quinta-feira, setembro 24, 2009

ALBERTO TAMER

É errado usar crise para estatizar

O Estado de S. Paulo - 24/09/2009


A Moody"s concedeu ao Brasil grau de investimento. Em termos gerais e leigos disse aos estrangeiros que podem investir aqui porque o risco é baixo. Só agora ela "descobriu" o que os investidores já sabiam. Há meses eles saíram de outros mercados de risco e estão vindo para o Brasil.Com Moody"s ou sem Moody"s, mesmo em abril e maio, em pleno furor da crise mundial, duas outrass agências importantes - Standard & Poor"s e a Fitch - já haviam afirmado que, ao contrário de outros países, poderiam confiar no Brasil porque o risco era baixo.

Sei que alguns fundos ainda esperavam esse sinal da Moody"s, mas mesmo sem eles, estávamos captando mais recursos do que mesmo queríamos. Eles estão entrando na bolsa, no mercado financeiro, em investimentos diretos e agora em captações de empresas nacionais no exterior. Só aqui, mais de US$ 12 bilhões até agora. Nas últimas semanas, ao lançar títulos no exterior, estão recebendo oferta, às vezes, até o dobro que pretendiam captar a taxas pré-crise!

Como assinalou ontem o Estado, ao ouvir analistas do mercado financeiro, "além de chegar tarde, a decisão da Moody"s terá pouco efeito pratico".

O RISCO DA ESTATIZAÇÃO

Há risco sim. O governo, para ser mais preciso, o presidente e sua candidata à sucessão, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, estão atribuindo esse êxito à intervenção do Estado na economia. A crise está se tornando um pretexto para voltar aos tempos antigos das estatizações que prejudicaram tanto a economia brasileira.

O Brasil saiu da recessão por causa da ação do Estado, sim, mas se ele quiser intervir em outros setores produtivos, como está dando sinais, será um atraso imperdoável. A economia brasileira já é por demais "estatizada", com a carga tributária de 38%. Depois da crise, o Estado precisa recuar o seu papel.

O presidente e a ministra exageram quando transformam a crise financeira internacional em pretexto para a estatização e para uma intervenção muito maior do Estado na economia.

A crise foi provocada nos Estados Unidos pela onda especulativa, facilitada pela escassa regulação dos mercados financeiros e pela fiscalização ineficiente por parte do Tesouro e do banco central. Ela contaminou de forma arrasadora os mercados mundiais levando consigo a economia real que ainda resistia e, exatamente agora, está resistindo bem. O controle foi ineficiente em vários outros grandes países.

AQUI NÃO

Isso não ocorreu no Brasil, onde todos os segmentos do mercado financeiro são sujeitos à supervisão das autoridades há muitos anos e tem um banco central atento e atuante.

Além disso, as chamadas normas de Basileia, definidas em acordos sacramentados pelo Banco de Compensações Internacionais (também conhecido pela sigla BIS), foram adotadas mais amplamente no Brasil do que em muitos grandes mercados, incluído o americano.

Os padrões brasileiros de segurança foram, portanto, muito mais eficientes que aqueles adotados na maior parte dos outros países. Esses padrões impediram a formação de bolhas no setor imobiliário e em outros setores especulativos. Não houve crise imobiliária, onda de hipotecadas vencidas, despejos em massa ou falências que pusessem em risco o sistema.

No caso do Brasil, não há, portanto, razão para maior intervenção do Estado como forma de prevenção de crises financeiras.

É verdade que iniciada a crise, tornou-se necessária a intervenção do poder público para limitar a quebradeira no setor financeiro, para conter os estragos em outros setores e, finalmente, para estimular a reativação da economia.

Houve grandes intervenções nos Estados Unidos e na Europa e até estatização temporária de bancos. O governo americano interveio com grande injeção de capital na General Motors para impedir a falência de uma empresa que já foi a maior fabricante mundial de carros. Mas todas essas medidas foram tomadas em caráter temporário.

Os governos , e atentem, muito menos o brasileiro, não estão preparados para fabricar automóveis ou aço, e administrar grandes instituições financeiras e empresas do setor produtivo.

Vejam, isso é verdadeiro mesmo no caso da Rússia, que agora anuncia um gigantesco movimento de privatizações - sim, a Rússia! -, e de outros países egressos do socialismo.

Além do mais, os governos não estão inclinados a correr o risco de substituir o capital privado onde este pode funcionar e tem funcionado com eficiência durante a maior parte do tempo - como já foi comprovado. Regular e intervir em momentos de dificuldade são ações mais adequadas aos poderes públicos. Europeus e americanos sabem muito bem disso.

ESTA CRISE JÁ "FOI" ANTES

No Brasil, no entanto, a crise tem servido de pretexto para discursos a favor da estatização e da centralização das decisões econômicas. Crises típicas do capitalismo ocorreram muitas vezes e voltarão a ocorrer. Nem por isso o mundo, o sistema capitalista, para o qual não se descobriu até agora alternativa viáveis, com todos os seus defeitos, deixou de criar riquezas com muito mais eficiência que qualquer outro.

A estatização e a centralização, ao contrário das crises, produzem danos permanentes. É este o risco que se corre no Brasil.

Estatizar mais a economia brasileira só porque houve recessão, é um atraso e um risco que se vislumbra agora.

TUTTY VASQUES

O estupro metafórico

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/04/09


Uma semana depois de anunciar a extinção da "direita troglodita" no Brasil, Lula foi surpreendido em Nova York com a notícia de um estranho desvio de comportamento em sua base de sustentação política: o governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, ameaçou estuprar Carlos Minc em praça pública. "É um truculento!" - relevou o ministro, entendendo a natureza do desaforo como metáfora do que o pseudoestuprador deseja, na verdade, fazer com o Pantanal.

Como um vírus modificado, a direita troglodita renasceu truculenta no discurso de Puccinelli: o que era primitivo, agora é só violento; a ideologia virou tara devastadora! A turma que defende a criação de gado na Amazônia também tem ímpetos de fazer com a floresta o mesmo que, sempre metaforicamente falando, no Centro-Oeste fantasia-se consumar em cima do coreto com o ministro do Meio Ambiente, de preferência só de colete e meias.

Bobagem comemorar, como fez Lula, a exclusão dessa raça das eleições presidenciais de 2010. Não há nenhuma vantagem em mandar no Brasil quando se quer destruir o mundo.

ENRUSTIDO

"O governador devia cuidar do próprio tuiuiú!"

Carlos Minc, sobre a sexualidade reprimida de André Puccinelli

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DIRETO DA FONTE

Para Obama ver

SONIA RACY

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/09/09

A primeira coisa que Lula fez ontem, na abertura de seu discurso na ONU, em NY, foi pedir para que Zelaya fosse reinstalado "agora".
Difícil acreditar que o Brasil e Zelaya não combinaram a "invasão" da embaixada.

Corrida maluca

Além da derrota na Unesco, onde apoiou o egípcio Farouk Hosny para ser o novo diretor-geral, o Brasil sai do episódio com uma história mal contada. Portugal também apoiava Hosny, e, ao que se informou, pelo mesmo motivo: está contando com o voto do Egito em sua campanha para entrar no Conselho de Segurança da ONU.

Corrida maluca 2

A diferença é que Portugal se saiu bem no final.
A Bulgária, país de Irina Bokova, que derrotou o egípcio anteontem, já tinha avisado que vai votar em Portugal para o Conselho.

Haja energia

Confirmado para 17 de dezembro o novo leilão para contratar energia elétrica, a MPX, de Eike Batista, analisa a inclusão das térmicas do Porto do Açu e MPX Sul.
O moço quer que sua carteira no setor elétrico chegue aos R$ 4 bilhões até 2012.

