sexta-feira, junho 07, 2019

A seguir: mais protestos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/06

As novas armas podem ser farinha, tortas, sapatos, milk-shake e até um cartaz em branco


No Reino Unido, mês passado, um cidadão protestou contra a saída de seu país da União Europeia atirando um milk-shake —de banana com caramelo, apurou-se depois— em Nigel Farage, líder do partido do brexit. Outros políticos britânicos têm sido atingidos com milk-shakes, sem distinção de sabor. O resultado é sempre constrangedor —a vítima tem o paletó, a camisa e o rosto lambuzados de sorvete, leite e xarope, o que a obriga a ir lavar-se. A não ser, claro, que se lamba.

Cada um protesta como pode. Como a maioria dos políticos não se ofende ao ter a mãe xingada, os ativistas lhes atiram coisas. O francês Nicolas Sarkozy levou uma torta no rosto em 1997, na Bélgica, e ainda nem era presidente. Seu sucessor, François Hollande, em 2012, sofreu um ataque com farinha jogada por uma mulher. Em 2009, em Bagdá, o presidente americano, George Bush, foi alvejado com dois sapatos atirados por um iraquiano. E, em 2010, José Serra, candidato à Presidência pelo PSDB, no Rio, levou uma bolinha de papel na calva. Pela violência do ato, conduziram-no a um hospital.

Não se deve confundir um protesto com um atentado. O atentado é um protesto radical, principalmente quando resulta em morte, como aconteceu com os americanos Abraham Lincoln, John Kennedy e Martin Luther King. Quando falha, vira comédia, como as tentativas da CIA de matar Fidel Castro, com um charuto envenenado, uma bomba dentro da bota e uma bola de beisebol explosiva.

O presidente Bolsonaro, que já foi alvo de um atentado, gosta de protestos. Outro dia promoveu um, a seu próprio favor. Mas, como não para de chamar o país para a briga, tudo indica que atrairá cada vez mais protestos —contra ele.

No Cazaquistão, há pouco, um jovem foi preso ao protestar com um cartaz em branco. Se fizerem isto contra Bolsonaro, ninguém sentirá falta dos dizeres. Todos saberão o que o cartaz quer dizer.


Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

As dificuldades no Congresso - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/06

Jereissati salvou o marco regulatório do saneamento, que será um avanço para o setor, ao fazer o que o governo não tem feito: articulação


Cem milhões de brasileiros vivem sem saneamento básico e os investimentos no setor estão estagnados. Se forem reativados, têm ainda a vantagem de criar emprego em época de aguda escassez de vagas. Esses argumentos já seriam suficientes para se aprovar o marco regulatório do setor. Uma MP do governo Temer que tratava disso, e interessava ao governo Bolsonaro, caiu esta semana. O assunto foi salvo num esforço surpreendente comandado pelo senador tucano Tasso Jereissati, que fez o projeto de lei e o aprovou em 48 horas no Senado.

O tucano se reuniu com o senador Davi Alcolumbre e com o deputado Rodrigo Maia, e propôs apresentar um projeto de lei. Alcolumbre abraçou imediatamente a ideia. O governo apoiou o esforço. Jereissatti havia sido o relator da MP do saneamento na comissão mista. Conduziu várias audiências públicas e verificou onde estava a dificuldade.

— A pressão vinha principalmente das empresas estaduais de saneamento, por isso conversei bastante com os governadores, principalmente os do Nordeste que são de oposição. Como estou aqui há muito tempo, tenho diálogo com todo mundo. Negociei intensamente. Ao todo existem 4.000 cidades brasileiras sem coleta de esgoto e tratamento. Vivemos como a Europa vivia na idade média — diz o senador.

A proposta agora passará pela Câmara e o senador Tasso Jereissati prevê dificuldades, porque a pressão das empresas vai continuar. Hoje elas têm contratos com as cidades que são renovados automaticamente. Pelo projeto, a cada vencimento vai se abrir a concessão. Será necessário licitar. Há uma grande possibilidade de que o capital privado entre no setor.

— Para levar o saneamento a 80% da população brasileira são necessários investimentos de R$ 550 bilhões. O governo está quebrado, os estados e os municípios também. Por que não abrir ao setor privado? O objetivo é atrair o capital privado e aumentar a eficiência do setor.

Tudo parece simples. Há uma emergência, o projeto traz uma possibilidade de encaminhar uma solução, o senador teve o apoio do governo já que a MP que caiu era do seu interesse, articulou-se com o presidente do Senado, negociou intensamente, conversou com os governadores e fez ajustes no texto para atendê-los. O projeto foi aprovado ontem no Senado.

É isso que o governo, com todo o seu poder, não tem conseguido fazer: articular e levar a sua agenda a bom resultado. Mesmo quando são projetos de interesse coletivo evidente e que podem cruzar as fronteiras partidárias, ele tem colecionado derrotas.

Até o PSL votou na quarta-feira no projeto que engessa mais uma parte do orçamento, obrigando o pagamento das emendas de bancada. A desculpa oficial foi que o partido fez isso para acabar com o “toma lá dá cá”. Na verdade, ele aderiu porque sabia que perderia. E é derrota do governo, porque esse projeto é o oposto da ideia de flexibilizar as vinculações defendida pelo ministro Paulo Guedes.

A equipe econômica tem passado um sufoco na tramitação do pedido de crédito suplementar, que, se não for aprovado na semana que vem, levará o país à situação de ter que parar o financiamento à agricultura. Ontem foi confirmado o adiamento do Plano Safra. O pagamento de alguns benefícios sociais também pode ser prejudicado. Provavelmente o crédito será aprovado, mas quando o governo tem alguma vitória é em cima da hora, como aconteceu com a MP 871, do combate às fraudes do INSS. A MP 870, da reforma administrativa, também foi aprovada na reta final e o governo teve que amargar a derrota que foi o Coaf voltar ao Ministério da Economia.

A tramitação da reforma da Previdência tomou sustos demais na CCJ e agora a esperança de que haja um bom relatório vem da articulação feita pelos defensores da reforma que não são governo, como o relator tucano Samuel Moreira.

Enquanto perde de goleada no Congresso, o governo se mobiliza mesmo é por itens que nem de longe constariam de uma lista decente de prioridades nacionais. Nesta semana, quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu ir ao Congresso pessoalmente foi para levar um projeto que premia infratores de trânsito e propõe a loucura de estimular o transporte de crianças sem a cadeirinha de proteção. Quando alguma coisa é aprovada no Congresso é porque outras forças políticas se articulam contra ou a favor da administração Bolsonaro, porque ela mesma tem sido incapaz de entender o que é governar o Brasil.

A Petrobrás, o Supremo e o jogo das corporações - CELSO MING

O Estado de S. Paulo - 07/06


Decisão do STF favorável à Petrobrás elimina pinimba corporativista de que tudo tem de passar por processos políticos.


Nesta quinta-feira, o colegiado do Supremo Tribunal Federal corrigiu uma distorção pretendida por algumas das corporações que atuam no País. Definiu que uma empresa estatal pode vender subsidiárias sem ter de submeter sua decisão à autorização prévia do Poder Legislativo.

A questão específica da Petrobrás começou no final de maio, quando, depois de longo processo de licitação interna orientado pelo Tribunal de Contas da União, a direção decidiu vender uma de suas redes de gasodutos, a Transportadora Associada de Gás, a TAG, para a francesa Engie e para o fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec, a CDPQ, por US$ 8,6 bilhões.

