sexta-feira, agosto 27, 2021

A reação dos adultos - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 27/08

As palavras do comandante do Exército soam como a antítese do governo de Jair Bolsonaro. O alerta brota espontâneo. O País precisa urgentemente dos adultos


Jair Bolsonaro continua tratando irresponsavelmente o País. Num cenário de indicadores sociais e econômicos difíceis, o presidente da República reforça tensões, cria atritos e ameaça outros Poderes. Nota-se a sanha, completamente irrazoável, de inviabilizar qualquer possibilidade de tranquilidade e estabilidade.

O quadro é desafiador. Deve-se reconhecer, no entanto, a atuação responsável de autoridades civis e militares, em contraste com o bolsonarismo. O comportamento de Bolsonaro continua sendo grave, mas essa reação madura – recordando limites e preservando o funcionamento das instituições – evita muitos danos. Apesar do bolsonarismo, há adultos na sala.

Na quarta-feira passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou o pedido de Jair Bolsonaro para abrir processo de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Como presidente do Senado, determinei a rejeição da denúncia por falta de justa causa e por falta de tipicidade”, disse Rodrigo Pacheco.

A rápida resposta do presidente do Senado deu a exata dimensão da peça acusatória. Sem nenhum fundamento jurídico, o pedido de impeachment era tão somente expressão da birra do presidente Jair Bolsonaro contra decisões judiciais que desagradaram ao Palácio do Planalto.

“Quero crer que essa decisão (de rejeitar o pedido) possa constituir um marco de restabelecimento das relações entre os Poderes, pacificação e união nacional”, afirmou o presidente do Senado. No entanto, já no dia seguinte, Jair Bolsonaro mostrou que não se deve nutrir a expectativa de mudança de seu comportamento.

Criticou o presidente do Senado e reclamou que o pedido de impeachment não tenha sido recebido como uma ordem judicial. “Quando chegou uma ordem do ministro Barroso para abrir a CPI da Covid, ele (Rodrigo Pacheco) mandou abrir, e ponto final. Ele agiu de maneira diferente de como agiu no passado”, disse Bolsonaro à Rádio Jornal Pernambuco, em entrevista na qual também criticou o ministro Alexandre de Moraes.

Também na quarta-feira passada, o ministro Edson Fachin arquivou quatro ações propostas por Jair Bolsonaro e pelo Diretório Nacional do PTB, questionando o artigo do Regimento Interno do STF que autoriza o tribunal a abrir, em determinados casos, investigações próprias. Foi com base nesse dispositivo que o Supremo abriu o inquérito relativo às fake news e ameaças contra a Corte e seus ministros.

Na decisão, Edson Fachin lembrou que o plenário do STF já se manifestou no ano passado pela validade do dispositivo, precisamente ao analisar a instauração do inquérito das fake news. É constrangedor constatar como o Palácio do Planalto, em vez de colaborar com as investigações do Supremo sobre indícios e suspeitas de crimes, limita-se a questionar, sem nenhuma base jurídica, a existência dos inquéritos.

O bolsonarismo imita, assim, a tática do lulopetismo. Não dá explicação sobre as condutas suspeitas de crimes. A resposta à Justiça e à população é apenas uma, por sinal muito pouco convincente: Jair Bolsonaro e Lula da Silva seriam vítimas de perseguição do Judiciário. Agiu bem, portanto, o ministro Edson Fachin ao arquivar tais manobras judiciais.

Outro exemplo de maturidade e responsabilidade pôde ser visto na cerimônia de homenagem ao Dia do Soldado. Num momento em que o bolsonarismo se vale do bom nome das Forças Armadas para instigar confusão e convocar apoiadores para invadir o Supremo e o Congresso no 7 de Setembro, o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, deu um recado cristalino, assegurando que as Forças Armadas estão “sempre prontas a cumprir a missão delegada pelos brasileiros na Carta Magna”. Não há margem para golpe.

