segunda-feira, maio 11, 2020

Bolsonaro, escute: não há frases como 'quem manda aqui sou eu' na democracia - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 11/05

A gangue do presidente é boçal como um churrasco de varanda

O momento é de vigília. Bolsonaro quer incendiar o país com sua delinquência. Seus seguidores gozam do “privilégio” de fazer manifestações indiferentes à epidemia. Aproveitam-se do medo das pessoas pra falarem sozinhos. Há um ethos de milícia no ar. A gangue do Bolsonaro é boçal como um churrasco de varanda.
Ricardo Cammarota/Folhapress

Se as Forças Armadas caíssem na tentação de apoiar o golpismo bolsonarista, embarcariam num dos seus priores momentos da história. Não teriam nem a desculpa da Guerra Fria dos anos 1960. Seria pura e simplesmente se transformar numa gangue de farda, como o Exército da Venezuela, que junto com Chávez e Maduro, transformaram a Venezuela num pária geopolítico, matando a esmo sua população.

Ao longo dos últimos anos, as Forças Armadas (que incluem Exército, Aeronáutica e Marinha) conseguiram um respeitável reconhecimento por parte da população, afastando-se do horror da ditadura.

Já a gangue de ethos miliciano dos Bolsonaros é candidata à lata de lixo da história. Traço dessa gangue é achar que governo (eleito) e Estado são a mesma coisa. E, no seu ethos de churrasco de varanda, Bolsonaro entende que ambos são dele.

Bolsonaro quer se passar por militar, mas não é. Sua participação no Exército foi medíocre e curta em comparação a sua vida no centrão. ​

Bolsonaro é uma criatura do pântano, o centrão no período da Revolução Francesa, local onde crescem serpentes venenosas.

Para a excelente formação dos generais brasileiros fica claro que a única coisa a fazer agora é apoiar as instituições da democracia e dizer um grande “não” a Bolsonaro e sua gangue, mostrando a esses ignorantes que na democracia não existe frases como “quem manda aqui sou eu”.

Não, o senhor não manda em nada aqui, senhor Bolsonaro. Quem manda são as instituições.

É bom explicar a esse equivocado e seus seguidores ignorantes que a democracia é um regime institucional cujo primeiro objetivo de todos é controlar o poder pelo próprio poder.

Esses ignorantes que portam a camisa da seleção brasileira para agredir a imprensa são a vergonha do país.

Enquanto esses idiotas berram frases a favor da ditadura, nós nos afogamos na pandemia.

Esses ignorantes não entendem patavina do que é que seja uma democracia.

Aliás, acho que o Ministério Público deveria processar a administração Bolsonaro e sua gangue por genocídio em massa de brasileiros. Seria de bom tom. Todo e qualquer esforço institucional para barrar essa nova gangue será bem-vindo.

Aqui vai um apelo às Forças Armadas: vocês estão tendo um momento histórico para mostrar que merecem a confiança depositada em vocês pela imensa maioria de gente decente que carrega o Brasil nas costas. Não deixem a delinquência falar mais alto. Apoiem o STF em suas decisões, o Legislativo em sua função, que assim como o STF, deve servir de contrapeso aos abusos do Executivo.

Um dos traços de profunda ignorância política é achar que alguém seja perfeito na representação do bem comum ou que alguma instituição seja plena em sua função.

Bolsonaro e seus idiotas se oferecem como salvadores da pátria. Ninguém ou nenhuma instituição merece confiança absoluta, por isso elas limitam umas as outras. Os idiotas da política não sabem disso.

Sob o olhar da filósofa Hannah Arendt (1906-1975), assistimos em cada fala de Bolsonaro e seus asseclas, à agonia da vida do espírito (a vida da inteligência, grosso modo) e ao risco da instalação de uma nova banalidade do mal: a banalidade do mal é a estupidez, a inapetência ao pensamento, a recusa de um entendimento da realidade, na sua complexidade e precariedade, e a empatia para com esta.

E como diria Lionel Trilling (1905-1975), crítico literário, nunca foi tão importante a obrigação de ser inteligente. Que a inteligência seja um antídoto à estupidez reinante. Que esmaguemos essa estupidez elevando o nível do debate.

