quinta-feira, fevereiro 11, 2010

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

A campanha antecipada

O Estado de S. Paulo - 11/02/2010

O julgamento de uma representação encaminhada pela oposição ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a Corte não está vendo o que está à vista de todos, ou seja, que a campanha eleitoral está nas ruas. Impetrada pelo PSDB, DEM e PPS, a representação acusava o presidente Lula e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, de estarem fazendo campanha eleitoral antecipada e de terem convertido em comício político as inaugurações de duas barragens em Minas Gerais, no dia 19 de janeiro.

Os advogados dos três partidos alegaram que, ao discursar no evento, Lula se referiu a Dilma como "minha candidata"; afirmou que "vamos ganhar para que (as obras do PAC) possam ter continuidade"; e disse que precisava inaugurar "o máximo possível de obras" até o prazo de desincompatibilização da chefe da Casa Civil, para se candidatar à Presidência da República. Na representação, os advogados da oposição também afirmaram que, a pretexto de fiscalizar andamento de obras e execução de programas governamentais, o presidente e a ministra vêm fazendo propaganda eleitoral de modo acintoso.

Embora os trechos transcritos na representação não deixem dúvidas quanto ao caráter eleiçoeiro da fala presidencial nos dois eventos, o ministro Joelson Dias a rejeitou, sob a alegação de que Lula somente teria tecido "considerações" sobre a importância econômica das duas obras e de suas implicações sociais para a região. Ele também afirmou que as duas solenidades foram realizadas antes do período de três meses que antecedem as eleições, no qual o comparecimento de qualquer candidato à inauguração de obras públicas é proibido, e disse que é "lícito ao administrador público inaugurar obras e relatar feitos de sua administração".

Ora, nos últimos meses, Lula jamais se limitou a fazer "considerações técnicas" nas duas ou três solenidades diárias de que participa ? e que são fartamente noticiadas pelos jornais, rádios e televisões. Ao contrário, os discursos que o presidente vem pronunciando em profusão pelo País têm em comum o objetivo claro e único de angariar votos para Dilma Rousseff. Além disso, a conversão de "inaugurações" de obras públicas em comícios configura uma ilegal transferência de verbas oficiais e equipamentos governamentais para atividades partidárias.

Nos meios forenses, há quem considere a legislação eleitoral difícil de ser aplicada, por não serem nítidas as fronteiras entre o que é divulgação de atos governamentais e o que é propaganda política e partidária. "Quando inaugura uma obra e faz discurso, o presidente exerce uma função que é própria dele. O problema é quando o agente público beneficia seus correligionários. A conduta é reprovável e até imoral, mas, juridicamente, é difícil de impedir", diz o professor de direito eleitoral da Universidade Federal de Juiz de Fora Geraldo Mendes. Outros juristas lembram que, assim como Lula, vários governadores aproveitam as brechas da lei e fazem propaganda dissimulada.

Mas na terça-feira o presidente Lula fez questão de remover qualquer possível dúvida. Num comício em Governador Valadares, referindo-se explicitamente ao recurso do PSDB e DEM ao TSE, disse com todas as letras o que está fazendo e o que fará: "Acho que nossos adversários estão fazendo como o time mais frágil que tenta parar o jogo no tranco, fazendo falta... O que eles queriam. Que eu ficasse sentado em Brasília? Vou fazer muita força para eleger minha sucessora." E, prometendo que o ritmo das viagens vai se intensificar "até 31 de dezembro", concluiu: "Até lá, a festa é minha."

Para o ex-ministro Carlos Mário Velloso, que presidiu o TSE e o STF, a Justiça Eleitoral seria mais eficaz se divulgasse nota técnica definindo para os partidos políticos e para os candidatos os limites do que pode e não pode ser feito em matéria de divulgação de obras públicas antes do início do período em que é permitida a propaganda eleitoral, em 6 de julho. "O TSE não julga apenas. Também tem a função administrativa de disciplinar as eleições. Ele poderia fazer uma advertência e, se não fosse cumprida, aplicar as punições", afirmou.

Com isso, de fato, o TSE poderia evitar abusos como os que têm sido cometidos por Lula e Dilma e que desmoralizam tanto a legislação eleitoral como o tribunal.

JAPA GOSTOSA

KENNETH MAXWELL

Verdade e consequências

FOLHA DE SÃO PAULO - 11/02/2010


O PARLAMENTO britânico tem muito de positivo. Por exemplo, uma história longa e honrada de governo representativo. Mas, no ano passado, a reputação dos parlamentares foi severamente maculada.
Na sexta-feira passada, as revelações sobre o uso indevido de verbas de representação culminaram com o indiciamento criminal de três parlamentares trabalhistas, acusados pela promotoria. Caso condenados por violação ao "Theft Act", de 1968, podem enfrentar sentenças de prisão de até sete anos.
Entre os três parlamentares acusados está um ex-ministro do governo, Elliot Morley, do Partido Trabalhista, parlamentar por Scunthorpe. Entre 2004 e 2007, Morley solicitou desonestamente 30.438 para cobrir "despesas com segunda moradia" em Winterton, uma cidade perto de Scunthorpe, entre as quais 18 meses de pagamentos atribuídos a juros hipotecários sobre o imóvel depois que o pagamento deste já havia sido concluído.
David Chaytor, parlamentar por Bury North, e Jim Devine, parlamentar por Livingston, também foram suspensos pelo Partido Trabalhista. Na Câmara dos Lordes, um membro conservador, Paul White, ou lorde Hanningfield, porta-voz da oposição para assuntos de transporte, também foi acusado e suspenso por seu partido. Eles irão depor em 11 de março diante do tribunal de Westminster.
As despesas parlamentares auditadas por sir Thomas Legg requeriam que 392 atuais e antigos legisladores, cerca de metade do total de parlamentares, restituíssem 1,12 milhão. Uma lista completa de todas as despesas para as quais os parlamentares pediram ressarcimento pode ser vista no site www.telegraph.co.uk, do jornal "Daily Telegraph".
Elliot Morley nega quaisquer delitos e contratou um advogado especialista em direito constitucional que, aparentemente, alegará que a conduta dele não pode ser julgada em um tribunal criminal, evocando um precedente do século 17 que confere privilégios aos parlamentares, como o de serem julgados apenas por seus pares.
O escândalo surgiu quando militares que estavam trabalhando em tempo parcial no Parlamento para ganhar dinheiro extra denunciaram o caso ao "Daily Telegraph"; eles estavam indignados porque seu trabalho envolvia processar os pedidos excessivos de verba apresentados pelos políticos. E o que os incomodava, acima de tudo, era o equipamento inferior que as Forças Armadas britânicas se viam forçadas a empregar no Afeganistão. A ação deles revelou uma história de extraordinária arrogância e abuso.
Mas, neste caso, felizmente, a verdade teve consequências.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

ARI CUNHA

Na ponta da língua


Correio Braziliense - 11/02/2010


Fernando Henrique Cardoso pôs em artigo em O Estado de São Paulo tudo que podia fazer sobre a política atual, às vésperas das eleições presidenciais. “Dilma Rousseff não é líder. É o reflexo de um líder”. No escrito, diz mais que o presidente Lula da Silva possui “impulsos toscos” e “enuncia inverdades”. Isso quer dizer que, quando dona Dilma Rousseff olha no espelho, não sente que a imagem aparece igual. Explica-se. O espelho mostra a mesma clareza de detalhes, mas reproduz imagem de lado trocado. Em política, diz a sabedoria do povo, vale falar só o que se consegue pensar. Povo não quer saber só das intenções. O PT está fazendo todos os estudos sobre o assunto, para apresentar a Lula a forma definitiva de como deve agir sua candidata.