Os sindicatos dos petroleiros e de operadores de refinarias recorreram ao Supremo para suspender essa venda. Baseavam-se num despacho assinado em caráter liminar pelo ministro Ricardo Lewandowski, em junho de 2018, que deu provimento a um recurso de funcionários e sindicalistas da Caixa Econômica Federal. Essa liminar determinava que toda a venda de empresa estatal tinha de passar por autorização prévia do Legislativo.

Os petroleiros que pretendem sustar a venda da TAG foram atendidos dia 26 de maio por nova liminar, desta vez assinada pelo ministro do Supremo Edson Fachin. Essa decisão foi a que passou a ser examinada nesta semana pelo colegiado do Supremo.

A questão principal em jogo não é a de que a Petrobrás, que foi esmerilhada pela corrupção, pela má administração e pelo inchaço do seu quadro de funcionários, precisa ser saneada e reduzir sua dívida asfixiante e, portanto, precisa de certa autonomia para vender seus ativos.

Há duas questões a considerar mais importantes do que essa. A primeira é a de que a administração do patrimônio público não pode ser emperrada por questões puramente ideológicas ou por interesses de funcionários que não querem perder as benesses de que desfrutam apenas por pertencerem aos quadros de uma empresa estatal.

A outra questão é a de que a economia e os investidores precisam de chão firme onde pisar, precisam de previsibilidade. Não podem tomar decisões importantes e despejar recursos vultosos em projetos ou em empresas já constituídas diante de um quadro persistente de incerteza jurídica.

A argumentação de fundo também tem seu peso e foi sintetizada no voto do ministro Luís Roberto Barroso, o terceiro a se manifestar. Não se pode exigir autorização do Legislativo para a venda de uma subsidiária de uma empresa-mãe, se para sua criação não foi necessária essa licença. Por outra argumentação, a Constituição, cuja defesa é a principal razão de ser do Supremo, não pode respaldar o agigantamento do Estado nem tampouco o interesse de certas corporações que claramente contrariam o interesse público.

A decisão do Supremo favorável à Petrobrás foi tomada com algumas diferenças pontuais expostas por alguns ministros, que não prejudicam o principal. Do ponto de vista das estatais, elimina a pinimba corporativista de que tudo tem de passar por processos políticos bem mais complicados e, muitas vezes, enviesados, que, na prática emperram o processo.


O terror dos influenciadores digitais se confirmou - FABRÍCIO MACIAS

GAZETA DO POVO - PR - 07/06


Está confirmado: o Instagram realmente esconderá o número de curtidas nas postagens. A ação tem como principal objetivo valorizar a produção de conteúdo de qualidade e não mais quantidade, algo que já vinha se tornando tendência nos últimos tempos. Números nunca foram tão irrelevantes quanto agora.

Depois de um verdadeiro auê no mundo digital, quando um blog especializado em redes sociais ventilou a possibilidade de o Instagram esconder as curtidas nas postagens, a informação se confirmou, tendo sido anunciada na conferência anual do Facebook. Isso significa que, quando o usuário rolar o seu feed na plataforma, ele não conseguirá mais ver o número de curtidas que as postagens das outras pessoas têm. É um pouco parecido com o que já fazem com os vídeos hoje em dia: o que aparece são apenas algumas pessoas em comum que curtiram, não sendo mais possível saber o número total.

Mas, se as pessoas publicam nas redes sociais exatamente para conseguir likes e em busca de aprovação, por que o Instagram tomou tal atitude?

A ideia foi justamente acabar com essa competição social por curtidas que, muitas vezes, desencadeia sentimentos ruins, como ansiedade, frustração, inveja e até depressão. No entanto, a alteração acabou atingindo outros pontos, e deverá promover uma verdadeira revolução na forma de conviver com a plataforma.


Quem sobreviverá nessa nova fase será o produtor de conteúdo que realmente gera material de qualidade

Do ponto de vista do marketing digital, quem sobreviverá nessa nova fase será o produtor de conteúdo que realmente gera material de qualidade e relevância, muito diferente do que acontecia até agora. Não por acaso, o novo cenário tem assustado os megainfluenciadores digitais, que até então comprovavam sua relevância em cima da popularidade construída com base em números.

De modo geral, as pessoas se deixam levar pela multidão, algo natural do comportamento humano. Tanto é que, nas redes sociais, sempre foi comum ver gente curtindo coisas simplesmente porque os números eram expressivos. Se todo mundo estava curtindo, elas acabavam dando o seu like também, até como uma forma de pertencimento.

A partir de agora, a tendência é de que as curtidas sejam motivadas pelo conteúdo da postagem e até mesmo pela identificação de opiniões e ideias, uma forma de beneficiar os bons criadores, de agradar aos usuários e, acima de tudo, uma grande oportunidade para o marketing digital e suas soluções estratégicas.

Se antes os comparativos em relação à expressividade no Instagram eram de difícil análise – não é possível estabelecer qualquer semelhança entre um restaurante e uma blogueira, por exemplo, por estarem em contextos completamente diferentes –, agora isso será mais justo. Bons conteúdos inevitavelmente irão engajar mais, gerando melhores resultados. O confronto será no campo da conversão e da análise. Para concluir se uma ação realmente conquistou a alta performance, a avaliação será em cima de quem está curtindo, por que está curtindo e, principalmente, o quanto aquilo gerou de resultados.

Outro ponto interessante em relação ao assunto é o conteúdo cada vez mais direcionado para públicos específicos. O segredo da conversão também está em escolher corretamente para quem apresentar um produto ou serviço. Uma campanha voltada para conquistar mais alunos para um curso universitário, por exemplo, não conseguirá bons resultados se o criador escolhido for um influenciador voltado para um público infantil. No entanto, se o influenciador for um professor de cursos preparatórios para o vestibular, a tendência é conquistar um resultado muito mais eficaz.

Se a proposta for vender brinquedos, com certeza o influenciador que faz um trabalho voltado para o público infantil será a pessoa certa para promover a campanha. Cada caso é um caso, sendo que tudo deve ser avaliado, priorizando, acima de tudo, aqueles que produzem um conteúdo melhor, que possam gerar valor para a marca ou produto que estão promovendo.


Agora é a vez dos microinfluenciadores. Como estratégia comercial, muitas vezes eles são soluções mais assertivas do que grandes influenciadores digitais, até porque não é novidade que, quando o assunto são mídias sociais, apenas os números de curtidas não ditam mais muita coisa.

Vale dizer que esse posicionamento vai de encontro à gestão que o Google faz com o YouTube, em que os números são prioridade. Lá, os criadores que fazem mais sucesso são os que têm maior frequência e produzem vídeos longos. Enquanto agradam aos anunciantes, desagradam aos criadores.

Notando o vácuo, o Facebook e o próprio Instagram adotaram medidas para beneficiar os produtores, tendo em vista que uma rede social só pode ser considerada boa se o conteúdo for bom, e bons conteúdos são feitos por bons produtores. É um ciclo indiscutível de causa e consequência.

Não por acaso, essas medidas estremeceram o mercado e têm ditado mudanças significativas nas redes sociais. De nada adiantam 100 mil curtidas e nenhuma conversão. Com o fim da caça aos likes, será essencial a criação de conteúdo relevante. Quem quiser bombar nas redes sociais terá de acordar todo dia e se perguntar o que está agregando de valor com essa publicação, o que está gerando de relevante para as pessoas. E, a partir daí, começar a produzir com mais qualidade. Esse é mais um sinal – não só do mercado, mas da própria rede – de que, finalmente, apenas o que realmente tiver relevância conquistará bons resultados, o que inevitavelmente irá alterar tanto a forma de se produzir conteúdo quanto o comportamento do usuário em relação à maneira como ele se deixa impactar por aquilo que vê.