A virtude política máxima agora é a vigília. A atenção diante do risco. Não vivemos um momento geopolítico dado a ditaduras, como na Guerra Fria, mas nem por isso podemos descartar o risco do oportunismo mau caráter dessa gangue.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Agronegócio foi da ala dos passageiros para a cabine do avião brasileiro - MATHIAS ALENCASTRO

FOLHA DE SP - 11/05

Restrições da Covid-19 criam oportunidade para o Brasil fazer 'diplomacia da soja'


O Centro-Oeste vive numa realidade paralela. Dos lobistas que acompanharam Bolsonaro na procissão ao STF, nenhum representava os interesses da região.

Os seus estados constam entre os mais eficientes na luta contra a pandemia, que tem no sul-mato-grossense Luiz Henrique Mandetta (DEM) umas de suas raras lideranças nacionais.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), personifica a ideia de que a defesa da quarentena não é uma questão de ideologia, mas de matéria cinzenta.

É possível relacionar o dinamismo político com a pujança da economia local, dominada pelo agronegócio.

Os primeiros meses da pandemia aceleraram a ultrapassagem da indústria petrolífera pelo agronegócio como motor das exportações, um marco na história econômica do país.

O recente desabamento do preço do barril do petróleo acabou com a fantasia de um Petro-Estado brasileiro, transformada em delírio coletivo no auge do pré-sal. Provavelmente a última esperança do Rio de Janeiro de romper com o seu destino machadiano de balneário decadente.

Enquanto isso, o Centro-Oeste segue ocupando o espaço deixado pelo Sudeste. Com o PIB atrelado ao da China, a região deve rebentar devido a uma nova tendência: as inevitáveis medidas de restrição das exportações nos países industrializados vão criar uma explosão na procura por alimentos no mundo em desenvolvimento.

Depois de ouvir Emmanuel Macron falar na importância da “soberania alimentar”, a ONU alertou para o risco de aumento dramático da fome.

Um chanceler digno desse nome posicionaria o Brasil na linha da frente da luta pela segurança alimentar. Entre muitas outras iniciativas, o Itamaraty abriria um novo capítulo nas relações com África, futuro celeiro da terra, com uma agenda de industrialização da agricultura.

Se a China dominou o primeiro tempo da pandemia com a “diplomacia das máscaras”, o Brasil teria uma palavra a dizer no segundo tempo com a “diplomacia da soja”, um gol fácil de “soft power”.

Mas o Brasil não tem um chanceler, apenas um sujeito que passa o dia conspirando contra inimigos nas redes sociais e contra a saúde dos brasileiros na ONU.

Numa ironia para o setor que mais entusiasticamente apoiou o candidato Bolsonaro, o agronegócio vai continuar crescendo a despeito do governo, responsável por uma dupla traição a seus interesses: a demonização do Brasil na arena ambiental e a destruição das relações com a China.

Os dois principais obstáculos ao crescimento do setor nos últimos anos, bem à frente da guerra comercial sino-americana.

Com o passe livre em 2022, o agronegócio terá um estatuto completamente diferente nas próximas eleições. O setor deverá ser incorporado na nova agenda diplomática, que terá como objetivo emergencial a reabilitação da imagem do Brasil.

Para isso, os seus gestores terão de se adequar a novas exigências internacionais de alimentação saudável e de respeito ao meio ambiente.

Os presidenciáveis não poderão se contentar com a cooptação incondicional do setor. Afinal, o agronegócio transitou da ala dos passageiros para a cabine do avião brasileiro.

Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

O Oversight Board do Facebook - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 11/05

O conselho não tem a obrigação de maximizar os lucros da empresa ou agradá-la


Na semana passada, circulou a notícia da criação do Oversight Board (Conselho de Supervisão), órgão independente criado pelo Facebook.

O conselho é composto atualmente por 20 membros de diversos perfis e regiões geográficas. Sua lista de integrantes inclui uma ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, a ex-primeira-ministra da Dinamarca, um ex-juiz Federal dos EUA e o antigo editor do jornal The Guardian. Inclui também este colunista.

O Oversight Board não se confunde com o Facebook e nem é governado por ele. Ao contrário, foi criado para limitar o poder da empresa, que tem hoje 3 bilhões de usuários.

Sua função é decidir em última instância sobre a publicação de conteúdos no Facebook e no Instagram. Para isso, o conselho foi criado na forma de uma organização autônoma, que começa seus trabalhos 
com um orçamento inicial irrevogável de US$ 130 milhões.