O comandante do Exército reafirmou ainda o compromisso das Forças Armadas com os “anseios de tranquilidade, estabilidade e desenvolvimento”. Próprias da maturidade, essas três palavras soam como a antítese do governo de Jair Bolsonaro. O alerta brota, então, espontâneo. O País precisa urgentemente dos adultos.

quinta-feira, agosto 26, 2021

Paulo Guedes entra em choque com planos de Bolsonaro ao desdenhar de inflação - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP 26/08

Ministro fala dos custos de vida da população como se fossem detalhes desprezíveis



Paulo Guedes tem um plano para enfrentar as incertezas que levantaram a ameaça de um apagão e fizeram disparar a conta de luz. As tarifas já pressionam o orçamento da população mais pobre, mas o ministro avisou que o preço vai subir ainda mais. "Temos de enfrentar a crise de frente", resumiu. "Não adianta ficar sentado chorando."

O chefe da equipe econômica fala dos custos de vida da população como se fossem detalhes desprezíveis. Guedes já afirmou que a alta do preço do arroz era só um efeito da melhora na vida dos brasileiros de baixa renda. Na semana passada, ele disse que uma inflação de 8% neste ano não seria nenhum descontrole e que o país estava "dentro do jogo".

A demofobia do ministro é um elemento tradicional da política econômica do governo Jair Bolsonaro. Guedes fez pouco caso de empregadas domésticas que aproveitaram o dólar baixo para viajar ao exterior e dos porteiros que mandaram filhos para a universidade com financiamento público. Agora, ele diz que é preciso engolir o choro e pagar as contas.

No meio da semana, Guedes afirmou que não era preciso ter medo de encarar a crise. "Qual é o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara?", indagou, insinuando que o cenário era inflado por uma antecipação do ambiente eleitoral. Ele poderia refazer a pergunta às famílias pobres que já enfrentam uma inflação acumulada de mais de 10%, puxada pelo custo da energia.

O desdém do ministro entra em choque com as aflições políticas de Bolsonaro. O presidente já identificou a inflação como um dos maiores riscos à sua campanha pela reeleição. Guedes pode fingir que o problema não existe, mas a bomba vai explodir no colo de seu chefe.

O ministro deve mesmo achar que a inflação de 8% não é o fim do mundo e que o aumento da conta de luz é razoável, mas ignorar essas pressões atrapalha os planos eleitorais de Bolsonaro. Se o presidente realizar o sonho de dar um golpe para continuar no poder, Guedes não precisará mais se preocupar com o povo.


O Sete de Setembro de Bolsonaro - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 26/08

Um apanhado parcial do que ele terá a comemorar, capaz de lhe render 300 anos de cadeia


O Brasil de Jair Bolsonaro terá muito a comemorar a sete de setembro: pobreza, corrupção, violência, crime organizado, tráfico de drogas, racismo, homofobia, feminicídios, massacres de indígenas, ocupação de terras demarcadas, desmatamento, queimadas, destruição da natureza, desprezo pelo patrimônio histórico, políticos repulsivos, pastores evangélicos idem e uma certeza geral de impunidade. Sim, são males seculares, endógenos, do Brasil. Apenas, ultimamente, pioraram muito.

Mas há outros intransferíveis, exclusivos do governo Bolsonaro: negacionismo, 600 mil mortes pela pandemia, absoluta falta de compaixão, estímulo ao contágio, sabotagem das medidas de prevenção, venda criminosa de remédios inócuos, falta de programa para o controle da doença e, ao contrário, campanha nacional contra a vacina e a máscara —seguida da descoberta de que a compra de vacinas poderia, quem diria, enriquecer aliados, empresários, políticos, atravessadores e coronéis. Isso só no quesito saúde.

Bolsonaro nos brindou com ainda mais contribuições: prostituição das Forças Armadas, anarquia da PM, aparelhamento da Justiça, desconfiança no processo eleitoral, afrontas ao STF, indústria de fake news com dinheiro público, milícias digitais, súbito prestígio de boçais profissionais (à paisana ou fardados, com ou sem chapéu de caubói), dissolução da cultura, estrangulamento da educação (com a grave possibilidade do fechamento de colégios e universidades), aviltamento do Itamaraty e desmoralização internacional do Brasil.

Em consequência do abandono completo da administração, temos colapso de investimentos, alta do dólar, inflação sem controle, disparada dos juros, crise hídrica como se não existisse e benesses bilionárias ao centrão. Isso é que é trair seus eleitores, não?

Claro que, para se safar de, com sorte, 300 anos de cadeia, só resta a Bolsonaro —e a seus filhos calculistas e perigosos— o golpe.

Crise se agrava no setor elétrico - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 26/08


A crise no setor de energia se agravou nos últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do presidente Bolsonaro.

Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.

