sábado, junho 20, 2020

Queiroz! Fantasma da Familícia! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 20/06

E em Washington o Weintraub vai ser analfabeto em dois idiomas!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Em represália, médicos invadem o Palácio do Planalto para confirmar se tem presidente. Acharam um no respiradouro. Rarará.
O FANTASMA VOLTOU! Prenderam o Queiroz. Flávio Bolsonaro tem caganeira e #miliciaxatiada!

Prenderam o Queiroz em Atibaia na casa do advogado do Flávio Bolsonaro! Atibaia tá bombando. Devia se chamar Atibomba! Rarará!

O Bolsonaro disse: “Tá na hora de colocar tudo no seu devido lugar”. Aí colocaram Queiroz na cadeia. Rarará. Em Bangu! Bangu é a nova Dubai: quente e cheio de milionário! O Cabral já avisou que ele vai ficar no beliche de baixo! Rarará!

E o esconderijo? O que é aquela tampa de privada? Parece que pegou fogo! Queiroz botou fogo na privada! Ah, botou mesmo! E em cima da lareira um pôster de AI-5 e quatro bonequinhos do Al Pacino como mafioso em “Scarface”! Casa de miliciano. E o advogado é a cara do João Bafo de Onça! Aliás, parece mafioso de filme B! Esse caso Queiroz é um filme B! Queiroz e Flávio! Laranja e Rachadinha! O cheque dá Micheque é em libras! Rarará!

Personagens da semana: Sara Winter e Weintraub! Barbie do Capeta e Ingnorante da Inducação! O Weintraub vai quebrar o Banco Mundial. Diz que vai virar Banco Mundial do Palmeiras! Rarará! E em Washington ele vai ser analfabeto em dois idiomas! Ele é zeroglota. Não fala língua nenhuma, nem português. Rarará.

E agora para Educação um ministro DESINTERINO! Já temos dois desinterinos: Saúde e Educação! Chama logo o Olavo de Carvalho. Pra lançar o Aurélio do Palavrão!

E a Sara Winter! Foi pro presídio Colmeia. Pra dar tiro em abelha! Rarará! Ele não gosta de mexer em vespeiro? Sara Winter acampa em vespeiro! Rarará! E agora a Barbie do Capeta se chama Cela Winter! E tem um meme hilário: ela atrás das grades com a legenda “Fechada com Bolsonaro”. Rarará.

Piauí Herald: “General Pazuello critica prisão de Sara Summer”. Ela não pode se chamar winter porque é summer no hemisfério norte. Rarará! E general no governo Bolsonaro dá em penca! Que nem banana!

E a quarentena do tuiteiro Antonio Bastos: “Meu gabinete do ódio é a balança”. Engordei três quilos? Fake News! Engordei seis quilos? Deve ser a balança do Carluxo! Rarará!

E o Bolsonaro tá com a hemorroida na mão! Rarará! E neste ano não teremos festa junina mas a quadrilha já tá dançando! Rarará!

Nóis sofre mas, nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Colhendo a tempestade - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - 19/06

“Weintraub é o terceiro ministro que deixa o governo com projeção na base eleitoral de Bolsonaro. Mandetta, da Saúde, e Moro, da Justiça, passaram à oposição”



Nas circunstâncias atuais, qualquer presidente da República já estaria diante de uma grande borrasca, em razão da pandemia de coranavírus e da recessão econômica dela decorrente. Jair Bolsonaro, porém, conseguiu transformar a crise sanitária e econômica numa tempestade perfeita, ao agregar às contingências exógenas de seu governo uma crise política multifacetada, que, ontem, resultou na saída do polêmico ministro Abraham Weintraub, da Educação. O 10º ministro a deixar o governo, o segundo da pasta, que agora virou objeto dos desejos dos partidos do Centrão.

A saída do Weintraub — histriônico, incompetente e politicamente trapalhão —, desde a semana passada, era pedra cantada. Para a turma do deixa disso, serviria para desanuviar as relações do Palácio do Planalto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, foi eclipsada pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro e ex-assessor parlamentar e motorista do seu filho, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que estava escondido num sítio em Atibaia (SP). O caso Queiroz tira Bolsonaro do sério, pois o amigo e ex-assessor do filho é um homem-bomba: além de suspeito de ser operador financeiro do clã, é peça-chave nas históricas relações do presidente com as milícias do Rio de Janeiro.

Há três dias, Bolsonaro alterna momentos de apatia e grande irritação. Com o apoio dos ministros militares do Palácio do Planalto, bateu de frente com o Supremo Tribunal Federal (STF) e tentou intimidar os ministros da Corte. Nesta semana, deu tudo errado: por 10 a 1, o Supremo resolveu dar prosseguimento ao inquérito das fake news presidido pelo ministro Alexandre de Moraes, que Bolsonaro considera um desafeto. O magistrado vem promovendo sucessivas ações contra os bolsonaristas radicais.

Moraes determinou a prisão da ativista Sara Winter e outros militantes do grupo autodenominado 300 do Brasil, que defendem uma intervenção militar e realizavam protestos contra o Supremo e Congresso, com ameaças a magistrados e parlamentares. Também mandou realizar operações de busca e apreensão em residências e escritórios de empresários, blogueiros, dez deputados e um senador supostamente ligados ao chamado Gabinete do Ódio, a máquina de propaganda bolsonarista nas redes sociais.

