segunda-feira, janeiro 14, 2013

Os pingos nos is - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Todo colunista corre o risco de ser mal interpretado, e tenho tido a sorte de sofrer com isso muito raras vezes. Porém, em minha última coluna, sobre a chacina de criancinhas nos Estados Unidos antes do Natal, devo ter sido obscura, erro crasso de quem escreve a cada tantos dias para um número tão imenso de leitores. Várias cartas manifestaram perplexidade, espanto. mágoa diante do que julgaram ser preconceito meu contra quem é "diferente" (não vou nem entrar no mérito das palavras, que também são objeto de preconceito e confusão, pois meu leitor sabe do que falo). Nada mais distante de minha postura, desejo e intenção. Ao contrário, vários romances meus têm personagens, penso que pungentes, abordando esse doloroso tema: o pai do lesado cerebral grave, em Exílio: o anãozinho cruelmente maltratado pelo pai, em O Silêncio dos Amantes; a menina da perna curta, no meu romance mais recente. O Tigre de Olhos Azuis, que considero um elogio do diferente. Essa menina, atormentada pelo preconceito materno, era a senhora dos mistérios, que construiu com tenacidade e sonho uma vida, teve privilégios como criar no fundo do quintal um tigrezinho de olhos azuis que a seguiria pela vida afora, com mais ou menos intensidade, conforme ela precisasse dessa metáfora. Termino o livro com a frase “Nenhum tigre tem olhos azuis”. "0 que você quis dizer?’", me perguntam. Nem eu sei, mas possivelmente a frase significa que somos todos iguais, todos temos nossa ferida, nossa dor, nossa perninha curta física, mental ou emocional.

Sendo mais pessoal do que já costumo ser, faço aqui um comentário que talvez o assunto permita. Nasci com um defeito físico não muito aparente. que me tornou uma menina avessa a qualquer exercício ou esporte, sempre tachada de preguiçosa e desajeitada, pois tinha pouco equilíbrio, caía com facilidade. Só quando jovem adulta descobriu-se que eu tinha nascido com um problema de bacia e coluna. "Quando a senhora foi concebida, houve um desastre", disse um dos especialistas. Não é muito grave, mas é mais limitador. Eventualmente preciso usar bengala, com a qual luto por me habituar. Cedo me acostumei a uma constante companheira, a dor física.

Nada me entristeceria mais do que ofender quem sofre de ou lida com quem tem limitação de qualquer natureza. Uma das coisas que eu quis dizer, talvez sem ter sido clara, nasceu de minha longa observação de casos de pessoas próximas: nem sempre a inclusão pode ser total e nem sempre ela será favorável se for total. Às vezes crianças com alguma deficiência podem florescer recebendo atendimento especial, e ficar angustiadas em turmas de crianças ou jovens ditos “normais”, que não conseguem acompanhar, nem entender, cujos sonhos e possibilidades são muito diferentes dos seus, mas que se esforçam para partilhar.

Também pensei ter sido clara dizendo que muitas famílias não procuram ajuda adequada para seus filhos porque, apesar de todas as campanhas esclarecedoras, ainda é objeto de preconceito absurdo admitir que se tem um filho com limitações. Quanto ao assassino americano que trucidou 26 criancinhas e adultos, talvez seja um exemplo de jovem que precisaria ter sido tratado e internado, não escondido em casa e superprotegido pela mãe, que, aliás, curtia armas de fogo, algumas pesadas. Em momento algum levei a sério comentários iniciais em noticiosos americanos aludindo ao fato de que o rapaz talvez fosse autista, o que nunca foi confirmado, e que isso levaria à violência. Imediatamente, autoridades em psiquiatria americanas rejeitaram essa teoria nascida de ignorância. Enfim, numa rara ocasião, explicando-me por respeito aos leitores e a mim mesma, espero ser daqui em diante mais clara, para que nenhum mal-entendido nasça de falha minha no meu trabalho de tantos anos, que é produzir textos claros. Interpretações falhas, mexer com ideias alheias, contrariar, contradizer, tudo isso faz parte desse ofício, pois a unanimidade é tola. Mas que eu sempre torne meu leitor um cúmplice, mesmo quando discordando de mim.


Esses “jornais de oposição...” - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


A Folha de S.Paulo é "a vanguarda entre os veículos da imprensa empenhados em isolar o governo da opinião pública". Num país em que a oposição não tem peito nem engenho para fazer oposição, as redações jornalísticas se encarregam de jogar as autoridades no descrédito. É assim, ao menos, que pensam os entusiastas do governo federal. Para eles, os jornais cumprem o papel que deveria ser dos partidos de oposição. Inconformados, os representantes do Palácio do Planalto contra-atacam, como fez o líder do par­tido do governo na Câmara dos Deputados, diante de mais uma reportagem crítica lida em plenário por algum adver­sário mal-agradecido. "Sinceramente, não encontramos aqui um pensamento inédito", disse o parlamentar governista. Segundo ele, a imprensa apenas requenta fatos velhos para agredir quem trabalha sem descanso para melhorar a vida dos brasileiros. Os governantes, segundo essa visão, não pas­sam de vítimas da maledicência, pade­cem sob o bombardeio de uma campa­nha articulada para desacreditá-los. O líder do partido do governo, no mesmo pronunciamento em que reclamou das notícias requentadas, foi severo e cate­górico em seu diagnóstico: os órgãos de imprensa "são o grande veículo dessa campanha articulada".

Antes de qualquer interpretação apressada, vamos escla­recer. As declarações transcritas no parágrafo acima não re­produzem falas de integrantes do governo Dilma Rousseff. São anteriores. Também não trazem recortes dos inflamados discursos de entusiastas do primeiro ou do segundo gover­nos de Luiz Inácio Lula da Silva. Nem de beneficiários das duas gestões de Fernando Henrique Cardoso, ou do breve mandato de Itamar Franco, ou de Collor, ou mesmo de José Sarney. Elas vêm de um período ainda mais antigo, vêm dos tempos da ditadura militar.

Quem disse que a Folha é "a vanguarda entre os veículos da imprensa empenhados em isolar o governo da opinião pública" foi João Baptista Figueiredo, o mesmo que chegou a ocupar a Presidência da República entre 1979 e 1985. Ele disse ou, mais exatamente, ele escreveu isso um pouco an­tes de ser empossado ditador, num relatório que entregou, em 1977, ao então ministro da Justiça, Armando Falcão. Naquela temporada, Figueiredo era o chefe do temido SNI, o Serviço Nacional de Informações, e enxergava no diário paulistano um criadouro de oposicionistas ou, nas palavras dele, "o esquema de infiltração mais bem montado da chamada grande imprensa". Se as coisas não iam bem, a culpa deveria ser das redações. O episódio pode ser lido com mais detalhes no livro Folha (páginas 67 e 68), escrito pela jornalista Ana Esteia de Sousa Pinto, que chegou em dezembro às livrarias com o selo da Publifolha.

Quanto ao governista que reclamou das "campanhas articuladas" contra o governo, de nome Cantídio Sampaio, ele foi líder da Arena, a Aliança Renovadora Nacional, o partido que apoiava a ditadura militar. O arenista enunciou seu juízo sobre a imprensa também em 1977, ao protestar, na Câmara dos Deputados, contra a extensa cobertura que os jornais tinham dedicado ao lançamento da Carta aos Brasileiros, do professor e jurista Goffredo Telles Júnior, no dia 8 de agosto, na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em sua Carta, hoje célebre, Goffredo conclamou os compatriotas a exigir com ele o fim do regime de exceção, numa guinada decisiva para a conquista da democracia no Brasil. O deputado governista, acuado, sem outros argumentos, pôs a culpa no noticiário, como relata Cássio Schubsky em Estado de direito já! - Os trinta anos da Carta aos Brasileiros (a partir da página 219), lançado em 2007 pela editora Lettera.doc.

Tudo isso é passado, claro. A ditadura acabou e, com ela, caiu em desuso a doutrina de segurança nacional que consistia em pôr toda a responsabilidade pelos males nacionais nos "inimigos infiltrados" dentro dos meios de comunicação. Espantosamente, porém, tudo isso ainda é presente. A velha doutrina se retirou, é fato, mas as teorias de que ela se serviu, como a da "notícia requentada", ou a da "campanha articulada" para "isolar o governo da opinião pública", continuam na ativa. Toda semana, a gente dá de cara com tentativas de demonizar jornalistas para inocentar governantes, num furibundo fanatismo anti-imprensa. Presentemente, essas tentativas gostam de se declarar "de esquerda", mas são apenas obscurantistas, como eram nos tempos da ditadura. São apenas autoritárias, intolerantes e mal-intencionadas. Nesse ponto, só o que mudou no Brasil foi a cor da gravata.

Jogos Olímpicos Gay? - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP 14/01