Mas por que criar um Oversight Board? Nos últimos anos, as empresas de tecnologia têm decidido cada vez mais casos envolvendo conteúdos problemáticos, que violam direitos ou suas regras de uso. Uma das razões para isso são mudanças normativas que se aplicam não só ao Facebook, mas a várias plataformas.

Por exemplo, em 2014 uma decisão da Corte Europeia de Justiça criou o chamado “direito ao esquecimento”. Essa decisão determinou que buscadores como o Google deveriam remover dos resultados de busca conteúdos que fossem inadequados, irrelevantes, excessivos.

A questão é justamente definir o que é “inadequado”, “irrelevante” ou “excessivo”. Essa tarefa passou a ser não só do Poder Judiciário mas do próprio Google, que em 2018 já havia recebido 2,4 milhões pedidos de remoção imediata de conteúdos com base nesses novos critérios. O próprio Google consultou advogados, professores e especialistas.

No entanto, quando decisões assim são tomadas apenas de forma interna, sem publicização das justificativas (como faz o Judiciário quando decide), o debate sobre a aplicação dos critérios não avança. Além disso, é um exercício de poder enorme, além daquele já concentrado pelas plataformas.

O Facebook toma, assim, a iniciativa de realizar um experimento institucional. Criou um conselho externo capaz de limitar o seu poder de atuação com respeito a esse tema. O conselho tem a tarefa de tomar decisões públicas, de forma justificada, levando em consideração tratados internacionais de direitos humanos e de proteção à liberdade de expressão.

Como órgão independente, o Oversight Board não tem a obrigação de maximizar os lucros do Facebook ou agradar à empresa. Seus membros têm mandatos fixos e não podem ser afastados. Além disso, todas as decisões serão colegiadas, tomadas por painéis rotativos e referendadas pelo plenário.

Por fim, o conselho será capaz de analisar apenas um conjunto limitado de casos exemplares por ano. Haverá casos difíceis, envolvendo discursos de ódio, disseminação de imagens violentas relacionadas a tragédias, ou ainda a questão sobre o dever de tratar de forma distinta conteúdos postados por pessoas públicas.

É claro que o papel de cada país de tratar desses desafios permanece intocado. O que muda agora é que o Facebook abdica de sua palavra final sobre casos como esses para um conselho externo e independente.


READER
Já era desbloquear o celular com código numérico ou digital
Já é desbloquear o celular com o rosto
Já vem desbloquear o celular com o rosto, mesmo usando máscara​

Ronaldo Lemos
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Mesas atoalhadas - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo - 11/05

Os endereços da história, eternos na sua fragilidade, ameaçados pelo coronavírus



O Bar Luiz, restaurante alemão da rua da Carioca, já tinha dois anos em 1889 quando caiu a Monarquia. Sua strudel pode ter alimentado muitas conspirações republicanas. Nos séculos seguintes, ele atravessou o bota-abaixo do prefeito Pereira Passos, a gripe espanhola, duas guerras mundiais (com a Alemanha como vilã e pondo à prova o amor do carioca pelo seu chope), a Revolução de 1930, duas ditaduras, as obras do metrô (que arrasaram o Centro da cidade) e dezenas de planos econômicos, inclusive um confisco que drenou o dinheiro em circulação. O Bar Luiz sobreviveu a tudo isso. Mas não sabe se, aos 133 anos, sobreviverá ao coronavírus.

Essa crônica da resistência foi levantada há dias pela repórter Raphaela Ribas no Globo, citando também o Café Lamas, ainda mais antigo, 146 anos, e mais histórico. O Lamas está tentando compensar com um serviço de entregas a quebra de 75% no faturamento. O Bar Luiz, já combalido pela ganância do dono do imóvel, um banco, está fechado. O Rio sabe o peso desses endereços em sua memória.

Eu me preocupo com o destino de outros queridos estabelecimentos, centenários ou quase, que também estão lutando pela vida. Como o Cosmopolita, o Nova Capela e o Bar Brasil, todos na Lapa. O Rio-Minho, na rua do Ouvidor, o Amarelinho, na Cinelândia, e o Adegão Português, em São Cristóvão. O Cedro do Líbano, no Saara, o Mosteiro, na rua São Bento, e o Senta Aí, perto do Itamaraty.

