segunda-feira, junho 15, 2009

RUY CASTRO

Delírios avícolas

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/06/09

RIO DE JANEIRO - Foi em 1979, numa das minhas primeiras vezes em São Paulo. Acordei no apartamento do hotel chique -a atmosfera ainda recendia aos reis, rainhas e estrelas de Hollywood que já tinham se hospedado nele- e julguei ouvir ruídos avícolas nas proximidades. Estava sonhando, lógico. Virei para o canto e esperei que os ruídos morressem entre as brumas.
Mas eles continuaram. Pareciam grasnidos de patos, misturados a pios e cacarejos. Não era sonho, era à vera. Como um zumbi, entre o alerta e a morte, fui à janela. E, vários andares abaixo, vi a cena impossível: patos, gansos, marrecos e, talvez, pintos, passeando em fila pela calçada, alguns ameaçando atravessar a rua na faixa listrada.
Naquele momento, tive medo. Eu bebia demais, e amigos já haviam me advertido para a inevitabilidade das alucinações. Era isso. Patos e gansos à solta na esquina da avenida São Luís, só nos mais absurdos delírios. Fechei correndo a cortina e meti-me no chuveiro, tentando espantar o fantasma.
Meia hora depois, já razoavelmente refeito, desci à rua. E, ao espiar com cuidado o cenário da alucinação, no outro lado da pista, lá estavam as aves circulando alegremente pela calçada. Elas eram reais. E havia uma explicação: pertenciam a uma loja de animais que funcionava defronte ao hotel. Graças, eu ainda não chegara àquele ponto.
Trinta anos depois, na semana passada, voltei pela primeira vez ao hotel. Pedi um apartamento que desse para a mesma esquina e, rindo, contei a história ao homem do balcão. Ele também riu e disse que a loja de animais dera lugar, há apenas um ano, a uma loja de flores. Bem, subi e dormi.
De manhã, ao acordar -não sei se era sonho ou, quem sabe, uma recorrência nostálgica-, podia jurar que estava ouvindo pios e grasnidos.

COISAS DA POLÍTICA

Várias receitas para uma estratégia

Rodrigo de Almeida

JORNAL DO BRASIL - 15/06/09

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, acaba de lançar um livro relevante para oxigenar a discussão sobre o desenvolvimento brasileiro. Esqueça a ideia de uma obra de uma nota só, com pregadores instalados em apenas um lado do debate. Sociedade e economia: estratégias de crescimento e desenvolvimento, organizado por João Sicsú e Armando Castelar, reúne artigos de 32 cabeças pensantes sobre o assunto, dispostos a enfrentar a variedade de abordagem, diagnóstico e proposição de futuro para o país. Melhor assim. Nada é mais falso e contraproducente do que a noção de uma estratégia geral e consensual, segundo a qual o pensamento oposto é egresso de "neobobos" ou de viúvos do atraso.

A própria dupla de organizadores é uma evidência dessa variação sobre um mesmo tema. Siscú, professor licenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos diretores do Ipea, propõe uma estratégia para o país, "um projeto de Estado", contraposto ao chamado Consenso de Washington – o conjunto de recomendações que envolviam disciplina fiscal, privatizações e desregulamentações, que por quase duas décadas serviu de base para as reformas orientadas para o mercado. Siscú defende um Estado do bem-estar, fruto "de políticas de Estado e não de caminhos espontâneos nascidos do mercado".

Castelar, também professor da UFRJ, analista da Gávea Investimentos e pesquisador licenciado do Ipea, afirma, ao contrário, que o Brasil precisa levar adiante as reformas recomendadas por Washington. "O Brasil parou a meio caminho na implementação das reformas do Consenso", escreve Castelar, "e precisa avançar com várias delas, como a do fortalecimento dos direitos de propriedade e da melhoria nos serviços de saúde e educação básica". Entende ainda que os novos tempos requerem do país "pensar individualmente no seu próprio modelo de desenvolvimento".

Eis o desafio: encontrar um caminho estratégico próprio. Até críticos do mainstream, como Dani Rodrik e Joseph Stiglitz, há algum tempo marcaram posição de questionamento à ortodoxia das prescrições de organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI – que, como lembra a professora Eli Diniz em um dos artigos do livro, chegaram a asfixiar, ao invés de estimular o desenvolvimento. O pêndulo, no entanto, parece ter mudado. Com alguns princípios universais respeitados, algo que o Brasil vem seguindo, é possível seguir trajetórias particulares, adaptadas à realidade e ao momento de cada país. (É de Dani Rodrik um livro interessante, One economics, many recipes, no qual mostra por que políticas econômicas podem ser variadas, ainda que a teoria econômica tenha chegado a um acordo sobre determinado problema).