Acontece com arrepiante regularidade: entro numa livraria da Europa, vou farejando os livros disponíveis e encontro uma estante com "Literatura Gay". Mas o que será "Literatura Gay"?
Os livros respondem: é Oscar Wilde, Virginia Woolf, Truman Capote e dezenas, ou centenas, de outros autores cujos hábitos privados eu desconhecia. Mas que, pelos vistos, definem a identidade de uma obra.
A situação mais absurda aconteceu há uns anos, em Paris, quando perguntei pelos diários de André Gide publicados pela 'Pléiade'. Na minha ingenuidade, eu tinha procurado Gide entre os autores franceses.
A moça da livraria riu da minha inocência e, com olhar de desdém, informou-me que Gide estava na secção da "Literatura Gay". Logo a seguir a "Genet, Jean" e antes de "Proust, Marcel".
Existem duas formas de lidar com o problema. A primeira, mais imediata, é dinamitar uma livraria que comete aberrações destas.
A segunda, mais ponderada, é esclarecer com infinita paciência que a literatura não tem orientação sexual. Nem raça, nem credo, nem sequer "ideologia".
Oscar Wilde não é um escritor gay. É um escritor. James Baldwin não é um escritor negro (e gay). É um escritor. Evelyn Waugh não é um escritor católico. É um escritor. Céline não é um escritor fascista. É um escritor.
Claro que, na obra de cada um deles, as crenças pessoais e as práticas privadas podem encontrar tratamento literário superior. Mas é como literatura que cada um deles deve ser julgado - e classificado.
É tão absurdo encerrar um escritor nas estantes da "Literatura Gay" como, sei lá, definir Toulouse-Lautrec como um dos principais artistas na História da Arte Anã. Ou Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho de Minas, como um importante escultor na História da Arte Deficiente.
Valorizar uma obra, qualquer que ela seja, com a causa politicamente correta do momento, não é apenas um sintoma de analfabetismo. É um ato de vandalismo cultural.
E se assim é com a literatura, assim será com o desporto. Leio no "The Sunday Times" que Amsterdã, Londres e o Rio de Janeiro disputam uma vaga para organizarem os Jogos Olímpicos Gay em 2018.
Londres leva claríssima vantagem porque o "mayor" Boris Johnson, que eu tinha em boa conta, promete ceder o estádio Olímpico da cidade e outros equipamentos desportivos para que os atletas gays possam disputar as suas medalhas gay nas modalidades gay que fazem parte dos jogos gay.
Com a provável exceção da marcha atlética, eu não conheço nenhuma modalidade visivelmente gay. Não sei o que é o futebol gay, o boxe gay, a natação gay, o xadrez gay ou, minha nossa, o rodeio gay (palavra de honra).
Aliás, por falar em rodeio gay: será que o touro e o "cowboy" devem partilhar ambos a mesma orientação sexual para estarem em sintonia com o espírito da competição? Mistério.
Mistério e, já agora, um delírio que seria intolerável se alguém propusesse Jogos Olímpicos Heterossexuais. Ou Jogos Olímpicos Brancos. Ou Jogos Olímpicos Católicos, ou Judeus, ou Muçulmanos.
O que não deixa de ser irônico: em nome da igualdade, as patrulhas do "Orgulho Gay" defendem uma clamorosa forma de desigualdade. Em teoria, cultivam uma retórica de integração - e até aceitam a participação de qualquer sujeito nos jogos, independentemente da sua orientação sexual. Na prática, promovem na titulatura um tratamento distintivo muito próximo da segregação.
Combater o "preconceito" não passa por erguer novas bandeiras de singularidade. Pelo contrário: passa por derrubar as que existem, eliminando o adjetivo que acompanha o substantivo (obrigado, Gore Vidal).
Não há escritores gay. Há escritores. Não há atletas gay. Há atletas. Se o sujeito não apresenta nenhuma deficiência física ou mental, só deveriam existir uns Jogos Olímpicos para ele.
Quais? Os Jogos Olímpicos de toda a gente.

O mito da Fata Morgana - CARTA AO LEITOR REVISTA VEJA

REVISTA VEJA



Uma reportagem desta edição de VEJA mostra como a maioria das projeções do governo para o crescimento da economia, a ampliação da malha rodoviária, da oferta de energia, do número de vagas escolares, entre outros indicadores, é ambiciosa demais e realista de menos. Grande parte das estimativas oficiais não pode ser encarada como meta a ser atingida. São miragens.

Na pré-história da economia política, em especial nos países em desenvolvimento, a prática de propor metas mirabolantes se consagrou como a Fata Morgana, adaptação do mito da entidade protetora do viajante esgotado que o anima criando a miragem de um oásis verdejante logo ali na frente. De miragem em miragem, o viajante vai encontrando forças para continuar caminhando até chegar a um oásis verdadeiro e se salvar. Na ausência de planejamento, os sábios sopravam aos ouvidos dos governantes que os agentes econômicos reagem bem às metas ambiciosas, mesmo que claramente inatingíveis. Um conhecido economista brasileiro, devoto do mito da Fata Morgana. vivia repetindo: "Diga que o PIB vai crescer 8%, e os empresários vão entregar um PIB de 8%

A reportagem submeteu as metas oficiais do governo para 2013 a especialistas de cada setor. De modo geral, na avaliação deles, pouquíssimas dessas metas deverão ser alcançadas até o fim de dezembro. Promessas de fazer em um ano o que não foi feito em dois, três ou quatro anos não resistem ao mais simples teste de realidade. Fazer projeções irreais não é uma prerrogativa do atual governo, tampouco uma invenção brasileira. O "Eu prometo...", porém, vinha sendo um recurso de que se abusava apenas em campanhas eleitorais. Agora, mostra a reportagem, as autoridades tendem a agir na cadeira executiva com a mesma desenvoltura do palanque. Ao contrário do mito, porém, de miragem em miragem os países ficam pelo meio do caminho e nunca chegam ao oásis real.


2013 - Ano Velho ou Novo? - ROBERTO DaMATTA

REVISTA ÉPOCA



Perguntaram a Santo Agostinho de onde vinha o tempo, e ele disse: o tempo vem do futuro que ainda não existe; passa pelo presente, que não tem duração; e vai para o passado que não existe mais. Não tenho nenhuma afinidade com futurologias e sofro de aversão a previsões, sobretudo quando anunciam ideias grandiosas. O século XX (com duas grandes guerras e vários holocaustos e barbarismos) é a melhor prova do poder des­trutivo de receitas para melho­rar o mundo - como o nazismo, o comunismo e os vários autoritarismos latino-americanos, todos marcados por um exces­so de credos com seus inevitáveis e sedutores milenarismos.

Mas concordo com Santo Agostinho que estamos todos num gigantesco trem histórico chegando à estação 2013 para, em seguida, deixá-la e esquecê-la.

Penso que o ano de 2013 rea­firmará nosso desejo de permanecer brasileiros. O que temos consolidado nesta primeira década deste século XXI não é a visão tremendamente pessimista que tínhamos na entrada do século XX. Uma vi­são marcada pela teoria do "quanto pior, melhor". Realmente, na alvorada do século passado, pelos 1913, vivíamos uma intensa instabilidade política justamente porque a República de 1889 proclamava no papel uma igualdade de todos perante a lei - a regra de ouro da democracia republicana - por cima de uma sociedade cuja experiência e rotina era aristocrática, escravocrata e hierárquica. Nos­sa instabilidade do século passado se explica pela dissonância entre a República, com seus ideais de igualdade e liberdade, e uma sociedade constituída de barões, bispos, senhores de engenho e ex-escravos cujas rotinas se fa­ziam fora do igualitarismo do mercado e, acima de tudo, de um civismo ausente e ignorado por suas elites.

Além da mestiçagem conde­nada pelo racismo vigorante em todo o mundo, tínhamos um hibridismo sociopolítico resultante de um longo processo histórico, durante o qual aca­salamos misturas com o ideal simples da igualdade democrática. Nesta Terra de Santa Cruz os portu­gueses casavam com as índias e se acasalavam com as negras. Surgiu daí um sistema marcado por uma imensa verticalidade, mas sem as distâncias sociais que eram o marco da colonização-padrão adotada pelos modelos europeus, sobretudo do inglês, francês e holandês. Mesmo o sistema espanhol era muito mais rígido do que o nosso quando, em 1808, a corte portuguesa veio para o Brasil e nosso país passou a ser o centro de um imenso domínio colonial.

Convenhamos que, com esse passado, fazer funcionar (ou nem sequer compreender) uma República - ou seja: um futuro de cidadania e de igualdade, numa cultura cujo passo foi marcado pelo escravismo e pelas etiquetas dos baronatos e dos catolicismos cuja preocupação era "um lugar para cada coisa e cada qual em seu lugar" - não é uma tarefa fácil. Pois, como ensina Santo Agostinho, passado, presente e futuro são muito mais misturados do que pensa nossa vã filosofia.

É nesse contexto histórico que devemos compreender as idealizações do "Estado" como mais importante agente de mudança da sociedade, bem como sua brutal autoridade. A estadolatria e a estadomania - a noção segundo a qual o salvador do sistema é o "Estado" - tiram da sociedade seu papel. Esse papel que hoje começamos a criticar quando verificamos que tem sido a idealização do "Estado" a responsável pelos messianismos esquerdistas e direitistas, bem como dos surtos autoritários do getulismo e do governo militar, ao lado do interlúdio com uma vivência democrática - conturbada por esse mesmo estatismo - nos governos de Juscelino, de Jânio e de João Goulart.

No meu entender este século XXI não permite mais a leitura do Brasil como um combate entre capitalismo e socialismo, mas - eis a novidade - obriga a ver como problema a sintonia entre governantes e governados. Ninguém, depois da experiência desses governos petistas, pode admitir que quem governa possa ter mais privilégios do que os governados. Ou, em outras palavras, que ser do partido ou do "governo" signifique isenção de punições. 2012 será lembrado, sobretudo, pelo mensalão. Serão as implicações e reações a esse julgamento - que resultou em condenação a prisão de todo cardinalato petista, inclusive de seu "capitão do time", José Dirceu - que vão certamente marcar 2013. Suas resultantes podem significar o fechamento do sistema democrático e do liberalismo no Brasil por crises institucionais de vários calibres - entre o Supremo e o Congresso, ou pela castração da Promotoria-Geral da República ou da mídia. Poderão, em sentido oposto, significar maior abertura e demanda de mais igualdade cívica e jurídica.

Mas isso não é tudo, pois este 2013 vai ser marcado pelos desdobramentos morais inevitáveis do "affaire" Lula-Rosemary Noronha, um caso cuja lógica vem reiterar a resistência e o poder dos laços pessoais na vida coletiva do Brasil. O que esse caso revela com todas as letras é a intimidade transformada em mecanismo de aristocratização de agentes e, muito pior que isso, de agências do Estado. A rede centrada em Rose tem a mesma lógica do "você sabe com quem está falando?" e do "jeitinho". Ela mostra como redes de relações pessoais ultrapassam a lógica do mérito e do bem- estar social, esse centro de qualquer sistema republicano. Se os cargos públicos são negociados entre amigos, se agências governamentais importantes, inventadas para ampliar eficiência e decisões independentes, são ocupadas por parceiros da amiga do presidente, vai pelo ralo a ideia de um distanciamento mínimo entre pessoa e cargo. Entre governo e Estado. Entre partido político e nação.

Temos, pois, a seguinte equação: 2013 será ano novo se pudermos prosseguir na demanda por um sistema mais igualitário. Um sistema no qual o Estado trabalhe para a sociedade, e o governo tenha em mente o Brasil como um todo em suas decisões. É o partido do poder quem serve ao Brasil, e não o contrário.


Casca de banana - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA  


O realismo fantástico, na literatura, já deu o que tinha de dar. Na vida real, insiste em não desgrudar do continente latino-americano. Tome-se o que ocorre neste momento na Venezuela. Para além das controvérsias constitucionais e políticas, as questões centrais, para os atuais detentores do poder, são: (1) como propiciar as melhores condições para que o país seja considerado sob as rédeas de um presidente gravemente doente, hospitalizado e talvez respirando por aparelhos; (2) no limite, e dando-se uma das evoluções prováveis do caso, como criar as condições para que o país seja governado por um morto. O primeiro passo para solucionar tais desafios foi tomado na semana passada. Resolveu-se que o presidente Hugo Chávez não precisava tomar posse do novo mandato na data prevista. Ou seja, revogou-se o calendário. O poder político apropriou-se do tempo, no supremo afã de comandá-lo – afinal, é de tempo que se trata quando se depara com questões como doença, invalidez, incapacitação e morte.