Ou o Shirley, no Leme, a Adega Pérola e o Caranguejo, ambos em Copacabana, e o Bar Lagoa, na própria. Sem falar na Colombo e na Cavê, no Centro, que são o Rio de 1900. Antes do vírus, todos pareciam eternos na sua fragilidade.

A história de uma cidade não se limita às ruas e aos gabinetes. Passa igualmente por suas mesas atoalhadas e pelas pessoas que, entre os saleiros, pratinhos de picles e galheteiros, fazem delas assembleias em reunião permanente.

Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

Responsabilidade militar - DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo - 11/05

Uma situação, diria, patológica: os filhos do presidente atacando e mandando em generais!



O presidente Bolsonaro, ao assumir, manteve uma política de confronto incessante com seus adversários, como se todo aquele que a ele se opusesse fosse um inimigo a ser abatido. Progressivamente, à maneira de Tânatos, o deus da morte na mitologia grega (editorial do Estado de 25/4), ou a pulsão de morte segundo Freud, fez a destruição reger as relações políticas. Amigos e inimigos passaram a caracterizar suas posições, ambos constituindo uma definição volúvel segundo as circunstâncias.

De inimigos objetivos da campanha (Lula e o PT) passou o mandatário para os políticos em geral, para o “sistema”, para os velhos amigos tornados inimigos, como generais do mais alto prestígio, e, enfim, as próprias instituições democráticas, como o Supremo Tribunal e o Legislativo. O resultado foi o isolamento presidencial, recluso em sua própria família, recorrendo, em manifestação recente, a um suposto apoio das Forças Armadas ao seu governo.

Ora, as Forças Armadas devem obediência exclusivamente à Constituição e à defesa nacional. Constituem uma instituição de Estado, não estão a serviço de nenhum governo. Note-se que desde a redemocratização do País, também por elas liderada, juntamente com os adversários de então, como o MDB, e aliados, como o novo PFL, foram o sustentáculo deste mais longo período de democracia no Brasil.

Se observarmos mais atentamente a composição militar do governo, constataremos que as Forças Armadas não constituem um bloco único, há oriundos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, sendo esta última a mais afastada do governo, enquanto o primeiro é o mais próximo, com a segunda ocupando posição intermediária. Mais particularmente, generais do Palácio do Planalto são militares que fizeram parte de sua “turma”. Isso significa também que a sua “turma” não é necessariamente a de outras turmas do Exército, muito menos da Marinha e da Aeronáutica.

Note-se que, aos olhos da sociedade, os militares são responsáveis pelo atual governo e seus fiadores, ela não faz a distinção entre militares da ativa e da reserva, com destaque para o Exército. Isso significa, politicamente, que sua responsabilidade é ainda maior. Seria tentado a dizer que, para além dos fanáticos militantes das redes sociais, eles constituem sua única base de sustentação. Se houvesse uma mudança de posição, o presidente Bolsonaro não teria condições de permanecer no poder.

As redes sociais são influenciadas e tuteladas pelo dito gabinete do ódio, extensão do clã familiar, em cujas mãos parece estar o destino do País. São da estrita confiança presidencial, participam das decisões. A anomalia é gritante! Estamos aqui totalmente afastados do exercício republicano do poder.

Pior ainda, o clã presidencial tem dado mostras de que manda no governo e no Palácio do Planalto. Não apenas indica ministros, como os controla, decide até quando devem ou não ficar. Generais que o confrontaram foram banidos do governo, após indignos ataques nas redes sociais. Estamos numa situação que diria patológica: os filhos do presidente atacando ou, mesmo, mandando em generais! Os descontentes que se retirem voluntariamente ou serão obrigados a sair.

Atualmente, o País enfrenta uma crise epidêmica, uma crise econômica e uma crise política. A primeira, potencializada pela conduta presidencial, dando exemplo do que não deveria ser feito, em desprezo pelo bom senso e pela ciência. Governadores atuam responsavelmente no sem-rumo da liderança presidencial. A situação da economia já não era boa antes da epidemia, com as reformas avançando muito lentamente, pela ausência de diálogo com o Legislativo. E, agora, a crise política, conduzida “exemplarmente” pelo presidente e seu clã! Em apenas duas semanas dois ministros foram “renunciados”, Mandetta, por fazer um trabalho muito bom no combate ao coronavírus, seguindo diretrizes científicas e da OMS; e Moro, por não concordar com as ingerências presidenciais na Polícia Federal. Muita luz ofusca o presidente.