Em suma, é o momento da valorização de conteúdo relevante e de beneficiar os bons produtores. Portanto, quem faz um trabalho de qualidade e que gera conversão não precisa ficar com medo da mudança. Agora, para aqueles que não garantem a entrega eficaz, produziam conteúdos irrelevantes e viviam amparados em números, muitas vezes até superfaturados, a preocupação deve ser uma constância.

Fabrício Macias é CEO e fundador da Macfor."

Bolsonaro sancionou lei que permite internação compulsória: medida polêmica, mas eu apoio - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 07/06

O presidente Jair Bolsonaro sancionou, com muitos vetos, uma lei com mudanças na política contra drogas. O texto agora prevê e facilita a internação involuntária de usuários de droga, quando ocorre sem o consentimento.

A lei diz que ela se dará a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com exceção de servidores da área de segurança pública.

A internação involuntária só deverá ocorrer após a formalização da decisão por médico responsável, será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde.

Esse tipo de internação perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável. No entanto, a nova lei permite à família ou ao representante legal, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.

A decisão é polêmica, e libertários ficam arrepiados com a possibilidade de abuso de poder por parte das autoridades. Afinal, por essa ótica, só quem efetivamente comete um crime ou representa uma ameaça direta à sociedade deveria sofrer coerção estatal.

Para o especialista em Direito da Medicina e professor da Universidade Positivo (UP) Gabriel Schulman, do ponto de vista legal, no Brasil só é possível tirar a liberdade de alguém para punir ou para tratar.

“A minha preocupação é até que ponto essas mudanças vão dar conta, porque a lei fala em desintoxicação. O que faz a pessoa usar a droga, não é a droga. A questão não é tratar a droga, mas de atender a pessoa, as necessidades que fizeram fazer o uso nocivo”, explica.

Schulman entende que a internação sem o consentimento deve ocorrer em casos específicos, com o único objetivo de tratar a saúde do dependente.

“Internação forçada significa, estritamente, a restrição à liberdade da opção do tipo de tratamento. É medida que, a princípio, não se justifica. A finalidade tem que ser protetiva, não de segregação. Ao longo do tratamento eu tenho que assegurar a liberdade máxima possível”, comenta.

Para ele, a pessoa pode e deve ter acesso ao plano individual de atendimento – uma novidade na lei, que prevê avaliação multidisciplinar, objetivos e atividades de reintegração social com a participação de familiares ou responsáveis.

O especialista alerta sobre a possibilidade da família ter a decisão sobre o que fazer com o dependente. “A gente está tratando o usuário ou se livrando de um incômodo. Quanto mais você invade [a liberdade], mais tem que proteger. Em alguns casos cabe internação? Sim, mas nem sempre”, explica.

De acordo. É preciso tomar muito cuidado com abusos, como nos casos antigos de manicômios também. Mas o abuso não deve tolher o uso, princípio básico do direito. O ponto de vista libertário ignora, em minha opinião, a condição concreta de certos indivíduos, como se eles tivessem de fato a capacidade de escolha.

Entendo o argumento libertário, e o respeito. Mas meu lado conservador e pragmático fala mais alto aqui. Sou autor, afinal, de Confissões de um ex-libertário. Quando vemos o que acontece na Cracolândia em SP, ou no skid row em Los Angeles, espalhando sujeira, ratos e doenças pelas cidades, seringas usadas no meio da rua onde brincam crianças, o realismo precisa se impor.

Há, como fica claro, várias restrições ao uso da coerção pelo estado. Mas no limite entendo que há casos, sim, em que somente uma internação involuntária pode surtir efeito, proteger o próprio indivíduo e também a sociedade. Não é como no filme “Minority Report”, tampouco é arbítrio puro contra inocentes. A lei pune quem dirige de forma irresponsável, por exemplo, mesmo que o excesso de velocidade em si não tenha causado vítimas, ainda.

Para a presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD), Sabrina Presman, a internação involuntária deve ser realizada em casos específicos e acompanhada, de perto, pelas autoridades. “É uma forma de preservar à vida, sem dúvida. Deixar uma pessoa se matando, sem condições psiquiátricas, sem autopreservação, sem tratamento, isso sim é afronta aos direitos humanos.”

Sabrina pondera sobre a aplicação em situações de extrema gravidade. “Não é pra qualquer paciente, uma modalidade pra internar uma pessoa que não queira. É uma forma de salvar a vida dela quando não tem condição, seja pela doença psiquiatra, seja pelas drogas”, opina.

Essa mudança na lei, portanto, é uma medida desesperada para uma situação de emergência. Um viciado em crack ou heroína que está perambulando por vias públicas sem qualquer capacidade de uso racional de suas faculdades perdeu o direito à liberdade, assim como a única forma de familiares ajudarem um dependente químico muitas vezes é a internação forçada. São valores conflitantes, dilemas morais, e por isso polêmicos. Devemos evitar as conclusões muito binárias e simplistas aqui.

Os fanáticos acham, porém, que só existe um único princípio válido, uma pedra filosofal que deve nortear tudo na vida em sociedade. Não é tão simples assim, e ninguém deixa de ser liberal só porque acredita que o estado tem alguns direitos sobre o cidadão que abandonou sua própria volição, sua capacidade de escolher. A medida sancionada pelo presidente é polêmica, sem dúvida. Mas eu apoio!

Tentando entender a Argentina - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - PR - 07/06

Está na moda dizer que o liberalismo não deu certo na Argentina e, portanto, o liberalismo não funciona. Dada a agonia econômica e a calamitosa situação dos principais indicadores macroeconômicos do país, o argumento pode parecer razoável. Ou seja, se a Argentina está mergulhada em profunda crise e se o presidente Maurício Macri se apresentou como um liberal, a conclusão é de que a culpa é do liberalismo. Mas o fato é que Macri fez tudo ao contrário do que reza o figurino liberal e, mesmo que um plano possa fracassar por não haver receita milagrosa em todas as circunstâncias, o presidente argentino precisa ser classificado em outra categoria: aquele que, pouco importa o rótulo que a ele se atribua, é apenas mais um governante que seguiu o roteiro que há mais de meio século vem quebrando a Argentina, um roteiro nada liberal.

Quando Macri assumiu o governo, em fins de 2015, substituindo Cristina Kirchner, a Argentina apresentava a doença crônica da América Latina: déficit orçamentário gigante, na casa de 5% do Produto Interno Bruto (PIB); impossibilidade de o país tomar empréstimos no mercado internacional em função da moratória decretada no início dos anos 2000 e repetida em 2014; carga tributária nas alturas (era a mais alta entre 138 países analisados pelo Fórum Econômico Mundial), portanto, com inviabilidade de aumentos de impostos; produção nacional em queda; inflação em alta; desemprego subindo; e padrão de vida médio decaindo.