Tipo exportação

A sede da Interpol em Lyon recebeu reforço brasileiro.
A delegada Vanessa Gonçalves Leite, da PF, é a primeira mulher a representar o País no QG da polícia sem fronteiras.

MAGOOU

Não passará em branco o destempero verbal do governador André Puccinelli, que chamou Carlos Minc de veado e maconheiro, anteontem.
Eduardo Botura, um dos empresários presentes na cena, entrou com representação no Ministério Público Federal por abuso de autoridade e danos morais.

Pente Fino

A Anvisa analisa vínculos de emprego e grau de parentesco entre funcionários.
Seu comitê de ética desconfia de vários casos de nepotismo e... conflitos de interesse.

DOMINGO NA PRAIA

Gilberto Gil é o convidado mais aguardado na caminhada que Marina Silva e Fernando Gabeira farão domingo, no Rio. Vão do Leblon ao Leme.

CELSO MING

Cabresto neles


O Estado de S. Paulo - 24/09/2009
Começa hoje em Pittsburgh, Estados Unidos, mais uma reunião de cúpula dos chefes de Estado do Grupo dos 20 (G-20), do qual faz parte o Brasil. O objetivo é consolidar a agenda comum de contra-ataque à crise, iniciada em novembro passado, em Washington, e retomada no encontro de abril realizado em Londres.

Não dá para insistir, como alguns têm feito, em que esses eventos só têm servido para produzir mais uma foto oficial que sai nos jornais no dia seguinte e para os jogos de cena de políticos dependentes do voto popular.

Embora tenham espalhado muita espuma, a verdade é que essas reuniões têm ajudado a incutir credibilidade no sistema financeiro mundial debilitado e a reverter a crise.

Tanto quanto das outras vezes, a reunião que começa hoje enfatiza as divergências de foco entre os chefes de Estado. O presidente Obama parece mais interessado em lidar com as grandes distorções do sistema global de pagamentos (veja o Confira). O presidente da França, Nicolas Sarkozy, insiste em acabar com os paraísos fiscais, como se eles tivessem alguma coisa a ver com o estouro das bolhas. E as autoridades dos países emergentes pedem pressa na reforma do Fundo Monetário Internacional.

Desta vez, o risco é o de que as autoridades sucumbam às pressões dos banqueiros, crescentes no mundo inteiro, para que sejam rechaçados os projetos de lei em discussão nos Parlamentos com o objetivo de aumentar a regulação e a supervisão das instituições financeiras, itens que já fizeram parte das resoluções de cúpulas anteriores. Os bancos querem liberdade para seguir inventando esquisitices financeiras e garantir bônus bilionários a seus diretores.

Eles argumentam que o aumento de capital, a formação de provisões e as novas exigências que impõem mais transparência tirarão a capacidade de competir ante as instituições financeiras do resto do mundo.

Embora se possa dizer que, em assim agindo, os bancos terão perdido sua finalidade social e até mesmo econômica, como já foi admitido pelo presidente do Goldman Sachs, Lloyd Blankfein, é compreensível que os banqueiros queiram garantir retorno máximo. O que não pode é as autoridades capitularem da função de colocar um bom cabresto em instituições que, além de produzirem dinheiro, podem colocar em risco a saúde econômica e financeira da sociedade.

A necessidade de controles mais eficientes não é apenas consequência da necessidade técnica de evitar novas crises. Decorre da determinação oficialmente já definida de que instituições cuja derrocada possa criar risco sistêmico (quebra em cadeia) não podem falir.

O desastre do Lehman Brothers, há um ano, parece ter demonstrado que sai mais barato despejar dinheiro na salvação de um banco do que reparar depois os estragos de um naufrágio assim. Ora, a contrapartida desse princípio é a exigência de controles mais rígidos. Sem eles, quaisquer bancos se sentirão à vontade para novas atuações irresponsáveis, porque sabem que a mãezona Estado comparecerá para consertar tudo depois.

O que se vai ver agora é até que ponto as autoridades estão dispostas a enfrentar lobbies cada vez mais fortes e cada vez mais capazes de chantagear os poderes constituídos.


CONFIRA

A mãe das crises - O presidente Obama tem razão em querer atacar os desequilíbrios globais, que aumentaram o endividamento dos Estados Unidos, criaram a enorme liquidez global, a derrubada dos juros de longo prazo e a formação de bolhas.


O problema é que esses desequilíbrios exigem ações de longo prazo: desvalorização do dólar, aumento do consumo dos países emergentes (mais o da Alemanha) e revalorização do yuan chinês. Não acontecem do dia para a noite.


Na medida em que se apega a ações que não são para já, Obama foge do tema do momento: a maior regulação dos bancos.

GOSTOSA


SÉRGIO GUERRA

É do Brasil


O Globo - 24/09/2009

A pouco mais de um ano das eleições de 2010, o pré-sal ganhou status de principal cabo eleitoral do presidente Lula na tentativa de fazer a ministra Dilma Rousseff sua candidata. É mais uma bandeira, pois, até agora, as anteriores como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida estão devagar, quase parando.

A antecipação do debate eleitoral, por si só, já é danosa para o Brasil.

Aliada à discussão enviesada de um tema central para o futuro do país, a estratégia ganha contornos nítidos de irresponsabilidade.

O PSDB não faz oposição radical ao contrário do que fez o PT quando o atual marco regulatório foi aprovado em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso. Defendemos, sim, um modelo julgado e comprovado absolutamente exitoso.

Consideramos também a hipótese de atualizá-lo e insistimos em uma discussão democrática.

Posto o debate, cabe ao governo e seus aliados explicar as vantagens concretas das mudanças que propõem.

Cabe a eles explicitar e comprovar as promessas e os eventuais ganhos com as alterações e convencer a população brasileira. A verdade é que ainda não temos conhecimento suficiente sobre muitas condicionantes do pré-sal, como riscos exploratórios, de produção, volume das reservas, custos e viabilidade econômica.

Vale lembrar que o início da produção comercial, na melhor das hipóteses, deverá ocorrer apenas em 2015. Portanto, diante da magnitude do desafio, o melhor no momento é uma discussão transparente e serena sobre o assunto, do mesmo modo como ocorreu com a atual Lei do Petróleo (lei 9.478/97), aprovada dep o i s d e q u a s e d o i s anos de intensos e democráticos debates.

Até agora, o governo mais confundiu do que esclareceu. Uma análise técnica do conjunto das propostas revela que não há um todo articulado e consistente. É uma colcha de retalhos.

Portanto, o melhor para o país é que os parlamentares do governo ou da oposição, de estados produtores ou não, discutam e encontrem um consenso técnico e político para a elaboração de um projeto substitutivo capaz de dar maior aderência à nova realidade.

A racionalidade será boa para o Brasil.

Não estamos discutindo o melhor modelo para este ou o próximo governo, mas para atender as futuras gerações.

Por isso, a exploração do pré-sal deverá considerar a nova consciência ambiental que se forma no planeta.

Os desafios são muitos. Reconhecemos que o atual modelo pode ser aperfeiçoado diante das gigantescas reservas sob a camada pré-sal. No entanto, nada justifica jogar na lata do lixo um modelo que se mostrou exitoso nos últimos 12 anos apenas para satisfazer um capricho pessoal do presidente da República.

Os números do setor falam por si.

Desde a aprovação da lei 9.478, os investimentos na produção e na exploração de petróleo multiplicaramse por seis, o que elevou a participação do setor no PIB brasileiro de 2% para 11%. A produção de petróleo passou de 870 mil barris para dois milhões.

Em 1997, União, estados e municípios tinham como receita do setor R$ 200 milhões.

N o a n o p a s s a d o , a s três esferas abocanharam mais de R$ 23 bilhões.