A frase que foi pronunciada

“Todo homem que se vende recebe muito mais do que vale.”
» Barão de Itararé



Absurdo

»
Assusta a diferença entre o preço de remédios genéricos e o de laboratórios conhecidos. José Serra sabia o que estava fazendo quando criou os genéricos. Por puro preconceito, muitas pessoas preferem pagar mais, não se dando conta de que o princípio ativo é o que vale, adverte Luiz Roberto Guimarães Marreu, da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania de S. Paulo.

Planejamento

»
O povo brasileiro pode ter a fama de fazer tudo em cima da hora. O governo, não. Estão aí os exemplos das Olimpíadas da Grécia e de Barcelona. Milhões de dólares gastos para a construção de centros olímpicos completamente obsoletos. Quando a festa da Copa de 2014 acabar, as instalações devem ceder o espaço à cultura. Projetos espalhados pelo país já provaram que podem resgatar a cidadania dos jovens, antes ociosos.

Novidade

»
Encomendado pela Confederação Nacional da Indústria, estudo revela que o acesso à educação criou nova classificação social. O esforço para atingir os estudos é compensado pelo aumento do poder aquisitivo. A infância sofrida e vencida pela sala de aula é a história da classe média C. O livro de Amauri de Souza fala sobre o assunto.

Boiando

»
Completamente perdidos, os alunos da rede pública só começam a ter aula de inglês na 5ª série. Não há livro didático, e a disciplina é cobrada como se a criança já tivesse base para o estudo. O assunto é sério, principalmente porque as notas dadas mascaram a realidade.

Um rico, outro pobre

»
Inteligente, Osório Adriano Filho começou a distribuir carros da Volkswagen. Certo dia, Lúcio, seu auxiliar para venda de carros usados, chegou ao escritório e encontrou um par de botas ofertada pelo artífice. “Osório, disse ele. Foram me dar essas botas. Não serviam para mim. Agradeci porque não podia usá-las. Agora vejo ao lado de sua mesa o presente que recusei.” Resposta de Osório: “Senti que o meu pé era muito maior, mas achei interessante ficar com o mimo para oferecer a uma pessoa importante que poderá me visitar”.

Aventuras

»
No mundo não havia os esportes radicais, comuns aos dias de hoje em muitos países. Na pequena cidade de Abaeté, Minas Gerais, nascia Geraldo Alves da Silva, que ficou conhecido como Geraldo Maluco. A origem do seu apelido era radical. Começou a andar de bicicleta. A cidade tinha muita areia. Ele treinava pedalando sobre um muro. Daí, a origem do nome que o fez homem corajoso. Morreu depois num desastre de automóvel, sem culpa nenhuma.

Surto

»
Desde o ano passado, há surto de meningite meningocócica no litoral sul da Bahia. Neste ano, quatro pessoas já morreram. A Secretaria de Saúde baiana informa que, além dessas mortes, mais quatro pessoas estão internadas com os sintomas da doença. Em Brasília, autoridades de Saúde ficam atentas ao aumento do número de casos de rotavírus.

Facílimo

»
Anúncio da Honda dá conta de que mais de 400 mil donos da marca em várias partes do mundo vão receber chamado para trocar o acionamento do airbag. Se isso é possível, muito mais fácil é implantar na legislação eleitoral um recall para substituir o político que não merece o voto recebido.

Alegria

»
O Galinho de Brasília prepara algumas surpresas na edição 2010 sob a batuta do mestre Paulo. Além dos passistas de frevo vindos diretamente do Recife, a comissão de frente trará toda diretoria vestindo o traje usado na inauguração de Brasília. Os políticos da cidade podem ficar tranquilos. O forte do Galinho é o ritmo.

História de Brasília

No Iapetc, por exemplo, outro dia uma senhora caiu num bueiro, e foi parar no hospital. Tudo isso em virtude da falta de iluminação em um dos blocos daquela superquadra. (Publicado em 24/2/1961)

UMA RUMA DE GOSTOSAS

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

A lei voa mais alto que o Rafale

O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/02/10



Mais pimenta na novela da compra dos caças. O governo pode comprar o avião que quiser, mas precisa justificar essa escolha tecnicamente. E não só pela via política. Caso contrário, pode ser acionado pelo Congresso, Procuradoria-Geral ou até por ação popular.
A advertência é de dois respeitados juristas. Carlos Eduardo Moreira, da PUC-SP, em artigo no site da FAB, explica: o art. 24 da Lei 8.666 dispensa o governo de licitação mas não da obrigatoriedade de um parecer técnico. Como o Planalto ignorou o da Aeronáutica -- que prefere o caça Grippen ao Rafale -, precisa apresentar outro. Ou esse ato "pode ser declarado nulo de pleno direito".
Oscar Vilhena, da Direito-GV paulista, bate na mesma tecla. O governo é passível de questionamento, disse ele à coluna, "se não mostrar que sua decisão é compatível com a legalidade."
E se o Planalto não fizer nada? O Congresso pode começar convocando Nelson Jobim para depor - e complicar a vida de Lula.

Liberdade já

Com o apoio de Eduardo Jorge e José Gregori, a comunidade baha"i articula manifestação na porta da Embaixada do Irã.
Querem que o governo interceda por sete presos religiosos naquele país.

Diplo-palpiteiros

Rubens Barbosa entra na polêmica sobre o "Conselho de Política Externa" proposto pelo PT para fazer sombra ao Itamaraty. "Não há como discutir política externa com todo mundo. Ela tem que ser feita pelo Estado e não por governos ou partidos."

Além de técnicos, o "órgão" teria ONGs, associações e movimentos sociais.

Lá e cá

António Lobo Antunes, acreditem, tem irmão que escreve. E que não levou 20 anos para ser publicado.
Oncologista, o estreante Nuno Lobo Antunes lançou Sinto Muito e já vendeu 50 mil cópias em Portugal. Brasil? Março, pela Objetiva.

Ela manda?

Se depender de Dona Marisa, Lula não vai assistir aos desfiles da Sapucaí.

Prato principal

Madonna almoçou, ontem, na casa de Luiz Octávio Índio da Costa, no Embu. O banqueiro é um dos que contribuem para seu projeto social Success for Kids.

Fácil, a adesão

Ironia de um respeitado banqueiro sobre a proposta do Banco Central de impor normas para pagamento de bônus aos executivos do mercado financeiro: "Arrumaram uma solução e, agora, eles (BC) estão em busca de um problema."
Só para constar: o Brasil, que não tem nem teve confusão nessa área, é justamente o primeiro a aderir à sugestão do G-20.

Tutti buona gente

Walfrido Mares Guia, ex-ministro de Lula, é amigo de Aécio. Ao mesmo tempo, milita no PSB de Ciro. Nada a estranhar que esteja entrando, discretamente, na campanha de... Dilma.

Números da lei

Tendo em mãos os números da Lei Rouanet 2009, Juca Ferreira se considera vencedor do debate sobre a reforma de seu texto.
É que os investimentos em cultura com base em renúncia fiscal bateram nos R$ 849 milhões. Menos que em 2007 e 2008, mas um sinal, segundo ele, de que os investidores não se assustaram tanto com a polêmica nem recuaram diante da crise.

NA FRENTE

André Urani, economista carioca, tem nova missão: assume a Fundação Natura.

Toquinho aceitou. Vai traduzir e compor a versão em português do esperado musical americano, Cats.

Está de nome novo o auditório superior do TUCA, na PUC. Passa a se chamar Paulo Freire a partir do dia 25. Ana Maria Freire, viúva do educador, confirmou que estará presente à homenagem.

Selton Mello está no Polo Cinematográfico de Paulínia. Ataca de diretor nas filmagens do longa Filme de Estrada. O segundo de sua carreira.

Tobias da Vai-Vai convidou e Eduardo Suplicy topou: vai desfilar em São Paulo.

Estão abertas as inscrições para o Prêmio São Paulo de Literatura. Os vencedores levam a bagatela de R$ 200 mil.