O nível de água dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste está em 22,7%, o menor patamar para agosto dos últimos 20 anos, superando inclusive 2001. Essas duas regiões representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema. A situação é crítica. Circula a informação no setor de que o presidente Bolsonaro vetou um pronunciamento que seria feito pelo ministro Albuquerque em rede nacional na última segunda-feira. Bolsonaro não quer notícia ruim às vésperas das manifestações do 7 de Setembro. Trocou-se isso por uma coletiva transmitida pelo canal oficial do ministério nas redes sociais.

As grandes indústrias dizem que é cedo para avaliar a eficácia do programa de racionamento voluntário. O consumidor cativo pagará os custos da medida sob a forma de Encargo de Serviços do Sistema. Esse é o mesmo encargo que contabiliza os gastos com as termelétricas, que continuarão operando em carga máxima. Ou seja, um custo irá se somar ao outro. As indústrias temem que o voluntário vire compulsório.

— Como o governo é pouco confiável, se você entrar nisso ele pode te obrigar depois. É o risco de o governo forçar a mão caso a situação se agrave. Ainda não houve uma postura de real conversa com a sociedade, com abertura dos dados para todos os agentes sobre esta crise. Como confiar? — diz o representante de um setor industrial.

O ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn, especialista em setor elétrico, afirma que o risco de faltar energia em horários de pico no final do ano tem aumentado. No passado, houve governantes que contaram com a sorte e a chuva os salvou, mas não se deve apostar nisso.

— Bolsonaro precisa entender que há um risco de 30% de faltar energia. É um percentual muito alto. Ele está apostando nos 70%. O Lula fez isso em 2008 e deu certo. A Dilma fez isso em 2014 e empurrou a crise para 2015. Mas é papel do governo pensar no pior cenário. Se ele acontecer, será dramático para a economia — afirmou.

O consultor Luiz Augusto Barroso, da PSR, diz que o cenário piorou muito em relação às suas análises anteriores e as previsões de chuvas para o mês de setembro não estão boas. Com o baixo nível de água, o sistema elétrico já está operando no limite, o que aumenta o risco de falhas nos sistemas de geração e transmissão. Ele acha que algumas medidas do governo têm dado certo, como a flexibilização dos limites de armazenamento e vazão de água das hidrelétricas e o aumento de importação de energia de países vizinhos. Sobre o programa de redução de consumo das residências, diz que é fundamental, mas ainda faltam detalhes.

— Disseram que o dinheiro não virá do Tesouro, mas da tarifa. Ainda está pouco claro sobre como isso vai funcionar — afirmou.

Itaipu está hoje gerando 39% da sua capacidade. Se não fosse a energia dos ventos e do sol, que não havia na crise de 2001, o Brasil já poderia estar em colapso. A eólica em agosto gerou 166% mais energia do que Itaipu no Brasil, e o sol chegou a 10 GW de potência instalada.

A crise hídrica impacta a economia dramaticamente e já está afetando as famílias pela inflação da energia. O governo ao atuar do lado da oferta — e só agora ter medidas para conter a demanda — está contratando aumentos futuros e elevando os riscos do país.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)

Ninguém teme Bolsonaro - WILLIAM WAACK

ESTADÃO 26/08

O medo é da tragédia que o presidente parece empenhado em provocar


De tanto se atormentar com fantasmas, Jair Bolsonaro está conseguindo que eles se tornem realidade. Cristaliza-se em círculos do Judiciário, Congresso e também entre oficiais-generais a ideia de que o arruaceiro institucional precisaria no mínimo ser declarado inelegível. E o caminho seria através dos tribunais superiores.

Esse perigo (não poder disputar as eleições) para Bolsonaro é real, mas não imediato. A “conspiração” não passa, por enquanto, de um desejo amplamente compartilhado nas instâncias mencionadas acima. Generalizou-se nesses círculos de elite política, judicial e militar a convicção de que Bolsonaro provocou um impasse institucional para o qual não há saída aparente, e ele nem parece interessado em buscá-la.

A “conspiração” carece, contudo, de coordenação central e efetiva articulação. Setores do Congresso, do STF e das Forças Armadas estão conversando informalmente, e já se falou no Alto Comando do Exército em atribuir ao comandante dessa arma a missão de “pôr uma coleira” em Bolsonaro. Dois personagens políticos de peso nessa paisagem – os caciques do Centrão Arthur Lira e Ciro Nogueira – têm dito a jornalistas que desistiram disso.

