão suspensas liminarmente pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas seu mérito ainda não foi julgado. Ele atuará na Justiça Federal do Rio. O valor chega a R$ 35,4 bilhões.

EMERGÊNCIA GLOBAL

A agenda de um técnico de informática que presta serviços a celebridades do Rio está lotada. Depois do vazamento de fotos de Carolina Dieckmann, ele está sendo chamado em caráter emergencial por atores e apresentadores de TV para apagar de seus computadores imagens que consideram sensuais.

AGITO CULTURAL

Eliana Finkelstein e Eduardo Brandão, proprietários da galeria Vermelho, organizaram festa em comemoração da SP-Arte na Casa Cirrel. Chris Dercon, diretor da Tate Modern de Londres, o fotógrafo Eder Chiodetto, a curadora Fernanda Albuquerque, o artista plástico André Komatsu e Rafaela Mendonça, entre outros, passaram por lá.

CURTO-CIRCUITO

Os sete restaurantes com três estrelas no "Guia Josimar 2012" serão premiados com jantar hoje, às 20h, na Casa Electrolux.

Cristiana Lembo lança o livro "Olhares" no dia 24, às 18h30, na Livraria da Vila dos Jardins.

O livro "CVC - 40 Anos Realizando Sonhos", de Ignácio de Loyola Brandão, será lançado hoje, às 19h, na rua Amauri.

O restaurante Arábia realiza amanhã jantar harmonizado com vinhos libaneses da cidade de Eddé.

com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY

O preço do crescimento - RAUL VELLOSO


O Globo - 14/05/12


Enquanto a demanda mundial ainda patina, o Brasil está bem nesse filme. Já do lado da oferta falta investimento, particularmente em infraestrutura, e é gritante o mau desempenho da produtividade. Por causa disso, o crescimento do PIB potencial, ou sustentável, cairá para algo ao redor de 3,5% a.a., se nada mudar. O governo bem que se esforça para o país crescer mais, mas a tarefa é complexa e lembra uma corrida de longa distância.

A taxa de investimento é baixa, girando em torno de 17% do PIB, enquanto, no outro extremo, países como a China investem mais de 45% de seu PIB. Em parte, isso se dá pela contenção dos investimentos públicos, que é peça básica da política de controle da dívida pública. Eles têm até subido ultimamente, mas a poupança governamental ainda é muito baixa. Já no lado privado o aumento da carga tributária e os juros elevados inibem fortemente os investimentos. Os juros básicos estão em trajetória de queda há algum tempo, embora sejam ainda níveis recordes mundiais, e vez por outra acionados para conter demanda e manter a inflação sob controle. Diante da situação de "terra arrasada" e da complexidade dos problemas da infraestrutura, os efeitos de impostos e juros altos nessa área se mostram mais desastrosos.

Outro ponto central é que, enquanto a produtividade cresce bastante no terreno dos nossos competidores, por aqui ela cai. Segundo o The Conference Board, o Brasil registrou queda de 7% na PTF - Produtividade Total dos Fatores, entre 1989 e 2011. Vale dizer, a baixa eficiência da operação dos fatores básicos de produção, capital e trabalho, derrubou parcela de cerca de R$ 300 bilhões, em valores de 2011, do PIB brasileiro nesse mesmo período. Enquanto isso, o mesmo indicador mostrava aumento de 12% nos EUA e de 66% na China. A diferença é chocante.

Para aumentar o investimento, só poupando mais. Como a poupança pública é escassa e é difícil fazer a poupança privada crescer num modelo econômico que favorece o consumo, resta puxar mais poupança externa. Só que essa só ingressa como contrapartida de déficits na conta-corrente do balanço de pagamentos. O governo anuncia que quer crescer mais, talvez chegar a 5% a.a., porém acaba de colocar um dique ainda mais alto sobre a entrada de poupança externa. Comprando dólares a custo alto, como está, para depreciar a moeda e proteger a indústria de transformação, reduz o déficit externo e a entrada de poupança de fora. Parece incoerente.

Cálculos simples mostram que, mesmo se a PTF, como em 2011, aumentar a 0,6% a.a., a taxa de investimento, e, portanto, a taxa de poupança anual, precisará subir cerca de 3 pontos de porcentagem do PIB (mais de R$ 120 bilhões) para o PIB crescer a 4% a.a. Em texto que estamos apresentando dia 15/5 ao Fórum Nacional, meus parceiros (César Mattos, Marcelo Caetano, Marcos Mendes e Paulo Springer) e eu calculamos que, se se mantiverem as tendências atuais, a poupança pública deverá, ao contrário, cair 15,2 pontos percentuais do PIB até 2040. Chocante.

Nos cálculos, estudamos os três itens de maior peso no gasto federal: previdência, pessoal e assistência social, com 74% do total. De grande peso na explosão do gasto são: 1) a manutenção da atual regra de reajuste do salário mínimo (que segue a variação do PIB); 2) a estimativa de envelhecimento da população, pelo IBGE, segundo a qual a participação das pessoas com 65 anos ou mais aumentará de 7% para 18% de hoje a 2040; e 3) a manutenção de parte relevante do avanço dos poderes autônomos - Judiciário, Legislativo e Ministério Público - sobre a fatura de pessoal da União. Ou seja, antes de tentar aumentar a taxa de poupança pública, é preciso fazer o que der para evitar a explosão dos gastos correntes. Nesse sentido, apresentaremos sugestões de reformas capazes de pelo menos produzir a estabilização dos atuais níveis de gastos.

Isso mostra que, além de atuar para evitar o caos, é preciso jogar todo o esforço do país no aumento da produtividade, única saída que resta para aumentar o crescimento do PIB a curto prazo. Mostraremos, ainda, que o x da questão é investir na infraestrutura de transportes, que, dadas suas características especiais, tem impacto significativo sobre a produtividade global. Mas só se esses mesmos investimentos ocorrerem num contexto de aumento de produtividade, e não de criação de "elefantes brancos".

Assim, além do empenho já demonstrado para viabilizar concessões privadas da área de transportes, o governo deve resolver o tradicional dilema que ocorre nessa área, em favor dos ganhos de produtividade e de maiores investimentos por parte dos concessionários. Ou seja, em vez de comprimir a sua rentabilidade, em favor de tarifas mais baixas no curto prazo, o que pode resultar em infraestrutura de baixa qualidade, deve formatar as concessões de modo a estimular os concessionários na busca de maior produtividade e dos investimentos necessários a ofertar os serviços com qualidade. Só assim se dará o necessário impulso à produtividade do país.