Os quilombos no Vale do Ribeira vão virar documentário. Objetivo? Mostrar a importância da mata atlântica no local.
Clássico de Aluísio Azevedo, O Mulato vai ganhar uma versão para a telona. Produzido por Gisella Mello.

Cerca de 500 obras de arte islâmica de 1.400 anos vêm para São Paulo no fim do ano. Quem traz é o CCBB.

Cerca de 500 clientes do restaurante Obá redigiram pedidos para... Iemanjá. E não é que Carlos Tavares, dono da casa, viajou até para Salvador jogá-los na Praia Vermelha

JANIO DE FREITAS

Nos ombros de Serra


Folha de S. Paulo - 11/02/2010


FHC, Sérgio Guerra e Tasso caíram na esparrela de Lula; quem pagará outra vez é o governador de São Paulo

POR MAIS QUE Lula avisasse do seu desejo de confronto plebiscitário com o PSDB, ainda assim Fernando Henrique Cardoso, Sérgio Guerra, presidente do partido, e Tasso Jereissati caíram na esparrela -e quem vai pagar outra vez por ideias que nunca teve é José Serra.
Uma das causas da limitação eleitoral de Serra em 2002 foi não expor sua divergência frontal com a política econômica anticrescimento de Fernando Henrique, só apoiada pelas classes alta e média alta (o que ficou um tanto esquecido). Com tal cautela, Serra omitiu de sua campanha os temas de maior interesse do eleitorado, que eram sua pretendida política econômica e os projetos sociais. Enquanto Lula aproveitou e explorou os dois temas por si e por Serra. Só de novos empregos seriam 10 milhões, e nem é possível lembrar de quantas reformas.
Ainda que da fraude à realidade seja o mesmo que da campanha ao governo, os feitos do governo Lula, atabalhoados e descriteriosos embora, deixam o governo de Fernando Henrique sem condições reais de comparação. Nem mesmo com os truques de inverdade desvendados na
Folha por Gustavo Patu.
É, porém, com essa imensidão de incomparáveis que Fernando Henrique e seus dois acompanhantes identificam Serra para o eleitorado. E já o compelem a adotar na campanha, porque Lula e Dilma Rousseff não abandonam mais esse presente, o papel em que os três caíram. Então, ou Serra se omite outra vez e será criticado pelos próprios companheiros-candidatos do PSDB, ou pespega na testa corresponsabilidades que não tem e por muito de que discordava mesmo.
São notórias a velha competição entre Fernando Henrique e Serra, a relação muito precária entre Tasso Jereissati e Serra, e o desagrado de Sérgio Guerra com a maneira como Serra impôs sua (pré?) candidatura. Mas a mesma bomba duas vezes sobre a mesma vítima é um tanto excessivo. Inclusive porque José Serra parece não saber o que fazer.

Umazinha
Por falar em Serra, quando ele se queixa está, quase sempre, fora do tom e do momento. Sua queixa contra a insistência da TV Brasil, sobre o que diria da falta de água para 750 mil paulistanos, esqueceu-se de que a pergunta era incômoda, mas compensava um pouco o protetor silêncio de tantos meios de comunicação a respeito. Como de outras perversas sequelas, ainda tão vivas como sofrimento, das últimas semanas em São Paulo.

Uniformes
O registro se autojustifica: saiu-se muito bem no "Roda Viva", sobre sua missão no Haiti e temas correlatos, o coronel Carvalho Bernardes, com respostas competentes, seguras e, pouco usual no seu meio, bem formuladas.
Mas a entrevista realçou uma estranheza. Agora os oficiais do Exército vão à TV sempre em uniforme camuflado, indumentária de campanha. Os jornalistas são mais pacíficos do que podem parecer aos militares, mesmo ao general Maynard de Santa Rosa e seus fantasmas fanáticos. E, sobretudo, é uma atitude forçada demais para passar por autêntica. É mais fácil por ostentação de autoridade.
É claro que essas observações não se aplicam ao ministro Nelson Jobim com a indumentária camuflada de praça e a boina com o indevido emblema do Exército. Isso fica muito interessante em um ex-ministro do Supremo Tribunal Federal.

GOSTOSA

NAS ENTRELINHAS

Elípticas nucleares

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 11/02/2010


O Brasil por acaso acredita que a nuclearização do Irã abriria espaço para o colapso do tratado de não proliferação, permitindo-nos avançar no domínio da tecnologia para fins militares?


Chegou a hora de o governo brasileiro esclarecer sua posição sobre se convém ao mundo o Irã possuir armas nucleares. Se a resposta é “não”, basta dizer. Se é “sim”, a coisa pode ser afirmada até com mais sutileza, só reforçando o direito de todas as nações à soberania nesse campo. Então, com tudo esclarecido, vai ser possível debater onde afinal entra o interesse brasileiro na história.

Até agora é um tema conduzido elipticamente pela nossa diplomacia e pelo presidente da República. O mais importante é omitido. E talvez não pudesse ser mesmo de outro jeito. Oficialmente, o Brasil rejeita que as pressões sobre o Irã cheguem ao limite das sanções. Defende o diálogo.

Ótimo. Mas diálogo com que objetivo? Isso não está claro.

Luiz Inácio Lula da Silva tem dito também, direta ou obliquamente, ele próprio ou pela palavra de outros, que países já atômicos não devem meter o bedelho na vida alheia, pois lhes faltaria moral para tanto. É uma defesa do “sim” como resposta à questão que abre esta coluna, e exatamente com o argumento da soberania.

Talvez o governo brasileiro acredite que um Irã nuclear é necessário para desbloquear a emergência do Estado palestino, sem pré-condições impostas por Israel ou pelos Estados Unidos. É a posição, entre outros, do Hamas e do Hezbollah. Mas enfrenta feroz resistência entre a ampla maioria dos árabes, pois daria a Teerã a vantagem estratégica capaz de desequilibrar o jogo na região. Possivelmente Israel teria como defender-se no novo contexto. Os outros vizinhos do Irã, não.

Talvez o Itamaraty considere que um arsenal nuclear iraniano poderia enfraquecer a posição relativa dos Estados Unidos no Oriente Médio, abrindo espaço ao Brasil como potência planetária emergente, ainda mais por sermos interlocutor privilegiado daquela república islâmica.

O governo Lula tem insistido para ser convidado à mesa nas discussões (hoje bloqueadas) entre israelenses e palestinos, mas nosso poder de fogo é relativo, menor ainda que o da Europa. Quem dá as cartas na barafunda levantina são os Estados Unidos, a Rússia e Israel. Possivelmente pela superioridade militar.

O Brasil por acaso acredita que a nuclearização do Irã abriria espaço para o colapso do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de que somos signatários, permitindo-nos avançar no domínio da tecnologia para fins militares? A pergunta é um pouco longa mas necessária. É isso? Nós queremos ter a bomba? O governo está em busca de motivos, ou pretextos, para tomar as providências jurídicas e materiais para tal?

Para que nós precisaríamos mesmo da bomba? Para construir uma hegemonia hemisférica à margem da área de influência dos Estados Unidos? Pois para atacar a Argentina é que não vai ser. Não temos qualquer contencioso com ela ou outros vizinhos. Pelo menos não contenciosos que demandem solução militar. E, se um dia possuirmos artefatos nucleares, certamente os colegas da América do Sul correrão a neutralizar a vantagem brasileira. O que poderia se dar por dois caminhos. Eles próprios possuindo a bomba ou então permitindo aos Estados Unidos uma presença de dissuasão aqui ao lado.

A América do Sul é um continente privilegiado, livre do terrorismo e de todo tipo de arma de destruição em massa. É o cenário perfeito para a expansão de um “soft power” como o Brasil, baseado na pujança relativa da economia, na proximidade da língua, na nossa herança histórica desprovida de ímpetos coloniais.

Será o caso de mudar a abordagem? Se for, o governo poderia explicar por quê?