Bolsonaro está numa saia justa. Não pode dobrar a aposta contra os demais Poderes sem provocar uma crise institucional sem precedentes desde a democratização. A própria saída de Weintraub havia se tornado imperativa, em razão de suas declarações contra o Supremo na reunião ministerial do dia 22 de abril, quando chamou os ministros da Corte de vagabundos e disse que eles deveriam ser presos. No domingo, a gota d’água foi sua participação numa manifestação proibida na Esplanada, sem máscara, o que lhe valeu uma multa de R$ 2 mil aplicada por ordem do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Investigações
O Palácio do Planalto temia a prisão de Weintraub, a qualquer momento, por desafiar o STF. Ao mesmo tempo, o ministro se tornou referência para a ala ideológica do bolsonarismo, por causa dos ataques ao Supremo. Sua despedida do cargo, ontem, foi um constrangimento para Bolsonaro, que lhe ofereceu um cargo de diretor do Banco Mundial. É o terceiro ministro importante que deixa o governo com projeção política na base eleitoral de Bolsonaro. Os outros foram Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça, que passaram à oposição. Não é o caso de Weintraub, que ganhou um cargo no exterior como prêmio de consolação.

Bolsonaro sentiu o golpe: “É um momento difícil, todos meus compromissos de campanha continuam de pé e busco implementá-los da melhor maneira possível. A confiança você não compra, você adquire. Todos que estão nos ouvindo, agora, são maiores de idade e sabem o que o Brasil está passando. O momento é de confiança. Jamais deixaremos de lutar por liberdade. Eu faço o que o povo quiser”, disse Bolsonaro, na gravação da despedida de Weintraub.

Agora, a dificuldade se chama Fabrício Queiroz. Ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa fluminense, é apontado como operador de um esquema de rachadinha, que supostamente ocorria no gabinete do filho do presidente da República, quando era deputado estadual no Rio. O policial militar reformado foi preso em um imóvel do advogado Frederick Wassef, que atua na defesa de Flávio, mas não é advogado de Queiroz, acusado de manipular provas e pressionar testemunhas, pelos procuradores do Rio de Janeiro que investigam o caso. O Palácio do Planalto tenta se desvincular, mas o fato de Queiroz ter se escondido numa propriedade do advogado de Flávio, mesmo que isso não seja crime, cria um tremendo problema político.

Vai ter putsch? - DEMÉTRIO MAGNOLI

Folha de S. Paulo - 20/06

Cooptação em massa de oficiais da reserva ameaça fragmentar dique institucional


"Vai ter golpe?", indagou-me um amigo dileto pouco tempo atrás. Retruquei com uma negativa convicta: a geração atual de comandantes das Forças Armadas aprenderam com a história e não repetirão, como farsa, a tragédia de 1964.

"Vai ter putsch?", meu amigo pergunta agora. Respondi-lhe com mais um "não", acompanhado por argumentos razoáveis. Contudo, pensando melhor, acho que perdi uma parte da paisagem.

Putsch é um intento golpista fadado, de antemão, ao fracasso. No célebre Putsch da Cervejaria de Munique (1923), Hitler e seus seguidores não obtiveram o esperado apoio de setores do Exército ou da polícia da Baviera.

Mas aquela escória nazista, forjada no caldeirão fervente da derrota alemã na guerra europeia, mostrou-se disposta a combater e morrer de verdade. Já a escória de fanáticos bolsonaristas é feita do material lânguido fabricado pelas redes sociais. Deles, nada surgirá, exceto ameaças anônimas digitadas a distância ou fogos de artifício numa esplanada deserta.

A fuga de Weintraub rumo a uma bem remunerada diretoria inútil do Banco Mundial comprova, para quem ainda nutria dúvidas, que esses cachorros barulhentos não mordem. A parte que perdi da paisagem é outra. Até que ponto o bolsonarismo conseguirá limar a disciplina militar?

O fenômeno mais saliente é a ação ininterrupta das redes bolsonaristas nos quartéis. A cooptação de militares e policiais para a militância antidemocrática ganhou alento com as publicações de manifestos golpistas de altos oficiais da reserva e a difusão de mensagens dúbias oriundas dos generais do Planalto.

Contudo, paralelamente, desenrola-se um novelo menos visível, mas talvez ainda mais relevante: a militarização extensiva dos altos e médios escalões da administração pública federal. O Ministério da Saúde, ocupado de alto a baixo por militares, ilustra uma tendência generalizada. Nesse passo, generais e coronéis passam a desempenhar funções de intermediários de contratos e compras governamentais. Abrem-se, assim, de par em par, as portas para a incorporação dos militares no ramificado negócio da corrupção estatal.

Dinheiro, muitas vezes, pesa mais que ideologia. No Egito, Hosni Mubarak consolidou seu poder pelo loteamento do aparelho administrativo e das empresas estatais entre os comandantes militares. Quando o ditador tornou-se um fardo político pesado demais, o sistema ditatorial reciclou-se, substituindo-o por Abdel Fatah al-Sisi. Na Argélia, Abdelaziz Bouteflika operou de modo similar, entregando ao Exército as chaves da economia para estabilizar, por duas décadas, seu regime autoritário.