Macri, o autodeclarado liberal, negou completamente seu rótulo político e não fez nada do que se esperaria de um governo que assim se denomina


O tamanho do gasto público havia chegado a cifras astronômicas: 47,9% do PIB, o que fez o governo Kirchner mandar o Banco Central emitir moeda e repassar ao Tesouro Nacional, cuja consequência foi óbvia: perda do controle sobre o volume de moeda circulante no país. O resultado foi o de sempre: a inflação explodiu, como meio de absorver a expansão monetária sem o correspondente no produto nacional, e chegou a 30% em 2015. Quando a inflação de um país sobe, o preço da moeda estrangeira – o dólar – também tem de subir, sob pena de desorganizar o comércio exterior e criar colapso no fluxo de capitais financeiros com o resto do mundo.

Pois foi o que aconteceu na Argentina. Como o governo havia criado o tal “cepo cambial”, pelo qual os cidadãos locais ficavam impedidos de comprar dólares e obrigados a manter suas reservas na moeda local – o peso argentino –, o caos nas importações e nas exportações, de um lado, e na compra e venda de moeda estrangeira, de outro, somado ao fato de que o governo não tinha crédito para tomar empréstimos estrangeiros, criou enorme embaraço para a economia interna, sobretudo para os setores vinculados ao comércio internacional. Os setores exportadores entraram em crise, reduziram a produção e o desemprego aumentou.

Macri, o autodeclarado liberal, negou completamente seu rótulo político e não fez nada do que se esperaria de um governo que assim se denomina. Não cortou gastos públicos, não combateu o déficit fiscal, não privatizou empresas estatais, concedeu aumento para funcionários públicos, aumentou as aposentadorias, manteve até as estatais deficitárias nas mãos do governo – como a empresa aérea Aerolíneas Argentinas, que houvera sido estatizada pelo casal Kirchner – e não mexeu nos 4 milhões de funcionários públicos com seu conhecido número de 280 mil funcionários fantasmas. O discurso do presidente era não fazer ajuste cirúrgico, rápido, mas ir fazendo ajustes graduais, coisa que não deu o menor resultado, como era previsto.

O presidente tomou algumas medidas boas no início, tentou se reaproximar do mercado internacional e começou a liberar parcialmente a compra de moeda estrangeira pelos habitantes locais. Porém, ele não tocou um dedo nos maiores problemas do país: o imenso déficit fiscal derivado da gastança do governo, o inchaço da máquina pública, a inação no programa de privatizações e no controle dos salários do funcionalismo – pelo contrário: enquanto o país definhava, Macri concedia aumentos para tentar agradar os sindicatos. A lista de políticas, medidas e práticas do atual governo argentino é longa, cheia de detalhes, mas tudo pode ser resumido em uma frase: o presidente Macri vestiu um chapéu de liberal durante a campanha e implantou um conjunto de medidas antiliberais e bem ao gosto da esquerda latino-americana.

Portanto, mais uma vez, o liberalismo não passou de um slogan sem nenhuma aplicação prática que pudesse testá-lo. Não que o liberalismo seja perfeito e infalível, mas o fato é que, na Argentina, ele não foi o remédio usado pelo atual governo.


A estratégia e o plano econômico de Guedes - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 07/06

Divulgação só vai ocorrer depois de aprovada a reforma


Na economia, o governo tem vários projetos e uma estratégia. Segundo fontes qualificadas, o plano do ministro Paulo Guedes comporta uma série de propostas que somente serão conhecidas depois de aprovada a reforma da Previdência.

A precaução tem lá os seus motivos. Trata-se de um plano com um amplo leque de projetos de mudanças que vão ferir interesses de grupos específicos com representação no Congresso Nacional. Ao conhecê-lo de antemão, parlamentares com interesses contrariados poderão se voltar contra a aprovação da reforma da Previdência, que é crucial para dar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas e garantia de solvência do Estado.

Só nas duas últimas semanas foram criadas três novas frentes no Congresso, em oposição a algumas das ideias consideradas pela equipe econômica. São elas: a Frente Parlamentar Contra a Privatização dos Correios; a Frente Parlamentar Contra a Privatização de Bancos Públicos Federais; e, ainda, a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Petrobras.

A estratégia, portanto, é a de ser bastante comedido nas informações sobre o programa econômico do governo, porque haverá medidas "capazes de produzir terremotos na escala Richter de 7,5", ou seja, com grande capacidade de desagradar grupos específicos, explicou uma graduada fonte oficial; e outras com impactos menores, mas também não desprezíveis, sobretudo para uma complicada base de sustentação política, completou.

O que orienta a comunicação oficial, nesse caso, é a necessidade de escolher quais as batalhas a se enfrentar primeiro e não tumultuar o ambiente já bastante volátil.

Vez por outra o governo lança uma ideia para testar quais são as forças políticas contrárias. Foi assim, por exemplo, com a notícia recente, confirmada pelo ministro da Economia, sobre a intenção de liberar cerca de R$ 22 bilhões de contas inativas e ativas do FGTS e do PIS após o avanço da reforma da Previdência.

A reação contrária surgiu da bancada de apoio do programa Minha Casa, Minha Vida, que não quer perder o acesso a essa poupança forçada e mal remunerada do trabalhador para financiar a construção de moradias populares. O governo considerou a manifestação e o poder de fogo dessa bancada como algo administrável.

Outras medidas estão em discussão para serem anunciadas após aprovação da nova Previdência. Não está claro se a aprovação da reforma na comissão especial é suficiente para o governo começar a abrir o jogo ou se ele aguardará a votação no plenário da Câmara.

Dentre as medidas do plano de Paulo Guedes, constam o cronograma e a extensão das privatizações, que precisam ser submetidos ao Conselho do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), e o destino das empresas estatais federais dependentes do Tesouro Nacional.

Essas são 18 companhias que geram um gasto de R$ 21,6 bilhões, conforme orçamento deste ano já adicionado de créditos suplementares. Elas empregam mais de 73 mil funcionários e não sobrevivem sem a dotação de verbas da União para bancar as suas despesas.

Na lista das estatais dependentes está a Embrapa, considerada estratégica para o desenvolvimento de pesquisas genéticas na agricultura e na pecuária, cujo gasto anual da União é de R$ 3,67 bilhões. Mas são os serviços de saúde os que mais demandam recursos dos contribuintes. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) dispõe de um orçamento para 2019 de R$ 5,11 bilhões Outro R$ 1,26 bilhão é destinado ao Hospital das Clínicas de Porto Alegre e mais R$ 1,51 bilhão para o Hospital Nossa Senhora da Conceição.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem um orçamento para este ano de R$ 2,69 bilhões. Outras três empresas com gastos superiores a R$ 1 bilhão são a CBTU, de transportes urbanos, a Codevasf, de desenvolvimento do Vale do São Francisco, e a INB, de indústrias nucleares.

Essas empresas estão sob um detalhado escrutínio da área econômica do governo, sobretudo da Secretaria de Desestatização e de Desinvestimentos. Algumas deixarão de ser empresas e devem se transformar em autarquias, em que os salários são menores, obedecem a uma política de reajuste e não há a existência de conselhos de administração ou fiscal.

Outras permanecerão como empresas, mas estão passando por um trabalho de ganho de eficiência e de emagrecimento. Para reduzir o prejuízo anual com a sustentação dessas companhias, o governo quer vender parte dos ativos que elas têm, como fazendas e imóveis urbanos.

Há toda uma concepção que levou a área econômica a definir a estratégia de comunicação do programa econômico. No Brasil, segundo a ótica do governo, há muitos grupos com forte poder de articulação e influência política. São empresários, sindicalistas e funcionários públicos, dentre outros, capazes de criar muito barulho e contaminar o ambiente para a aprovação da reforma da Previdência.

