quarta-feira, agosto 25, 2021

Uma crise insolúvel - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 25/08

O Brasil tem pela frente longos 16 meses até que termine o mandato do pior presidente que já governou a Nação. Nada indica que os graves problemas que afligem o País serão tratados


É tal a gravidade da crise política e institucional que ora paralisa o País que cinco ex-presidentes da República – José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer – acionaram seus canais de interlocução com as Forças Armadas, particularmente com generais do Exército, da ativa e da reserva, para aferir o ânimo das tropas para embarcar em uma eventual intentona do presidente Jair Bolsonaro. A informação foi revelada pelo Estado no fim de semana.

Premido pela queda consistente de sua popularidade e por reveses no âmbito dos Poderes Legislativo (derrota da PEC do Voto Impresso) e Judiciário (inquéritos administrativos e penais no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, contra si e alguns apoiadores), Bolsonaro tem dado sinais de que partirá para o “tudo ou nada” – vale dizer, o descumprimento das leis e da Constituição, quiçá de ordens judiciais – como forma de se aferrar ao poder e, assim, tentar escapar das consequências políticas e penais de seus desatinos.

Para o bem da Nação, as respostas que os cinco ex-presidentes obtiveram, ainda que com pequenas variações, afluíram na direção do respeito à Constituição pelas Forças Armadas. Os emissários dos ex-presidentes ouviram dos generais consultados que as eleições de 2022 não só vão ocorrer normalmente, como o Congresso ouvirá, na data da posse, o compromisso do presidente eleito, seja ele quem for, exatamente como determina a Lei Maior. Ou seja, as bravatas de Bolsonaro, incluindo o alardeado apoio que ele julga ter do alto oficialato para suas investidas contra as instituições republicanas, mais revelam fraqueza e isolamento do que força.

A firmeza dos generais consultados em relação a seus compromissos constitucionais, no entanto, é apenas uma boa notícia em um quadro geral muito preocupante. São tempos muito estranhos estes em que uma manifestação de respeito de generais do Exército à Constituição traz certo alívio para os cidadãos que prezam pela liberdade. A rigor, a própria consulta que cinco ex-presidentes da República fizeram aos generais revela, por si só, que Bolsonaro já golpeou a democracia ao agredir diuturnamente, com atos e palavras, os pilares do Estado Democrático de Direito.

A saída para esta grave crise que rouba o presente e compromete o futuro do País teria de passar, necessariamente, por uma civilizada concertação de interesses entre os chefes de Poderes, todos imbuídos pelo que o ex-ministro Marco Aurélio chamou de “amor institucional”. Da parte do Poder Legislativo e do Poder Judiciário já houve este aceno à harmonia e à civilidade, ainda que preservadas eventuais discordâncias. Do Poder Executivo, no entanto, as tentativas de pacificação se revelaram ardis para que Bolsonaro apenas ganhasse tempo até sua próxima investida contra a República. Ao trair a confiança de seus interlocutores nos outros dois Poderes, o presidente trai a confiança da Nação.

Jair Bolsonaro é irremediável. Se ainda havia alguma dúvida sobre sua aversão à política em seu sentido mais estrito – a acomodação de interesses por meio do diálogo –, esta dúvida foi dissipada em caráter definitivo pelo pedido de impeachment que o presidente apresentou ao Senado contra o ministro Alexandre de Moraes, sem qualquer fundamento a não ser a clara disposição de lançar seus apoiadores mais fanáticos contra a Suprema Corte e contra o Senado, que, evidentemente, não dará andamento ao pedido.

O País ainda tem pela frente longos 16 meses até que termine o mandato de Bolsonaro. Nada indica que os graves problemas que afligem o País serão tratados neste período. As investidas golpistas do presidente travarão o andamento de projetos importantes no Congresso, como as reformas estruturais. A capacidade de Bolsonaro para “fabricar artificialmente crises institucionais infrutíferas”, como bem avaliou o decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, é inesgotável. E isto manterá o Brasil refém do temperamento vesânico do pior presidente que já governou a Nação.

O fracasso Bolsonaro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/08

Malogro do governo, que desencadeou gritaria golpista, deve-se só ao presidente


Decorridos dois terços do governo Jair Bolsonaro, o saldo é um fracasso inegável e, tudo indica, irreversível. Não se vê em Brasília pensamento, liderança ou mera disposição para levar adiante uma agenda que permita ao país chegar ao final de 2022 em condições melhores que as herdadas pelo mandatário.

O principal feito do período, a reforma da Previdência, deveu-se muito mais à iniciativa do Congresso e aos estudos e negociações de anos anteriores. Seus primeiros efeitos benéficos para as finanças públicas e a economia, de todo modo, foram solapados pelo impacto dos gastos com a Covid-19.

A atividade —indústria, serviços, consumo, investimento— mal se recupera da derrocada pandêmica e, pelas projeções mais consensuais, retomará o padrão anterior de quase estagnação. Desemprego e pobreza voltaram a se elevar.

Se a área econômica preserva o que resta de racionalidade na administração, sua credibilidade desabou. Promessas de privatização e reformas ficaram pelo caminho; a inflação subiu a níveis inquietantes; encaminha-se a irresponsabilidade orçamentária no ano eleitoral.