A situação do momento já é de si fantástica – a um presidente doente, hospitalizado, talvez entubado, e além disso invisível e num país estrangeiro, ainda se pretende incumbir os destinos do país. Mais ainda pode ficar se tal estado de coisas perdura por quatro meses, seis, um ano, e o país continua pendurado na sorte do enfermo. Não se subestime, no entanto, a possibilidade de mesmo doente mantê-lo politicamente ativo e mesmo morto fazê-lo vivo. Na Argentina conseguiram. Perón, como se sabe, vive; Evita também vive; e, mais recentemente, Néstor, na contramão dos imperativos biológicos, também vive. Fora da política, Gardel não só vive como canta cada vez melhor. Na tradição hispânica, El Cid Campeador, depois de morto no campo de batalha, teve o corpo grudado no cavalo e assim continuou a liderar os seus e a espantar os inimigos com a fama de mais valente e mais temível dos guerreiros.

Em dois outros episódios recentes, fez-se igualmente valer a infiltração do fantástico na realidade do continente. Pouco antes de ser apeado da Presidência no Paraguai, o bispo Fernando Lugo viu-se assaltado por uma súbita floração de filhos, filhos que não acabavam mais, de diferentes mães. O fenômeno contribuiu para acelerar-lhe a derrocada. Em Honduras, também deposto e expulso do país, Manuel Zelaya voltou secretamente e – surpresa – asilou-se numa embaixada. Até ali, refugiar-se em embaixada era recurso para sair do país, não para entrar. Ao praticá-lo pelo avesso, Zelaya entrou nos anais mundiais. O Brasil talvez possua um tantinho a menos de tendência ao inacreditável. Pelo menos, não a tem tão realçada em sua literatura. Não possui menos tendência às trapalhadas, no entanto, e foi assim que adotou o mesmo procedimento, no caso paraguaio como no hondurenho: deixou seu lado da calçada, atravessou a rua e foi pisar na casca de banana do outro lado.

No caso paraguaio, engajou-se num movimento de solidariedade a Lugo no qual o menos interessado parecia o próprio bispo, tão conformado este se mostrou, desde a primeira hora, talvez até aliviado por se ver desobrigado das atribuições presidenciais. A empreitada do Brasil, secundada pela Argentina, levou crise ao Mercosul e abriu nova ferida nas sempre delicadas relações com o Paraguai. No caso de Honduras, tal foi o empenho do Brasil, como no caso anterior, no esforço de solidarizar-se com o deposto, que Zelaya escolheu a embaixada brasileira para asilar-se. Lá se arranchou, e suas dependências viraram lugar de pouso e pasto do deposto, da parentela e de um punhado de seguidores. Por longos quatro meses, os hóspedes disputaram com os diplomatas os banheiros, instalaram camas onde havia mesas de trabalho, gastaram a água, o gás e a luz pagos pelo sofrido povo brasileiro, emperraram a rotina dos serviços e criaram uma situação de constrangimento tanto maior quanto não apontava para fim que não fosse inglório.

O caso da Venezuela oferece novo ensejo ao compulsivo ativismo brasileiro nas questões continentais. Há duas semanas, o governo enviou a Cuba o assessor Marco Aurélio Garcia, com a missão de avaliar o estado de saúde de Chávez. É preciso cuidado: Garcia tem sido, em casos semelhantes, uma espécie de enviado especial à casca de banana. Nada de comprometedor resultou dessa primeira iniciativa. O alerta deve ser mantido, porém. O fantástico está à espreita, o caso promete ser longo, e não faltarão oportunidades de atravessar para o outro lado da rua.

O Brasil vai ser um país rico? - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA 

"No passado, podíamos viver ciclos de autoritarismo e de descontrole inflacionário. Agora, o risco é perder oportunidades e crescer pouco por causa de erros de política econômica e incapacidade de aumentar os ganhos de produtividade"


Nos últimos 100 anos, apenas o Japão ingressou no clube dos países ricos, ou seja, os que reúnem três características: (1) renda per capita elevada e bem distribuída, (2) sólidas instituições políticas e econômicas e (3) alto índice de desenvolvimento humano (IDH). Esse índice, elaborado pelas Nações Unidas, é composto de três indicadores: expectativa de vida ao nascer, educação e renda per capita. A Noruega, primeiro lugar no IDH e com renda per capita de 61.000 dólares, é um país rico. O Catar, com a maior renda per capita do mundo, de 99.000 dólares, não é uma nação rica, pois lhe faltam outras características. Em breve, o PIB da China pode suplantar o dos Estados Unidos, mas o país continuará longe de ser rico. Tem renda per capita baixa (8400 dólares), regime autoritário e instituições frágeis.

Em livro de 2009 (Violence and Social Orders), Douglass North, John Wallis e Barry Weingast examinaram a evolução humana nos últimos 10.000 anos. Países ricos, para eles, são os que possuem uma "ordem social de amplo acesso" (open access order), a qual tem apenas 150 anos. São 25 as nações que alcançaram esse estágio (15% da população mundial). Fundamental foi banir o uso da violência por grupos armados. A violência se tornou monopólio do estado, como no encarceramento e na desapropriação por interesse social. Para que a violência não vire instrumento de poder, sua utilização deve ser legítima, isto é, segundo a lei e a ética. O governo é controlado pela sociedade, via sistema político e Judiciário. Democracia, competição política, estado de direito, cidadania plena e direito de propriedade integram a ordem social. O estado regula a economia, defende a concorrência e provê educação fundamental de qualidade. Imprensa livre e crença na superioridade do sistema capitalista e no papel do lucro completam o quadro.

O Brasil está na sala de espera do clube. Construímos instituições que inibem ou punem aventuras na economia e na política, protegendo-nos da instabilidade de outros tempos. A democracia se consolidou. O Judiciário é independente e pode julgar e condenar os poderosos. A sociedade não mais tolera a inflação. O país mudou de risco. No passado, podíamos viver ciclos de autoritarismo e de descontrole inflacionário. Agora, o risco é perder oportunidades e crescer pouco por causa de erros de política econômica e por incapacidade do governo de criar o ambiente para o investimento e os ganhos de produtividade.

Estar na antessala do clube é um feito notável, realizado por poucos países, talvez menos do que os 25 desenvolvidos, mas a entrada não está garantida. Podemos ser apenas um candidato eterno. Para que o Brasil fique rico, a produtividade terá de crescer a um ritmo sistematicamente superior ao das nações desenvolvidas. Em última análise, está aí a chave do sucesso da empreitada, o que implica vencer barreiras ideológicas à percepção das vantagens de uma economia de mercado. Exige liderança política para mobilizar a sociedade, em distintos momentos, em prol de reformas que promovam, entre outros avanços, uma revolução na educação, a melhora da qualidade do sistema político e a redução do potencial de corrupção.

Mesmo com o petróleo do pré-sal e outras vantagens, não seremos um país desenvolvido sem transformações ciclópicas. ao longo de gerações. No campo econômico, a lista é vasta: sistema tributário racional, legislação trabalhista moderna, previdência social sustentável, autonomia formal do Banco Central e de outras agências reguladoras, e melhora da infraestrutura, fatores que assentarão os alicerces para o desenvolvimento mais rápido.

A distância que nos separa dos países ricos ainda é muito grande. Como eles continuam a crescer, o alvo é móvel. Atualmente, a renda per capita do Brasil (11.800 dólares) é apenas 25% da americana (48.000 dólares). Segundo projeções da OCDE. poderemos chegar a 40% em 2060, enquanto China e Coreia do Sul alcançarão 60% e 80%, respectivamente.

A tarefa é difícil, mas não podemos desistir. O êxito não virá da oratória vazia de políticos populistas, mas de muito trabalho e de lideranças ao mesmo tempo visionárias e transformadoras.

Réveillon do milênio - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 14/01


Lembra o acidente com fogos de artifício no réveillon de 2001, na Praia de Copacabana, que deixou um homem morto e umas 40 pessoas feridas? Então, a juíza Ana Luiza Coimbra Mayon Nogueira, da 21ª Vara Criminal, inocentou os sócios da Promo 3 e da Brasitália, responsáveis pela queima de fogos.

Segue...
Foram salvos pela... dúvida. É que houve divergência entre os laudos periciais. A não apreensão imediata dos fogos de artifício também dificultou a produção de provas.

Elas no poder
A ministra Eliana Calmon assume, temporariamente, amanhã, a presidência do STJ. Será a primeira mulher a presidir a Corte.

Randolfe Potter
O senador Randolfe Rodrigues, de 40 anos, que ganhou o apelido de Harry Potter, está escrevendo um livro sobre a natimorta CPI do Cachoeira.

Braga em transe
Quem lembrou foi Cacá Diegues, o cineasta. O centenário Rubem Braga emprestou sua cobertura em Ipanema para Glauber Rocha filmar “Terra em transe”. Lá, Jardel Filho morava com Danusa Leão no filme. E, de lá, o herói saiu e fez a revolução em Eldorado, o país da ficção.

No mais
O PT faz dez anos no poder. Mas a festa é... do PMDB. Tem a vice-presidência da República e, a partir de fevereiro, deve presidir a Câmara e o Senado. Ou seja, terá três dos principais cargos na hierarquia republicana. 

‘Flores raras’ em Berlim 
“Flores raras”, de Bruno Barreto, participará, mês que vem, do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale). O filme retrata o romance entre a brasileira Lota de Macedo Soares, idealizadora do Parque do Flamengo, e a poeta norte-americana Elizabeth Bishop. As personagens são vividas, respectivamente, pela querida Glória Pires e pela australiana Miranda Otto, de “O Senhor dos Anéis”.

A vez de Santoro
Rodrigo Santoro, quinta passada, recebeu do prefeito de Miami (EUA), Tomás Regalado, a chave da cidade pela atuação no filme “O último desafio”, estrelado por Arnold Schwarzenegger. O bonitão é talvez o ator brasileiro mais conhecido por lá.

Cinema brasileiro
Serge Toubiana, presidente da Cinemateca Francesa, quer fazer uma grande retrospectiva do nosso cinema e de sua história, este ano, em Paris. Ela já está reunindo os títulos mais importantes.