Ainda mais isolado, o presidente redobra a aposta no ataque: o Supremo torna-se o novo inimigo, após as contundentes acusações do ex-ministro da Justiça, símbolo da Lava Jato e da luta contra a corrupção. Ele recorre a alguns políticos do Centrão, os mesmos que ontem atacava como representantes do “toma lá dá cá”, na tentativa de evitar o impeachment. Destrói, assim, a sua própria narrativa!

A situação é crítica. Uma alternativa seria o presidente “converter-se”, isto é, afastar o seu clã dos assuntos governamentais, destituir ministros ideológicos, combater o coronavírus ao lado da ciência, usar o diálogo e a moderação. Outra, os militares mais diretamente engajados retirarem o seu apoio, com as Forças Armadas deixando claro que não pactuam com a polarização atual. Exerceriam a responsabilidade que lhes cabe, dada a sua participação. Ou o impeachment como solução última.

A pior saída seria nada acontecer: um governo incapaz de seguir com o seu programa de reformas e o presidente, um “pato manco”, no meio da algazarra de seus filhos.

Professor de filosofia na UFGRS.

Bolsonaro perde bonde do corona - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 11/05

Ele apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump


Confesso que não fiquei tão perplexo com a ida de Bolsonaro ao STF levando um grupo de empresários. Acredito que, tanto quanto eu, ele não esperava nenhuma solução para o problema que levantava: a volta às atividades econômicas.

O objetivo de Bolsonaro era mostrar que estava trabalhando pela economia. Para isso, levou uma equipe de TV e transmitiu o encontro ao vivo, para surpresa do próprio STF. Um golpe de propaganda, nada mais. Interessante como Bolsonaro consegue perder os bondes nessa luta contra o coronavírus.

Perdeu o primeiro, quando se isolou, negando a importância da pandemia, criticando o trabalho de governadores e prefeitos. Uma nova oportunidade de liderança e alinhamento se abriria para ele, no processo de volta às atividades. Compete ao presidente unir governadores e prefeitos em torno de um detalhado plano de retomada.

Dois dias antes de Bolsonaro ir ao Congresso, Angela Merkel reuniu as lideranças regionais para definir e modular um plano de volta.

Esses planos são complexos. Não adianta pedir ao Tofolli, porque ele não tem. Implicam a definição dos dados necessários, como número de casos, disponibilidade de hospitais, capacidade de testar.

Implicam também um redesenho das escolas, das fábricas, dos escritórios. Na Alemanha, técnicos foram às escolas para redefinir o espaço, inclusive determinar o novo lugar dos professores na sala.

Em alguns países, houve escalonamento de turmas escolares; em algumas regiões, normas para restaurantes ao ar livre.

Normas para o funcionamento de teatros e casas de espetáculo também estão sendo trabalhadas nos detalhes. Os intervalos, por exemplo, serão suprimidos para evitar aglomeração. O próprio futebol na Alemanha volta no dia 16, mas com portões fechados, sem plateia.

Bolsonaro até o momento apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump.

Essa pressa acaba se estendendo a outros setores. O governador de Brasília queria que a final do campeonato carioca fosse jogada no Estádio Mané Garrincha mesmo com um hospital de campanha instalado ali.

Não sei a que atribuir esta loucura. Nós temos uma singularidade cultural, que é a improvisação. É inegável que ela tem qualidades, no compositor que escreve seus versos num botequim, nos profissionais que driblam a falta de recursos para alcançar um certo resultado.

Na formulação de uma política nacional e solidária contra o coronavírus, é preciso liderança e capacidade de planejamento. Bolsonaro trabalha por espasmos, acorda pensando na briga nossa de cada dia, a quem vai combater e orientar sua galera a chamar de lixo.

O ministro da Saúde tem dito que o Brasil é um país diverso. Todos concordam. Mas é precisamente por ser diverso que necessita de um plano com modulações.

Basta olhar no mapa para ver quantas cidades brasileiras não tiveram casos de contaminação. Até elas precisam ser orientadas a rastrear com rigor caso apareça alguém contaminado por lá.