A calamidade sanitária seria um atenuante —se não fosse a demonstração maior da incompetência e do descaso desumano de Bolsonaro. Toda a parolagem do presidente e de seus seguidores fanáticos não encobrirá o fato de que o Brasil amarga a maior taxa de mortes por milhão de habitantes entre os países do G20.

Uma coletânea de indicadores publicada pela Folha mostra que retrocessos predominam nas diversas áreas do governo, notadamente Educação, Saúde e Meio Ambiente. É evidente que nem todas as pioras derivam apenas de medidas tomadas a partir de 2019, mas o peso da gestão ruinosa dessas pastas prioritárias é indelével.

Não houve nova política, muito menos combate à corrupção. O centrão ganhou protagonismo inédito, a Procuradoria-Geral perdeu em autonomia e a Polícia Federal teve dirigentes trocados ao sabor das preocupações do Planalto com aliados e familiares.

Bolsonaro nem mesmo consegue fazer avançar —felizmente— sua pauta ideológica, salvo por alguns decretos de legalidade questionada em favor do acesso a armas de fogo. Não consegue porque se trata de propostas de escasso apelo na sociedade e, mais ainda, porque o presidente se mostra uma negação nas tarefas essenciais de dialogar, convencer e negociar.

O malogro de seu governo se deve ao despreparo e à indolência, não a sabotagens e conspirações imaginárias. A perspectiva de derrota nas urnas, que desencadeou toda a atual gritaria golpista, decorre tão somente da constatação do óbvio pelo eleitorado.

Empresários do 7 de Setembro golpista e ricos coniventes arruínam economia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 25/08

Movimentos empresariais ajudam a destruir economia pelo menos desde 2015


O caminhonaço de 2018 parou o país por quase dez dias, acabou com a expectativa de que a economia crescesse 2% naquele ano e colocou o governo de Michel Temer de joelhos, dada a ameaça de colapso do abastecimento.

A baderna rendeu um tabelamento de preços (dos fretes) e subsídios de bilhões para caminhoneiros autônomos, transportadoras e clientes do transporte rodoviário, como o agronegócio (tudo muito liberal, né?). O Congresso anistiou os crimes dos baderneiros. O paradão inclinou ainda mais a ladeira que o Brasil desce desde 2013, pelo menos.

Jair Bolsonaro apoiou o caminhonaço, claro, ao lado de empresários e associações empresariais, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL).

A polícia investiga o atual presidente da Aprosoja, o bolsonarista Antonio Galvan, suspeito de organizar manifestações golpistas no 7 de Setembro (em 2018, era presidente da Aprosoja-MT, entusiasta do caminhonaço). Blairo Maggi e a associação dizem que não apoiam Galvan, que ainda comanda a Aprosoja, no entanto.

Grandes empresas e seus empresários, vários do varejo, do setor imobiliário e da finança, são bolsonaristas militantes ou colaboracionistas. Quase todo o resto foi omisso ou conivente. No fim das contas, esperavam acabar com o PT, passar a boiada de algumas “reformas” (trabalhista e previdenciária) e barrar aumento de impostos, ainda que para o ajuste fiscal, o que ficara evidente desde 2015, com o Movimento do Pato Amarelo, da Fiesp. A maioria se opõe a “reformas” que aumentam concorrência e eficiência (equalização de impostos, abertura comercial, fim de subsídios etc.).

Era evidente que mesmo esse programa mínimo cínico daria com os burros n’água, ainda mais com o burro perverso no Planalto, que levou para o governo, na economia inclusive, o mundo cão, o porão militar e incompetentes e obscurantistas em geral.

A destruição ambiental, os talibãs na educação, o morticínio na epidemia, o isolamento internacional, nada disso levou o grosso do que se chama de “empresariado” a fazer um mea culpa. Mesmo que não se importem de fato com esses assuntos, sabe-se que esse programa destrutivo cedo ou tarde prejudica os negócios, com ou sem “reformas”. Quando Bolsonaro repetiu a ameaça explícita de melar a eleição de 2022, mandaram um telegrama tardio para o país.

Em suma, de um modo ou de outro, o grosso do “empresariado” apoia ou apoiou a ruína econômica.

O empresariado “reformista” não se moveu também quando Bolsonaro ajudou a acabar com a Lava Jato, tocando Sergio Moro para fora e nomeando Augusto Aras para a PGR —o liberal-lavajatismo fora uma das correntes que levaram Bolsonaro ao poder. O sistema político, o centrão-bolsonarismo em particular, fez o resto do serviço de dar cabo de investigações contra corrupções e arrumou mais dinheiros para se manter no poder. Conseguiu passar pela revolta de 2013, pela Lava Jato e está no comando do governo mais reacionário e imbecil da nossa história quase sempre lamentável. Venceram.

Como é fácil perceber, o “empresariado reformista” e o sistema político dominado pelo centrão fizeram um grande arranjo de manutenção do establishment, com sucesso, mas sem perspectiva alguma de progresso, em um país agora mais selvagem, cafajeste, cínico, queimado, pobre, pária, ignorante, doente, miliciano e tutelado por generais semiletrados.

Ainda vai ser preciso estudar muito para entender a Grande Involução brasileira, que dirá para imaginar uma saída para este desastre.​