Tudo isso ocorreu sem a Petrobras deixar de ser brasileira. No início, o setor privado investiu apenas em parceria com a estatal e, aos poucos, foi adquirindo confiança no Brasil e se aventurando em novos empreendimentos. Hoje, atuam no país 76 empresas no setor, mais da metade delas brasileiras, operando e investindo cerca de US$ 5 bilhões por ano no país.

Diante de tudo isso, é de se perguntar: a Lei do Petróleo e o modelo de concessão em vigor foram ruins para o Brasil e para a Petrobras? As descobertas do pré-sal são decorrência direta do bem-sucedido modelo vigente. Todas as áreas dos poços gigantes foram arrematadas nos leilões promovidos pela Agência Nacional de Petróleo, sob o sistema estabelecido pela lei 9.478/97.

Refazer o monopólio da Petrobras, previsto na proposta do governo, não significa apenas privilégio, mas implica também impor à empresa arcar com o total do risco exploratório. Então, é preciso ouvila também.

É preciso ver ainda se o modelo atual é adequado à nova realidade, bastando alguns aperfeiçoamentos, como alterar os percentuais que os produtores têm de recolher à ANP, notadamente as participações especiais.

Outra vantagem é que, hoje, os tributos pingam diretamente nos cofres do Tesouro, e daí são repartidos entre União, estados e municípios. O dinheiro do petróleo vira benefício imediato para a sociedade. É um processo extremamente transparente.

Por isso, afirmamos que o pré-sal é do Brasil. Ao contrário do PT, que diz que “o pré-sal é nosso”.

ROLF KUNTZ

Os BCs e as bolhas assassinas

O Estado de S. Paulo - 24/09/2009


Será preciso reduzir o crescimento econômico para diminuir o risco de crises financeiras como a iniciada em 2007 e agravada a partir de setembro do ano passado? A pergunta ganha sentido com a recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI) aos bancos centrais (BCs): as autoridades monetárias deveriam calibrar sua política levando em conta não só as pressões inflacionárias, mas também os sinais de aquecimento em mercados de ativos como ações e imóveis. Um aperto monetário pode conter a formação de bolhas e, portanto, os estragos causados pelos estouros - "mesmo quando a inflação parece estar amplamente controlada", segundo trabalho de quatro economistas da instituição divulgado nesta semana.

Os bancos centrais dos Estados Unidos e de vários países desenvolvidos afrouxaram a política monetária nos anos anteriores ao estouro da bolha imobiliária. Deixaram o crédito crescer amplamente, nesse período, nos mercados nacionais e no mercado internacional. Segundo os autores do estudo, não se pode apontar essa política frouxa como causa principal da elevação dos preços dos imóveis e de outros ativos. Em alguns países, a habitação se valorizou mesmo num cenário de juros elevados. Mas essa ressalva não anula o recado principal: a expansão do crédito em vários mercados facilitou a formação das bolhas e, portanto, os condutores da política monetária deveriam ter dado maior atenção aos sinais de perigo.

Para identificar os sinais de alerta, os quatro economistas analisaram episódios de grande valorização de imóveis e de ações em 20 mercados entre 1970 e 2008. O ano de 1985 foi tomado como divisor desse amplo período, por marcar o início da "grande moderação", uma fase de menor instabilidade nas economias avançadas. Os episódios a partir de 1985 foram precedidos de alguns indícios importantes. Os autores destacam, nos casos de bolhas imobiliárias, um aumento acima do normal na relação entre o crédito e o Produto Interno Bruto (PIB), uma ampla deterioração da conta corrente do balanço de pagamentos e uma relação também anormal entre o investimento residencial e o PIB. O crescimento do produto não se afasta muito da tendência e - dado notável - a inflação, nos episódios estudados, foi inferior à média móvel dos oito anos anteriores. Ao afrouxar a política monetária, nesses períodos, os bancos centrais cumpriram sua missão básica, deixando os juros e o crédito ajustarem-se a um quadro de inflação baixa.

Nos episódios de grande valorização de ações, foram observados padrões similares de expansão de empréstimos e de aumento da proporção entre o investimento residencial e o PIB. Mas duas diferenças importantes foram notadas. Nas fases de aumento de preços das ações, o crescimento econômico tende a acelerar-se de forma significativa e a conta corrente do balanço de pagamentos não se deteriora como nos casos de formação das bolhas imobiliárias.

Feito o balanço, os autores apontam três importantes sinais para a previsão de problemas ligados à valorização de ativos: grandes aumentos do crédito e da relação entre o investimento residencial e o PIB e a piora do saldo da conta corrente. E quando as três variáveis fazem soar o alarme ao mesmo tempo? Resposta dos autores: em 56% dos casos houve uma explosão de preços de imóveis no intervalo de um a três anos à frente. O resultado é parecido no caso das bolhas de ações.

Esse estudo compõe o capítulo 3 do Panorama Econômico Mundial, divulgado em abril e outubro pelo FMI. O documento completo, com a análise conjuntural e as projeções para 2010, será distribuído na próxima semana, em Istambul, na assembleia anual. Mas as conclusões sobre o papel dos bancos centrais já estão disponíveis para discussão na cúpula do Grupo dos 20, hoje e amanhã, se os chefes de governo tiverem fôlego para isso.

Resta perguntar qual teria sido a reação de empresários, sindicalistas, políticos e especuladores, se os bancos centrais dos Estados Unidos e de outros grandes países tivessem elevado os juros quando os sinais de perigo se tornaram mais fortes. A complacência das autoridades monetárias pode ter facilitado o desastre, mas também contribuiu para um longo crescimento econômico. Além disso, faltou aplicar aos bancos comerciais padrões de segurança já acordados internacionalmente e pouquíssima atenção foi dada a bancos de investimento e instituições de crédito imobiliário. A regulação brasileira funcionou muito melhor.

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MÍRIAM LEITÃO

Casa de abrigo

O GLOBO - 24/09/09

Um perseguido político que entra numa embaixada e pede proteção quer asilo. Normalmente para sair do país. Concedido o asilo, ele renuncia a qualquer atividade política enquanto estiver naquele território que o acolheu. O presidente Manuel Zelaya foi à Embaixada do Brasil para entrar no país, não pediu asilo, fez política e levou com ele várias pessoas que não estavam sob ameaça.

O caso estava ontem ficando cada vez mais assustador.

A sede da embaixada é território brasileiro. Quando o governo hondurenho cerca com tropas e corta serviços para a embaixada está agredindo o nosso país. Cada vez que uma pessoa é ferida — ou até morta — aumenta a responsabilidade do Brasil pela situação criada.

Termine como terminar, o episódio Honduras já deu várias lições ao Brasil sobre como não proceder. Tudo é esquisito neste caso. A primeira esquisitice foi a insistência tanto de Celso Amorim quanto do próprio Zelaya de qualificar a ajuda do Brasil como sendo “abrigo”. Asilo todo mundo sabe o que é no Direito Internacional. Abrigo já fica mais difícil definir.

Essa ambiguidade não foi um erro, omissão, ingenuidade.

Tinha um significado.

Zelaya queria preservar seu direito de fazer política. Foi por isso que ele se materializou na frente da Embaixada do Brasil junto com outros correligionários igualmente materializados no mesmo local. Para ele era conveniente não ser “asilado”, mas para nós não.

Existem normas de conduta em casos assim e elas são respeitadas exatamente para que cidadãos, perseguidos politicamente em seus países, possam se proteger.

Quando a conjuntura muda, eles voltam e reassumem sua vida normal. As embaixadas de inúmeros países guardaram os brasileiros perseguidos pela ditadura militar. A elas, agradecemos.