Solto
O Banco Central ajudou a colocar lenha na fogueira para o real perder um tanto de valor. Mas se houvesse ameaça inflacionária o BC não estaria fazendo isso, não deixaria o dólar correr solto.

É reconfortante a tranquilidade do BC em relação ao dólar. É o maior sintoma de que não há qualquer motivo razoável para subir os juros.

CELSO MING

O nome do gato

O Estado de S.Paulo - 11/02/2010

As autoridades da União Europeia parecem indecisas. Estão de acordo em que seja necessário o socorro à Grécia, mas não sabem que formato terá. A elaboração de um pacote desses enfrenta inúmeras restrições.

Tem de ser socorro, mas não pode ter esse nome. Tem de ter focinho de gato, orelha de gato, rabo de gato e ronrom de gato, mas não pode ser chamado de gato para não criar precedentes e não ser interpretado como "risco moral", como recompensa a quem falhou miseravelmente.

Não pode colocar ênfase demais nas exigências feitas ao governo grego porque pode parecer interferência externa. Além disso, os tratados da União Europeia proíbem empréstimos entre países-membros.

Não pode tampouco ser um resgate a ser feito pelo Banco Central Europeu (BCE) porque isso caracterizaria atuação fiscal de um organismo que tem de se restringir à execução da política monetária do euro. Seria o mesmo que pagar despesas correntes com emissão de moeda.

E há um veto explícito a que um país do bloco recorra ao Fundo Monetário Internacional (FMI): "Seria uma humilhação", disparou o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, como relatou ontem o diário Le Monde.

Esse veto à intervenção do FMI precisa ser mais bem entendido porque à primeira vista parece estranho. O FMI é uma instituição criada para evitar quebras e, quando elas acontecerem, consertá-las. Nas discussões sobre reforma do sistema financeiro internacional foi a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, que mais se bateram pelo fortalecimento do FMI. E, no entanto, Alemanha e França parecem agora os países mais contrários a que a Grécia seja resgatada pelo Fundo. Por que, então, o FMI não serve para a União Europeia?

A ajuda do Fundo a um sócio da área do euro não pode ser considerada humilhação depois que a ele recorreram a Inglaterra (em 1976), a Suécia (em 1992) e, mais recentemente, a Polônia, a Ucrânia e a Hungria. As verdadeiras razões do veto são outras. Parece que tem a ver com a incapacidade do FMI de impor cumprimento das exigências que viriam com o aporte financeiro. Nos anos 80, o Brasil se lixava para as determinações do Fundo. "Assinei uma penca de acordos com o FMI, mas não cumpri nenhum deles", gabava-se mais tarde o ministro da Fazenda de então, Delfim Netto. Em 2001 foi a Argentina que transgrediu descaradamente os contratos.

Assim, como o FMI não tem essa força, eventual descumprimento das condicionalidades impostas num plano de resgate de qualquer país da área do euro lançaria todo o bloco no descrédito e alguns de seus membros, numa espécie de default desordenado. (Veja, ainda, o Confira).

Essa parece ser a verdadeira razão pela qual viceja na União Europeia a ideia de criar um fundão para uso próprio, o Fundo Monetário Europeu.

Seja qual for a natureza e o nome do gato a ser enviado a Atenas, persiste o problema do "risco moral". Parece impossível afastá-lo inteiramente. No entanto, o "risco moral" pode ser reduzido se a União Europeia impuser multas para cada transgressão das regras fiscais a que estão obrigados os países-membros da área do euro. A conferir.

Confira
Pergunta intrigante - Os países da União Europeia estão entre os maiores signatários do capital do Fundo Monetário Internacional. Se o FMI não serve para as necessidades do bloco, por que então seus membros continuam a sustentá-lo?

Mas, afinal, por que o FMI não serve para os países-membros da União Europeia?

Ontem, o jornal parisiense Le Monde citou um "alto funcionário" da União Europeia: "Neste momento em que os europeus procuram melhorar sua coordenação política, não faz sentido impor (à Grécia) um governo econômico subordinado a Washington."

JAPA GOSTOSA

ELIANE CANTANHÊDE

Rápidos no gatilho


FOLHA DE SÃO PAULO - 11/02/2010


BRASÍLIA - Jobim foi rápido no gatilho e acertou o general-de-Exército Maynard Marques de Santa Rosa, que chamou a comissão da verdade (para apurar torturas na ditadura militar) de "comissão de calúnias", cheia de "fanáticos que, no passado recente, adotaram o terrorismo, o sequestro de inocentes e o assalto a bancos". Adivinha a quem ele se referia?
Jobim leu a Folha, ligou para o comandante do Exército, Enzo Martins Peri, falou com Lula e ajustou a mira. O tiro em Santa Rosa, porém, não foi no coração. Ele está sendo exonerado da chefia do Departamento Geral de Pessoal e indo fazer nada no gabinete do comandante até 31 de março, quando cai na reserva por tempo.
A exoneração, assim, foi um ato político para mostrar que: 1) Militar não pode brincar com explosivos, nem ameaçar o poder civil, nem questionar publicamente o presidente (que assinou o decreto da comissão da verdade); 2) Ninguém quer confusão, a ponto de abrir um longo e rumoroso julgamento para expulsar o general com base no "Regimento Disciplinar do Exército". O risco seria transformá-lo em herói.
Jobim teve pressa para evitar que oficiais se solidarizassem tanto com Santa Rosa como com o que ele escreveu. O general é "porta-voz" da "linha dura" do Exército e já tinha criado caso duas vezes antes, provocando Jobim. Numa, por causa da reserva Raposa/Serra do Sol. Noutra, por causa da Estratégia Nacional de Defesa.
No caso das críticas à comissão da verdade, a dúvida do próprio governo é se foi realmente "em nome pessoal", como disse Enzo Peri a Jobim, ou se Santa Rosa aproveitou a proximidade da ida para a reserva para manifestar um sentimento disseminado no Exército. Nesse caso, ele sai do departamento, mas a insatisfação continua.

Dia do fico: recém-filiado ao PT, Amorim disse a Lula ontem que não é candidato a nada.

REGINA ALVAREZ

Olhando a dívida

O Globo - 12/02/2010


Só recentemente o mercado começou a olhar com mais atenção para o endividamento público pelo conceito de dívida bruta. O sinal de alerta veio com a divulgação do resultado consolidado de 2009, que mostrou um pulo de quase sete pontos percentuais do PIB no montante da dívida, turbinada pela operação de capitalização disfarçada do BNDES, feita pelo Tesouro com a justificativa de expandir a oferta de crédito e atacar a crise.

No Brasil, ao contrário de outros países, o mercado se acostumou a olhar para a dívida líquida como o termômetro de qualidade do endividamento público. E o governo estimula essa leitura.

Fez questão de reforçar na divulgação dos números de 2009 que a operação com o BNDES não teve impacto fiscal, já que foi feita em forma de empréstimos. O Tesouro emitiu títulos e recebeu créditos equivalentes do banco, com efeito neutro na dívida líquida. Acontece que pela natureza das operações do BNDES, que financia investimentos, o retorno desses investimentos será de longo prazo, quase vitalício. Em 2009, foram R$ 100 bilhões e em 2010 mais R$ 80 bilhões estão prometidos.

O governo encontrou essa forma disfarçada de expansão de gastos. Mas o mercado começa a ficar atento. Pelo descasamento entre os vencimentos da dívida pública e o retorno dos empréstimos, pelo risco de crédito e pelo custo fiscal embutido nas operações — equivalente à diferença entre o que o Tesouro paga pelos títulos, corrigidos pela taxa Selic, e o retorno dos financiamentos, vinculados à TJLP.

Arthur Carvalho, economista da Ativa, destaca que para avaliar a política fiscal não basta olhar para o superávit, é preciso também contabilizar essa injeção de liquidez no banco público: — O que mais preocupa é a perspectiva de o governo continuar com essas operações, alegando que não está gerando passivo fiscal.