A ferramenta funciona à direita e à esquerda. Maduro não caiu porque, seguindo a receita cubana, transferiu às Forças Armadas os setores mais lucrativos de uma economia em ruínas: comércio exterior e distribuição de alimentos. Na Bolívia, prova inversa, Evo Morales nunca incluiu o Exército no jogo do capitalismo de estado, o que acabou decidindo seu destino.

O Brasil não é o Egito, Argélia, Cuba ou Venezuela. Por aqui, não se verifica uma transferência das chaves da economia às Forças Armadas. A instituição militar segue separada do governo, circunscrita às suas missões profissionais definidas pela Constituição. Mas a cooptação em massa de oficiais da reserva para a administração pública, elemento do projeto de politização dos homens em armas conduzida pelo bolsonarismo, ameaça fragmentar o dique institucional.

Lá atrás, os generais estrelados cederam à ilusão de que seria possível conciliar o apoio político dos militares ao governo Bolsonaro com a preservação da neutralidade institucional das Forças Armadas. Hoje, quando se fecha o cerco judicial à subversão bolsonarista, a tensão entre esses objetivos incompatíveis atinge temperatura insuportável. Não vai ter golpe. Reúnem-se, porém, as condições para um putsch.

Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Azul anil - JULIANNA SOFIA

Folha de S. Paulo - 20/06

Guedes e seu time oscilam entre respostas escalafobéticas e ausência de planos


A equipe econômica segue obstinada em dar sinais aos investidores de que não arreda o pé de sua cruzada fiscalista. Em apuros para cumprir os parâmetros que hoje regem a gestão das contas públicas, propõem os defensores do pensamento único --e liberal-- criar mais uma regra para orientar a política fiscal. O plano é definir meta para a dívida do setor público.

Indispensáveis, os gastos para atenuar o impacto da pandemia na vida das famílias e das empresas devem levar o endividamento a quase 100% do PIB. Nada que não esteja ocorrendo mundo afora. Mas o raquitismo crônico da economia brasileira e a instabilidade política alimentada diariamente pelo ocupante do Palácio do Planalto completam o vórtice a nos tragar.

A proposta ventilada pelo Ministério da Economia é estabelecer gatilhos para redução da dívida a partir de 2021, fixando patamares em escadinha. A venda de ativos e de parte das reservas internacionais garantiria o abatimento inicial.

Se norma ou meta fossem solução, as contas do país resplandeceriam no azul anil. Há teto de gastos, resultado primário e regra de ouro, todas a perigo.

Na falta de diagnósticos claros e de previsões realistas frente à crise que arrasta o planeta, Paulo Guedes e seu time oscilam entre respostas escalafobéticas e ausência de planos, enquanto entoam o mantra das reformas liberalizantes.

Em março, o ministro traçou como cenário mais dramático para o PIB um avanço de apenas 1% com a pandemia. Seus auxiliares chegaram a dizer que o calor brasileiro conteria a propagação do vírus. Hoje, o ministério projeta retração de 4,7%, enquanto há consenso sobre um mergulho além de 7%.

"Estamos finalizando os nossos programas emergenciais e voltando para as reformas. E nos próximos 60, 90 dias, vamos acelerar", disse nesta semana. Para o ministro, sem o avanço das mudanças estruturais, o Brasil caminhará para uma depressão.

Não há de ser por falta de metas.

Capitão Adriano integrava ‘núcleo’ de grupo de Flávio, diz MP

Capitão Adriano integrava ‘núcleo’ de grupo de Flávio, diz MP

Ministério Público reúne indícios de que ex-PM Adriano Nóbrega, chefe de milícia no Rio, era ‘executivo’ de organização criminosa e participou de plano para esconder família de Queiroz

Marcelo Godoy e Ricardo Brandt, O Estado de S.Paulo

20 de junho de 2020 | 05h00

Pela primeira vez desde o início das investigações sobre o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, o Ministério Público Estadual encontrou provas de que pessoas ligadas ao senador mantinham contato com o miliciano Adriano Magalhães da Costa Nóbrega, chefe da milícia Escritório do Crime, no período em que este era procurado pela Justiça. O chefe do grupo criminoso teria participado da elaboração de um plano de fuga da família do ex-assessor Fabrício Queiroz e integrava, segundo o MP, “o núcleo executivo da organização criminosa” liderada pelo atual senador.

Até então, as relações de Adriano com o gabinete de Flávio haviam acontecido no período em que, de acordo com as investigações, ainda não era pública a associação do ex-capitão com o crime organizado. Flávio, por exemplo, havia homenageado o então policial na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Também o visitara na cadeia, quando ele respondia a um processo por homicídio. Por fim, empregou a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, e a ex-mulher dele, Danielle Mendonça da Costa, como funcionárias fantasmas em seu gabinete na Alerj, segundo a investigação.

No caso de Raimunda, o Ministério Público apresentou à Justiça provas de que ela nunca esteve na Alerj. Examinando os deslocamentos de seu telefone celular, foi possível verificar que o aparelho jamais se aproximou do prédio em que ela devia trabalhar. Raimunda é sócia de uma pizzaria com o filho. Da conta da pizzaria saíram R$ 69,2 mil para Fabrício Queiroz.

Tanto Raimunda quanto Danielle pertenceriam ao esquema de “rachadinha”, na qual parte do dinheiro pago aos assessores do gabinete seria apropriado pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro. 