Na verdade, é um projeto que se enquadra nessa expressão muito usada de nova normalidade. Os Estados Unidos viveram algo parecido de longe com isso, depois do atentado de 11 de setembro.

As circunstâncias agora são diferentes. O redesenho da sociedade não se faz diante de inimigos humanos, mas ameaças biológicas que podem nos dizimar. A etapa final do planejamento seria concluída com a existência de uma vacina, acessível a toda a população.

Mas, no entanto, a existência de uma pandemia como essa abriu os olhos de muita gente para a possibilidade de outras. Algumas delas podem ser favorecidas pelo desmatamento.

Tive a oportunidade de sentir isso quando cobri a volta da febre amarela. Aparentemente, a destruição de algumas áreas de mata acabou expondo os trabalhadores agrícolas e algumas populações rurais.

Estamos trabalhando com algo muito sério para o futuro das crianças. Se não houver uma transformação cultural que nos faça pensar coletivamente e nos convença da necessidade de planos cientificamente adequados, vamos ser uma presa fácil.

Nos anos de política, lamentava que o Brasil era um país onde o principio de prevenção não pegou. Não esperava um governo que, além de imprevidente, desprezasse a ciência. Tudo do que o coronavírus gosta.

Pressão deflacionária - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 11/05

Queda de preços em abril reforça corte de juros; dólar e dívida são riscos


Com a queda de 0,31% dos preços ao consumidor em abril, a maior para o mês desde 1998, vai se confirmando o diagnóstico de que o impacto da pandemia de Covid-19 é deflacionário. Fora alimentos, todos os outros grandes grupos de produtos experimentaram pressão de baixa, o que sugere falta geral de demanda na economia.

Medida pelo IPCA, a inflação em 12 meses ficou em 2,4%, inferior à meta de 4% fixada para este ano —e mesmo ao piso de 2,5% admitido pela política do Banco Central.

A tendência, ao menos por enquanto, é de queda adicional. Para 2021, as projeções também apontam para inflação bem abaixo da meta de 3,75%, o que confere espaço para o Banco Central reduzir ainda mais sua taxa de juros, a Selic.

Há decerto dúvidas quanto à duração do fenômeno. O risco de surpresa inflacionária mais adiante existe, dada, por exemplo, a forte desvalorização do real, que encarece as mercadorias importadas.

Mas, com estoques em alta e a possibilidade de mudança duradoura nos hábitos do consumidor, reduz-se o espaço para uma grande recomposição de preços por parte das empresas.

Diante desse cenário, o BC cortou os juros em 0,75 ponto percentual, desta vez para 3% ao ano, novo recorde baixista. A autoridade monetária indicou, além disso, que, se não houver mudança significativa na conjuntura, deverá promover mais uma queda de magnitude similar, levando a Selic a 2,25%, algo impensável poucos meses atrás.

Há riscos na estratégia, sem dúvida. Um deles é o incentivo, em tese, para saída de capitais do país, ocasionando perdas ainda maiores do valor do real ante o dólar. Em algum momento, haveria repasses de custos para os preços locais.

A cotação da moeda norte-americana, com efeito, atingiu R$ 5,85 na quinta (7), maior cifra da história do real, em termos nominais.

A inflação muito abaixo das metas, no entanto, tende a pesar mais na decisão. A opção clara do BC foi por afrouxar as condições monetárias internas. Busca nem tanto estimular a demanda, que a esta altura enfrenta restrições físicas, mas minimizar o custo financeiro para empresas e famílias e, assim, facilitar uma retomada mais adiante.

A grande ameaça que paira sobre a permanência dos juros baixos, na verdade, é a fragilidade do Orçamento. A despeito da necessidade indiscutível de elevar despesas públicas para mitigar os efeitos da pandemia, o país não pode prescindir da devida cautela com as contas do Tesouro Nacional.

Sinais de desconforto aparecem, por exemplo, nos juros ainda elevados para prazos mais longos, os que mais importam para financiamentos. A própria queda do real, ademais, pode estar ligada à desconfiança quanto a solvência do governo a longo prazo.

A política monetária, sozinha, não conseguirá estabilizar a economia. Com a dívida pública mais alta, governo e Congresso precisam emitir sinais inequívocos de que retornarão à agenda de reformas no pós-crise. Do contrário, a experiência dos juros baixos será efêmera.