Sherlock Holmes
Detetives particulares de Natal estão anunciando seus serviços em muros e postes de toda a capital do Rio Grande do Norte. Para atrair clientela, desconfiada com a pulada de cerca no período carnavalesco, os profissionais têm até slogan. Um deles é: “A dúvida te incomoda? Ligue já”.
É. Pode ser.

Rio dos mares
O Píer Mauá, no Rio, recebe no domingo de carnaval, oito transatlânticos. Será o maior número de cruzeiros que o Porto já recebeu num só dia. Entre eles, o luxuoso Grand Princess, da Princess Cruises. Os passageiros dos oito navios, umas 36 mil pessoas, devem deixar aqui algo em torno de US$ 18 milhões.

ISSO PODE, DOUTOR?
Este carrão, uma Mercedes CLK 320, foi estacionado, dia destes, numa vaga exclusiva para pessoas com deficiência física, próximo à esquina da Avenida Atlântica com Rua Figueiredo de Magalhães, em Copacabana, no Rio. No possante, no entanto, não havia nenhuma indicação — credencial ou adesivo — de que o veículo era conduzido por alguém com direito ao benefício. Mas tinha, no vidro dianteiro, veja no detalhe, um papelzinho onde se lê “Poder Judiciário”. Pode? 

Cena carioca
Uma aluna do MBA em Marketing Digital da FGV, no Rio, entrou na sala, quinta passada, vestindo... um saco preto, como se fosse uma saia. É que a moça foi impedida de entrar de short. Para não perder a aula, improvisou um saco de lixo na cintura.

Paes boêmio
Na noite de sexta-feira, antes de ir para o ensaio da Portela, em Madureira, o prefeito Eduardo Paes fez uma parada no... Cachambeer, o famoso bar no Cachambi. Bebeu umas e foi para o samba.

Tipo Noronha
Surge na Costa Verde mais uma tentativa de limitar o número de pessoas na Ilha Grande, o santuário fluminense. É um projeto da prefeitura de Angra dos Reis. Se sair do papel, o turista, antes de ir à ilha, terá que pedir autorização à TurisAngra. Algo parecido existe para os turistas que vão a Fernando de Noronha, PE.

Em tempo
Apesar da recente descoberta dos cientistas britânicos, garantindo que a galinha nasceu primeiro que o ovo, ainda resta outro mistério: por que as obras da nova sede da UNE, na Praia do Flamengo, no Rio, não saíram do papel até hoje? O dinheiro, R$ 50 milhões, foi liberado no governo Lula, em 2010.

Riscos desnecessários - JOSÉ ANIBAL

BRASIL ECONÔMICO - 14/01


Imediatamente após a aprovação da MP 579 no Senado, as promessas de energia barata, abundante e segura deram lugar a um discurso mais cuidadoso por parte do governo federal.

Primeiro foi o presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, segundo o qual o Brasil tem de aprender a "conviver com certo nível de risco" de apagões como forma de equilibrar segurança e custos.

Depois veio a público relatórios da Aneel, divulgados pelo jornal O Estado de S.Paulo, mostrando falhas em procedimentos básicos de restabelecimento de energia após um apagão. Por fim, a própria presidente Dilma Rousseff afirmou que "um raio não pode desligar o sistema de energia elétrica"- referindo-se a justificativa dada pelos técnicos do governo para explicar o apagão de 15 de dezembro passado.

Neste momento em que tanto os reservatórios das hidrelétricas como a geração térmica estão no limite, as falhas e negligências do planejamento tornam-se indisfarçáveis.

A lentidão em implementar e entregar obras, somada à escolhas erradas, fazem o país correr riscos absolutamente desnecessários e evitáveis. Sem linhas de transmissão, a capacidade em energia eólica já instalada em parques nordestinos segue desaproveitada.

Sem leilões por fonte, toneladas de bagaço de cana se perdem no coração da demanda sem gerar um único megawatt. São Paulo produz 4,5 mil MW com biomassa. Poderíamos agregar o dobro disso ao sistema até 2015, chegando a 12,7 mil MW em 2020.

Com as termelétricas funcionando a todo vapor, a oferta de gás para o setor industrial pode ser afetada, além de exigir mais importação de GNL justo quando é maior o preço internacional.

O governo vai dissolver este custo na conta, prejudicando a redução prometida na tarifa. Fora isso, resta torcer para chover. Que assim seja. O racionamento de energia seria um desastre para o Brasil num cenário de economia internacional em recuperação mais lenta.

Por outro lado, a venda recorde de automóveis coincide com o esgarçamento da política de controle de preços da gasolina. Com mais importações, vai aumentar o prejuízo bilionário da Petrobras no setor de abastecimento, diminuindo ainda mais nosso superávit comercial.

Reajustando o preço na bomba, estreitam-se de vez as margens da meta de inflação. O setor de Etanol, que poderia desafogar a pressão sobre a Petrobras, segue sem perspectivas. E tudo isso num cenário de projeções econômicas cada vez mais retraídas.

No momento em que o governo não consegue alavancar os investimentos em infraestrutura necessários para um crescimento vigoroso, poucas sinalizações são mais negativas aos investidores internacionais do que a série de equívocos num setor estratégico como o energético.

Capital intelectual para reformar o sistema, felizmente, não falta ao Brasil. O governo federal precisa retirar o arame farpado que cerca o planejamento do setor e aprender a dialogar.

O novo espectador - LÚCIA GUIMARÃES


O Estado de S.Paulo - 14/01


A transmissão dos Golden Globes ainda não aconteceu enquanto escrevo, mas posso prever que ela foi mais interessante e divertida do que será a noite dos Oscars no fim de fevereiro. O anfitrião escolhido para tentar impedir o crescente desinteresse pela transmissão dos Oscars nos Estados Unidos é Seth McFarlane, criador de séries de animação. Sua amostra de humor, ao anunciar a indicação do sublime Amour, de Michael Haneke, para melhor filme: "Li que Amour foi coproduzido pela Áustria e a Alemanha. A última vez que eles coproduziram alguma coisa, foi Hitler."

Já o par de anfitriãs da noite dos Globes, Tina Fey e Amy Poehler, é responsável por duas das melhores comédias na TV aberta americana. Eu disse TV? Sim, há anos os Globes têm anfitriões televisivos, enquanto continuam a se promover sobretudo como um tributo ao cinema. Embora tenham sido objeto de chacota porque a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood, patrocinadora dos prêmios, não é exatamente um bastião do jornalismo, os Globes, por indicar programas de TV, reconhecem a melhor fonte de ideias da cultura visual americana. Hollywood produz, em boa parte, filmes para crianças e adolescentes, esgota franquias e, no fim do ano, solta uma mini safra de filmes para adultos, como Lincoln e Argo, para cortejar a temporada de premiações.

Já a TV americana exibe drama, aventura e comédia de alta qualidade o ano todo, além, é claro, do lixo dos reality shows. Todos os indicados na categoria de drama dos Golden Globes, inclusive o vencedor, arrisco a previsão, Homeland, são melhores do que a maioria dos filmes lançados em 2012. Estamos vivendo uma era de ouro de TV? Sim, do ponto de vista de conteúdo mas, como indústria, o futuro é mais complicado. Pelas minhas contas, só assisti a um dos dramas indicados aos Globes ao vivo e, não mais do que quatro vezes, no ano passado.

Não dava para escapar aos comentários, à cobertura e ao suspense que cercaram a estreia da terceira temporada de Downton Abbey, aquele novelão com um roteiro letrado e um elenco supimpa da TV britânica. É um daqueles prazeres culpados. Fiz uma anotação mental - domingo, 6 de janeiro. No dia D, programei a TV para gravar no DVR (o serviço de gravação digital) e, aliciada na última hora por amigos no bairro, saí porta afora. O segundo episódio, ontem, também foi gravado, junto com outras atrações imperdíveis da noite de domingo. Metade dos domicílios americanos tem DVR. No horário nobre, é frequente o segundo lugar da audiência ficar com o DVR, a programação gravada. Esta audiência retardada se tornou tão importante que os números passaram a ser medidos separadamente, ao vivo e em outras formas de acesso, como o DVR. O público mais cobiçado dos anunciantes, entre 18 a 49 anos, está rachando em seus hábitos de assistir à televisão.

Uma das mais bem sucedidas séries do cabo americano, a excelente Breaking Bad, deve boa parte de seu novo público, em 2012, à turma que assistiu às temporadas anteriores pela Netflix, em maratonas que deram origem ao neologismo binge watching (tomar uma bebedeira de um programa só).

A CBS é tradicionalmente a rede de TV aberta com os espectadores mais velhos. No ano passado, a CBS estreou um drama policial, Elementary, que tem Sherlock Holmes como um ex-viciado em drogas vivendo em Nova York. Ao vivo, a média de idade do público de Elementary é 57 anos. Ao longo de sete dias de acesso por diversas vias digitais, a média de idade cai para 36 anos. As distrações eletrônicas são muitas e a geração que cresceu online não se submete à TV com hora marcada, a não ser para eventos esportivos.

Uma visita a apartamentos de jovens no Brooklyn vai confirmar o temor dos anunciantes. Os moradores não pagam pelo serviço de cabo, o que, sem antena, dificulta a recepção de TV aberta. Entre o consumo online por distribuidores como Netflix, o sistema de streaming Hulu, iTunes e a pirataria, este público tem inúmeras opções de evitar publicidade.

Mesmo se a cena de várias gerações reunidas na frente da TV é mais rara, quando ela acontece, há variações. Na minha casa, ela pode consistir num tablet conectado à TV e ao consumo, via wifi, de vários episódios de uma série hilariante e obscura da TV britânica, fora do ar há anos. A fartura de programação disponível em streaming ou em reprises de centenas de canais fez vítimas no outono passado. A rede Fox perdeu o primeiro lugar de audiência, que detinha há anos, ao estrear comédias que foram ignoradas. O público desacostumado ao horário fixo da programação não conferiu as novidades.

Sem o bochicho inicial, é difícil, mesmo para um programa de alta qualidade decolar. E, se as opções de driblar os anúncios são tantas, quem vai financiar a ousadia que a TV tomou do cinema?

Lágrimas por um panda - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 14/01


Somos uma cultura de frouxos viciados em conforto, que se lambem o tempo todo


Em 500 anos, não seremos lembrados como a geração do iPad, porque ele será mais parecido com a idade da pedra do que com o que existirá em termos de tecnologia.