Acredita-se que, depois de aprovada a reforma, haverá um novo ambiente, "de céu azul após a tempestade". Fontes oficiais argumentam que a nova Previdência será um divisor de águas e um momento importante para o presidente Jair Bolsonaro. "E no day after teremos um pipeline de planos", salientam, ao elencar da reforma tributária às privatizações, da abertura da economia a um novo pacto federativo, da conversibilidade da moeda e permissão para a abertura de contas em dólar no país a uma série de outras medidas que vão amplificar o impacto da nova Previdência. "A reforma é, portanto, o início de um processo de mudanças que vamos fazer", assegurou uma categorizada fonte da área econômica.

É esse conjunto ainda desconhecido de medidas que poderá sustentar uma recuperação mais dinâmica da atividade econômica. Essa é, pelo menos, a aposta do núcleo da equipe que assessora Guedes.


Tarifas abalam economia e BCs já preparam corte de juro - NELSON DE SÁ

FOLHA DE SP - 07/06

'É só questão de tempo' para escalada de Trump contra China e México afetar investimento, emprego e consumo

Na manchete digital do Wall Street Journal, sobre o banco central americano, “Fed começa debate sobre cortar a taxa de juros já em junho”.

A “escalada” de Trump contra China e México teria convencido o mercado financeiro que “é só questão de tempo para que afete os investimentos”, com efeito sobre emprego e consumo. O corte pode vir em uma semana e meia.

Na mesma direção, a manchete do Financial Times, sobre o presidente do BC europeu, foi “Draghi prepara novos estímulos com aumento do temor econômico”. Logo abaixo, ele “se junta ao Fed na consideração de cortes de juros”.

SEM DÓLAR, SEM SANÇÃO
Ao fundo, o WSJ publicou a extensa reportagem “O dólar sustenta o poder americano. Rivais estão construindo soluções alternativas”. Além dos negócios em moeda própria entre China e Rússia, agora “as sanções ao Irã estimulam Europa e Índia a criar sistemas para negociar com Teerã sem usar a moeda americana”.

XI & PUTIN, NA RÚSSIA
Em meio a relatos sobre o “soft power” chinês e russo, com o presente de dois pandas ao zoológico de Moscou e passeios pelo museu Hermitage, de São Petersburgo, a cobertura russa da cúpula de três dias de Xi Jinping e Vladimir Putin enfatiza o peso dos acordos comerciais que fecharam.

Kommersant e outros dão atenção sobretudo ao contrato firmado entre o grupo Alibaba e empresas russas como MegaFon para lançar o AliExpress Russia.

NA CHINA
O South China Morning Post noticiou os acordos de US$ 20 bilhões em áreas como energia e tecnologia. Destacou em especial o contrato da Huawei com a russa MTS para desenvolver a estrutura de 5G na Rússia.

O Global Times/Huanqiu, ligado ao PC, afirmou em editorial que as razões internas dos dois países, econômicas, já superam as motivações externas, geopolíticas, da aproximação.

E NOS EUA
O Washington Post publicou a análise “Putin e Xi cimentam aliança para o século 21”, enquanto New York Times e WSJ ouvem Alexander Gabuev, do Centro Carnegie de Moscou, que vê apoio mútuo diante das pressões americanas. Sobre os russos, diz ele, o encontro “permite que eles mostrem o dedo do meio aos EUA: ‘Nós temos a China’”.

‘BRAZILIAN PARADISE’
Na contramão do noticiário negativo sobre o país, a imprensa nova-iorquina já anuncia a abertura de A Arte Viva de Burle Marx, no sábado (8), que "transforma o Jardim Botânico de Nova York num paraíso brasileiro". A própria instituição, com a imagem acima, diz ser sua "maior exibição na história".

Nelson de Sá
Jornalista, foi editor da Ilustrada.

STF fez o certo; a Constituição existe - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 07/06

Na decisão sobre privatização de estatais, triunfou a letra explícita da Carta


Supremo acertou. Depois de alguma confusão, formou-se um 11 a 0 em favor da Constituição. Empresas matrizes, públicas ou de economia mista, mas controladas pelo Estado, só podem ser privatizadas ou ter esse controle vendido com o aval do Congresso.

Por 8 a 3, decidiu-se que as subsidiárias podem ser privatizadas sem esse aval, ainda que o processo deva obedecer a princípios de moralidade pública. Venceu o estatismo? Não! No primeiro caso, triunfou a letra explícita da Carta; no segundo, a jurisprudência. Ainda que coisas assombrosas tenham sido ditas.

Ao proferir o seu voto na quarta (5), Roberto Barroso evidenciou que o Supremo pode ser poroso a vagas de opinião que corroem a institucionalidade. Deixou gravada na memória do tribunal uma fala que é coisa de prosélito e de ideólogo, não de titular da corte constitucional.

Fatio e comento sua fala. Disse: “Eu acho que, no fundo, nós estamos travando um debate político disfarçado de discussão jurídica, que é a definição de qual deve ser o papel do Estado e quem deve deliberar sobre este papel no Brasil atual.”

Errado. O que se votava era a aplicação do que dispõem dois dispositivos constitucionais: o inciso III do parágrafo 1º do artigo 173 e o inciso XXI do artigo 37. E ambos são explícitos, a qualquer alfabetizado, sobre a necessidade de uma lei que autorize a venda de ativos públicos. Logo, a palavra final é do Congresso.

Os que não gostarem de tais artigos devem patrocinar projetos de emenda constitucional que os alterem. E o Parlamento vai deliberar. Enquanto estiverem na Carta, têm de ser cumpridos. Barroso não é do tipo que se intimida diante das próprias barbaridades, já o demonstrou antes. E foi além.

“Eu acho STF fez o certo; a Constituição existe que há uma decisão do Executivo. Eu acho que há uma legislação que autorize esse encaminhamento, e acho, e esse já é um debate político, que nós vamos ter de superar esse fetiche do Estado protagonista de tudo e criar um ambiente com mais sociedade civil, mais livre iniciativa, mais movimento social, e menos Estado e menos governo no Brasil, salvo para as redes de proteção social a quem precisa e a prestação de serviços públicos de qualidade, mas esse é o debate ideológico subjacente”.

Há, sim, jurisprudência que autoriza a venda de subsidiárias de estatais. Foi firmada em 1997 com um voto vencedor do então relator de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade), Maurício Corrêa. Ainda assim, tratou-se de um dos famosos “duplos twists carpados” interpretativos, que levam ministros a uma leitura libérrima do texto constitucional, mas vá lá. Fato é que a jurisprudência existe. Acabou prevalecendo.

Para a venda, no entanto, das matrizes das estatais ou do controle de empresas de economia mista, não há caminho alternativo. Só se faria sem o concurso do Congresso se a Constituição fosse ignorada. E deveria ser irrelevante a opinião que tem um ministro sobre o papel do Estado na economia.

Delego a tarefa especulativa sobre haver ou não um “fetiche do Estado protagonista” aos, quando existirem, “psicanalistas da economia política”. Isso é linguagem de boteco sofisticado, em que o álcool embala pensamentos holísticos e livre associação de ideias.

Noto, claro, a esperteza da fala de Barroso. O então esquerdista que chegou ao STF pelas mãos assassinas de Cesare Battisti (parabéns, PT!!!) entoa a ladainha de sua conversão supostamente liberal vituperando contra o Estado. A metafísica de agora é contrária àquela que o levou ao tribunal. Barroso é mais adepto da economia de supermercado do que da economia de mercado. E, hoje, as gôndolas da ideologia oferecem mais produtos de higiene de direita do que de esquerda.