Vários desses brasileiros estão aí exercendo atividades políticas, graças exatamente ao valioso instituto do asilo político.

O Brasil não poderia fechar as portas a Zelaya. Isso não teria cabimento. Seria infringir a regra de ouro da concessão da proteção.

Uma vez concedido, existem outras regras de ouro que precisam ser seguidas exatamente para preservar a instituição do asilo.

A explicação do governo brasileiro de que não sabia que ele iria, até que ele, com dois metros acrescido de chapéu, apareceu na porta da embaixada em Tegucigalpa, levanta uma dúvida. Se o avião que levou Zelaya de volta foi venezuelano, Hugo Chávez sabia. Nada se faz na Venezuela sem que seu dono e senhor saiba. Ainda mais porque não era um avião particular. Se Chávez sabia e não contou é porque armou uma arapuca para o Brasil.

Muy amigo, como sempre.

O grupo que está exercendo o poder em Tegucigalpa não é de confiança.

É o mesmo que pegou o presidente eleito em sua casa, ainda de pijamas, e o despachou para fora do país. Isso é coisa de maluco.

Golpista. Ou ambos. A reação de impor toque de recolher, censurar a imprensa, perseguir pessoas é típica das ditaduras. É um governo indefensável.

Manuel Zelaya é o presidente eleito, mas cometeu muitos erros também. Zelaya se preparava para desrespeitar o Supremo, o Congresso, a Constituição iniciando consulta sobre um terceiro mandato. Alertado por outras instâncias de poder, ignorou. Isso não justifica o que foi feito com ele, mas tira dele a aura de santo guerreiro contra os dragões golpistas que os governos brasileiro e venezuelano tentam dar.

O mundo inteiro condenou o governo Roberto Micheletti, que nunca terá legitimidade, seja qual for seu argumento para justificar o que fez. A OEA teve uma inédita unanimidade na condenação ao governo e inúmeros países cortaram relações diplomáticas e programas de ajuda, inclusive o responsável pelo maior volume desses programas, os Estados Unidos.

Graças à mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, o país está marchando para eleições gerais.

A situação atual perturba o processo, mas se houver eleições o país já terá ao fim de novembro um novo centro de poder legítimo, que será o presidente eleito, e todo esse impasse pode ser superado.

É isso que Zelaya não quer. Quando houver um novo presidente eleito, a importância que ele tem hoje acaba. Ele deixa de ser um dos centros gravitacionais de poder. Por isso agiu agora, enquanto ainda é o presidente. Depois do fim do seu mandato ele será apenas ex-presidente.

É inevitável que o Brasil tenha uma diplomacia mais ativa na América Latina do que teve no passado. Não poderia continuar a vida inteira fingindo não ter a importância, o peso, o tamanho que tem. Mas para isso é preciso observar a regra de não tomar partido em certas brigas, e lutar apenas por princípios. Ultimamente o Brasil tem passado umas mensagens meio tortas. É a favor do Chávez e não da Venezuela; defende o Chávez e não a democracia venezuelana.

Nas diferenças entre Venezuela e Colômbia não é neutro. Tem um viés anti-Colômbia ditado por razões conjunturais e ideológicas.

No caso de Honduras, o Brasil estava fazendo tudo certo até o momento em que permitiu que a embaixada virasse escritório político do presidente deposto. Aí perdeu a razão e a postura.

Resta torcer por uma solução que minimize o custo dos deslizes do Brasil.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Marolas e marolas


O Globo - 24/09/2009

Diz que uma vez perguntaram a Bertrand Russell: e como vai sua esposa? Qualquer “bem, obrigado” resolveria, mas a cabeça de lógico e matemático fez o professor vacilar: mas comparando com quem? Eis aí, comparar e medir, os instrumentos do conhecimento. Assim, os seis meses de recessão no Brasil, comparados com os quase dois anos dos EUA, formam uma marolinha. Comparados à mera desaceleração chinesa, que saiu de um crescimento anual de 11% para 8,5%, o Brasil sofreu um tsunami.

O crescimento aqui foi de um ritmo anualizado de 6%, antes da crise, para uma queda de 13% no último trimestre de 2008. (Ou seja, em 12 meses, o Brasil teria uma recessão de 13% se o resultado de outubro/dezembro se repetisse nos três trimestres seguintes.) E aí, como ficamos? Comparações entre países são mais complexas. O Brasil saiu da recessão no segundo trimestre deste ano, quando o PIB cresceu 1,9% contra o período anterior. Já a Coreia do Sul conseguiu 2,4% no mesmo período e na mesma base de comparação. Mas havia caído mais nos trimestres anteriores.

Comparar o Brasil com o Brasil mesmo, antes e depois da crise, pode ser mais interessante. Verifica-se, em números, o que perdemos e depois cada um decide se foi marolinha, tsunami ou qualquer coisa intermediária.

Considere o emprego. Em setembro de 2007, havia 20,7 milhões de pessoas trabalhando nas seis principais regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE.

Um ano depois, eram 21,4 milhões, um ganho de 700 mil empregos. Em julho/ 09, último dado disponível, eram 21,3 milhões, praticamente a mesma coisa do momento pré-crise. Conclusão: 700 mil empregos deixaram de ser criados, dada a perda do ritmo de crescimento.

Mais ainda: no período de novembro/ 08 a agosto/09, de mergulho e saída da crise, a economia perdeu 34 mil empregos com carteira assinada (dados do Ministério do Trabalho). No período novembro/07 a agosto 08, imediatamente antes da crise, a economia havia gerado 1,3 milhão de postos.

As exportações brasileiras, que haviam dado um salto espetacular no boom mundial (de US$ 60 bilhões/ano em 2002 para US$ 200 bilhões em 2008), estão perdendo nada menos que 25% neste ano. Estamos deixando de exportar, e, pois, de produzir, mercadorias no valor de US$ 50 bilhões.

Agravante: caíram pesadamente as exportações de manufaturados. As vendas de carros caem 41%, até agosto. As vendas para EUA e Argentina caíram em torno de 40% até aqui. E aumentaram 20% as exportações para a China, agora nosso maior cliente, que nos compra basicamente commodities. O comércio externo perdeu qualidade.

As importações também vão cair US$ 50 bilhões neste ano — com grande perda nas aquisições de máquinas e equipamentos.

Paralelamente, os investimentos, garantia de crescimento futuro, caíram para 15% do PIB no segundo trimestre, voltando ao nível de 2003. Estavam em 18,5% antes da crise, com a expectativa de chegar aos 20% e sabendo-se que o país precisaria investir 25% para crescer forte, sem inflação. Além de reduzirem os investimentos, as indústrias passaram a utilizar menos a capacidade instalada. Daí a queda na produção industrial. Crescia a 9,5% ao ano em setembro/ 08, caía 10% em julho último.

Se foi marolinha ou não, cada um julga por si. Agora, tudo somado, subtraído e comparado, não é verdade dizer que o Brasil foi o último a entrar e o primeiro a sair da crise, nem que saiu mais forte. Alguns, como China e Índia, mal entraram e vários saíram juntos no segundo trimestre, alguns em ritmo bem mais acelerado.

E nenhum ficou mais forte se perdeu produção, investimentos e eliminou ou deixou de gerar empregos.

E nem seria preciso recorrer a conclusões falsas para mostrar que o Brasil resistiu bem à crise. Mas como o presidente precipitou-se com aquela história da marolinha, agora fica o seu pessoal tentando dizer que quase não houve crise e que o que houve de ruim foi solucionado por Lula, que mandou o governo intervir e gastar.

Não foi. O Brasil resistiu bem, muito bem, por combinação de virtudes e defeitos. Virtudes: a base macroeconômica e, especialmente, as reservas que eliminaram a dívida externa pública. Defeitos: o fato de ser uma economia com exportações limitadas e crédito restrito, numa crise que afetou mais o comércio externo e os empréstimos.