Seremos lembrados como a era da vulnerabilidade e do sentimentalismo barato. Somos uma cultura de frouxos viciados em conforto, que se lambem o tempo todo e culpam os outros por tudo.

Proponho a leitura de dois livros que ainda não têm tradução para o português (até onde sei), infelizmente. O primeiro, já antigo, de 2004, do sociólogo inglês Frank Furedi, "Therapy Culture: Cultivating Vulnerability in an Uncertain Age" (cultura da terapia: cultivando a vulnerabilidade numa era incerta), ed. Routledge, London.

O segundo, de 2011, do psiquiatra inglês (já falei dele nesta coluna e vou repetir mil vezes até alguma editora se tocar e publicá-lo no Brasil) Theodore Dalrymple, "Spoilt Rotten: The Toxic Cult of Sentimentality" (podre de mimado: o culto tóxico do sentimentalismo), da Gibson Square, London.

Furedi é um egresso da formação frankfurtiana, portanto, de esquerda, mas com forte influência do trabalho do historiador americano Christopher Lasch, um dos desbravadores da categoria de narcisismo como matriz da alma contemporânea.

Dalrymple, psiquiatra de cadeias e hospitais dos pobres ingleses, que atuou anos na África, identificado com o pensamento conservador anglo-saxão, explode muitas das soluções da psicologia social foucaultiana a partir de sua experiência clínica: as pessoas não são vítimas de sistema nenhum, e o serviço público, quando institucionaliza esta crença idiota no "sistema", faz das pessoas retardados morais.

Já é hora de ultrapassarmos a barreira da ignorância alimentada pela esquerda brasileira, que gosta de identificar o pensamento conservador anglo-saxão com fascismos racistas, religiosos e sexistas. Pura má-fé deles. Estão morrendo de medo de quem não tem mais medo deles. Risadas?

A marca do pensamento conservador anglo-saxão é seu empirismo cético contrário às especulações que marcam a crítica social francesa e alemã do século 20. Como diz a historiadora conservadora americana Gertrude Himmelfarb, "a realidade não parece encorajar especulações".

Esquerda e direita podem, sim, dialogar quando não está em questão "propor" mundos ideais, mas sim identificar nossas misérias contemporâneas.

Mas o que vem a ser a cultura da terapia e seu culto da vulnerabilidade (Furedi)? Trata-se da contaminação da cultura pela ideia de que todos temos problemas e devemos confessá-los publicamente, e, por isso mesmo, somos vítimas eternas.

Ninguém é, de fato, responsável pelos males que faz, mas sim vítima de "problemas psicológicos ou sociais". Vejamos dois exemplos dados por Furedi em seu livro.

O primeiro se dá no Reino Unido. Empregado negro acusa patrão de racismo. Abre um processo. Apesar de outros empregados afirmarem nunca terem visto atitudes racistas no patrão, ele é condenado sob a alegação de que, se o empregado negro se sentiu constrangido, é o bastante, porque somos racistas inconscientemente, porque o "inconsciente é ideológico", como numa espécie de doença psicossocial. Hilário, não?

O segundo caso se dá nos EUA. Um bebê é encontrado morto na casa dos pais pela avó materna. A mãe, que estava num bar bebendo com o pai da criança no momento, quando julgada, argumenta que não tinha sido criada pela mãe com o afeto correto, por isso não tinha aprendido a ser mãe. Ridículo?

E o que vem a ser o culto do sentimentalismo barato (Dalrymple)? Entre vários sintomas, um dos mais fortes se sente na educação.

Toda criança é linda, boa e pode amar seus colegas. Hoje em dia, todo mundo tem problema. Um dia, será proibido reprovar um aluno sob pena de que você está sendo insensível para com seus limites psicológicos ou sociais.

Outro sintoma é a obrigação das pessoas mostrarem que "care" (se importam) com alguma coisa. Se você colocar a foto de uma criança africana pobre no "Face", você come (quase) todo mundo.

Chore por um panda e defenda o aborto de crianças. Você será top na balada.

A regra da poupança - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 14/01


Os novos depósitos poderão perder da inflação, se a remuneração se mantiver nos níveis atuais



Em 2012, o Governo modificou a regra da caderneta de poupança. A mudança foi bem recebida e pode ser qualificada como engenhosa. De fato, o Governo conseguiu o que queria — “destravar” o processo de redução dos juros, eliminando o piso associado à antiga regra da poupança — e, ao mesmo tempo, ao definir que a regra valeria apenas para os casos em que a Selic fosse igual ou inferior a 8,5% — mantendo a regra antiga caso fosse superior a isso — evitou um problema futuro, como seria a vinculação com a Selic se esta tivesse que voltar a aumentar por alguma razão.

Por outro lado, a fórmula encontrada — correção de TR + 70% da Selic para os depósitos novos e manutenção da regra de TR + 0,5% ao mês para os depósitos antigos — não está isenta de problemas. Há dois deles para os quais convém prestar atenção.

O primeiro é o risco de perda em relação à inflação. Tomemos como referência uma Selic como a atual, de 7,25% ao ano. Nesses níveis, a TR tende a ser nula, o que significa que a remuneração da poupança é de 70% da Selic para os depósitos feitos a partir de 4 de maio, quando a medida passou a vigorar e de 0,5% ao mês para os antigos. Como 70% de 7,25% é 5,08%, isso quer dizer que os novos depósitos rendem anualmente esse percentual, enquanto que os antigos rendem 6,17% — taxa anual do rendimento mensal de 0,5%. Caso a inflação seja maior que 5,08%, o depositante terá perda real. O que cabe avaliar é: nesse contexto, qual está sendo a inflação? Vejamos alguns indicadores. Taxa dos últimos 12 meses (IPCA): 5,8%. Taxa anualizada dos últimos 3 meses: 8,2%. Taxa anualizada da média dos núcleos de inflação nos últimos três meses: 6,7%. Expectativa de inflação captada pelo Banco Central (BC) através do Boletim Focus para 2013: 5,5%. Expectativa de inflação captada pelo BC através do Focus para aqueles que mais têm acertado a curto prazo (os “Top 5”): 5,7%. O que se observa, então, é que os novos depósitos poderão perder da inflação, se a remuneração se mantiver nos níveis atuais.

O segundo problema é o risco de descasamento. Ele ocorreria qualquer que seja a inflação, para uma Selic igual ou inferior a 8,5%, mas para não confundir os efeitos, vamos deixar a inflação de lado. E vamos continuar com nossa Selic de 7,25% e, portanto, com os novos depósitos sendo corrigidos a 5,08% ao ano, enquanto que os depósitos antigos são remunerados a 6,17%. Vamos imaginar que o sistema que opera com base em captações da poupança — como o mercado imobiliário — estivesse em equilíbrio antes da mudança da regra. Isso significa captar a uma taxa x, ter um certo “spread” e emprestar a uma taxa y, sendo esta maior do que x.

O que ocorre na nova situação? Imaginemos que com a Selic a 9%, a remuneração da poupança fosse 7% e a taxa de mercado nos financiamentos imobiliários fosse 10 %, com um “spread” de aproximadamente 3%. Estamos adotando uma série de simplificações, apenas para facilitar a compreensão do problema por parte do leitor. Vamos supor que a Selic agora seja de 7% e que nesse contexto de queda de juros, a ponta dos empréstimos tenha passado a ser de 8% — 1% superior à Selic e, como no caso desta, 2% abaixo da taxa original. É claro que há entraves práticos a uma mudança de contratos, mas é razoável pensar que se a taxa é 8%, cedo ou tarde o mutuário que pagava 10% consegue um novo empréstimo para quitar o antigo e pagar a nova taxa. No limite, o sistema vai estar emprestando a 8%. Não haveria maiores problemas se a taxa de captação do sistema fosse 70% da Selic, ou seja, no caso, 4,9%. Porém, se a maior parte dos depósitos forem antigos, o custo de captação será de 6,17%. O spread terá caído nesse caso de 3% para menos de 2%. Se houver elevada alavancagem e riscos altos de inadimplência, poderão aparecer problemas. E se o spread não cair, a queda da Selic não seria acompanhada pelos juros do sistema. Evidentemente, o problema aqui abordado agrava-se caso a Selic caia mais ainda. Nesse caso, a intermediação financeira do sistema de habitação será um desafio maiúsculo. Portanto, se os juros baixos forem um fenômeno duradouro, a regra deveria ser revista e a correção de todos os depósitos deveria ser unificada adotando a norma que vale para os depósitos novos.

Dona Sancha - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 14/01



Quem não brincou de pegador, de amarelinha com casca de banana, de passar anel com anelzinho de pedra de vidro que vinha preso numa daquelas balas de antigamente? Qual foi o moleque que não jogou fubeca, não bateu figurinha na calçada ou no páteo da escola, ou não rodou pião? Qual foi o moleque que não empinou papagaio feito caprichosamente pela irmã? Qual foi o moleque que não brigou na rua com o amigo de todos os dias, depois de fazer um risco no chão para separar os lados dos contendores e cuspir no lado do outro para provocá-lo e iniciar o confronto, os empurrões e os tabefes? Qual foi o moleque que não apanhou de cinto em casa quando o pai soube que já apanhara de tapa de outro moleque na rua? Ninguém podia voltar para casa vencido. Ou contar que apanhara.

Qual foi a menina que não ficou de mal com a amiga, entrelaçando os dedos das duas mãos, virados para a outra e soltos lentamente para simbolizar a ruptura? Qual foi a menina que não reatou a amizade enlaçando o dedo mindinho com o mindinho da outra para simbolizar o reatamento e dizer assim que o amor de todos os dias entre crianças é maior do que a raiva do instante? Quem não lembra de histórias incrivelmente fantasiosas que as crianças inventavam e contavam, cada vez de um jeito, no teatro imaginário das reuniõezinhas de calçada, no começo da noite, sob a luz amarelada dos postes da Light? A cidade era uma xilogravura.

Os antigos e os não muito antigos já notaram o desaparecimento do lugar da criança na renovação da sociedade e na vida da cidade. A rua já não é da criança, é do carro. Ou é do crime, mesmo que esse pavor seja em grande medida falso, alimentado de propósito pelo rádio e pela TV para aterrorizar adultos e crianças. Já não se fala das coisas boas que acontecem todos os dias nas ruas da cidade: um concerto, um livro, uma poesia no poste. O noticiário homicida, desenraizado e alienado matou a cidade. Já foi o tempo em que o povo sabia das coisas pelo jornal, um de manhã e outro à noite, deixando para o afobado Repórter Esso as notícias de última hora.