Assombrações - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 11/05

No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País


Estão bem longe da perfeição as instituições republicanas do Brasil. Não são poucos os exemplos de abusos ou omissões do Supremo Tribunal Federal ou de corrupção e irresponsabilidade do Congresso. Ainda assim, se o Brasil pretende permanecer uma democracia, é preciso lutar para aperfeiçoar e prestigiar esses pilares, e não sugerir, como fazem os bolsonaristas, que estaríamos melhor sem eles.

Do mesmo modo, a saúde da democracia se mede pelo vigor da oposição. Nenhum grupo no poder que se considere democrático pode tratar a oposição como se fosse uma ameaça existencial. No Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro, contudo, todos os que não devotam total lealdade ao governo são vistos não como opositores, mas como inimigos que almejam destruir o País.

O bolsonarismo, como todo movimento de corte autoritário, vive de cevar fantasmas para atemorizar a sociedade. A todo momento, vozes muitas vezes autorizadas por Bolsonaro – quando não o presidente em pessoa – invocam das trevas imaginárias a assombração da volta do lulopetismo ao poder. Segundo esse discurso, quem contraria Bolsonaro – na imprensa, no Congresso e no Judiciário – faz parte de uma grande conspiração para ressuscitar a turma de Lula da Silva, o Belzebu do bolsonarismo.

Nada nem ninguém escapa desse julgamento sumário – até o ex-ministro Sérgio Moro, outrora herói bolsonarista, foi chamado de “Judas” pelo presidente Bolsonaro porque ousou contestá-lo. Se o Supremo toma decisões que atrapalham o projeto de poder bolsonarista, como tem acontecido com frequência ultimamente, isso significa que os ministros togados estão a serviço do diabo, que não é vermelho à toa. Se o Congresso não vota os projetos do governo e não aceita sem discussão todas as medidas, inclusive as esdrúxulas e as ilegais, emanadas do Palácio do Planalto, então está claro que os políticos continuam a ser o grande empecilho para a redenção nacional prometida por Bolsonaro.

O bolsonarismo empenha-se em fazer o País acreditar que poucos brasileiros hoje se abalariam em defender o Supremo e o Congresso, especialmente quando estes se negam a atender aos desejos de Bolsonaro. Afinal, dizem, Bolsonaro é justamente a resposta natural e necessária a um sistema podre, que só pode ser aniquilado de vez por alguém como ele, que deliberadamente ignora os mais básicos princípios do exercício da Presidência. Sendo assim, quando desrespeita as instituições republicanas, Bolsonaro, segundo os ideólogos do movimento que leva seu nome, na verdade está enfrentando corajosamente os responsáveis pela destruição do Brasil.

Nessa mistificação que faria inveja aos fabuladores petistas em seus bons tempos, Bolsonaro surge como o campeão da guerra para livrar o País da corrupção e do “marxismo cultural”, cuja máxima expressão é o Foro de São Paulo, organização de partidos esquerdistas latino-americanos que só petistas nostálgicos e bolsonaristas paranoicos ainda levam a sério.

Para o bolsonarismo, o Foro de São Paulo e o PT de Lula da Silva são mais perigosos para o País do que o coronavírus, tratado pelo presidente Bolsonaro como uma “gripezinha”. Pouco importa que Lula da Silva seja hoje praticamente um zumbi político, que só aparece no noticiário quando sofre suas rotineiras derrotas na Justiça nos diversos processos a que responde por corrupção.

Lula, o PT e a esquerda latino-americana são as estrelas do bestiário bolsonarista, que o presidente brande sempre que precisa justificar os atos injustificáveis de sua funesta Presidência. Mais de uma vez, Bolsonaro cobrou apoio incondicional a seu governo sob o argumento de que, sem isso, “o PT volta” ou então “o Brasil vai se transformar numa Venezuela”.

No mais recente exemplo disso, durante a vergonhosa intrusão no Supremo Tribunal Federal protagonizada por Bolsonaro e um punhado de sindicalistas patronais, para pressionar aquela Corte a flexibilizar as medidas de isolamento adotadas contra a pandemia de covid-19, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que “a economia está começando a colapsar e não queremos o risco de virar uma Venezuela” ou “de virar sequer a Argentina”.

Cruz-credo!