Mas o ministro pisca para o progressismo com a conversa de preservar “as redes de proteção social”. Como se viu na sua tentativa de legalizar o aborto “ex officio”, o iluminista das trevas instrumentaliza seu obscurantismo loquaz para seduzir tanto guelfos como gibelinos. Não caio nessa prosa.

Você quer privatizar todas as estatais, leitor? Eu também! Desde o tempo em que Barroso tocava flauta para o PT para cavar uma vaga no Supremo. Que se faça a coisa de acordo com a Constituição, não contra ela. Repudio o papel do psicanalista amador da ordem legal.

Ao fim de tudo, o ministro acabou concordando, no essencial, com a Constituição. Evitou o isolamento. Sua fala, no entanto, serviria de epitáfio à ordem constitucional. O risco permanece.

Bolsonaro está certo - HELIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/06

Governo quer o fim da exigência de teste toxicológico para motorista profissional


Ok, eu admito. Dei uma exagerada no título desta coluna, mas tenho minhas razões. O fato é que eu cansei de falar mal do governo Bolsonaro, de modo que decidi destacar o que ele faz de positivo.

Adicionando audácia à falta de tino, resolvi procurar algo de bom justamente no pacote de medidas para o trânsito proposto porBolsonaro, iniciativa que, de um modo geral, pode ser qualificada como um desastre. Se as sugestões de Bolsonaro forem acatadas, deixarão uma pilha mensurável de cadáveres. Mas é pouco provável que o Congresso as chancele na íntegra. Não consigo ver parlamentares votando para tirar a cadeirinha das crianças do rol de exigências legais, por exemplo.

Ainda assim, e lembrando que até um relógio parado se mostra certo duas vezes por dia, há um ponto em que Bolsonaro acerta. É a eliminação do teste toxicológico para motoristas profissionais.

Não, não estou defendendo que caminhoneiros dirijam sob efeito de cocaína, heroína e arrebites. É dever das autoridades de trânsito identificar esses motoristas, tirá-los das ruas e estradas e puni-los severamente. O problema desse teste é que ele não fornece a informação de quem está ou não drogado ao volante, limitando-se a apontar se houve uso nos três meses anteriores à coleta da amostra.

E, assim como não há nenhum problema em ser operado por um médico que tomou um porre 15 dias antes da cirurgia, é irrelevante para a segurança viária saber se o motorista aprontou ou não quando não conduzia um veículo.

No mais, não existem trabalhos científicos demonstrando que a utilização maciça do teste toxicológico de larga janela reduz o número de acidentes. E, se ele não faz isso, torna-se apenas uma invasão de privacidade. A maioria das associações médicas e muitos Detrans foram contra sua adoção, descrita como um bem articulado lobby de laboratórios. Se você lembrou do kit de primeiros socorros, acertou.

Na contramão a 100 km/h - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 07/06


O Brasil regride não só nas armas, mas no trânsito, no ambiente, nos costumes, nos direitos humanos, no bom senso.



O presidente Jair Bolsonaro anuncia o fim da “indústria da multa”, mas pode estar reforçando a “indústria da morte” com a obsessão pelas armas, o estímulo para converter carros em armas e a sensação de que, ao virar presidente, está livre para tornar suas convicções pessoais em agenda de Estado. Os papos com filhos e amigos agora viram MPs, decretos, projetos de lei. Danem-se especialistas, dados e pesquisas científicas.

Para o presidente da Comissão da Reforma da Previdência, Marcelo Ramos (PL), ele “não tem noção de prioridade e do que é importante para o País”. Além de “flexibilizar” a posse e o porte de armas, Bolsonaro levou orgulhosamente ao Congresso um projeto leniente com infratores e infrações de trânsito – um grande assassino no mundo. No Brasil, foram 35,3 mil mortes e 180 mil internações só em 2017.

Japão, Canadá, França e Espanha reduziram a mais da metade as mortes no trânsito. Como? Com educação, abordagem policial e penas duras para infratores. E o Brasil? Se depender do presidente da República, o Brasil vai na contramão, a mais de 100 km/h. Os radares estão ameaçados e os maus motoristas poderão cometer o dobro das barbaridades até perder a carteira, não terão de se preocupar com cadeirinhas e estarão livres de comprovar que não usaram algum tipo de droga, mesmo que dirijam ônibus e caminhões.

Não satisfeito com a reação, o presidente engatou a segunda e disse que, por ele, os pontos para cassar a carteira não deveriam ser “só” 40, mas 60. Divirtam-se os que pisam no acelerador, avançam o sinal, estacionam em calçadas e vagas de idosos e deficientes.

É possível que a base eleitoral de Bolsonaro ache tudo isso o maior barato, mas esse barato pode custar muito caro – em vidas humanas, em lesões irreversíveis e em custos para o sistema público de saúde, já tão depauperado.

Essas medidas, porém, combinam com a leniência de Bolsonaro em outras áreas, como Meio Ambiente. Pescar em áreas protegidas pode, desmatar fica mais fácil, transformar santuários em “Cancúns” está no horizonte, a carreira de agente ambiental corre risco. Ambientalistas são tratados como esquerdistas que atravancam o progresso, um perigo para o Ocidente.

Direitos Humanos? Deve ser coisa de gente que estuda Sociologia, Filosofia, Antropologia, vistas como inutilidades que alimentam a “balbúrdia” nas universidades públicas, aliás, elas próprias alvo da tesoura ideológica implacável do novo governo. E temos a ministra Damares e o chanceler Araújo, com o guru Olavo de Carvalho, pairando sobre tudo e todos.

E Bolsonaro tinha de declarar apoio ao craque Neymar, acusado de estupro e agressões por uma moça? “Ele está em um momento difícil, mas acredito nele. Neymar, hoje à noite estamos juntos!”, avisou o presidente, antes de ir ao jogo Brasil-Catar e visitar o jogador num hospital em Brasília.

Não se deve demonizar nem santificar Neymar, mas vai... numa mesa de bar, qualquer um pode achar que Neymar é culpado ou inocente e que a moça é isso e aquilo, mas um presidente da República? Ele assistiu à cena? Ouviu Neymar? A moça? Teve acesso aos autos? Tem informação de bastidores?

Verdade ou não, a mensagem subliminar do presidente é que ele não acha nada demais um estuprozinho daqui, uma agressãozinha dali. Afinal, minimizou a gravidade da situação, assumiu sem pestanejar a versão do craque e desqualificou a moça. Homens sempre têm razão.

Espantado com as mudanças propostas por Bolsonaro, o criador e presidente por dez anos da Frente do Trânsito da Câmara, ex-deputado Beto Albuquerque (PSB), acusa: “O Brasil está na contramão, ou andando de marcha a ré”. Não é só no trânsito, deputado!

Brasil regride nas armas, no trânsito, no ambiente, nos costumes, até no bom senso

Bolsonaro, Witzel e Crivella, os comediantes - NELSON MOTTA

O GLOBO - 07/06

Presidente é um manancial inesgotável de piadas


A comédia é uma arte nobre, que exige talento e espírito (auto)crítico e tem enorme poder de destruição pelo ridículo e pelo riso, muitas vezes, mais contundente do que qualquer discurso político. Não se confunde com palhaçada, que também tem seu valor, mas é mais tosca e ingênua.