Nos bairros, como o da Mooca, do Brás, do Belenzinho, de Santana, da Lapa, do Ipiranga, da Vila Prudente, à noite, os pais punham cadeiras na calçada para conversar com os vizinhos, apreciar o movimento que não havia ou acompanhar com os olhos um carro que passasse, buzinando e espantando crianças.

As crianças brincavam de adivinhas, de o que é que é, de cantigas de roda - Senhora Dona Sancha vestida de ouro e prata; Pirulito que bate, bate, pirulito que já bateu, quem gosta de mim é ela, quem gosta dela sou eu; O cravo brigou co'a rosa debaixo de uma sacada; Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de diamante para o meu amor passar. Crianças, venham pra dentro, está na hora, já é tarde. São oito horas!

O extraordinário virou banal - LULI RADFAHRER

FOLHA DE SP - 14/01


As redes sociais de hoje lembram o 'mundo perfeito' ironizado por Fernando Pessoa há um século


"Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo", ironizava Fernando Pessoa há um século, criticando o mundo de aparências dos ambientes sociais em que todos têm de ser belos, inteligentes e saudáveis o tempo todo.

O personagem de seu poema é tristemente familiar. Seja porque se sente porco, vil, parasita e sujo por não ter tido paciência para se arrumar. Seja porque se considera ridículo, absurdo, grotesco, mesquinho, submisso e arrogante por não saber se comportar de acordo com as novas etiquetas. Seja porque, covarde, ele se cala quando ofendido, para não ser ridicularizado ao reagir. Seja porque, endividado e motivo de piadas entre os que cruzam seu caminho, ele se angustia por não encontrar com quem se identifique.

Analisando suas redes sociais, ele reclama estar cercado de semideuses. Ninguém confessa infâmias, covardias ou fraquezas, nada que esteja abaixo do ideal. Só lhe resta desabafar que todo mundo com quem convive "nunca foi senão príncipe -todos eles príncipes- na vida..."

Naquela época os locais públicos eram determinados e tinham horário de funcionamento definido. Identificar a farsa de uma vida excepcional não era difícil. Ninguém imaginaria passar o dia todo exposto na vitrine das redes sociais, arrumado feito criança em casamento, se contorcendo em roupas que não cabem direito, torcendo para que a frase tenha sido bem decorada e que a foto seja tirada antes de o suor brotar.

O mundo das redes sociais, ao mostrar os melhores momentos de cada um de seus bilhões de integrantes, bombardeia-os com um ambiente superlativo, em que a cada instante surgem vídeos em que pessoas e bichos aparentemente comuns realizam feitos inacreditáveis. O extraordinário se banalizou.

Quando se vive cercado por extremos, é cada vez mais difícil determinar os limites do que é possível, desejável ou conveniente. O cotidiano, banalizado pela onipresença do extraordinário, fica ainda mais monótono.

Quem cresce rodeado pelo que há de melhor perde a paciência para se surpreender e pode ficar mimado, impotente ou deprimido. Na tentativa de gerar estímulos, vários multiplicam suas atividades e pulverizam sua atenção, sem levar em conta que a hiperatividade é inimiga da concentração. Nesse processo, gasta-se muita energia e realiza-se pouco, em um círculo vicioso que só aumenta a frustração.

Mais do que nunca, é preciso tomar consciência dos limites do que é "normal". A exposição cotidiana dos feitos extraordinários é apenas um subproduto de uma tecnologia de expressão, democratização e inclusão, que só tende a crescer nos próximos anos. Como todas as outras mudanças propiciadas pela internet, ela demanda uma nova forma de socialização que não se baseia no que cada um tem a mostrar, mas no que deve ouvir e até que ponto considerar.

Afinal, não há nada de errado em mostrar grandes feitos. Se bem apresentados, esses vídeos podem ser inspiradores, desafiando gente comum a se preparar para o incomum e mostrando o potencial que existe em qualquer um que, insatisfeito com o estado das coisas, resolva combater a mesmice e realizar feitos verdadeiramente sobre-humanos.

Somos um país sério? - ARNALDO NISKIER

FOLHA DE SP - 14/01


Quase 200 milhões de brasileiros aderiram ao Acordo Ortográfico e o governo adia sua entrada em vigor para nada


A história do marechal Charles De Gaulle tornou-se clássica. Num dado momento, lançou a dúvida: "O Brasil é um país sério?". Muitos de nós ficamos chocados. Isso feriu o orgulho nacional.

Agora, a frase voltou à tona, a propósito da decisão do governo de adiar para 2016 a entrada em vigor do decreto assinado em agosto de 2008, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a propósito do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa. Mais três anos, para nada.

Houve uma adesão quase unânime do lado brasileiro.

Os nossos irmãos portugueses e algumas nações luso-africanas, como Angola e Moçambique, por interesses variados, resistiram à adoção, que tem por finalidade essencial a simplificação da escrita do nosso idioma. Nada mais do que isso. E com um claro objetivo estratégico: postular assim a oficialização do português como língua de trabalho da Organização das Nações Unidas (ONU), o que eleva o nosso status internacional.

Também aqui há os recalcitrantes, que só agora se manifestam. Silenciaram em 1990, quando o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado, e em 2008, quando se estabeleceu o prazo fatal para a unificação pretendida.

Somos obrigados a ler até alguns absurdos, como o comentário de que isso se fez de forma burocrática, sem audiências públicas, ou por "reformadores de plantão". Aqui, uma clara agressão à memória de um dos grandes brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, como é o caso do acadêmico Antonio Houaiss.

Antes de ser cassado, por motivos políticos, dedicou parte ponderável da sua vida, como filólogo consagrado, à discussão interna e externa dessa problemática. Só colheu aplausos.

O Brasil aderiu com entusiasmo ao acordo. Livros, jornais e revistas passaram a ser escritos com as novas normas. Centenas de concursos públicos, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem (4 milhões de jovens), foram realizados com essa marca, aparentemente irreversível.

São quase 200 milhões de brasileiros que hoje escrevem de forma simplificada. Mudar esse quadro não foi desrespeitoso?

Numa prova eloquente da sua modernidade, o nosso país aceitou as recomendações da Academia Brasileira de Letras (ABL), no que tange às suas 200 mil escolas. Mesmo as do interior, como se atesta na Olimpíada de Língua Portuguesa, deixaram para trás os tempos de voo e enjoo com acento circunflexo.

De mais a mais, o que muitos desconhecem, há um decreto presidencial em pleno vigor, datado de 1972, que dá à Academia Brasileira de Letras as prerrogativas de ser a última palavra em matéria de grafia. Os mal informados ou mesmo os ignorantes desconhecem isso e aí só nos resta lamentar esse retrocesso.

BALANÇO SOCIAL - MÔNICA BERGAMO


FOLHA DE SP - 14/01


Os programas Bolsa Família e Brasil Carinhoso, voltado para retirar famílias com crianças e adolescente de até 15 anos da extrema pobreza, totalizaram

R$ 20,5 bilhões em recursos repassados em 2012. Um aumento de 3,9 bilhões (19,02%)em comparação a 2011. O número de famílias atendidas passou de 13,3 milhões para 13,9 milhões em 2012.

BALANÇO SOCIAL 2
O valor médio do benefício, ainda que sem reajuste nominal, fechou o ano passado em

R$ 144,78. Cresceu em função de o teto de crianças beneficiadas com o auxílio de R$ 32 cada uma passar de três para cinco por família. A média subiu ainda com a inclusão de auxílio a grávidas e mães durante amamentação.

SEM VEREDICTO
Dois homens acusados de terem matado o filho de um fazendeiro da região de Jardinópolis (a 329 km de SP) estavam presos desde 2002 sem terem sido julgados. A Defensoria Pública de SP conseguiu um habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça.

A Defensoria levará o processo à Comissão Interamericana de Direitos Humanos para tentar responsabilizar o Estado pelo excesso de tempo da prisão preventiva. No caso, dez anos.

MANGUETOWN PAULISTA
O músico Jorge Du Peixe, da Nação Zumbi, fez show de seu novo projeto, Afrobombas, ao lado do filho Ramon. O artista Dimas Forchetti e a designer Karen Kawagoe estavam na plateia do Sesc Pompeia. Lula, filha de Chico Science, também integra a banda.

MÚSICA AO CUBO
O duo Caixa Cubo, do pianista Henrique Gomide e do baterista João Fideles, fez show na semana passada. A bailarina Andrea Barbour foi ao Mundo Pensante, no Bixiga, para a noitada, que também teve o DJ Papaleo.

QUEM SERÁ ELIS?
Hugo Prata, que dirigirá o filme biográfico de Elis Regina, anda recebendo "uma enxurrada" de currículos para o papel da cantora. "Mandam por Facebook, e-mail. Tem até umas coisas meio 'BBB', de menina que não é cantora nem atriz." Prata está captando recursos para o longa e deve definir a protagonista até o meio do ano.

PIMENTINHA NO PALCO
Está em produção também um musical sobre a vida da Pimentinha. Nelson Motta e Patrícia Andrade, que fizeram o roteiro do longa, trabalham numa versão para o teatro, com mais canções.

SEM PASSAR FRIO
A Osklen, de Oskar Metsavaht, decidiu não apresentar sua coleção de inverno no mês que vem na semana de moda de Nova York. A grife diz que futuramente participará das duas edições do evento e que, no momento, está focada na apresentação das peças de verão.

RABADA REAL
O rei espanhol Juan Carlos 1º e os chefs Ferran Adrià e Elena Arzak estão entre os convidados, no dia 21, à abertura do Madrid Fusión, festival gastronômico que homenageará Minas. Só Alex Atala não é mineiro entre os 16 chefs na comitiva -que vai preparar pratos típicos, como rabada com agrião. Governo e iniciativa privada investiram R$ 2,5 milhões.

Ô ANNA JULIA
A atriz Maria Ribeiro planeja apresentar seu documentário sobre a turnê de retorno do Los Hermanos, que aconteceu em 2012, no próximo Festival do Rio, no segundo semestre. Ela está em processo de montagem do filme junto com Sérgio Meckler.

E Maria conta que já está em fase final a negociação com o GNT para integrar o elenco do novo "Saia Justa".

CURTO-CIRCUITO
A joalheira Jade, filha de Mick Jagger, participa de reunião de negócios em SP.

Luiza Eluf, procuradora aposentada, volta a advogar em São Paulo.

Marcus Buaiz e o produtor Mister Jam lançam a música "Golden People".

Cléo Aidar apresenta hoje nova coleção, no Itaim.

A peça "O Terraço" tem pré-estreia hoje no teatro Nair Bello. 10 anos.