Felipe Salto, da Tendências, observa que o discurso oficial de austeridade para 2010 não combina com essa ação expansionista disfarçada que resultou na mudança de patamar da dívida bruta: — O risco é a falta de transparência e o expansionismo fiscal que não aparece nas contas primárias.

Por enquanto, os analistas não enxergam risco de insolvência na trajetória da dívida, mas alertam que num cenário em que o mundo se mostra cada vez mais nervoso com o risco soberano, qualquer incerteza em relação ao financiamento da dívida é uma sinalização muito ruim para os mercados.

Ociosidade em queda

O resultado da Utilização da Capacidade Instalada da indústria de dezembro (NUCI), divulgado ontem pela CNI, jogou mais lenha na fogueira de discussões sobre os juros. Se, por um lado, a indústria rejeita a tese de que há risco de inflação por conta do aumento forte da produção; por outro, no mercado há quem aposte que em abril o NUCI alcançará os níveis anteriores à crise.

O NUCI vem crescendo a uma taxa de 0,4 ponto percentual nos últimos seis meses.

Pelos cálculos do economista do Banco ABC Brasil Felipe França, se esse ritmo se mantiver, o NUCI alcançará 83,2 pontos em abril (veja no gráfico). Mesmo patamar do início de 2008, que ajudou a dar motivos para o aumento dos juros pelo Banco Central a partir de abril daquele ano.

— Esse crescimento forte é resultado da recuperação da economia, mas também da falta de investimentos da indústria durante a crise, que impediu o aumento da capacidade produtiva — afirmou França.

Gargalo nos trilhos

As carências na infraestrutura ferroviária no país não estão restritas ao tamanho da malha — que hoje é cerca de 20 mil quilômetros menor do que o necessário. Pesquisa da CNT mostra que os principais gargalos logísticos das ferrovias estão em áreas urbanas, que crescem desordenadamente e dificultam o tráfego de trens. A entidade cita como exemplo o acesso ao Porto de Mucuripe, no Ceará. O crescimento desordenado de favelas tem impedido a circulação de trens em alguns trechos. Já na Baixada Santista, a chegada ao Porto de Santos é dificultada pelas invasões ao longo da malha. Pelos cálculos da CNT, é preciso investimentos de R$ 8 bilhões

VAMPIRO

NELSON DE SÁ - TODA MÍDIA

Serra, Dilma e o mercado

FOLHA DE SÃO PAULO - 11/02/10


Sob o enunciado "O mercado se divide entre Serra e Dilma", o "Valor Econômico" ouviu ontem bancos de investimento, corretoras e outros.
Por um lado, em suma, o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros afirmou ser "uma 'irresponsável superficialidade' acreditar que, num governo Dilma, tudo estará muito bem, pois os investidores continuarão ganhando, já que serão preservadas as políticas". Diz que ela tem "uma visão soviética das coisas, de ampliar a presença do Estado".
Por outro, relatório do ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman concluiu que "a evolução das contas públicas do Estado de São Paulo foi muito semelhante à do governo federal, não confirmando a avaliação de que Serra tenderia a ser mais duro na questão fiscal do que Dilma". Pela "realidade fria dos números, é muito parecido".

CELEB
Sob o enunciado "Filantropia", o G1, da Globo, destacou as observações de Serra após o encontro com Madonna. O UOL registrou. O blog de Guilherme Barros, no iG, notou a "aglomeração de centenas de jornalistas" no Palácio dos Bandeirantes, como "poucas vezes"

EU SOU PT. A DILMA É PT"
Ontem em inserções e no UOL e no iG, o Partido dos Trabalhadores comemorou seu aniversário num comercial com Dilma e Lula como protagonistas. Dele, primeiro, "Eu sou PT. A Dilma é PT. Nós todos somos PT. E você?" Dela, encerrando: "Venha com a gente. Vamos continuar mudando o Brasil".
Segundo o blog de Fernando Rodrigues, "o comercial marca a formalização da associação entre o publicitário João Santana, o PT e a campanha de Dilma". Nas "sondagens preliminares, o filme bateu muito positivamente no coração dos eleitores petistas e neutros".

"DILMA LEVA EU"?
Segundo a "Veja", "depois de dois encontros com Dilma, o marqueteiro Duda Mendonça acreditou que poderia ser escalado" e enviou uma vinheta criada a partir do samba de Zeca Pagodinho, com o refrão "deixa a Dilma me levar, Dilma leva eu". Segundo um emissário, "ela adorou". Segundo outro, "não gostou nem respondeu".

ALCKMIN & GONZÁLEZ
Segundo o "Valor", "de acordo com fontes ligadas aos dois", Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin teriam concordado em usar o mesmo "estrategista" nas campanhas para presidente e governador, Luiz González. Na última campanha para prefeito de São Paulo, González foi o marqueteiro de Gilberto Kassab, contra Alckmin.

JIM O'NEILL, BRASILEIRO
Em longa entrevista ao iG, o economista Jim O'Neill, que vislumbrou os Brics, afirmou que a China será a segunda economia do mundo "ainda neste ano", passando o Japão, e o Brasil desafiará a posição de Inglaterra e França "em breve". Mas "o verdadeiro sucesso brasileiro foi a tomada de um crescimento inclusivo".
Sobre o conceito Bric, "não tínhamos ideia de que isso se tornaria tão grande, mas a realidade vem confirmando nossas previsões". Brincou que "esses países deviam me conceder o título de cidadão honorário".

BRASIL VS. EUA
A BBC Brasil relatou ontem, da correspondente em Washington, que a "retaliação comercial do Brasil preocupa empresários dos EUA". Apoiada pela Organização Mundial de Comércio, deve focar propriedade intelectual. De um diretor da Associação Nacional de Manufatureiros, maior entidade da indústria americana:
"Num setor com tantas multinacionais, a retaliação certamente terá um impacto mais amplo, não só nos dois países. Estamos muito preocupados com o impacto que isso teria, não somente nas nossas relações com o Brasil, mas em como abordar esse tipo de sistema, na ideia de propriedade intelectual como um todo."

GOOGLE, GO HOME
Ameaçado de retaliação pela China, após questionar as restrições que enfrenta no país, o Google surgiu ontem na manchete on-line do "Wall Street Journal", com a notícia de que o Irã anunciou ter tirado do ar o Gmail, serviço de e-mail do Google, na véspera do aniversário da revolução islâmica, comemorado hoje

ROLF KUNTZ

O show e o projeto poder

O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/02/10


Boneca de ventríloquo? Nem sempre. Nenhum ventríloquo, a não ser por gozação, teria chamado Governador Valadares de Juiz de Fora duas vezes na mesma visita. Nem teria mencionado o ambiente como "ameaça ao desenvolvimento", especialmente em Copenhague durante a conferência do clima. Também não teria respondido a uma repórter de forma truculenta, usando com ar de superioridade a expressão "minha filha". Tudo isso é Dilma Rousseff na sua mais autêntica expressão. O problema não é falta de carisma nem de liderança. A escassez é de atributos mais básicos. Também é puro Dilma Rousseff o desafio lançado na terça-feira: "Se quiserem, vamos comparar número por número, obra por obra, casa por casa, escola por escola, emprego por emprego."

Partindo de Lula, esse desafio seria apenas mais uma esperteza, rasteira como tantas outras. Na boca da ministra, ganha um tom diferente: ela parece acreditar na relevância e no valor informativo desse confronto de números e de obras. Também essa crença é indicativa do padrão da Mãe do PAC.

A comparação relevante é outra, mas não é assunto para palanque nem proporciona grande novidade ao público razoavelmente informado. O crescimento econômico do período Lula simplesmente não teria ocorrido sem o governo anterior - de fato, sem os dois governos anteriores.

A economia brasileira foi reformatada entre 1994 e 2002. Nenhum avanço teria ocorrido a partir de 2003, se não se tivesse eliminado a hiperinflação e não se houvessem criado as bases para uma política monetária eficiente e para um controle maior das contas públicas.