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MERVAL PEREIRA

Ação arriscada

O GLOBO - 24/09/09


A esta altura dos acontecimentos, parece claro que o governo brasileiro meteu-se em uma séria confusão internacional ao dar apoio a uma manobra irresponsável do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que visava criar um fato consumado com o retorno a Honduras do presidente deposto Manuel Zelaya. Não está claro se o governo brasileiro participou diretamente da organização do plano de reintrodução de Zelaya em seu país, mas é difícil acreditar que ele tenha simplesmente “se materializado” na embaixada brasileira, segundo definição pitoresca de um funcionário diplomático.

Como o deposto presidente chegou à fronteira em um avião venezuelano, e o próprio Chávez anunciou com antecedência sua chegada a território hondurenho, o mínimo que pode ter acontecido é Chávez ter criado um fato consumado para o governo brasileiro, colocando o Brasil no centro de uma crise que ele não precisava assumir como parte, mas na qual tinha obrigação de atuar como mediador neutro.

Dando suporte a Zelaya, inclusive permitindo que ele faça de nossa embaixada em Tegucigalpa um palco para suas atividades políticas, numa atitude sob todos os aspectos ilegal à luz do Direito internacional, o governo brasileiro está claramente interferindo na política interna do país, assumindo um papel de potência imperialista que sempre foi evitado por nossa política externa.

Dando a Zelaya um status confuso, de “abrigado” ou “refugiado” em vez de “asilado”, o governo brasileiro permite que ele se aproveite da situação ambígua para atuar politicamente.

Mais uma vez, assumindo a posição de Chávez, o governo brasileiro deixa de ter credibilidade política para negociar como mediador na região que deveria liderar naturalmente.

Pela mesma razão, o Brasil deixou de ser confiável para a Colômbia quando decidiu participar de maneira mais ativa do que deveria de uma ação propagandística de um resgate frustrado da senadora francesa Ingrid Bettancourt, sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

Assumindo como uma operação institucional o que não passava de uma farsa, e sobretudo tratando o grupo guerrilheiro como uma força política legal, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, procurava ao mesmo tempo desmoralizar o presidente colombiano, Álvaro Uribe, e fortalecer-se como um canal de negociação eficiente diante da França.

No caso atual, está claro que o presidente Manuel Zelaya, a exemplo de outros governantes da região, como Evo Morales na Bolívia e Rafael Correa no Equador, seguindo os passos da “revolução bolivariana” de Chávez, perseguia a mudança da Constituição de seu país em busca da possibilidade de reeleição.

A base teórica da manipulação dos referendos para mudar constituições e dar mais poderes aos presidentes da ocasião é o livro “Poder Constituinte — Ensaio sobre as alternativas da modernidade”, do cientista social e filósofo italiano Antonio (Toni) Negri.

Essa influência foi admitida pelo próprio Chávez em um de seus programas radiofônicos ainda em 2006, quando ele anunciou que estavam entre eles “um filósofo, escritor e ativista italiano, Toni Negri.

(…) Por aqui temos seguido suas teses, Toni Negri: O poder constituinte”.

P a r a N e g r i , “ o p o d e r constituinte é uma potência criadora de ser (...) e apenas o processo constituinte, as dimensões determinadas pela vontade, a luta e a decisão sobre a luta definem os sentidos do ser”.

O filósofo italiano diz que “o medo despertado pela multidão” faz com que o poder constituído queira impedir sua manifestação através da constituinte: “A fera deve ser dominada, domesticada ou destruída, superada ou sublimada”.

Antonio Negri considera que o “poder constituído” procura tolher o “poder constituinte”, limitando-o no tempo e no espaço, enquanto o dilui através das “representações” dos poderes do Estado.

Em uma definição mais popular, Evo Morales diz que se trata de uma nova maneira de governar através do povo.

Defendem, na prática, a “democracia direta”, o fim das intermediações próprias dos sistemas democráticos.

A mania de personalizar o poder, transformando-se em um salvador da pátria que deve permanecer no governo quanto mais tempo possível, para o bem de seu país, não tem ideologias na região.

Também o presidente conservador da Colômbia, Álvaro Uribe, está empenhado em mudar a Constituição através de um plebiscito para poder se candidatar mais uma vez à Presidência.

No caso de Zelaya, no entanto, a gravidade da tentativa foi maior, porque a Constituição hondurenha tem como cláusula pétrea, que não pode ser modificada, a proibição da reeleição. Diz seu artigo 239 que “nenhum cidadão que já tenha ocupado o cargo de chefe do Executivo poderá ser presidente ou vicepresidente”.

O governo Zelaya anunciou que faria uma consulta popular para saber se a maioria queria que, na eleição de novembro, houvesse uma “quarta urna” para convocar uma Assembleia Constituinte.

Aparentemente, não haveria conflito de interesses, pois, se aprovada na eleição, a Constituinte seria convocada sob o comando do novo presidente eleito na mesma ocasião.

Mas, na publicação do decreto, o governo o intitulou como “Consulta de Opinião Pública Convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte”, o que poderia dar margem a que o resultado da consulta, caso favorável, fosse considerado como uma aprovação à convocação imediata da Constituinte.

O Congresso e a Corte Suprema consideraram ilegal a convocação, e Zelaya foi deposto de maneira violenta pelo Exército e enviado à força para o exterior, o que lhe dá o pretexto de se considerar vítima de um golpe de Estado.

O governo brasileiro deveria considerar as especificidades da situação e trabalhar como mediador da crise, e não alimentá-la com uma ação irresponsável, que já está provocando mortes.

EUGÊNIO BUCCI

Os inimigos


O Estado de S. Paulo - 24/09/2009
"A mídia passou a ser uma inimiga do Congresso, uma inimiga das instituições representativas." A declaração do presidente do Senado, José Sarney, publicada neste jornal no dia 16 de setembro, teve a repercussão de um acinte. Foi retrucada em editoriais, em revistas, em todo lugar. Foi assunto de capa do caderno Aliás de domingo passado. Ainda assim, há mais o que falar a respeito.

Em tese, as palavras do senador não seriam um disparate. Elas não se aplicam, nem de longe, ao Brasil de hoje, mas o regime de propriedade dos meios de comunicação pode, sim, entrar em contradição com a democracia. Foi com esse tipo de preocupação que, em março de 1934, os congressistas dos Estados Unidos fundaram a Federal Communications Commission (FCC). Desde então, o objetivo da agência reguladora americana não tem sido outro que não o de impedir formas sutis ou ostensivas de monopólio na área das comunicações, para assegurar a pluralidade de vozes e a concorrência saudável entre as diversas empresas do setor. Se um só grupo econômico açambarca o controle das principais estações de rádio e TV numa determinada região, ele açambarca, também, o poder informal de direcionar o debate público segundo seus interesses privados. É nesse sentido que se costuma dizer que as legislações antitruste, aplicadas às comunicações, protegem a boa concorrência e a livre formação da opinião pública. O princípio é justo, tanto que faz parte do receituário democrático de vários países.

A potencial contradição entre mercado e democracia, portanto, não é uma hipótese sem fundamento. Ela é conhecida e, desde muito tempo, sabe-se que só pode ser contida por meio da lei. Sem uma lei que os contenha, os monopólios tendem a tutelar a opinião pública e, numa ironia autofágica, podem sufocar até mesmo a livre-iniciativa dos que não digam amém a eles, monopólios.