Situado esse, digamos, consenso mínimo, autores presentes no livro editado pelo Ipea – como João Paulo dos Reis Velloso, Mailson da Nóbrega, Roberto Fendt, Samuel Pessoa, Fernando Cardim, Antonio Delfim Netto, Cláudio Haddad e Raphael de Almeida Magalhães, para citar alguns dos mais conhecidos – trafegam em suas vias de interesse para demarcar o que deve ser uma estratégia adequada ao país. Um dos eixos que os unem e os separam é, como de hábito, a interpretação sobre o papel do Estado no processo de desenvolvimento. Nesse campo, sabemos, há uma margem enorme para dissensos. O ar de déjà vu neste debate é inevitável. Mas necessário. (Ou, como escreve o professor da FGV Samuel Pessoa, trata-se de "um debate quase sem fim, e de difícil solução puramente empírica").

O Brasil teve pelo menos três grandes chances de tornar-se uma nação de primeira grandeza. A primeira foi no século 19, com as transformações econômicas que livraram o país do regime escravista. A segunda, no fim dos anos 60, quando assistíamos ao "milagre econômico" da ditadura militar. A terceira, com o Plano Real, levou pelo menos 10 anos para se consumar, porque, embora tenha instaurado uma fase duradoura de inflação controlada, deu continuidade à semiestagnação da renda do brasileiro iniciada ainda na década de 80. Nos últimos anos, porém, mesmo aos poucos, o país pareceu finalmente acordar.

No debate teórico e prático, esse novo despertar permitiu reemergir um campo que havia se encolhido com a ascensão das cabeças inspiradoras das políticas econômicas dominantes nos anos 90 (aquelas que ganharam o carimbo genérico de neoliberais). A contracorrente, de múltiplas nuances, reapareceu com vigor: heterodoxos variados, muitos dos quais intitulados "novos desenvolvimentistas". As cartas estão dadas e, noves fora o mar infindável de divergências, há uma certeza generalizada sobre o momento de virada em que o país se encontra. Com um debate maduro, para o qual o livro do Ipea contribui, convém aproveitá-lo.

VINOL

PAINEL DA FOLHA

O que vem por aí

RENATA LO PRETE

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/06/09

Emoção é o que não vai faltar nas próximas semanas no Senado, às voltas com uma sucessão de escândalos administrativos. Na esteira da descoberta dos atos secretos, cujo número real ainda não é conhecido, vão estourar compras superfaturadas, contratos fraudulentos e o tamanho do rombo na folha de pagamentos.
Uma das compras superfaturadas é a troca de lixeiras na gestão Garibaldi Alves (PMDB-RN), sob cifras astronômicas. Entre os contratos de terceirização, os da área de vigilância são emblemáticos: eram cinco, com empresas diferentes e o mesmo objeto. Havia mais de 300 vigilantes contratados, alguns para atuar como recepcionistas -por salários maiores, claro.



Ghostbusters. Por fim, a auditoria no sistema Ergon, que suporta a extensa folha de pagamentos do Senado, deve mostrar pela primeira vez quantos são e onde estão os fantasmas da instituição.

Pelo menos. A velha prática de aditar contratos de terceirização automaticamente começa a mudar. Por ordem da primeira-secretaria, serão lançadas nos próximos dias dez licitações para substituir contratos que vão vencer.

Até o fim. Não se verá o DEM aderir ao coro de "fora Sarney", que começa a ecoar. A sigla, que ajudou a eleger o presidente do Senado, segue unida a ele por laços históricos e por consideração a Roseana Sarney, que por muitos anos foi do antigo PFL.

Assim não. O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), defende que se investiguem as mazelas da Casa, mas não concorda com a tentativa de apear Sarney. "Acho que esse negócio de "fora A" ou "fora B" é ruim e não ajuda em nada".

DDD. Sarney telefonou várias vezes, de São Paulo, para saber detalhes do depoimento de Agaciel Maia à comissão de sindicância, semanas atrás.

Jeitoso. Não foi só a necessidade de redistribuir tarefas de Dilma Rousseff que levou Lula a desistir de nomear Erenice Guerra, braço direito da ministra, para o TCU. O governo concluiu que será mais fácil intervir no viés oposicionista do tribunal com um indicado menos identificado com o PT, como José Múcio.

Matemática. Em conversa sobre o desejo de Lula de usar Erenice para promover seus interesses no TCU, um ministro do tribunal disse: "Ótimo. Ela vota com o governo, e nós oito votamos contra".

Tudo pelo... O DEM lançará em Paulo Afonso (BA), no próximo dia 6, sua plataforma para a área social, em que não tem uma tradição de políticas. Sob o nome de Agenda Família, o partido propõe um programa com quatro eixos, para dizer que está dando um passo à frente do legado lulista.