Quem conversa quase que diariamente com o presidente o descreve como possuído de um quadro mental para lá de preocupante. Bolsonaro está totalmente convencido de que a “conspiração” contra seu mandato começou já no primeiro dia do governo, e é conduzida por uma difusa e ao mesmo tempo bem entrincheirada coligação de corruptos no Congresso, corporativistas na administração pública, empresários que perderam dinheiro, esquerdistas treinados em Cuba, governadores gananciosos e todos unidos em torno de alguns ministros do STF.

Dois aspectos tornam o absurdistão que é a cabeça de Bolsonaro num problema real, pois ele age a partir dessa percepção de mundo. O primeiro é a “legitimação jurídica” que ele julga ter encontrado para ir ao que chama de contragolpe contra os usurpadores do poder do presidente. A interpretação que adotou do artigo 142 da Constituição é espúria, mas lhe confere um ar de certeza no campo do Direito para, eventualmente, chamar forças militares a intervir – no mínimo para garantir lei e ordem num cenário conturbado que Bolsonaro se empenha em piorar.

O segundo aspecto que faz do desequilíbrio presidencial um perigo real é a crença de que disporia de instrumentos de poder tais como irresistível quantidade de “povo nas ruas”, “adesão de setores das Forças Armadas” além de PMs amotinados, insubordinados e levados às ruas por lideranças corporativistas. Em outras palavras, ele acha que estaria em posição de superioridade em se tratando da relação das forças treinadas para exercer violência – um cenário implícito nas posturas do presidente.

O problema para Bolsonaro é que tanto no plano político-jurídico como no plano das “forças das ruas” ele está isolado. É completamente refém de um conjunto fisiológico de caciques políticos cínicos que o espremem deixando aberta a possibilidade de decidir quando jogam fora o bagaço. O cerco judicial ao presidente, no STF e no TSE, é um fator que tornou inclusive irrelevante se o PGR estaria (não está) disposto a denunciá-lo.

Sem ter criado uma organização política capilarizada e sem ter a adesão das cadeias de comando das Forças Armadas, Bolsonaro acha que manda, mas não comanda nada a não ser fanáticos imbecilizados em redes sociais que não sabem até agora muito bem onde está o “Palácio de Inverno” a ser tomado e ocupado. Eles são contra um monte de coisas, mas ainda aguardam uma ordem específica do “mito” sobre em qual direção marchar e qual inimigo precisam aniquilar.

Em outras palavras, Bolsonaro não dispõe de sólidos argumentos jurídicos, de amplas forças políticas, de nutridos contingentes militares, do domínio das ruas, da adesão das principais elites econômicas e é rejeitado pela maioria dos eleitores, pela quase unanimidade do mundo intelectual e cultural e visto como um estorvo passageiro pelas grandes potências. Ninguém tem medo dele como dirigente político.

O que se teme é a tragédia que ele parece empenhado em provocar.

JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN

quarta-feira, agosto 25, 2021

Uma crise insolúvel - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADÃO - 25/08

O Brasil tem pela frente longos 16 meses até que termine o mandato do pior presidente que já governou a Nação. Nada indica que os graves problemas que afligem o País serão tratados


É tal a gravidade da crise política e institucional que ora paralisa o País que cinco ex-presidentes da República – José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer – acionaram seus canais de interlocução com as Forças Armadas, particularmente com generais do Exército, da ativa e da reserva, para aferir o ânimo das tropas para embarcar em uma eventual intentona do presidente Jair Bolsonaro. A informação foi revelada pelo Estado no fim de semana.

Premido pela queda consistente de sua popularidade e por reveses no âmbito dos Poderes Legislativo (derrota da PEC do Voto Impresso) e Judiciário (inquéritos administrativos e penais no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, contra si e alguns apoiadores), Bolsonaro tem dado sinais de que partirá para o “tudo ou nada” – vale dizer, o descumprimento das leis e da Constituição, quiçá de ordens judiciais – como forma de se aferrar ao poder e, assim, tentar escapar das consequências políticas e penais de seus desatinos.