No Brasil, já no ocaso da ditadura militar, tivemos um exemplo que se tornou clássico das distorções que os meios de comunicação podem gerar quando se divorciam da sociedade civil. No primeiro semestre de 1984, milhões de pessoas adensaram comícios nas capitais brasileiras, exigindo eleições diretas para presidente da República. Com exceções pontuais, as redes de TV, lideradas pela Rede Globo - que, na época, desfrutava a confortável condição de um monopólio tácito -, demoraram a registrar jornalisticamente as manifestações populares e, desse modo, ajudaram a ditadura a derrotar no Congresso a emenda que restabelecia as diretas (os brasileiros só reconquistariam o direito de votar para presidente em 1989).

Em 1984, enfim, o núcleo da radiodifusão brasileira, dependente das concessões da ditadura, acabou por se opor ao Estado de Direito. A "mídia", alguém poderia dizer, agiu como "inimiga" da democracia. Mas isso não foi declarado, naquele ano, pelo então presidente do PDS, a antiga Arena, o partido da ditadura, de nome José Sarney. Em junho, após a derrota da campanha das Diretas-Já, ele, ao comando do PDS, virou vice na chapa de Tancredo Neves, que disputaria a eleição indireta para a Presidência da República. Tancredo venceu, mas nunca foi empossado. Um dia antes, internou-se às pressas no Hospital de Base, em Brasília, para morrer em questão de semanas. Quem tomou posse foi o vice. Que virou presidente. Mais adiante, sua família se tornaria dona da afiliada da Rede Globo no Estado do Maranhão. Sem hesitações de consciência. Nos anos 80 e 90, afinal de contas, a "mídia" não era "inimiga das instituições representativas". Ao contrário, até dava uma forcinha.

Agora, na voz do presidente do Senado, esse discurso de "mídia inimiga" adquire uma sonoridade de dadaísmo político. Para começar, falta-lhe precisão semântica. O que é que se quer designar com esse novíssimo substantivo, "mídia"? Seria um sinônimo de imprensa? Se sim, vamos com calma. "Mídia" e "imprensa" constituem objetos distintos. A "mídia", um aportuguesamento da pronúncia inglesa da palavra latina "media" (meios), plural de "medium" (meio), é um vocábulo que, rigorosamente, não deveríamos pronunciar nunca. Deveríamos falar simplesmente "meios". Seria mais claro e menos afetado. Mas a tal "mídia" conseguiu ingresso no dicionário. E, lá, engloba todos os meios e todos os seus conteúdos, dos outdoors às telas de cinema, dos programas de auditório aos caminhões com alto-falante que anunciam pamonhas, dos jornais diários às propagandas de automóveis coladas nas poltronas de avião. Dizer que essa imensidão de mensagens e veículos se tenha voltado contra o Congresso Nacional é apenas uma sandice. Não faz sentido nenhum.

Já a imprensa é uma instituição à parte, estabelecida pela vigência da liberdade de expressão e do direito à informação. Ela tem seu corpo nos jornais e nas revistas, nas emissoras de rádio e televisão, nos blogs e no debate público, mas sua dimensão maior, não corpórea, é mesmo a liberdade. A imprensa responde pela mediação dos debates de interesse comum na esfera pública, a mesma esfera de onde saem os representantes do povo. A instituição da imprensa não representa o povo, ao menos não o representa como os senadores e deputados, que recebem delegação formal para isso. A imprensa vive junto com o povo, refletindo e emulando os diferentes pontos de vista que animam a esfera pública. A imprensa dá voz, amplificada, às perguntas que a sociedade tem direito de dirigir ao poder, o mesmo poder em que ora se encontram certos senadores que reagem com fúria às indagações dos eleitores.

Tudo isso apenas para dizer que, não, a imprensa não é inimiga das instituições representativas. Ela tem sido, isso sim, sua melhor - e às vezes única - amiga. Inimigos das instituições democráticas são os patrimonialistas que as parasitam - e aqueles que os acobertam.

VARAL

RUBENS BARBOSA

Uma gestão temerária da crise

O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/09/09


O Brasil estava bem na foto quando condenou o golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya em Honduras, apoiou as sanções contra o governo de facto e as negociações conduzidas pela Organização dos Estados Americanos (OEA) para restaurar a ordem democrática, reconduzindo o presidente eleito ao poder até o final de seu mandato. Tudo dentro da melhor tradição diplomática brasileira.
O comportamento do governo brasileiro no episódio do retorno de Zelaya, no entanto, contraria um dos princípios cardeais da política externa brasileira: o da não intervenção.
Diversas de nossas autoridades vieram a público para esclarecer, sem que ninguém ainda lhes tivesse perguntado, que Brasília nada teve a ver com a logística nem com a escolha de nossa embaixada como o destino ideal para abrigar o presidente deposto. Zelaya e o governo brasileiro têm insistido que o ex-presidente buscou proteção e abrigo na embaixada - não o asilo. O presidente deposto pode, assim, transformar a embaixada em palanque. Por essa razão, o governo hondurenho quer que o Brasil defina o status de Zelaya, pois o instituto de asilo político não permite manifestações políticas do asilado.
Talvez o que aconteceu com Hugo Chávez no golpe de 2002 tenha influenciado a decisão da Venezuela, com o suporte final do Brasil, de apoiar o retorno de Zelaya, na esperança de que ele fosse reconduzido ao poder nos braços do povo. Decididamente, não são claras as motivações do Brasil. Sair de heróis? De salvadores da pátria alheia, da democracia na região?
Sem ter os meios para influenciar numa solução politicamente aceitável, o Brasil conseguiu ser responsabilizado pelo governo de facto por qualquer ato de violência que venha a ocorrer na embaixada. A radicalização das posições poderá levar, no pior cenário, a choques violentos nas imediações da representação, como já ocorreu, com a polícia expulsando manifestantes pró-Zelaya com tiros e bombas de gás lacrimogêneo. Os meios de que dispõe a embaixada para proteger-se são precários e, segundo se anuncia, a representação dos EUA prontificou-se a ajudar na segurança para resguardar os brasileiros e hondurenhos hóspedes do governo do Brasil.
O País conseguiu estar no centro dos acontecimentos. O impasse está instalado e pode ser longo. Resta esperar que o radicalismo em Honduras não se transforme em violência sem controle, que poderá ser debitada à decisão brasileira de hospedar Zelaya. O envolvimento do governo brasileiro é mais um equívoco da política externa. Nessas circunstâncias, se é difícil ver algum ganho para o Brasil, é fácil esperar um sério arranhão em nossa credibilidade.
*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil nos EUA

CLÓVIS ROSSI

Para a frente e para sempre

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/09

PITTSBURGH - É curioso -e mera coincidência-, mas o presidente Barack Obama disse ontem ao mundo todo, já que usou a tribuna das Nações Unidas, o mesmo que seu colega Luiz Inácio Lula da Silva de vez em quando diz a seus pares da América Latina.
"Nada é mais fácil do que atribuir aos outros a culpa por seus próprios problemas", disse Obama, tal como Lula antes.
Suspeito que ambos têm razão. O ditador líbio Muammar Gadafi, por exemplo, da mesma tribuna, fez ontem uma confusa catilinária de 96 minutos para culpar os Estados Unidos e, de quebra, a própria ONU, por todos os males.
Chegou a sugerir que a ONU mudasse para a Índia ou para a China, em vez de Nova York, esquecendo-se de que, na China, nenhum desafeto do regime seria autorizado nem mesmo a entrar.
Em Nova York, aceita-se tudo, no prédio da ONU, território tecnicamente internacional.
Torço para que a lógica por trás das falas tanto de Obama e Lula seja simples: culpar os outros é a melhor maneira de não resolver problemas. Logo, tratemos de encará-los coletivamente, em grupos abrangentes como a ONU ou mais exclusivos, como o G20.
Mas o discurso de Obama, pelo menos o de ontem, tem uma vantagem sobre o de Lula: o presidente norte-americano não fala em "herança maldita" -e olhe que, se houve no mundo alguma herança maldita, foi a que George W. Bush legou a seu sucessor.
Olha para a frente e vai propondo iniciativas, uma atrás da outra, internas ou internacionais, em um ritmo que parece excessivo para a capacidade de processamento da política norte-americana e da comunidade internacional.
Em todo o caso, ganhou um apoio insuspeitado, do inoxidável Gadafi, que, coerente com o que faz na Líbia, propôs que Obama fique na Casa Branca "para sempre".