...eleitoral. A agenda é dividida em renda, educação, saúde e capacitação para o trabalho. O discurso será que é preciso investir em vários níveis de "segurança social", superando o assistencialismo das bolsas. Os recursos virão diretamente da prefeitura, sem a intermediação de ONGs.

Rolando Lero. Políticos presentes ao lançamento de cursos de saúde em Sergipe se divertiram com o discurso cheio de rococós do ministro Fernando Haddad (Educação). O ponto alto foi quando ele substituiu conhecimento por "itinerário informativo".

Vira o disco. O surrado "nunca antes neste país", cunhado por Lula e sempre copiado nos palanques em que o presidente está, começa a ser substituído, nos discursos dos aliados, pelo "sem sombra de dúvida", a muleta linguística preferida de Dilma Rousseff.

Pra gringo ver. Secretário-executivo da Secom, Ottoni Fernandes Jr. viaja na próxima semana a Londres para preparar seminário de promoção do Brasil no exterior.


com VERA MAGALHÃES e LETÍCIA SANDER

Tiroteio

"Antes de pensar em fazer uma CPI da Petrobras, o Senado deveria se preocupar em arrumar a própria casa."

Do secretário de Justiça da Bahia, NELSON PELEGRINO (PT), sobre a sucessão de denúncias de irregularidades administrativas envolvendo a Casa, que ainda tenta instalar a CPI para investigar a estatal.

Contraponto

O amor está no ar Um clima romântico cercou a visita de Lula a Aracaju (SE) na última sexta. O Dia dos Namorados ocupou todos os discursos. O governador Marcelo Déda (PT) saudou a mulher, Eliane Aquino, logo depois do presidente:
-Só citei o presidente primeiro porque é o número um na política, mas Eliane é a número um no meu coração.
Depois, o próprio Déda puxou um coro de "beija, beija" para que o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PC do B), beijasse a namorada no palanque, no que foi prontamente atendido. Por fim, foi a vez de Lula discursar:
-Vou voltar para casa logo para não apanhar de pau de macarrão da dona Marisa, por ter viajado no Dia dos Namorados -, encerrou o presidente.

FERNANDO RODRIGUES

Educação e reforma política

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/06/09

BRASÍLIA - "Sem educação generalizada nunca haverá boas eleições; portanto, é preciso atender, o mais possível, a essa importantíssima consideração". O conselho faz parte de uma carta redigida em 25 de março de 1876 por dom Pedro 2º à princesa Isabel, que o substituía à época como regente do Brasil.
Passaram-se 133 anos. O diagnóstico hoje não é muito diferente, mas pode ser lido de maneira mais científica num livro recém-lançado, "The Comparative Study of Electoral Systems" (O estudo comparativo de sistemas eleitorais), editado por Hans-Dieter Klingemann para a Oxford University Press. Só está disponível em inglês (US$ 87,62, frete incluso, na Amazon).
O estudo investiga as vantagens e os defeitos dos sistemas eleitorais em vários países. Muitos partidos, voto distrital, voto em lista, modelos híbridos (distrital e em lista). Nenhum é descartado.
Há um capítulo sobre a capacidade de os eleitores reconhecerem com precisão os candidatos a cargos públicos. O título vai direto ao ponto: "Sistemas eleitorais são importantes, mas não muito". Depois de entrevistar cerca de 30 mil pessoas em 18 países, o resultado é que fatores como"conhecimento geral sobre política" e "educação" são mais relevantes do que o sistema eleitoral adotado no país.
O conceito de que voto distrital aproxima mais o eleitor do eleito não aparece com clareza nas pesquisas. Aliás, nesses modelos os cidadãos também não consideram que os políticos estejam em sintonia com a opinião pública. "Nós estamos simplesmente forçados a concluir que há pequena diferença entre sistemas nos quais se elege apenas um ou vários representantes por distrito", relata o estudo.
Ao longo das simulações, o fator educação do eleitor é sempre vital para obter uma democracia mais aperfeiçoada. O mesmo conselho de dom Pedro 2º, há 133 anos.

UM PUTEIRO CHAMADO BAR ZIL


SEGUNDA NOS JORNAIS


O Estado de S.Paulo
Com R$ 300 bi, obras puxam a economia

Jornal do Brasil
Para Crea, encostas estão sem fiscalização

O Globo
TCU: 47% dos convênios não fiscalizados da União têm falhas

Valor Econômico
"Insiders" aumentam e entram na mira da CVM

Correio Braziliense
6.130 vagas em 16 concursos

Estado de Minas
Mineiros já investem em formação de olho na Copa