Para o bem da Nação, as respostas que os cinco ex-presidentes obtiveram, ainda que com pequenas variações, afluíram na direção do respeito à Constituição pelas Forças Armadas. Os emissários dos ex-presidentes ouviram dos generais consultados que as eleições de 2022 não só vão ocorrer normalmente, como o Congresso ouvirá, na data da posse, o compromisso do presidente eleito, seja ele quem for, exatamente como determina a Lei Maior. Ou seja, as bravatas de Bolsonaro, incluindo o alardeado apoio que ele julga ter do alto oficialato para suas investidas contra as instituições republicanas, mais revelam fraqueza e isolamento do que força.

A firmeza dos generais consultados em relação a seus compromissos constitucionais, no entanto, é apenas uma boa notícia em um quadro geral muito preocupante. São tempos muito estranhos estes em que uma manifestação de respeito de generais do Exército à Constituição traz certo alívio para os cidadãos que prezam pela liberdade. A rigor, a própria consulta que cinco ex-presidentes da República fizeram aos generais revela, por si só, que Bolsonaro já golpeou a democracia ao agredir diuturnamente, com atos e palavras, os pilares do Estado Democrático de Direito.

A saída para esta grave crise que rouba o presente e compromete o futuro do País teria de passar, necessariamente, por uma civilizada concertação de interesses entre os chefes de Poderes, todos imbuídos pelo que o ex-ministro Marco Aurélio chamou de “amor institucional”. Da parte do Poder Legislativo e do Poder Judiciário já houve este aceno à harmonia e à civilidade, ainda que preservadas eventuais discordâncias. Do Poder Executivo, no entanto, as tentativas de pacificação se revelaram ardis para que Bolsonaro apenas ganhasse tempo até sua próxima investida contra a República. Ao trair a confiança de seus interlocutores nos outros dois Poderes, o presidente trai a confiança da Nação.

Jair Bolsonaro é irremediável. Se ainda havia alguma dúvida sobre sua aversão à política em seu sentido mais estrito – a acomodação de interesses por meio do diálogo –, esta dúvida foi dissipada em caráter definitivo pelo pedido de impeachment que o presidente apresentou ao Senado contra o ministro Alexandre de Moraes, sem qualquer fundamento a não ser a clara disposição de lançar seus apoiadores mais fanáticos contra a Suprema Corte e contra o Senado, que, evidentemente, não dará andamento ao pedido.

O País ainda tem pela frente longos 16 meses até que termine o mandato de Bolsonaro. Nada indica que os graves problemas que afligem o País serão tratados neste período. As investidas golpistas do presidente travarão o andamento de projetos importantes no Congresso, como as reformas estruturais. A capacidade de Bolsonaro para “fabricar artificialmente crises institucionais infrutíferas”, como bem avaliou o decano do Supremo, ministro Gilmar Mendes, é inesgotável. E isto manterá o Brasil refém do temperamento vesânico do pior presidente que já governou a Nação.

O fracasso Bolsonaro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/08

Malogro do governo, que desencadeou gritaria golpista, deve-se só ao presidente


Decorridos dois terços do governo Jair Bolsonaro, o saldo é um fracasso inegável e, tudo indica, irreversível. Não se vê em Brasília pensamento, liderança ou mera disposição para levar adiante uma agenda que permita ao país chegar ao final de 2022 em condições melhores que as herdadas pelo mandatário.

O principal feito do período, a reforma da Previdência, deveu-se muito mais à iniciativa do Congresso e aos estudos e negociações de anos anteriores. Seus primeiros efeitos benéficos para as finanças públicas e a economia, de todo modo, foram solapados pelo impacto dos gastos com a Covid-19.

A atividade —indústria, serviços, consumo, investimento— mal se recupera da derrocada pandêmica e, pelas projeções mais consensuais, retomará o padrão anterior de quase estagnação. Desemprego e pobreza voltaram a se elevar.

Se a área econômica preserva o que resta de racionalidade na administração, sua credibilidade desabou. Promessas de privatização e reformas ficaram pelo caminho; a inflação subiu a níveis inquietantes; encaminha-se a irresponsabilidade orçamentária no ano eleitoral.

A calamidade sanitária seria um atenuante —se não fosse a demonstração maior da incompetência e do descaso desumano de Bolsonaro. Toda a parolagem do presidente e de seus seguidores fanáticos não encobrirá o fato de que o Brasil amarga a maior taxa de mortes por milhão de habitantes entre os países do G20.