GOSTOSA


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ARI CUNHA

Direito internacional

CORREIO BRAZILIENSE - 24/09/09


Observa-se a falta de respeito internacional. A vida das nações está mais ao sabor de interesses políticos. Manuel Zelaya, deposto em junho, não pensa em aceitar decisão do governo de Honduras. Vive horror de guerra. A Embaixada do Brasil não perdeu o ritmo de amizade de Lula pelos vizinhos. Zelaya entrou na sede diplomática com companheiros que o seguiram. Fizeram comícios em área entregue por Honduras ao Brasil como representação diplomática. A resposta hondurenha foi cortar água, luz e telefones, agora restabelecidos. O presidente Lula falou na ONU e lembrou o que acontece em sua embaixada. Pediu garantias, o que não seria necessário, visto haver convenção internacional. O tempo se encarregará de dizer onde está a razão.


A frase que não foi pronunciada

“É preciso ter resistência física, mental e um bom advogado para suportar injúrias.”

Alceni Guerra, em pensamento firme.


Revolta
Cerca de 200 moradores de Cumbe e Canavieira, no Ceará, bloquearam a estrada de Aracati. Faz tempo que caminhões da empresa passam levando carga pesada para o parque eólico de Cumbe. Locais fazem protesto e a estrada está bloqueada como reação. A obra é do PAC e está interrompida.

Outro lado
Nada como a tempestade para conhecer os verdadeiros amigos. A diretora de Recursos Humanos do Senado, Doris Marize, vê o apoio e o carinho que recebe dos colegas da Casa. Anos de trabalho sério e competente conquistaram a admiração de quem a conhece no dia a dia.

Fundações
Polícia Federal vasculha a Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Algumas ONGs se juntaram à universidade para burlar verbas oficiais. Está declarado estado perigoso de abuso das facilidades que as ONGs desfrutam perante o fisco.

Despedida
Paulo César Ávila se despede do Tribunal de Contas do DF. Independente e criativo, defendeu a posição de presidente como quem nasceu para pôr o trem nos trilhos. Termina sua vida funcional cercado de elogios dos governos e dos amigos.

Salada política
Vale a pena acompanhar a coluna de Denise Rothenburg neste jornal. Analisa a política brasileira com tantas filigranas que são bem catadas e citadas. Faz uma sopinha de letras que só os partidos entendem. E os políticos se alimentam das letrinhas que dançam à vista de todos, principalmente
PT e PMDB.

Athos Bulcão
Valéria Lopes Cabral, secretária executiva da Fundação, envia livro sobre Athos Bulcão com projeto do BVDA/Brasil Verde, assinado por Paulo Ludovico de Almeida e Carlos Zuffellato e patrocinado pelo Ministério da Cultura. Aparecem fotos e imagens em muitos lugares do Brasil, também um texto analítico de Neusa Cavalcante, professora da UnB.

Ofensas
Conversa de “ponta de areia” são as declarações do governador de Mato Grosso do Sul contra o ministro do Meio Ambiente. Chega a tantos detalhes pessoais que indica maldade ou terrível despeito. Linguagem imprópria para governador, que não respeita sua posição política nem a
postura do atacado.

Educação
Jovens de Luziânia têm a Universidade Estadual de Goiás para estudar e depois atuar na própria região. Sueli Mamede Lobo, especialista em marketing, é a responsável pelas novidades
que fazem a imagem da instituição avançar.

Troca
Em Belo Horizonte, a presença de 10 empresas chilenas foi destaque na Exposibram, que reúne interessados do mundo em mineração. Hugo Chorales, do Departamento de Indústrias do ProChile, quer parceria para juntar a tecnologia, a experiência e tradição chilenas à matéria-prima brasileira.

História de Brasília

Sete comissões de inquérito estão rolando na Câmara desde 1959. São as seguintes: para apurar a extensão e a intensidade da devastação dos recursos naturais do país; para apurar a existência de irregularidades no Sesc e Senac; para investigar a malversação de dinheiros públicos por via de inclusão no orçamento da República, a título de subvenção para entidades inexistentes; para apurar irregularidades no comércio de importação; para apurar irregularidades relativas aos bens e valores das empresas incorporadas ao patrimônio nacional; para examinar e estudar a situação das empresas estrangeiras concessionárias de serviços públicos de eletricidade e outros; e para apurar as acusações que pesam contra o Departamento Federal de Segurança Pública. (Publicado em 9/2/1961)

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Abóboras na cúpula do G20

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/09

A CRISE ainda flamejante em abril levou líderes de todo o mundo, unidos, à promessa de que "nenhum banco seria deixado para trás". Foi na reunião de cúpula do G20, em Londres. O dito foi um feito. A promessa de US$ 1 trilhão, embora irrealizada, deu certo, a quebradeira amainou. Mas o plano de "coordenação econômica" e "rerregulação" mundiais e blá-blá-blá, porém, também retrocederam como a crise. Um espectro desse plano de "coordenação mundial" ressurge agora, com a cúpula do G20 que começa hoje. Trata-se da ideia, mais ou menos americana, de "reequilibrar" a economia e o comércio mundiais.
Como se sugere que o "monitor" do equilíbrio seja o FMI, esse espectro tem mais é cara de espantalho ou de abóbora de Halloween.
O que seria esse crescimento econômico rebalanceado? O trio exportador mundial, China, Japão e Alemanha, deve consumir mais, em especial japoneses e chineses. Ou seja, devem poupar menos, investir menos (China) e comprar mais dos Estados Unidos, que devem poupar e exportar mais. Uma das interpretações das origens da crise foi que houve um excesso de capital "sobrante" no mundo. A poupança excessiva do trio em boa parte foi parar no mercado americano, ajudou a sustentar um período longo de juros baixos e de superendividamento e, no fim das contas, favoreceu e alimentou a maluquice financeira. Há versões e ênfases diferentes para cada ponto dessa narrativa, mas a história é mais ou menos essa.
A divertida, de tão doida, ideia de dar papel de "monitoramento" ao FMI não pode ser ingenuidade nem burrice, mas é difícil de entender. Decerto tem cara de pleito americano, mas pleito sem muito futuro.
Faz 20 anos que autoridades financeiras de países ricos pautam encontros sobre "coordenação monetária" que dão em quase nada (foi o destino das cúpulas de G5 e G7 de 1987 para cá). Faz quase uma década que autoridades financeiras americanas vão semestralmente à China jogar conversa fora sobre o yuan artificialmente desvalorizado, um dos fatores do excesso de superavit comercial chinês etc., e os chineses dizem "o.k., vai indo que eu não vou", e sentam sobre a sua moeda.
Considere-se, ainda, como um boi vê os homens, digamos: como a China deve ver o FMI. O Fundo ressuscitou da quase irrelevância e de sua falência moral, financeira e política devido a mais uma crise que não previu (pelo menos neste caso não pôde piorar as coisas, como de costume). Foi sempre um braço mais suave (sic) da política de relações internacionais econômicas dos EUA.
Ainda que "reformado", com mais peso de Brics e afins, ainda seria um consórcio mais ocidental do que chinês. Enfim, se a China assim o desejasse, e isso não causasse um revertério político mundial, poderia colocar o dinheiro do FMI no bolso e "resolver" crises pelo mundo com suas reservas. Mas a China está onde sempre esteve, pelo menos desde que ficou endinheirada: não está nem aí. Os "desequilíbrios" mundiais vão comovê-la apenas quando apertarem o seu calo. Se não parece evidente por si, basta ler o declaratório das autoridades chinesas na imprensa oficial do país, toda ela, e entrevistas de chineses importantes à mídia de impacto global.