Tudo isso é bem conhecido e realizações desse tipo não são comparáveis com números de obras e de empregos. São condições para a execução sustentável de programas de obras e de criação de empregos.

O presidente Lula sabe disso. Evita reconhecê-lo, mas poderia ter contado essa parte da história à ministra Dilma, para instruí-la um pouco mais sobre os fatos. Ela tem um diploma de economista e essa conversa poderia trazer-lhe sugestivas lembranças da vida escolar.

Foram cometidos, é claro, alguns erros graves no governo de Fernando Henrique Cardoso. A valorização cambial prolongada foi um desses equívocos. Funcionou como âncora dos preços durante algum tempo, mas acabou prejudicando o equilíbrio externo. Economistas do governo confiaram demais na poupança estrangeira como fator de crescimento e o fizeram no pior momento, num mundo cheio de turbulências.

A crise cambial de janeiro de 1999 foi o preço desse erro. Mas a recuperação foi rápida e as inovações implantadas no mesmo ano - câmbio flutuante e metas de inflação - tornaram-se elementos essenciais da política econômica, juntamente com o compromisso do superávit primário. O presidente Lula manteve esse conjunto de instrumentos. A Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, e a disciplina imposta a Estados e municípios, quando suas dívidas foram renegociadas nos anos 90, completaram o balizamento da política econômica.

Inovações desse tipo foram imensamente mais complicadas, em termos técnicos e políticos, do que qualquer realização a partir de 2003. Além do mais, a abertura da economia brasileira, no começo dos anos 90, a privatização de atividades típicas de mercado e a modernização da política do petróleo aumentaram a eficiência e a competitividade da produção. O sucesso do governo Lula - e isso inclui a redução da pobreza - foi um desdobramento dessas mudanças.

Quando se examina a história recente a partir desse ponto de vista, fica evidente o absurdo da comparação de obras e números, embora também os avanços na redução da desigualdade e na universalização do ensino fundamental tenham começado bem antes de 2003. As séries históricas do IBGE não deixam dúvida quanto a isso.

Alguns dos petistas mais articulados, como o recém-eleito presidente do partido, José Eduardo Dutra, falam em continuidade, prometem a manutenção das bases de uma economia saudável e desafiam os tucanos a detalhar seus planos de mudança. Esse é o desafio sério, não o da comparação estapafúrdia proposta pela ministra Dilma Rousseff. Mas o presidente Lula escolheu a ministra como candidata, embora nada, em seu currículo administrativo ou político, a recomende para o cargo. Que plano de poder dá sentido a essa escolha? Eis um tema de reflexão para o eleitor preocupado com a democracia.

*Rolf Kuntz é jornalista

GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO

LUIZ FELIPE LAMPREIA

Imaginação voluntarista


O Globo - 11/02/2010

Informam os jornais que o Partido dos Trabalhadores decidiu incluir em seu programa a criação de um “conselho de política externa” paralelamente ao Ministério das Relações Exteriores. A proposta sugere que o referido conselho seja integrado por representantes de ONGs, sindicatos e movimentos sociais.

A ideia é preocupante por várias razões. Em primeiro lugar, porque visa a colocar o Itamaraty sob a tutela de alguns segmentos da sociedade brasileira, que têm suas próprias credenciais, sem dúvida, mas não podem arrogar-se o direito de serem os únicos porta-vozes legítimos da nação.

A Casa de Rio Branco — fundada por Dom João VI em 1808 — tem uma folha de duzentos anos de serviços prestados ao país sob a forma da definição perpétua e pacífica do território nacional, de bom convívio com nossos dez vizinhos e de múltiplas batalhas em defesa do interesse nacional nos mais variados planos. É reconhecida em todo o mundo por ser conduzida por profissionais de alto gabarito e integridade. Levantar dúvidas sobre sua competência como instituição ou sua dedicação ao Brasil é uma postura espúria.

Em segundo lugar, a proposta é facciosa porque afirma que só no atual governo o Itamaraty procurou ouvir e dialogar com representações categorizadas da sociedade civil. No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem tive a honra de ser por seis anos o ministro das Relações Exteriores, este exercício foi constante.

Cito alguns exemplos.

Em maio de 1996, em Belo Horizonte, reuni-me com representantes de todas as principais organizações sindicais para discutir a posição brasileira na Alca.

Com os representantes do setor produtivo nacional, tivemos diálogo regular no Conselho Empresarial, que buscava examinar os interesses econômicos do país nas negociações da OMC e da integração regional. Com representantes das ONGs ambientais, tivemos amplas e frequentes reuniões antes e depois da Conferência de Kyoto, sobre o Protocolo que resultou daquela conferência, na qual a delegação brasileira chefiada pelo ministro José Israel Vargas teve atuação marcante. Falei inúmeras vezes em universidades, escrevi muitos artigos na imprensa de prestação de contas à opinião pública. Dialoguei constantemente com representantes de diversas denominações religiosas. Por fim , mantive em mais de uma ocasião um diálogo aberto e respeitoso com o professor Marco Aurélio Garcia, na própria sede do Itamaraty ou fora dela. Todas estas afirmações são factuais e comprováveis, não resultam da imaginação ou de propósito ideológico.

O aventado “conselho” — que pretende implantar um novo modelo radicalmente mais aberto na representação da sociedade brasileira — é apenas mais um passo na busca de desconstrução do passado que, na área da política externa, como em diversas outras, tem caracterizado o presente governo.

Em terceiro lugar, esta é também uma tentativa de abalar as próprias colunas do Estado forte, ao qual tantas loas são tecidas por aqueles que agora o exaltam como um requisito do progresso do Brasil.

Existe um consenso universal de que relações exteriores e defesa são os dois campos em que há competência básica do Estado. Subordinar políticas públicas, como a externa, a um comitê de posições apriorísticas e pouco representativo do conjunto da nação resultará inevitavelmente em debilitar o Estado, tolhendo-o de uma das mais essenciais atribuições da soberania: representar o país na cena internacional.

Resta torcer para que a inoportuna ideia deste “conselho de política externa” permaneça no rol das fantasias que nunca se concretizam por que resultam apenas da imaginação voluntarista de alguns e, como dizia Fernando Pessoa, “não têm relação com o que há na vida”.

MERVAL PEREIRA

2010 e a classe C

O Globo - 11/02/2010


A pesquisa que a Fundação Getulio Vargas divulgou ontem mostrando que os efeitos da crise financeira internacional frearam a mobilidade social que o país vinha desenvolvendo nos últimos anos revela também a fragilidade do processo de inclusão social na base do consumo popular, fomentado pelos programas assistencialistas e o aumento do salário mínimo.

O avanço permanente desde 2004 da classe média foi paralisado pela crise, fazendo com que a classe C — famílias com renda de R$ 1.115 a R$ 4.807 — permanecesse praticamente no mesmo patamar de dezembro de 2008 a dezembro de 2009: representava 53,58%, uma queda de 0,4% no período.

O crescimento da “nova classe média”, no entanto, continua formidável. Em dezembro de 2003, a classe C representava 42,99% do total da população.

A notícia boa é que a recuperação, tanto da classe AB — que cresceu 2% — quanto das demais, ocorreu no mesmo ano da crise, recuperando perdas que foram mais sensíveis no último trimestre de 2008 e no primeiro semestre de 2009.

No trabalho da Fundação Getulio Vargas há uma parte dedicada para prospecções dos próximos quatro anos, até 2014, período do futuro mandato presidencial pós-Lula.

Embora otimista, o trabalho não se alinha a um outro, divulgado meses atrás pelo Ipea, que previa o fim da pobreza no país nos próximos anos.

O economista Marcelo Neri, coordenador do trabalho, acredita que seja possível reduzir a pobreza pela metade nesse período, caindo de 16,02% da população para 7,96% em 2015, com a seguinte previsão por classes sociais: queda da classe D d e 24,35% para 19,9%; aumento da classe C para 56,48%; e aumento da classe AB de nada menos que 50%, passando a representar 15,66% da população.