No pedido de prisão de Queiroz apresentado à 27.ª Vara Criminal, o Ministério Público do Rio afirma que o capitão Adriano “se valia de parentes para integrar o núcleo executivo da ORCRIM (organização criminosa)”. O documento estima que ele repassou mais de R$ 400 mil para contas administradas por Queiroz, acusado de ser o operador financeiro da organização.

Operação

As pistas que ligavam o chefe da milícia ao esquema da rachadinha surgiram em outra investigação do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Eram dados extraídos do telefone celular apreendido com Danielle na casa do miliciano durante a Operação Intocáveis.

No WhatsApp da ex-mulher do criminoso – que morreu em tiroteio com a polícia baiana em 9 de fevereiro deste ano – foram achadas conversas com Queiroz. Segundo os promotores, ela tinha ciência de que era funcionária fantasma e temia a origem ilícita do dinheiro. Por fim, dizem os investigadores, Queiroz e Adriano “tentaram embaraçar a investigação”, mandando Danielle faltar no depoimento no MP. Eles enviaram um advogado para conversar com ela, “deixando claro que a organização criminosa, além de poder pressionar e intimidar as testemunhas dos fatos, estaria abordando as pessoas intimadas e articulando a combinação de teses defensivas fantasiosas entre os autores e partícipes dos crimes”.

Tudo isso antes de Adriano ter sua prisão decretada. O caso mais grave ocorreu depois e foi descoberto com a apreensão do celular da mulher de Queiroz, Márcia Oliveira Aguiar, ocorrida em 18 de dezembro de 2019.

Naquele dia, conforme o relatório do MP, ela pretendia embarcar para São Paulo, onde ia se esconder com Queiroz, que era mantido na casa do advogado Frederick Wassef, em Atibaia. Para não ser descoberto, Queiroz desligava o celular quando entrava na região de Atibaia – Márcia era orientada pelo “Anjo”, o homem que monitorava Queiroz, a fazer o mesmo.

O plano, segundo o MP, começara a ser traçado um mês antes, em reunião na cidade do interior paulista entre Queiroz, o advogado Luis Gustavo Botto Maia, que defende Flávio Bolsonaro, e o Anjo. Eles aguardavam o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal sobre o compartilhamento de dados do Coaf e temiam uma decretação de prisão. Mensagens de Queiroz à mulher mostram que o ex-assessor mandou Márcia procurar Raimunda, que estava escondida em uma casa na cidade de Astolfo Dutra, em Minas.

Era necessário conversar pessoalmente com a mãe do miliciano, que se escondia em Minas por orientação de Queiroz e de Botto Maia. O advogado do senador também participaria do encontro. Os três iam esperar a chegada da mulher de Adriano, que levaria ao miliciano um recado de Botto Maia.

Quando estavam na cidade, Márcia mandou foto dela com o advogado para Queiroz. Ele, então, segundo a promotoria, advertiu a mulher “para apagar sua localização, a fim de dificultar eventual rastreamento, o que mais uma vez ressalta a natureza clandestina do encontro e o provável caráter ilícito da proposta que estaria sendo encaminhada a Adriano”. Depois, novo encontro entre os quatro ocorreu no Rio, no dia 17, quando a mulher do miliciano voltou da Bahia e transmitiu pessoalmente a reposta do foragido ao advogado do senador. 

Defesas deverão contestar prova com base em conversas

Estadão procurou a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), mas não conseguiu localizar o advogado Frederick Wassef. Também procurou a assessoria do parlamentar no senado, mas não obteve reposta. O jornal também procurou as defesas do ex-assessor Fabrício Queiroz, de Raimunda Vera Magalhães, e Danielle Mendonça da Costa, mas o advogado Paulo Emílio Catta Preta não quis se manifestar. A reportagem apurou que a defesa deve contestar o valor probatório das conversas entre os investigados encontradas no WhatsApp da mulher de Queiroz, Márcia Oliveira Aguiar. / COLABOROU CAIO SARTORI

Um homem cada vez mais só - ASCÂNIO SELEME

O Globo - 20/06


Este é o momento de maior isolamento de Jair Bolsonaro desde o dia 18 de fevereiro de 2018, quando iniciou sua caminhada para a solidão com a demissão de seu primeiro ministro, Gustavo Bebiano da Secretaria-Geral da Presidência. Aos poucos, mas com uma determinação impressionante, que parece um auto flagelo deliberado, o presidente foi construindo muros e destruindo pontes de modo a ficar praticamente ilhado. Hoje, além dos seus três zeros, de alguns ministros que se identificam ideologicamente com ele, dos puxa-sacos habituais e dos que ganharam uma boquinha no governo, Bolsonaro não tem com quem contar. Nem com os seus generais.

Não vale citar a turma desvairada das redes sociais. Muita gente ali nem gente é, todos sabem como funcionam os robôs do bolsonarismo, e com que velocidade. Os alucinados que vão às ruas com cartazes contra o STF e o Congresso tampouco importam neste cálculo. No Congresso, o centrão se aproxima, mas basta um vento leve para fazê-lo mudar de direção. O pragmatismo desse agrupamento político é que o orienta. Vai sugar o que for possível do governo, mas sem se comprometer com o seu fracasso.