GOSTOSAS DO TEMPO ANTIGO


JANIO DE FREITAS

Uma só questão

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/09

O COMPONENTE fundamental, na situação criada por Manuel Zelaya ao abrigar-se na embaixada brasileira em Honduras, perdeu aqui em interesse para dois aspectos secundários. São eles: Zelaya surpreendeu a embaixada, conforme a versão oficial brasileira, ou tudo estava combinado com o governo Lula? E chegou mesmo à vizinhança de Honduras, em El Salvador, usando avião emprestado por Chávez, ou não?
O que está no centro da atual situação é o mesmo que deu importância, desde o primeiro instante, ao episódio todo: é a derrubada de um presidente eleito e no exercício legítimo do mandato, em contraposição à Carta Democrática em que os países latino-americanos comprometeram-se a não mais admitir golpes de Estado em sua região. Zelaya recorreu à embaixada e a embaixada o recebeu, com ou sem entendimento prévio, como parte da ação contra o golpismo.
Manuel Zelaya, como pessoa ou como presidente, até hoje não tem relevância alguma. O que está em questão é o princípio básico da democracia, ainda que nos países latino-americanos a prática da democracia não avance muito além do básico. Como aqui mesmo se está constatando a propósito da atitude do governo brasileiro, criticada na imprensa&cia porque Zelaya é apoiado por Chávez na luta para recuperar a Presidência hondurenha; e no Congresso, onde a oposição vê o Itamaraty como extensão política de Cuba.
Não falta uma certa graça a essas reduções do fundamental ao secundário, ou menos do que isso. Solicitado pela GloboNews a uma análise do problema, o ex-embaixador Luiz Felipe Lampreia apegou-se depressa à existência de entendimento prévio, como ele prefere, ou à chegada surpreendente de Zelaya à embaixada. Sua crítica, como sempre em nome das regras diplomáticas, mais uma vez esqueceu este pormenor útil: Lampreia foi ministro das Relações Exteriores de Fernando Henrique, que proclamou Fujimori "grande democrata" depois que esse "presidente" até fechara o Congresso do Peru.
Lula foi para o outro extremo, em seu discurso na ONU. Em trecho por certo encaixado de última hora, afirmou que "a comunidade internacional exige" a devolução da Presidência hondurenha a Zelaya. Quem estava diante de Lula eram os representantes da tal comunidade internacional, no mínimo estarrecidos ao ouvir a exigência que não sabiam ter feito.
O pronunciamento de Lula, aliás, já era bastante medíocre em outras abordagens. Nem uma colocação nova, tudo no seu tom de comício. Mas dizer àquele plenário que o Brasil foi o último a entrar na crise e o primeiro a sair "porque não permitimos especulação financeira" é, pior do que inverdade grosseira, de envergonhar. Não havia no plenário da ONU quem não soubesse que, há anos e anos, torrentes de dólares e euros vêm especular com os juros recordistas e o cassino das Bolsas, levam os lucros fáceis e montanhosos, voltam e saem, sem cessar, sob o estímulo e o agradecimento do governo. É o próprio território da especulação.
Como Lula e Zelaya vão conduzir o impasse, agravado pela eclosão da violência, não está em mãos deles. Tudo passa a depender de quantos e quais outros dispõem-se a entrar com as suas, para elaborar a solução ou a "solução".

TODA MÍDIA

No abismo

NELSON DE SÁ

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/09

"Um morto na reação policial às marchas em favor de Zelaya", deu o espanhol "El País" na manchete, à tarde, com relato do enviado Pablo Ordaz:
"Pedreiro, 65 anos, Francisco saiu às seis e meia de casa em Flor del Campo, bairro pobre, e se viu numa manifestação espontânea de resistência ao governo "de facto". Vieram efetivos policiais antidistúrbios, foi ferido no abdome e morreu no hospital."
Na Reuters, "apoiador de Zelaya de 65 anos é morto a tiros" e "cinco outros levaram tiros".

Vem a noite e, manchete no "El País", "Honduras se aproxima do abismo" depois que "polícia mata um". Na Reuters, "Cresce pressão global". Na Folha Online, afirmam Anistia Internacional e outras:
"A suspensão de meios de comunicação, os golpes da polícia contra manifestantes, as prisões em massa indicam o estado de direito em perigo."

E dos Repórteres Sem Fronteiras, afinal:
"Militares tentam manter imprensa internacional à margem e fazem tudo para impor silêncio."
Os mais visados são canal 36 e rádio Globo.

TODA, TODA
A BBC Brasil entrevistou o secretário-geral da OEA, o chileno José Miguel Insulza, e destacou a declaração:
"O governo brasileiro atuou com o respaldo de toda -toda com letras maiúsculas- a comunidade internacional."

SIMPATIA GOLPISTA
O Terra entrevistou o assessor da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e destacou:
"O Brasil não teve participação na entrada de Zelaya em seu país. Em realidade, quem defende posições opostas deve sentir simpatia em relação aos golpistas. Nós não nos intrometemos em política interna, estamos cumprindo obrigação humanitária e diplomática."

POR OUTRO LADO
Do ex-embaixador Rubens Barbosa, na Globo News, depois também na Globo:
"É possível confronto. O governo de Honduras já disse que responsabilizaria o Brasil".
Do ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, nas mesmas:
"Zelaya está fazendo da embaixada do Brasil uma tribuna".

OBAMA & LULA
Ao fundo, Barack Obama e Lula discursaram na ONU.
O "El País" editou lado a lado, com as chamadas "Obama urge compromisso global" e "Lula pede atenção para os pobres". O "Wall Street Journal" destacou frase de Obama, sobre os EUA não agirem mais sozinhos, e de Lula, sobre a exigência da comunidade internacional da reinstalação de Zelaya.
À noite, no UOL, "Lula debaterá Honduras com Obama".

LOBBY & LULA
O "Valor" deu que a Exxon "fez esforço para se aproximar e aumentar a capacidade de influir no pré-sal", entrando com US$ 200 mil dos US$ 726 mil arrecadados pelo Wilson Center num jantar em homenagem a Lula, em Nova York:
"Garantiu ao executivo-chefe Rex Tillerson o privilégio de uma conversa particular de 15 minutos com o presidente."
Entre outros, contribuíram também Boeing e Unica.

O BERÇO DO PRÉ-SAL
O "New York Times" destacou ontem e publica hoje o texto "Indústria do petróleo está à toda com novas descobertas". Além de Brasil, cita com alarde o Iraque curdo, a Austrália e até Israel. E diz que foram feitas, em parte, "por gigantes internacionais como a Exxon".
Por outro lado, manchete e post mais lido do portal Exame, "Onde nascem as inovações do pré-sal", uma longa reportagem sobre o centro de pesquisas da Petrobras na Ilha do Fundão, que desenvolve tecnologias para retirar "petróleo de poços ultrafundos".

O TRABALHO MAIS FÁCIL
Também no "NYT", um longo e laudatório texto se empolgou com a defesa que Lula fez dos Jogos de 2016 no Brasil, destacando e assumindo a declaração de que seria "o trabalho mais fácil do mundo", por se tratar do Rio. O jornal e o "WSJ" contrastaram o engajamento do brasileiro com a ausência de Obama no apoio a Chicago.