Bem-vindo, Henrique. Você merece o cargo! - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 14/01


Depois de 42 anos como deputado federal, Henrique Eduardo Alves, atual líder do PMDB, está prontinho para presidir a Câmara a partir de fevereiro próximo.

Sabe tudo o que se passa ali dentro. Sabe como fazer passar tudo ali dentro.

Sabe quem importa ali dentro e quem não importa. E conta com os votos da maioria esmagadora dos partidos, do governo à oposição. Sem falar do apoio da presidente Dilma.

O que falta para que ele dê como certa sua eleição?

A apuração dos votos. E que até lá o deixem em paz, ocupado em cabalar votos em troca de cargos na direção e em gabinetes da Câmara, nos ministérios e empresas estatais onde o PMDB manda.

Um conselho: e nada de investigar o passado remoto ou recente de Henrique. Porque quem procura acha. E o que acha quase sempre desfavorece o alvo do achado.

No último fim de semana, a Folha de São Paulo e a Veja publicaram preciosos achados que, por um lado, reforçam as chances de Henrique junto aos seus colegas e, por outro, o deixam mal com o distinto público.

Os colegas poderão dizer com orgulho: “É um dos nossos”. Quanto ao que dirá o distinto público... O que importa?

Quantos políticos vagabundos, desonestos, encrencados com a Justiça não se elegem e se reelegem com o voto irresponsável do distinto público?

Leandro Colon, repórter da Folha, descobriu que uma parte do dinheiro das emendas ao Orçamento da União apresentadas por Henrique foi parar na Bonacci Engenharia, empresa de Aluizio Dutra de Almeida, tesoureiro do PMDB no Rio Grande do Norte, Estado de Henrique.

Aluizio é assessor de Henrique desde 1998. A Folha identificou três prefeituras que contrataram a Bonacci Engenharia com dinheiro federal obtido por Henrique.

Em 2009, Henrique destinou R$ 200 mil de suas emendas para a construção de uma praça em Campo Grande, a quase 300 quilômetros de Natal. No ano seguinte, o dinheiro saiu e a prefeitura contratou a empresa do assessor de Henrique para tocar a obra.

Repetiu-se o script com obras nas cidades de São Gonçalo do Amarante e Brejinho.

Os mais lenientes dirão: a Bonacci deve engordar o Caixa 2 das campanhas de Henrique. Qual o político que dispensa Caixa 2?

Jamais esqueçam: Caixa 2 é crime.

Os mais desconfiados dirão: Henrique deve ser sócio oculto da Bonacci.

Sem prova robusta, substancial não vale.

Quem sabe a teoria do domínio do fato não dá um jeito nisso? Deu no mensalão. Condenou cabeças coroadas.

(Mudou de assunto, foi, Noblat? Abandonou Henrique?)

O indigitado recusou-se a comentar a reportagem da Folha. Talvez porque ao comentar a da Veja tenha se dado muito mal.

A Veja conta que Henrique gasta R$ 8.300,00 com aluguel mensal de veículos.

Ocorre que as notas fiscais apresentadas por ele para reembolso pela Câmara são emitidas por uma empresa registrada em nome de uma laranja.

Com endereço na periferia de Brasília, a empresa atende pelo nome de Global Transportes. Sua falsa dona é Viviane dos Santos, ex-vendedora de tapetes. Viviane diz que emprestou seu nome a uma tia. E que a Global não possui carros. Nunca possuiu.

Kelen Gomes, a tia, é quem fornece as notas fiscais para o gabinete de Henrique.

À Veja, primeiro Henrique disse que usa seu próprio carro quando está em Brasília. Corrigiu-se em seguida: admitiu que usa carros alugados, embora não lembre do modelo de nenhum deles.

Por fim, escalou um assessor para explicar melhor a história. “Talvez o deputado não se lembre, mas foi ele quem mandou contratar essa empresa”, explicou melhor a história Wellington Costa, o assessor.

Henrique tem uma queda especial por viver perigosamente. Que o diga seu par constante, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), candidato a líder do partido na Câmara.

Por duas vezes pelo menos, episódios desabonadores obrigaram Henrique a submergir para escapar do risco de perder o mandato.

Em maio de 2002, escolhido para ser vice na chapa presidencial encabeçada por José Serra, quase que Henrique afundou de vez.

Foi acusado pela ex-mulher, Mônica Infante de Azambuja Alves, de ter R$ 15 milhões em paraísos fiscais nas Bahamas, no Canal da Mancha e em Genebra, além de uma conta no Lloyds Bank em Miami, nos Estados Unidos.

Mônica e Henrique enfrentavam um processo de divórcio litigioso. Ela queria mais do que Henrique estava disposto a dar. Então entregou a seus advogados extratos bancários, contas telefônicas, comprovantes de despesas de cartão de crédito e bilhetes de Henrique como provas do que dizia.

E o que ela dizia no processo mantido em segredo pela Justiça foi parar nas páginas da revista IstoÉ. Uma conta telefônica de janeiro de 1995 mostrou alto número de ligações de Henrique para o banco suíço Union Bancaire Privée (UBP): apenas numa semana foram feitas 38 chamadas.

Em bilhete manuscrito enviado por fax ao banco, o deputado autorizava uma aplicação de US$ 420 mil por seis meses. A conta 2453333 HM no UBP de Jersey mostrou uma movimentação de US$ 500 mil em 1996.

Mônica acabou se entendendo com Henrique. Retirou o que dissera contra ele. Vendeu caro seu silêncio. E ainda conseguiu um emprego na Infraero arranjado pelo ex-marido.

A Receita Federal fez de conta que tudo não passara de uma reles briga de casal – e não investigou a denúncia de Mônica.

Serra foi derrotado por Lula. Henrique aderiu ao governo Lula. Cinco anos depois se meteu em outra enrascada. Usou notas fiscais do jornal Tribuna do Norte para receber da Câmara parte da verba indenizatória.

De R$ 15 mil mensais à época, a verba servia para reembolsar gastos com consultores, combustível, transporte e outras pequenas despesas.

Em janeiro de 2007, Henrique alegou ter gastado R$ 25 mil com a divulgação de suas atividades por meio do jornal que pertencia a ele e à sua família. O jornal sempre abrira espaço de graça para projetar seu dono. Passou a cobrar, disse Henrique.

Parece crível? À direção da Câmara pareceu, sim.

O ritual de passagem de Henrique foi cumprido.

De volta ao começo: “Depois de 42 anos como deputado federal, Henrique Eduardo Alves está prontinho para presidir a Câmara a partir de fevereiro próximo”.

Credibilidade ameaçada - RAUL VELLOSO


O Estado de S.Paulo - 14/01


Credibilidade é tudo em economia. A nossa foi gradualmente dilapidada ao longo de várias "décadas perdidas", e agora estamos diante de uma nova ameaça. Enfrentamos a crise da dívida de 1982 praticamente sem dólares no caixa, deixamos a situação social se deteriorar e, finalmente, chegamos à hiperinflação. Até bem pouco tempo, assim, a percepção externa era de que o Brasil estava preso num labirinto, sem chances de encontrar uma saída racional.

De 1995 a 2008, o quadro mudou radicalmente, pois domamos a inflação, instituindo o tripé metas de inflação/superávits fiscais altos/câmbio flutuante e passando a controlar a dívida pública; reduzimos consideravelmente os índices de pobreza; e, sem recursos públicos, colocamos em prática um modelo de expansão dos serviços públicos baseado fortemente no capital privado. Graças a isso, o crescimento sustentável do Produto Interno Bruto (PIB) passou de 2,7% ao ano para algo ao redor de 5% ao ano.

Há várias áreas problemáticas da atuação pública que ainda precisam ser azeitadas, algo que demandará bastante tempo. Temos sido incapazes de realizar uma reforma administrativa com letras maiúsculas, e, assim, uma área crítica é a de administração e gestão. O problema previdenciário tende a se agravar consideravelmente nos próximos anos. Ou seja, há muito o que reestruturar.

Enquanto a produção industrial do mundo inteiro desabava com a crise de 2008/2009 e até hoje muitos continuam abaixo do pico prévio, a do Brasil caía igualmente, mas fomos campeões em recuperá-la ao nível prévio em apenas um ano. Já em 2010, o PIB passava a crescer a 7,5%, deixando o mundo perplexo. Dobraram, pois, as apostas no Brasil como um dos principais destinos para investimento estrangeiro. Parecia que a crise, em que pese sua gravidade, não fora capaz de abalar a credibilidade construída ao longo da década precedente.

Só que, de lá para cá, tudo parece mudar no sentido oposto, criando-se rapidamente uma nova percepção desfavorável sobre o Brasil no exterior. As análises sintetizam a deterioração do quadro econômico com a constatação de que, apesar das promessas de algo melhor, o PIB só cresceu 2,7% em 2011 e deve crescer apenas 1% em 2012, longe dos 5%, que parecia ser a taxa sustentável. E, em adição, há cinco trimestres a razão investimento global/PIB só cai, depois de longo período em que subia seguidamente.

Em parte, esse desempenho se explica pela desabada da produção (e talvez do investimento) industrial, que, desde a rápida recuperação inicial pós-crise, só cai, em que pesem medidas de apoio e a desvalorização do real. Além disso, os resultados fiscais, computados sem manobras contábeis, vêm caindo sistematicamente, embora sem pôr em risco, ainda, a trajetória declinante da razão entre a dívida pública e o PIB.

E no setor de serviços, por que os investimentos não crescem mais? Ali, maiores rentabilidades seriam garantidas por demanda crescente e impossibilidade de importar. Nesse caso, contudo, sujeito à forte intervenção governamental, o ambiente de negócios para o setor privado em geral vem se tornando crescentemente desfavorável, diante da transição, que tem sido posta em prática desde 2003, para um modelo de expansão que pode ser caracterizado como de capitalismo de Estado, após a escalada liberal da era FHC.

Por essa visão, que guarda um certo paralelismo com o movimento antiliberal que se esboça no mundo desenvolvido em crise (veja, a propósito, o artigo de Dani Rodrik no Valor de 10/1/2013), o ideal seria o próprio Estado atuar diretamente em vários segmentos da área de serviços e oferecer os menores preços imagináveis para a sociedade. Sem recursos, busca-se, alternativamente, um certo compadrio com segmentos do setor privado. Nesse esquema, o governo exige que o concessionário do serviço público cobre a menor tarifa imaginável pela prestação de serviços, em troca de empréstimos oficiais subsidiados e outras benesses que atenuem os efeitos deletérios sobre as respectivas rentabilidades.