Marcelo Neri reforça a constatação de que se a pobreza cai pela metade, a classe AB dobra. Com esses números, cerca de 2,6 milhões de cidadãos seriam incorporados ao mercado consumidor, somando um total de 36 milhões de brasileiros a mais na classe média desde 2003.

Esse cenário de longo prazo, se analisado apenas pelo ano de 2010, traria números excelentes para o governo em pleno ano eleitoral, segundo a previsão de Neri. A pobreza cairia 10% este ano, por exemplo.

Na sua análise, Neri não vê fatores restritivos à expansão da economia em curto prazo, prevendo que a redução generalizada de estoques em 2009 mostra que os empresários temeram uma recessão pior do que a ocorrida, e isso terá um efeito expansionista neste ano, assim como a retomada dos empregos ajudará a fortalecer o mercado interno.

Além de todos os efeitos econômicos, inclusive os estatísticos que ajudarão a aumentar o PIB de 2010, o economista Marcelo Neri vê uma razão bastante pragmática para prever um bom ano: “Se 2010 seguir a tradição de todos os anos eleitorais da nova democracia brasileira, há que se esperar ganho em todas as fontes de renda e nas transferências públicas em particular”, comenta ele.

A importância política dessa recuperação é fundamental para os planos do governo de eleger como sucessora a ministra Dilma Roussef. O cientista político e ex-porta-voz de Lula André Singer, professor da USP, já havia divulgado um trabalho em que definia o lulismo como baseado no subproletariado beneficiado pelos programas assistencialistas do governo e pelo aumento do salário mínimo dentro da lógica conservadora, “que identificou no governo um fiador da estabilidade econômica e garantidor de sua nova situação financeira”.

Na definição do sociólogo mineiro Rudá Ricci, que está lançando o livro “Lulismo, Da Era dos Movimentos Sociais à ascensão da Nova Classe Média Brasileira”, o surgimento dessa nova classe “é o fenômeno sociológico mais significativo por que passou o país na primeira década do século XXI e que formatou o lulismo enquanto programa de modernização e gerenciamento político”.

Mas ele constata que a inserção se deu “pelo consumo e não pelas práticas políticas ou sociais”.

Ele não vê o lulismo como a volta do populismo clássico, mas “como um novo processo de inclusão social a partir do Estado como tradutor dos interesses sociais desorganizados”.

Para ele, “o fato relevante é que o lulismo gerou e se alimenta da emergência da nova classe média brasileira”. Segundo o sociólogo, essa mobilidade social dá sentido ao estilo discursivo e ao projeto estataldesenvolvimentista do governo.

“Lula fala para esta nova classe média, milhões de brasileiros que rompem com histórias familiares de exclusão do consumo de massas”.

Os componentes dessa nova classe, que durante o pico da crise internacional teve redução sensível na sua composição, especialmente devido ao desemprego, são, segundo Rudá Ricci, “brasileiros pragmáticos como o lulismo.

Não são afetos a teorias ou ideologias. São descrentes da política.

Seus vínculos sociais são comunitários, muitas vezes familiares”.

Esse pragmatismo e o conservadorismo da nova classe, identificados pelos dois cientistas políticos, podem representar também uma armadilha para a candidatura oficial.

Se esse eleitorado, teoricamente cativo do “lulismo”, não sentir na candidata oficial a melhor garantia de continuidade, abre-se campo para outros candidatos, que explorarão a inexperiência da ministra Dilma e as posições mais à esquerda que seu programa de governo sinaliza.

GOSTOSA

MÔNICA BERGAMO

Menina Travessa

Folha de S.Paulo - 11/02/2010


Herdeira de uma rede internacional de hotéis, a socialite americana Paris Hilton, que vem para o Carnaval do Rio, foi escolhida como garota-propaganda de uma nova cerveja da marca Devassa. O filme da campanha, criada pela agência Mood, de Augusto Cruz Neto e Aaron Sutton, foi produzido em Los Angeles pela O2 e as fotos foram feitas por J.R. Duran

TV Globo contrata coral para dublar foliões
Sabe aquele som contagiante dos foliões dos carnavais do Rio de Janeiro e de São Paulo, diretamente da Sapucaí e do Anhembi, que o público ouve em casa ao sintonizar a TV na Rede Globo? Pois é. Trata-se de uma dublagem feita por corais contratados pela emissora.

Há anos, a Globo recruta, a cada temporada, cerca de cem pessoas em SP e mais cem no Rio. O grupo passa a madrugada em área reservada do sambódromo entoando o samba-enredo de cada uma das escolas. Esse áudio é captado ao vivo e mesclado ao som real da folia. Assim, a música fica mais nítida para o telespectador.

Nos bastidores do Carnaval, contudo, algumas escolas se queixavam de perda de espontaneidade da folia. A Globo defende o recurso. Procurada na segunda-feira, só ontem confirmou a existência do coral, mas disse que ele não será mais utilizado neste ano.

"A TV Globo tem o compromisso de oferecer sempre uma transmissão de qualidade do Carnaval. Recursos artísticos e tecnológicos são utilizados para garantir a grandiosidade da festa (...) Porém, [o coral] não é mais utilizado. Hoje em dia, com a evolução tecnológica, isso, quando necessário, é feito digitalmente", diz a Central Globo de Comunicação. Os corais são compostos de amadores, em proporções iguais de homens e mulheres, jovens e velhos etc. Todos ganham cachê (por volta de R$ 100 por pessoa) e têm à disposição lanches e bebidas não alcoólicas a noite toda. Recebem também CDs das escolas para que se familiarizem com as letras em casa. Antes da transmissão, recebem apostilas com as letras.

GRANA NA GRAMA
O governo federal contratou por R$ 5 milhões a Fundação Getúlio Vargas para mapear a atividade econômica gerada pelo futebol brasileiro e a situação financeira (especialmente as dívidas) de 738 clubes de todo o país.

Os dados servirão de base para uma política pública de incentivo, que prevê uma linha de crédito oficial, estimada em R$ 5 bilhões, para sanear o caixa de agremiações problemáticas.

VALE O QUANTO PESA 1
Em operação realizada no litoral de SP na última semana de janeiro, o Instituto de Pesos e Medidas (Ipem) visitou 60 supermercados e realizou 36 autuações, principalmente devido a alimentos (como carnes, queijos e frutas) que continham menos conteúdo do que o apontado nas embalagens.

VALE O QUANTO PESA 2
Das 36 autuações, 31 aconteceram em supermercados da rede Companhia Brasileira de Distribuição (formada por Pão de Açúcar, Extra e Compre Bem), que teve 25 unidades inspecionadas.

A rede diz que considera "o fato pontual e decorrente de uma série de fatores que incidem sobre a operação na alta temporada" e que intensificou o treinamento das equipes na venda de produtos fracionados.

PÁGINAS DA VIDA
O juiz Fausto De Sanctis está colocando pontos finais em um novo livro. De ficção.

MORRO POP 1
Diretores que gravam com seus artistas no morro Dona Marta, no Rio, costumam fazer doações à associação de moradores local. "A produção do "Tropa de Elite 2" deixou R$ 1.000. Os organizadores do evento de uma bebida energética deixaram R$ 2.700. A Globo deixa uns R$ 2.000 a cada vez que vem gravar a novela "Viver a Vida" aqui", diz o líder comunitário José Mário Hilário.

MORRO POP 2
A cantora americana Alicia Keys, que grava videoclipe por lá, ainda não fez sua doação. Mas movimenta a economia local: pagou R$ 300 a um morador pela utilização de sua laje.

TESTE ÉTICO
O humorístico "CQC", da Band, está gravando quadro novo, no qual, em vez de pegar no pé de políticos e de celebridades, aponta o canhão para o cidadão comum. Na estreia, um ator finge tomar uma garrafa de pinga num restaurante do centro de SP e, apesar da aparente embriaguez, ninguém o aconselha a evitar o volante.