O “sinistro” da Educação merecia ser processado pela família de Gene Kelly pela paródia canhestra de “Singin’in the rain” para atacar supostas fake news sobre cortes de verbas, que o expôs ao ridículo até para apoiadores do governo. Queria ser lúdico e didático e foi patético. O fake era ele.

Tentou uma estapafúrdia metáfora cacaueira para mostrar que de cem chocolates do orçamento ele estava tirando só três e uma mordida — para serem comidos em setembro. Mas Bolsonaro não perdeu a chance: “Você não vai sair daqui levando esse pacote de chocolate, não! Tá confiscado 30% aí”.

Bolsonaro é um manancial inesgotável de piadas, intencionais ou não, que vão do pênis dos japoneses a ter mais tinta na sua caneta do que Rodrigo Maia. Só faltou dizer que sua caneta era maior.

Desde Freud já se sabe que atrás de cada piada ou “brincadeira” há um fundo de verdade, que não pode ser dita “a sério”, e se disfarça de humor para se proteger das consequências. E esconder o rancor.

Mas quando ele e seu chanceler dizem que o nazismo e o fascismo eram de esquerda, não estão brincando. Brincadeira seria chamar a Rússia stalinista de direita.

O governador Witzel protagonizou um esquete dos Trapalhões, só que sem o talento deles. Como um Rambo de araque, de metralhadora na mão e sangue nos olhos, marchou para o helicóptero da PM gritando ameaças de morte aos traficantes.

Acabaram metralhando por engano uma tenda de orações vazia e dois dias depois os traficantes reapareceram na TV dominando a área. Gargalhadas no auditório.

#CrivellaNosDáSaudadeDosNossosPioresPrefeitos também se acha um comediante. A última foi que mulheres não entendem de futebol, mas elas acham que é ele que não entende de prefeitura. Nem de mulheres.

Vitória privatista - MERVAL PEREIRA

O Globo - 07/06

No julgamento que terminou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) com a decisão majoritária de que só a alienação do controle acionário de empresas públicas e de sociedades de economia mista exige autorização legislativa, exigência que não se aplica à alienação do controle de suas subsidiárias e controladas, houve, na verdade, a prevalência de uma visão privatista sobre a do capitalismo de Estado defendido pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski.

Segundo ele, "crescentes desestatizações" podem apresentar prejuízos ao país. Por isso é necessário que o Congresso, onde estão os representantes do povo, se manifeste sobre as privatizações. Na sua visão o Estado não pode abrir mão da exploração de atividades econômicas por decisão exclusiva do governo.

A divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes opôs a essa idéia a tese de que o Estado não deveria entrar "nas regras do mercado privado", pois a Constituição dita que a intervenção estatal nesse deve ser mínima.

O “fetiche” de colocar o controle estatal como protagonista de tudo, segundo o ministro Luis Roberto Barroso, é que estava em discussão subjacente ao tema central, que era a tentativa de entidades sindicais de impedir a venda de subsidiárias de estatais, como é o caso do programa de desinvestimento da Petrobras.

Barroso disse que essa devia ser uma decisão do Executivo, o STF não deveria se imiscuir em questões econômicas, que devem ser resolvidas por gestores públicos. Ressaltou que a definição do papel do Estado é que estava em discussão e, no seu ponto de vista, a Constituição manda que esse papel seja o menor possível. O ministro Edson Facchin, que acompanhou o relator, ressaltou em aparte que não votou com intuito político, mas de acordo com sua interpretação da Constituição.

O Ministro Luis Fux baseou seu voto na situação econômica do país, alertando que a atitude republicana obriga a pensar no futuro: "O Brasil precisa de investimentos, de mercado de trabalho, precisa vencer essa suposta moralidade que há com tutela excessiva das empresas estatais".

A ministra Rosa Weber exigiu em seu voto que, como queria Lewandowski, houvesse uma autorização, mesmo que genérica, para alienação na lei que criou a estatal, ressaltando que já há essa autorização na que criou a Petrobras.

O voto médio do plenário foi, porém, no sentido de que a lei que permitiu às empresas estatais a criação de subsidiárias e controladas implicitamente permite a venda delas.

O ministro Lewandowski ainda tentou influenciar na redação final da decisão, no sentido de que era necessário que a lei que autorizou a criação da empresa pública preveja a possibilidade de desinvestimento, mas foi vencido novamente.

Prevaleceu a tese de que quem pode o mais, pode o menos. A necessidade de lei específica se restringiu à venda do controle acionário de estatais. Mesmo a venda de ações que não implique a perda do controle poderá ser feita sem necessitar aprovação do Congresso.

A ministra Cármen Lúcia também votou pela necessidade de autorização prévia do Congresso apenas para a privatização de uma “empresa-matriz”, sendo dispensado esse modelo para as subsidiárias. O ministro Gilmar Mendes fez uma ressalva importante em seu voto: a venda das ações deve seguir um procedimento licitatório, mas não necessariamente o previsto na Lei das Licitações.

Houve uma concordância generalizada de que o processo licitatório deverá seguir os parâmetros constitucionais de impessoalidade, publicidade e, sobretudo, competitividade entre os interessados, como fez questão de ressaltar o ministro Celso de Mello.

Embora não fosse o julgamento do mérito da venda da Liquigás, subsidiária de distribuição de gás, esse era o objeto oculto do julgamento, pois sindicalistas não querem que a Petrobras venda suas subsidiárias.

Regra de ouro é pensar no País - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 07/06


Parlamentares podem ter fortes e respeitáveis motivos para se opor a este ou àquele projeto, mas nada justifica a obstrução de atividades essenciais ao cumprimento de obrigações do governo.


Será injusto culpar só o governo pela quebra da regra de ouro, se o Congresso deixar de aprovar o crédito suplementar pedido pelo Executivo. O presidente da República poderá ser acusado de crime de responsabilidade, se a norma for rompida. Nesse caso, estará sujeito a impeachment. Mas a responsabilidade será, de fato, de quem se opuser à solução urgente de um enorme problema. A questão depende, neste momento, da Comissão Mista de Orçamento. A comissão suspendeu sua atividade na quarta-feira passada e deverá reunir-se de novo na terça. As condições de apoio à pretensão do governo ainda são incertas e há fortes motivos para preocupação.

A chamada regra de ouro, inscrita na Constituição, proíbe a tomada de empréstimos para despesas correntes, como salários, benefícios sociais e a maior parte dos programas típicos da administração federal. Desta vez, o governo pediu um crédito extra de R$ 248,9 bilhões para gastos indispensáveis e inadiáveis. Precisará desse dinheiro para o Plano Safra, o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e outros compromissos previstos no Orçamento-Geral da União. Todas essas obrigações são tecnicamente classificadas como despesas correntes.

Para tomar uma decisão equilibrada e prudente, cada membro do colegiado deveria levar em conta alguns detalhes claros e muito importantes. Em primeiro lugar, o Orçamento foi elaborado e aprovado no último ano do governo anterior, quando as perspectivas ainda eram de crescimento econômico superior a 2% em 2019. A arrecadação prevista era compatível com uma atividade mais intensa que a de 2018. Mas a economia decepcionou. No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) foi menor que nos três meses finais de 2018 e o desemprego se manteve muito alto.