O presidente nem partido tem. Ao romper com o PSL, arrumou uma dúzia de novos desafetos com mandatos federais. Está cada vez mais claro para quem faz política partidária que não vai ser fácil para Bolsonaro recompor sua base, que já era pequena, mesmo distribuindo ministérios, diretorias de estatais e de autarquias, contrariando frontalmente a sua mais importante promessa eleitoral, de não entrar no jogo de troca cargos por apoio político. No caso, aliás, o que Bolsonaro busca não é apoio para governar, mas sim para não cair antes do fim do seu mandato. Para governar, o presidente precisaria do apoio de 257 deputados. Para barrar seu impeachment, bastam 172.

Bolsonaro perdeu esta semana a cumplicidade dos generais do Palácio. Embora continuem no governo, dando suporte administrativo ao presidente, Heleno, Braga e Ramos não topam defender os malfeitos dos filhos. A prisão de Fabrício Queiroz disparou o alarme. O caso é grave e tem desdobramentos que podem chegar ao presidente, embora legalmente ele seja inalcançável. Mesmo que ele e sua mulher sejam incriminados em razão do dinheiro que Queiroz depositou na conta de Michelle, o crime terá sido cometido fora do mandato e Bolsonaro só terá de se explicar à Justiça depois de terminado o seu mandato. Ainda assim, os generais preferem não se misturar com essa bagunça.

Com a prisão de três dos 30 que se intitulavam 300, sumiram os parcos apoiadores mais barulhentos. Restam os que rasgam dinheiro e carregam faixas pela intervenção militar, mas estes também são poucos e, como já dito, importam tanto quanto uma garrafa vazia. Bolsonaro tem ainda as milícias. Estas serão suas enquanto ele estiver ajudando. Embora sejam agradecidas por portarias como a que suspende as normas de rastreamento de armas no país, as milícias podem se afastar do capitão caso ele se torne um problema tão grande que acabe jogando luz sobre a sombra em que praticam suas atividades ilegais. Outra vez o alarme de Queiroz.

Finalmente, pesquisas mostram que o presidente tem 30% de apoio popular. Este é o número mágico no qual ele se agarra para tentar provar que vai bem. O problema é que do outro lado estão os 70% que não o apoiam. Bolsonaro está se isolando na medida em que permite absurdos como os cometidos por Abraham Weintraub, que foram esquentando e aumentando até que sua permanência no ministério se tornasse insustentável. A situação do presidente é muito grave, e ao final ele pode não ter com quem contar.

Quem É o manda-chuva?
A pose arrogante e desafiadora de Abraham Weintraub diante de um Jair Bolsonaro contido e visivelmente desconfortável aparentemente queria mostrar quem manda na casa. O anúncio da demissão do estrupício do Ministério da Educação foi feito pelo próprio. Ele disse também que vai preparar a transição para um novo ministro, que ainda não sabe se será permanente ou interino, e avisou que vai para o Banco Mundial, com salário de R$ 100 mil por mês. Como no vídeo o demitido parecia ser Bolsonaro, o ato apenas serviu para explicitar quem é o manda-chuva. Trata-se do chefe do estorvo, que nunca foi Bolsonaro, mas sim Olavo de Carvalho, o terraplanista de Richmond que deve indicar o substituto.

Foi péssimo, mas pode piorar
Weintraub foi o pior ministro da Educação de todos os tempos. Nunca na História desse país viu-se tamanho disparate na gestão da Educação brasileira. O ministro demitido foi um zero, um nada, um coisa nenhuma. O setor passou os últimos 14 meses paralisado com Weintraub, ultrajado pelos seus métodos, estupefato pela sua ignorância e pelo tamanho da sua incapacidade. Já que no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, não custa esperar pelo seu substituto. E como quem deve nomeá-lo é o homem que mandou Bolsonaro enfiar suas medalhas naquele lugar, é bom estar preparado para qualquer coisa.

‘Armistício patriótico'
Talvez o objetivo do novo ministro das Comunicações, Fábio Faria, tenha sido sensibilizar o Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal. Com certeza foi essa a impressão que deve ter causado em Bolsonaro, seus zeros e sua turma mais próxima ao pregar um “armistício patriótico”. Agora, francamente, o que Congresso e Supremo poderiam fazer para atender ao pedido do ministro? O STF teria de suspender todas as ações contra os criminosos amigos e familiares do presidente? Ou o Congresso precisaria abaixar a cabeça e deixar passar todas as barbaridades oficiais, como a MP dos Reitores? A recomendação de Faria, na verdade, só cabe ao presidente da República. Mesmo assim, parece que a sugestão chegou tarde. Bolsonaro já cometeu crimes demais para assinar qualquer armistício.

Que isso, doutora?
A delegada Denisse Dias Rosas deve ser afastada do grupo que investiga as ações dos bolsonaristas determinada pelo STF. Será o mínimo que a instituição pode fazer por causa do pedido que ela fez ao ministro Alexandre de Moraes para “postergar” uma ação contra o grupo para não trazer “risco desnecessário à estabilidade das instituições”. Uma delegada tem todo o direito de sugerir alternativas ao juiz de uma causa por questões objetivas, nunca em razão de uma reflexão política. Pode recomendar o adiamento de uma operação por ter recebido dados de inteligência que recomendam cautela ou pela falta desses dados. Ou por causa da chuva. Mas não porque o presidente está irritado com a PF e a hora não é boa. Convenhamos. A delegada deve seguir a carreira sentada atrás de uma mesa no almoxarifado da corporação.