"Teve gente que ajudou o motorista bêbado a abrir a porta da van escolar. É muita indiferença", diz Marcelo Tas, líder do programa.

MARTINHO DA CHINA
Martinho da Vila foi convidado para se apresentar na China, acompanhado de uma escola de samba, depois do Carnaval.

A COBRA VAI FUMAR
A Lei Antifumo colocará seu bloco na rua durante o Carnaval de São Paulo.

Fiscais da Vigilância Sanitária e do Procon irão a clubes e sambódromos, em todo o Estado, para flagrar foliões com a boca na botija.

ELIANA VOADORA
A apresentadora Eliana usará em seu trio elétrico, em Salvador, roupas da Neon inspiradas na vida selvagem.

Tradução: "Um minicaftã em forma de borboleta pink e um vestido tubinho que simula uma arara azul", explica sua assessoria de imprensa.

DOUTORA CAYMMI
Stella Caymmi, neta de Dorival Caymmi, está fazendo uma tese de doutorado sobre a obra do avô e a era do rádio. Com base na trajetória da música "O Que É Que a Baiana Tem?", quer analisar a cultura brasileira no início do século 20.

CURTO-CIRCUITO
O CANTOR MATISYAHU apresenta o repertório do CD "Light" em show no Via Funchal, no dia 11 de abril. Os ingressos custam de R$ 100 a R$ 180. Classificação: 12 anos.
A BANDA DREAM THEATER faz turnê por várias cidades brasileiras. Em São Paulo, toca no dia 19 de março, no Credicard Hall, com ingressos de R$ 80 a R$ 300. 14 anos.
A CAIXA CULTURAL da avenida Paulista recebe a partir de amanhã a exposição "Lothar Charoux: Entre Vida e Obra". Hoje, acontece a abertura para convidados.
MARCOS Z , dono do clube Audio Delicatessen, recebe convidados para o seu aniversário, hoje, a partir das 23h, na balada da rua Mourato Coelho. Classificação: 18 anos.
A FESTA DE CONFRATERNIZAÇÃO da segunda temporada do reality show "A Fazenda", da Record, com presença dos participantes do programa, acontece hoje no restaurante Red Angus.

MARIO CESAR FLORES

Democracia participativa, possibilidades e riscos

O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/02/10


A "interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa" (Decreto 7.037, de 21/12/2009, referenciado aos direitos humanos) ativou na agenda brasileira o tema da participação do povo em decisões nacionais por referendo, plebiscito e consulta popular direta ou via intermediação de assembleias ou conselhos - tema eivado por possibilidades, limitações e riscos.

A participação do povo tem, de fato, algum sentido racional. Ela promove o engajamento popular na prática da cidadania e é adequada para auscultá-lo em assuntos locais e simples que o afetam diretamente e estão ao alcance de sua compreensão e avaliação. Mas em comunidades maiores e heterogêneas e/ou para assuntos complexos corre o risco de deturpação por cooptação viciosa, que se vale da apatia ou do despreparo da massa vulnerável ao engodo - vulnerável até à redação capciosa da consulta, condicionadora da resposta. A democracia participativa de Péricles e a de Rousseau, 2.500 anos depois, eram adequadas a Estados pequenos, de população e "religião cívica" homogêneas, como a Atenas de Péricles e a Genebra de Rousseau, e mesmo nelas a participação era seletiva (Atenas era escravocrata...). Não foi cogitada para o voto universal em Estados extensos, com grandes populações heterogêneas, em parte despreparadas em assuntos complexos.

Nessas circunstâncias, a participação prescindente da intermediação da representação política - que, embora com defeitos, grandes no Brasil, é portadora de delegação do povo e inclui na sua processualística mecanismos de correção de seus erros - acaba servindo ao redentorismo populista para instituir uma ficção de democracia, viciada por cooptação tendenciosa. Quando o processo ocorre via intermediação de conselhos ao estilo dos soviets, que "escanteiam" o sistema representativo constitucional clássico, a participação supostamente popular tende a ser pautada pelas facções orquestradas pela vontade messiânica do poder orquestrante, que decidem "no grito" a suposta vontade coletiva.

A democracia participativa é, portanto, válida nos limites de suas possibilidades locais e simples, em que a percepção e o interesse direto do povo são capazes de protegê-lo da mobilização viciosa (um exemplo simples: o gabarito em determinada área urbana). Excepcionalmente, também para assunto mais amplo, até nacional, mas isso é raro e deve ser precedido por esclarecimento isento. Como regra geral, é imprópria para territórios e contingentes populacionais imensos e heterogêneos, de limitada capacidade para avaliar e opinar com conhecimento de causa sobre assuntos complexos, alheios ao dia a dia cultural e local. Qual o porcentual de brasileiros aptos a opinar com convicção sobre, por exemplo, parlamentarismo versus presidencialismo (o que são e se ajustam, ou porque não se ajustam às circunstâncias brasileiras), autonomia do Banco Central, câmbio flutuante, superávit primário e células-tronco? Com certeza, pouco expressivo, indicativo da inadequabilidade em assuntos complexos, por vezes exigentes de conhecimento especial.

Em países de razoável nível cultural e democracia consolidada, a participação universal direta é pouco praticada: suas credíveis representações políticas eleitas atendem à conveniência e ao sentimento nacional (exemplo relevante da excepcionalidade: os referendos nacionais ao estatuto da União Europeia, viabilizados pelo bom padrão cultural médio das populações consultadas). Já o voluntarismo populista messiânico inerente às democracias mambembes tende a ver nela ferramenta útil ao autoritarismo salvacionista plebiscitado, em que prevalece o redentorismo ideológico, quando não o personalista à Hugo Chávez, sobre as instituições representativas pluralistas. Tende a ver ferramenta útil nela e em seus associados: as pressões das manifestações desordeiras, corporativas ou populares, similares às praticadas pelo fascismo italiano e pelo nazismo alemão nos seus períodos de ascensão e pelo governo João Goulart nos primeiros anos 1960, que invocavam a massa manipulada em apoio às intenções vanguardeiras. O Brasil está sujeito a esse tipo de política falsamente democrática porque a isso o predispõe a vulnerabilidade do seu povo à cooptação pelo esbulho.

Em suma: é razoável admitir que, embora a democracia participativa possa ser um instrumento complementar, seletivo e limitado da democracia representativa clássica, não é seu substituto em qualquer circunstância ou situação. Quando além de suas possibilidades racionais, suas consultas assembleístas ditas populares, seus plebiscitos e referendos tendem a se transformar em instrumentos supostamente democráticos, de apoio ao Poder mais bem capacitado - capacitação financeira, reguladora, normativa e fiscalizadora/coativa - para usar a paranoica máquina persuasória da comunicação moderna e os mecanismos da administração pública, em prol de seus desígnios. Naturalmente, o Executivo, com o consequente eclipse relativo dos demais Poderes e a deterioração da democracia.

Usada comedidamente nos limites de sua adequabilidade sensata, dependente da compatibilidade do assunto com a capacidade popular de discernir sobre ele imune à cooptação viciada, a democracia participativa é democracia. Extrapolada além de suas possibilidades e limitações, é farsa supostamente democrática, útil ao embuste da democracia popular, que transforma instituições representativas clássicas em instituições de fachada, desconsidera a democracia em seu processo tradicional e adjudica a virtude democrática às vanguardas, acima do sistema judicial e das representações políticas escolhidas pelo voto.

A diretriz do decreto é, de fato, simpática e sedutora, mas exige atenção criteriosa: seria perigoso aceitá-la sem o cuidado que impeça seu uso vulnerável ao redentorismo utópico ou populista demagógico, prejudicial à democracia.

Mario Cesar Flores é almirante de esquadra (reformado)