A maior limitação que trava essa transição aparece, contudo, no lado operacional. Na prática, as agências reguladoras estão se tornando parte da administração direta, e nesta a gestão pública é caótica. Dessa forma, as coisas não andam, e, por exemplo, o desempenho das concessões da infraestrutura de transportes pós-2007, claramente sob um esquema de compadrio, tem sido abaixo da crítica. É só comparar o montante de investimentos realizados nessa fase com os da fase anterior, e a situação das rodovias nos dois casos.

Roberto Setúbal, presidente do Itaú, estava certo quando destacou recentemente, na Folha de S.Paulo, a importância de retornos atrativos para atiçar o espírito animal de empresários. A visão de que o capital privado só se excita quando vê demanda crescendo é míope. Para investir, é preciso ter retorno. Se voltarmos a querer tocar o Brasil a partir de ideias populistas e estatizantes, que já não deram certo no passado, achando que há espaço fiscal para gastar mais (quando na realidade não há), daremos com os burros n'água. Perderíamos credibilidade e o atual governo estaria queimando a herança bendita das últimas décadas.

Vigília permanente - FÁBIO ZAMBELI - PAINEL


FOLHA DE SP - 14/01


Um ano após o escândalo que derrubou o então presidente do Dnocs Elias Fernandes, afilhado de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o governo mantém 13 processos disciplinares em curso no órgão responsável pelo combate à seca. Duas obras sobre as quais recaíam suspeitas de irregularidades sofreram intervenções do Ministério da Integração: foi rompido o contrato da Barragem de Congonhas (MG) e houve retenção de parcela do pagamento pela Barragem de Figueiredo (CE).

Tête-à-tête Encontro de Eduardo Campos com Dilma Rousseff hoje, às 17h, no Planalto terá dois tempos: num primeiro instante, o governador tratará de parcerias e obras federais em Pernambuco. A pauta política, leia-se espaço do PSB na Esplanada e eleições, ficará para o fim.

Santo... Fábio Ramalho (PV), coordenador da bancada mineira na Câmara, enviou telegrama convidando colegas, em nome de Antonio Anastasia, para audiência no Palácio das Mangabeiras com Henrique Alves, favorito à presidência da Casa.

... de casa Ao saber do encontro, Júlio Delgado (PSB-MG), rival do peemedebista, conversou com o governador de Minas Gerais, que o receberá hoje para reunião.

Cofrinho Os bens do publicitário Duda Mendonça, que estão bloqueados pela Justiça embora ele tenha sido absolvido no mensalão, atingem a cifra de R$ 30 milhões.

Vitrine O Planalto abrirá espaço para ex-prefeitos no encontro de novos administradores municipais, nos dias 29 e 30. João Cozer (PT), de Vitória (ES), José Roberto Silveira (PDT), de Niterói (RJ) e Marta Ramalho (DEM), de Bananeiras (PB), farão exposições sobre programas bem avaliados em suas gestões.

Digestivo Após Geraldo Alckmin criticar publicamente a antecipação da agenda do PSDB para a eleição presidencial de 2014, Sérgio Guerra participou de um jantar reservado com o governador, na semana passada.

É do jogo O presidente tucano saiu do encontro acreditando não haver resistência de Alckmin à movimentação cada vez mais intensa do senador Aécio Neves (MG) pela candidatura ao Planalto.

Reciclagem Gilberto Kassab viaja hoje para Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. Participará da Semana de Sustentabilidade, cujo tema será energia renovável. O ex-prefeito usará o evento para firmar as parcerias inaugurais do Centro de Estudos de Cidades da USP, que ajuda a implantar com assessores.

Ponto... Apesar das restrições de Fernando Haddad à internação compulsória de dependentes de crack, dois aliados do petista declararam apoio ao procedimento, adotado pelo governo paulista no centro da capital.

... de vista A secretária Luciana Temer (Assistência Social) disse, em entrevista recente, que há casos em que a medida é "medicamente é necessária". O ministro Alexandre Padilha (Saúde) afirmou, em dezembro, que os consultórios de rua do governo estarão aptos a orientar o recolhimento involuntário.

Vaivém 1 Depois da viagem à China, que inicia hoje, Jaques Wagner (PT-BA) fará minirreforma no primeiro escalão. O governador quer adensar seu núcleo político para a reta final de mandato.

Vaivém 2 O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Afonso Florence é cotado para para a Secretaria de Relações Institucionais. Coordenadora da campanha de Dilma no Nordeste, a ex-prefeita de Lauro de Freitas Moema Gramacho também deverá ocupar uma pasta.

tiroteio
Neschling só dará certo se o PT não enxergar a ópera como algo que só serve ao senso estético da 'minoria burguesa e reacionária'.

DE JOSÉ HENRIQUE REIS LOBO, ex-presidente do PSDB paulistano, sobre o convite de Haddad ao maestro John Neschling para dirigir o Theatro Municipal.

Contraponto


A pergunta que não quer calar


Em campanha pela presidência da Câmara, Júlio Delgado (PSB-MG) visitou no início do mês Esperidião Amin (PP-SC) em sua casa. Durante a conversa, Amin quis saber como estava o apoio do governador e presidente do PSB, Eduardo Campos, à candidatura do colega.

-Me diga: o Eduardo vai te ajudar ou te entregar?

Constrangido, Delgado silenciou. O deputado catarinense, então, continuou:

-Ele não te dá voto, mas pode prejudicar.

Reflexivo, o socialista respondeu:

-É, melhor falar com ele...

Ou a economia embala ou o Brasil dá marcha à ré - MARCO ANTONIO ROCHA

ESTADÃO - 14/01


Os editores do primeiro número do ano da revista Veja encontraram uma ideia feliz - a de um leopardo - para resumir o desafio que nosso desenvolvimento enfrenta: o País precisa de muita velocidade na solução dos seus problemas, para que eles não cresçam mais do que a capacidade de alcançá-la.

Poderiam ter acrescentado que a alternativa é perder o bonde da história, da corrida das nações, e começar a andar para trás - como a Argentina. Nosso vizinho era Primeiro Mundo antes de a expressão virar moda. Sem estratégia sensata para se manter no pódio, assolado por governos estúpidos, foi perdendo gás como nadador cansado, e nunca chegou à praia.

O Brasil já teve momento de trem-bala. Entre 1930 e 1970, o PIB brasileiro gozou do mais longo período de bonança entre os de muitos países: média de 6% a 7% de crescimento anual, por anos a fio. Só a China iguala isso, hoje em dia, depois de dois séculos, ou mais, de pobreza abjeta. E seu povo está longe ainda de superar o atraso social e econômico, apesar da propaganda de obras do seu governo.

Desde a crise da dívida e do petróleo dos anos 70, a locomotiva brasileira deixou seu andamento prestissimo, foi caindo para o moderato, entrou num adágio no governo Dilma e, agora, no ano passado, chegou a resfolegar como Maria-Fumaça dos anos 20.

O resumo da ópera é muito simples: ou recalçamos a bota de sete léguas que puxou a República do Jeca-Tatu do século 19 para o Brasil da Embraer, da Embrapa, da USP, da Unicamp, do ITA, do IPT, da Poli, da indústria de ponta, da internet, da TV digital, da 6.ª ou 7.ª economia do mundo, ou todas essas realizações começarão a sentir o peso do trem de carga que arrastam e não vão aguentar.

A boa discussão não é como, quando e por onde construiremos um trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, pois a China construiu quatro, enquanto discutimos um. A questão é como, quando e de que modo colocaremos toda a economia dentro de um trem-bala, para que ela cresça mais velozmente do que as necessidades e carências da população, que ganham mais velocidade quanto mais se acumulam. Exemplo: quanto mais demoram os recursos, os planos, a montagem do arcabouço institucional para atacar com vigor o problema do saneamento, mais as doenças resultantes da sua falta assolam a população. E mais os hospitais, ambulatórios e creches se tornam insuficientes para o atendimento, gerando maior disseminação das doenças.

Anos de descaso, desleixo e negligências com a área de educação e ensino geraram tudo isto que está aí: escolas que não ensinam direito, alunos que não aprendem direito, professores que não atendem à qualificação mínima para o ofício. Ou advogados e médicos reprovados anualmente nos testes básicos de capacitação. Engenheiros e arquitetos, também. E, para cada brasileiro que se sobressai, até internacionalmente, na qualificação para a Matemática, em exames individuais, existem milhares, talvez milhões, que precisam mostrar os dedos para saber quanto é dois mais dois.

Ora, esse é um atraso que não se corrige de uma hora para outra, como pode ser a construção de uma ponte ou a reconstrução dos estragos de uma enchente. Mas nem isso conseguimos fazer com a velocidade necessária, haja vista as reportagens sobre os estragos do ano passado, a maioria ainda estragada.

Na virada à direita da Rua da Consolação para a Avenida Dr. Arnaldo, a Prefeitura de São Paulo levou quase um ano reparando a calçada de apenas uma quadra, no ano passado. O Viaduto Orlando Murgel está há meses com meia pista à espera de reparos por causa de um incêndio. Assim ficou também a Ponte do Limão durante anos, por um pequeno problema de estrutura na administração Pitta.

Cito pequenos casos porque são os que todo mundo que mora em São Paulo testemunha diariamente. Tenho certeza de que, no resto do Brasil, o povo também testemunha, diariamente, a falência da administração pública. Em quase tudo: rodovias, ferrovias, ruas, pontes, hospitais, escolas, delegacias, tribunais, creches - enfim, uma presença cada vez mais precária do Estado e do setor público.

E, no entanto, o Estado brasileiro dispõe de recursos crescentes, de impostos, de empréstimos, de moeda estrangeira, de endividamento interno e de poder político interno. Nisso, nunca teve tanto poder, a não ser na ditadura. E dispõe também de quadros técnicos competentes, produzidos por escolas de elite, de engenharia e de administração pública.

O que é que falta?

Em primeiro lugar, falta foco.

Em segundo, velocidade, nas decisões e nas ações.

Em terceiro, continuidade das tarefas e dos trabalhos.

Não dá para aguentar que, em cada mudança de governo, nos planos municipal, estadual ou federal, se mude o foco, criem-se vários focos, perca-se velocidade e ritmo e, principalmente, se descontinuem as tarefas e os trabalhos.

Brasileiro só tem ritmo nos pés, para o futebol e para o samba - já disse um crítico. Para o resto, é uma pasmaceira. É verdade. O ritmo do leopardo só apareceu na construção dos estádios para a Copa.