Demissão exemplar
O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, não é mocinho. Não se pode dizer que é bandido, ainda é cedo, mas mocinho ele não é. Feita essa ressalva, é preciso aplaudir o governador pela demissão do coronel Sérgio Luiz Ferreira de Souza, subcomandante que ocupava o comando da PM do DF em razão da ausência do titular hospitalizado. O militar se omitiu, segundo Ibaneis, ao não impedir que os cretinos do grupo 300, que nunca passaram de 30, soltassem rojões sobre o STF. É preciso colocar algum freio nas PMs nestes dias, impedir que um viés ideológico se infiltre e acabe influenciando decisões de segurança. A demissão do coronel foi exemplar.

Avisa a mãe
Coisa mais fofa. Preso, Fabrício Queiroz usou o seu direito de dar um telefonema para ligar para casa. Falou com a filha, disse que foi preso e deu a orientação: “Avisa a mãe”. Claro que se tratava da uma senha. Poderia ter dito “avisa a mãe que me ferrei e manda ela fugir”. Márcia Aguiar, mulher de Queiroz, é “bem conectada” e pode estar longe uma hora dessas. O Ministério Público, segundo O GLOBO, baseou seu pedido de prisão de Queiroz e Márcia nas negociações da mulher com a milícia do Rio para um plano de fuga dela e do marido. Aliás, já foi dito aqui, a milícia é uma das poucas “forças” que ainda não abandonaram Bolsonaro, seus filhos e seus amigos.

Capitão perde seu melhor papel: culpar os outros - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 20/06


A teatralidade radical de Jair Bolsonaro começou a perder o nexo na manhã da última quinta-feira. A prisão do amigo Fabrício Queiroz num imóvel pertencente ao advogado da família Bolsonaro expôs o capitão a um revés que lhe sonega o papel que melhor desempenha. Pela primeira vez, não pode culpar os outros —a menos que queira apertar o nó que adorna o pescoço do primogênito Flávio.

A conjuntura impôs a Bolsonaro uma encenação para a qual ele não estava ensaiado. Ficou momentaneamente proibido de ser o brigão que aprecia. Obrigou-se a parecer o conciliador que nunca foi. Na quinta-feira, horas depois da cana de Queiroz, serviu na bandeja aos "vagabundos" do Supremo a cabeça de Abraham Weintraub, o mastim ideológico que mantinha na pasta da Educação.

Na sexta, Bolsonaro enviou ao apartamento do desafeto Alexandre de Moraes, em São Paulo, uma missão de paz composta de três membros do seu staff jurídico: os ministros André Mendonça (Justiça) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral), e o advogado-geral da União José Levi Mello do Amaral Júnior.

Suprema ironia: apenas 48 horas antes, Bolsonaro ainda estava sob a influência dos auxiliares que aguçam os seus maus bofes, reivindicando o sangue dos rivais. Ralhava com o mesmo Alexandre de Moraes, que jogara o peso de sua caneta de ministro do Supremo em despachos que enviaram os rapazes da Polícia Federal a 21 endereços de bolsonaristas e invadiram as contas bancárias de 11 parlamentares governistas.

"Estão abusando. Isso está a olhos vistos", dissera o Bolsonaro irascível de sexta-feira. "Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar." Os próximos lances de Bolsonaro serão complicados. A maneira como o capitão lidará com as adversidades haverá de marcar a história do seu governo. Além do enrosco chamado Queiroz, há os três inquéritos que correm no Supremo.

Num dos inquéritos, apura-se a denúncia de Sergio Moro de que Bolsonaro tramou a conversão da Polícia Federal num aparato político. Noutros dois, investiga-se a indústria de notícias falsas e de ódio antidemocrático que o bolsonarismo mantém nas redes sociais e nas manifestações de rua.

No momento, pode parecer exagerada a afirmação de que o governo Bolsonaro flerta com o impedimento ou a cassação. Mas com o número de infectados do coronavírus ultrapassando a casa de 1 milhão de pessoas e a pilha de mortos ainda na ascendente, o brasileiro tem dificuldade de enxergar a serventia de um presidente que arrasta na conjuntura a bola de ferro de um amigo tóxico e uma agenda penal.

As palavras que Bolsonaro jogou ao vento premonitórias. Está mesmo "chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar."

Pensando o impensável - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 20/06

Resultado mais provável da ruptura da ordem parece-me ser um longo período de anarquia


Um momento histórico que eu gostaria de ter presenciado aconteceu no dia 1.º de novembro de 1944: um breve encontro entre o ministro da Justiça, Marcondes Filho, e o general Eurico Dutra. O relato está no ótimo livro de Paulo Brandi Vargas: da Vida para a História (Zahar, 1985, pág. 178).