A receita tributária refletiu e continua refletindo a estagnação do consumo, do investimento e da produção. Mas o governo tem de continuar operando e de cumprir obrigações incontornáveis. O primeiro grande compromisso é implantar o Plano Safra, garantindo condições de financiamento compatíveis com as necessidades. Os agricultores têm prazo certo, determinado basicamente pela natureza, para comprar sementes, fertilizantes e defensivos e iniciar o plantio das culturas de verão. Outros segmentos da agropecuária também dependem desse apoio.

Não há como discutir com a natureza. O plantio da safra de verão será importante para o abastecimento interno, para a exportação e para a geração do superávit comercial necessário à segurança cambial. Perder tempo na implantação do Plano Safra será desastroso para os agricultores, os consumidores e, numa perspectiva mais ampla, para a saúde econômica e financeira do Brasil. Num momento de graves dificuldades internas e de muita insegurança nos mercados globais, qualquer irresponsabilidade poderá ser desastrosa.

Não é preciso argumentar tecnicamente para lembrar a importância do Bolsa Família, necessário a dezenas de milhões de pessoas, e do Benefício de Prestação Continuada, indispensável a pessoas deficientes e também a idosos em grave situação de carência. Além de todos esses fatos, é preciso lembrar um detalhe nem sempre ponderado com a necessária atenção: a economia deverá crescer muito lentamente até o fim do ano e o governo terá enorme dificuldade para fechar o ano sem romper o limite de R$ 139 bilhões fixado para o déficit primário. Se a execução orçamentária desandar, os perdedores serão milhões de pessoas, independentemente de crenças e de simpatias ideológicas e partidárias.

Parlamentares da oposição, do Centrão e até da chamada base do governo podem ter fortes e respeitáveis motivos para se opor a este ou àquele projeto. Podem ter justificativas poderosas para combater certos gastos ou para lutar contra cortes de verbas – para a educação, por exemplo. Mas nenhum argumento poderá justificar – política e moralmente – a obstrução de atividades essenciais ao cumprimento de obrigações do governo e ao funcionamento da economia. Disso se trata, quando se discute o crédito necessário ao cumprimento da regra de ouro.

Passo em falso - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/06

Congresso cria mais gastos obrigatórios e dificulta a gestão do Orçamento


Há um longo caminho a percorrer, sem dúvida, para que o Orçamento do governo se torne um instrumento mais efetivo de definição de políticas públicas ao alcance do escrutínio da sociedade. O Congresso, infelizmente, acaba de dar um passo em falso nesse sentido.

Deputados e senadores aprovaram mudança na Constituição que torna obrigatória a execução de despesas incluídas pelas bancadas estaduais —conhecidas como emendas coletivas— na lei orçamentária anual. Tais projetos têm sido alvo rotineiro de cortes em momentos de escassez de verbas.

À primeira vista, a iniciativa parece meritória. As emendas, em geral, destinam-se a obras e outros investimentos de interesse dos entes federativos, mais capacitados a definir suas prioridades que os burocratas de Brasília. A nova regra, em tese, assegura a liberação dos recursos e reduz os riscos de descontinuidade dos projetos.

Entretanto a alteração constitucional, aprovada em tempo exíguo, moveu-se mais por uma demonstração de autonomia do Congresso diante do governo Jair Bolsonaro (PSL) —avesso à negociação legislativa— que por um debate amadurecido acerca do mecanismo.

Como resultado, tem-se uma reforma extemporânea. O urgente neste momento é buscar o reequilíbrio entre receitas e despesas públicas. Desde 2014, o governo tem déficit primário —o que significa arrecadação insuficiente até para gastos cotidianos e obras, provocando endividamento galopante.

Além disso, a prostração da economia tem levado a um desempenho abaixo do esperado da receita, o que força bloqueios do dispêndio —a comprometer áreas como educação, ciência e habitação.

Nesse contexto, a obrigatoriedade da execução de emendas dificulta ainda mais o manejo de verbas que já não bastam para o básico.

Em um Orçamento de R$ 1,4 trilhão (sem contar os encargos financeiros), as ações não obrigatórias e passíveis de corte não passam de R$ 128 bilhões neste ano, dos quais cerca de R$ 30 bilhões já foram contingenciados. A nova norma reduzirá essa margem.

Em valores atuais, as emendas de bancada somam cerca de R$ 8 bilhões, que daqui em diante só poderão ser bloqueados na mesma proporção aplicada às demais despesas discricionárias.

O Congresso faria melhor se primeiro se dedicasse a enfrentar a alta e o excesso de despesas obrigatórias, que incluem, além da Previdência, a folha de salários do funcionalismo e exigências constitucionais de aplicação mínima de recursos em setores variados.

Haveria, assim, maior espaço orçamentário para decisões dos eleitos pela sociedade. Em tal cenário, o Legislativo deveria ainda dividir com o Executivo a responsabilidade pela solidez das contas públicas.

EUA decidem examinar o crescente poder das plataformas digitais - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/06

Há reclamações de invasão de privacidade e de manipulações para afastar concorrentes em potencial


Não é novidade, nos Estados Unidos, onde o capitalismo alcançou estágios avançados, o acionamento da legislação que serve de antídoto contra um dos efeitos colaterais deste sistema, a concentração de poder em poucas empresas privadas.

Desde o século XIX, os americanos têm antídotos contra este efeito colateral do livre mercado. Logo no início do século XX, houve a histórica divisão da gigantesca Standard Oil. Em 1982, chegou a vez de dividir a megatelefônica AT&T, surgindo as “baby bells”.

Agora, parece ser a hora das enormes plataformas digitais, que captam volumes crescentes de publicidade, usando o conhecimento cada vez maior dos hábitos de bilhões de pessoas, quase sempre por meio da invasão de privacidade. Devido à veloz expansão dessas plataformas, criando distorções na concorrência em vários mercados, em escala planetária, o Departamento de Justiça (DOJ) e a Comissão Federal de Comércio (FTC) anunciaram que investigarão alguns desses gigantes, para posteriormente decidir se abrirão processos. O DOJ tratará da Google e Apple, enquanto a FTC, do Facebook e da Amazon. Já não era sem tempo. Há reclamações não apenas de invasão de privacidade, mas também de manipulações para afastar concorrentes em potencial. Mesmo em serviços formalmente gratuitos, uma novidade neste tipo de investigação, que sempre tratou de avaliar como a fixação de preços é usada para distorcer a concorrência.

Neste campo, a Europa está à frente dos Estados Unidos. Faz tempo que alguns países como a Alemanha e seus poderes legislativos tratam do assunto. Autoridades da União Europeia têm coibido com multas práticas anticoncorrenciais destes gigantes. No ano passado, a Google recebeu multa de US$ 5 bilhões por abuso de poder no mercado de telefonia celular, em que a empresa atua com o sistema operacional Android, o mais usado no mundo. O Facebook também tem estado sob a mira americana e europeia, principalmente depois de comprovado o uso da rede para manipulações na eleição americana de 2016, em favor de Trump, e, no mesmo ano, na Grã-Bretanha, no referendo sobre o Brexit, a favor da saída do país da União Europeia. Dois objetivos compartilhados pela extrema direita mundial.

Em maio, em outro avanço para conter o poder dessas plataformas, o Parlamento Europeu aprovou uma diretiva, ainda a ser submetida aos legislativos nacionais, em defesa dos direitos autorais, frequentemente desrespeitados no mundo digital.

Um problema persiste: enquanto os Estados nacionais e suas instituições se movem em velocidade analógica, a atuação dessas plataformas nos mercados se valem da rapidez da tecnologia digital.