Desde a entrada do Brasil na guerra contra o fascismo, Getúlio pressentia que não conseguiria manter sua ditadura. Em 1943, o Manifesto dos Mineiros desafiou a censura e escancarou o debate sobre a redemocratização. A presença da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, com apoio dos Estados Unidos, apontava para um ponto sem retorno. Nos meses seguintes, a pressão contra Getúlio alastrou-se rapidamente nas Forças Armadas. No final de outubro os generais Góes Monteiro e Eurico Dutra procuraram-no para insistirem na convocação de eleições. Getúlio aquiescia sem aquiescer. Cogitava de transitar para um regime híbrido, cujo comando permanecesse em suas mãos. Foi nessa altura que se deu o encontro de Marcondes Filho com o general Eurico Dutra.

O ministro havia rascunhado um projeto de lei eleitoral de teor corporativista, ou seja, baseado na representação por categorias profissionais, formato característico da tradição fascista. Foi quando, respondendo a Marcondes Filho, Eurico Dutra disse-lhe, curto e grosso: “Não é isso, não, dr. Marcondes, é eleição mesmo...”.

O referido momento parece-me assinalar com clareza a opção das Forças Armadas por uma identidade propriamente de Estado, impessoal, baseada na hierarquia e na disciplina, com a consequente rejeição do modelo de uma guarda pretoriana, ou seja, de uma milícia a serviço de um caudilho qualquer.

Mas tal modelo não era isento de problemas. Nos anos 30, sob a decisiva influência do general Góes Monteiro, ganhou corpo o modelo de uma organização tutelar, destinada não somente à defesa externa do País, mas legitimada para também atuar sponte sua no plano interno.

Os apontamentos acima ajudam a compreender o artigo 142 da Constituição de 1988, que alguns juristas chegam a interpretar até mesmo como uma autorização para as Forças Armadas atuarem como um Poder Moderador, dirimindo impasses entre os três Poderes. Não chego a tanto, mas, de certa forma, vou além, pois, no trecho a seguir, tal artigo me parece virtualmente ininterpretável: “...(as Forças Armadas) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. O trecho grifado admite a esdrúxula hipótese de as Forças Armadas – no tocante à manutenção da lei e da ordem no plano interno – serem convocadas por dois ou até pelos três Poderes ao mesmo tempo. Considerando, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição, instância última, portanto, da legitimidade política, cabe a ele esclarecer quando e em que termos as Forças podem ser convocadas – uma rima que em nada melhora o soneto.

A questão acima suscitada parece-me assumir contornos graves no presente momento, visto que agora não se trata de um imbróglio constitucional em abstrato, mas de uma conjuntura que muitos têm descrito como uma “tempestade perfeita”: em meio a uma terrível epidemia e a uma crise econômica sem precedentes, temos tido frequentes atritos entre os Poderes e um presidente da República pouco propenso a observar os limites e a liturgia do cargo que ocupa. Como se não bastasse, as Forças Armadas assumiram uma presença excessiva no Executivo, emprestando-lhe, por conseguinte, uma legitimidade que cedo ou tarde reduzirá a estima em que são tidas pela sociedade brasileira.

Acrescente-se que o protagonismo apaziguador do Legislativo esbarra em severos limites no presente momento, uma vez que a composição do Congresso Nacional ainda deixa a desejar, não obstante as reformas que se tem tentado fazer.

Por último, mas não menos importante, é preciso levar em conta o clima de radicalização, acentuado a partir das eleições de 2018, e os frequentes apelos que certos setores têm feito no sentido não só de tumultuar, mas efetivamente de solapar o regime democrático, exigindo alguma forma de intervenção militar. Um ponto fundamental que tais setores não parecem compreender é que o Brasil de 2020 é muito diferente do de 1964. Naquele ano, bastou às Forças Armadas prender umas poucas centenas de pessoas para assumirem o controle do País. Hoje a população brasileira é muito maior, está concentrada em grandes cidades e é muito mais diversificada, politizada e atenta. Mercê dos meios eletrônicos de comunicação, consegue se mobilizar com extrema facilidade. Tais mudanças não necessariamente conferem vantagem a algum dos grupos que se digladiem num hipotético confronto, até porque o resultado mais provável de qualquer ruptura da ordem parece-me ser um prolongado período de anarquia, ao fim da qual tudo estará mais ou menos na mesma, só que muito pior.

BOLÍVAR LAMOUNIER É CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORES E MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS

Malabarista chinês - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/06

Silêncio de Bolsonaro sobre prisão de Queiroz explicita a gravidade da situação


O silêncio eloquente do presidente Bolsonaro sobre a prisão de seu amigo de longuíssima data Fabrício Queiroz explicita a gravidade da situação. A depender do que os investigadores da Polícia Federal encontrarem nos celulares e documentos apreendidos em Atibaia, a situação pode levar a crise institucional a um desfecho que se prevê desde os primeiros escândalos do governo Bolsonaro.

O caminho para o impeachment parece ser inevitável, já está marcado no GPS político, só não se sabe a velocidade em que isso se dará. Que a vaca foi pro brejo, ninguém duvida. A questão agora é calcular a distância do brejo e a velocidade da vaca. O centrão é especialista nesses cálculos, e tudo indica que seus membros vão partir com mais sede ao pote para aproveitar o que resta do governo.

Engano achar que alguém compra o centrão. Só aluga, e sem multa rescisória. Foi assim com Dilma, quando a situação ficou insustentável do ponto de vista político e econômico. O governo Bolsonaro caminha para essa impossibilidade diante da tragédia econômica de uma queda do PIB de 10%, cuja recuperação exigirá um esforço nacional de anos seguidos, impossível de se obter em um governo beligerante e errático como o que temos, com um presidente incapaz de unir até mesmo os seus.

A partir da crise, após a reforma da Previdência, as demais reformas perderam o timing político, ainda mais em ano de eleição. A situação é tão difícil que nem mesmo as condições mínimas para implementar um novo pacote social existem. Os governantes anteriores ao PT já haviam criado diversos programas sociais, e a união de todos eles no Bolsa Família, sob o comando das prefeituras, foi uma jogada eleitoral proposta pelo então ministro Patrus Ananias, para substituir o fracassado Fome Zero, coordenado por Frei Betto, que tinha uma visão menos eleitoral e mais de ativismo político, uma tentativa de empoderar os líderes comunitários em substituição aos políticos locais.

O potencial dessa união de programas, que Ruth Cardoso preparava com o cadastro único e sem concessões políticas, alavancou o petismo, especialmente no Nordeste. Bolsonaro anseia agora criar o Renda Brasil, que seria o seu Bolsa Família ampliado, o que certamente daria uma alavancada em seu projeto político, mas a pandemia da Covid-19 estragou seus planos.

A distribuição da renda complementar de R$ 600,00 sustentou sua popularidade que começava a decrescer. Mas somente o Renda Brasil permanente pode lhe garantir a fidelidade desse eleitorado que não é dele. Mas a crise econômica dificilmente dará espaço para tal. Seria preciso um malabarista chinês para conseguir deixar no ar sem cair pratos tão diferentes no peso e no tamanho quanto centrão, acampamento 300 do Brasil, milicianos, rachadinha, economia liberal, democracia, militares, populismo. Bolsonaro é mais parecido com um rinoceronte em casa de louças.

Os apoios encarecem de um lado, e dão certo medo de outro. O risco ficou maior porque o presidente está fragilizado e a caminho de um impedimento. A investigação sobre Queiroz não vai parar no esquema de rachadinha, mas avançar para outras questões, como a relação com milicianos.

Após a prisão de Fabricio Queiroz, o presidente Bolsonaro está claramente na defensiva. Para se ter uma ideia das dificuldades, uma pergunta básica que não quer calar em Brasília: se Queiroz não estava sendo perseguido, por que estava escondido?

Um comentário povoa as investigações: quando foi encontrado, parecia estar em cárcere privado. Três inquéritos no Supremo Federal (STF) são direta ou indiretamente ligados a ele e agora as investigações sobre a ligação com Queiroz com sua família. Vai aparecer uma série de informações que formarão um quadro muito perigoso para qualquer pessoa, ainda mais para um presidente da República. O quebra-cabeça está ganhando forma, e nada ajuda Bolsonaro. Mesmo que não possa ser julgado por atos cometidos antes do mandato, as revelações que as investigações possam revelar vão deixa-lo enfraquecido politicamente, na popularidade e no apoio no centrão que, quando chega na beira da cova, não salta junto com o caixão

Sabujo expelido - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 20/06

Na ânsia por demonstrar servilismo, Weintraub enfraqueceu Bolsonaro


Embora inexistam motivos para esperar uma substituição virtuosa no Ministério da Educação sob Jair Bolsonaro, a saída forçada de Abraham Weintraub não deixa de proporcionar algum alento ao país.

Num primeiro escalão em que nomes como Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) desmoralizam suas pastas e mancham a imagem do país, Weintraub conseguiu sobressair em inépcia e indignidade.

O anúncio de sua demissão, após ataques reiterados a ministros do Supremo Tribunal Federal, mostra um governo compelido a reconhecer limites, mesmo que apenas circunstanciais, para o comportamento indecoroso. É o que transparece na imagem de um constrangido Bolsonaro a receber o abraço sôfrego do subalterno expelido.

Na ânsia de demonstrar seu servilismo, o agora ex-ministro contribuiu para o enfraquecimento de um governo rodeado por inquéritos judiciais —um deles, relativo a esquemas de disseminação de notícias infundadas, envolvendo o próprio Abraham Weintraub.

A tagarelice golpista pôs fim à sua curta e vexatória passagem pelo MEC, que só não foi mais danosa porque o provimento prioritário de ensino básico está a cargo dos governos estaduais e municipais.

Ainda assim, a política educacional perdeu tempo precioso com a omissão da pasta nas negociações legislativas para a renovação do Fundeb (o fundo de financiamento dos ensinos fundamental e médio), na implementação da base curricular nacional e, por fim, nos esforços para a retomada das aulas durante a pandemia.

A ladainha contra o espantalho da doutrinação esquerdista nas escolas e universidades não mais esconde a indigência das ideias do bolsonarismo e de seus gurus para o setor. O fanatismo ideológico e a incapacidade para o diálogo inviabilizaram até debates pertinentes, como o da captação de recursos privados na educação superior.

Weintraub agora intenta envergonhar o Brasil aceitando um posto no Banco Mundial —ironicamente, uma das instituições de um tal globalismo satanizado pela direita populista. A valentia de arruaceiro das redes sociais se compatibiliza, de súbito, com o conforto de uma sinecura bem remunerada e distante da Justiça brasileira.

Lá, não terá ou não saberá o que fazer, mas isso nunca foi empecilho para o bravo sabujo de Bolsonaro.