Uma coletânea de indicadores publicada pela Folha mostra que retrocessos predominam nas diversas áreas do governo, notadamente Educação, Saúde e Meio Ambiente. É evidente que nem todas as pioras derivam apenas de medidas tomadas a partir de 2019, mas o peso da gestão ruinosa dessas pastas prioritárias é indelével.

Não houve nova política, muito menos combate à corrupção. O centrão ganhou protagonismo inédito, a Procuradoria-Geral perdeu em autonomia e a Polícia Federal teve dirigentes trocados ao sabor das preocupações do Planalto com aliados e familiares.

Bolsonaro nem mesmo consegue fazer avançar —felizmente— sua pauta ideológica, salvo por alguns decretos de legalidade questionada em favor do acesso a armas de fogo. Não consegue porque se trata de propostas de escasso apelo na sociedade e, mais ainda, porque o presidente se mostra uma negação nas tarefas essenciais de dialogar, convencer e negociar.

O malogro de seu governo se deve ao despreparo e à indolência, não a sabotagens e conspirações imaginárias. A perspectiva de derrota nas urnas, que desencadeou toda a atual gritaria golpista, decorre tão somente da constatação do óbvio pelo eleitorado.

Empresários do 7 de Setembro golpista e ricos coniventes arruínam economia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 25/08

Movimentos empresariais ajudam a destruir economia pelo menos desde 2015


O caminhonaço de 2018 parou o país por quase dez dias, acabou com a expectativa de que a economia crescesse 2% naquele ano e colocou o governo de Michel Temer de joelhos, dada a ameaça de colapso do abastecimento.

A baderna rendeu um tabelamento de preços (dos fretes) e subsídios de bilhões para caminhoneiros autônomos, transportadoras e clientes do transporte rodoviário, como o agronegócio (tudo muito liberal, né?). O Congresso anistiou os crimes dos baderneiros. O paradão inclinou ainda mais a ladeira que o Brasil desce desde 2013, pelo menos.

Jair Bolsonaro apoiou o caminhonaço, claro, ao lado de empresários e associações empresariais, como a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) e a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL).

A polícia investiga o atual presidente da Aprosoja, o bolsonarista Antonio Galvan, suspeito de organizar manifestações golpistas no 7 de Setembro (em 2018, era presidente da Aprosoja-MT, entusiasta do caminhonaço). Blairo Maggi e a associação dizem que não apoiam Galvan, que ainda comanda a Aprosoja, no entanto.

Grandes empresas e seus empresários, vários do varejo, do setor imobiliário e da finança, são bolsonaristas militantes ou colaboracionistas. Quase todo o resto foi omisso ou conivente. No fim das contas, esperavam acabar com o PT, passar a boiada de algumas “reformas” (trabalhista e previdenciária) e barrar aumento de impostos, ainda que para o ajuste fiscal, o que ficara evidente desde 2015, com o Movimento do Pato Amarelo, da Fiesp. A maioria se opõe a “reformas” que aumentam concorrência e eficiência (equalização de impostos, abertura comercial, fim de subsídios etc.).

Era evidente que mesmo esse programa mínimo cínico daria com os burros n’água, ainda mais com o burro perverso no Planalto, que levou para o governo, na economia inclusive, o mundo cão, o porão militar e incompetentes e obscurantistas em geral.

A destruição ambiental, os talibãs na educação, o morticínio na epidemia, o isolamento internacional, nada disso levou o grosso do que se chama de “empresariado” a fazer um mea culpa. Mesmo que não se importem de fato com esses assuntos, sabe-se que esse programa destrutivo cedo ou tarde prejudica os negócios, com ou sem “reformas”. Quando Bolsonaro repetiu a ameaça explícita de melar a eleição de 2022, mandaram um telegrama tardio para o país.

Em suma, de um modo ou de outro, o grosso do “empresariado” apoia ou apoiou a ruína econômica.

O empresariado “reformista” não se moveu também quando Bolsonaro ajudou a acabar com a Lava Jato, tocando Sergio Moro para fora e nomeando Augusto Aras para a PGR —o liberal-lavajatismo fora uma das correntes que levaram Bolsonaro ao poder. O sistema político, o centrão-bolsonarismo em particular, fez o resto do serviço de dar cabo de investigações contra corrupções e arrumou mais dinheiros para se manter no poder. Conseguiu passar pela revolta de 2013, pela Lava Jato e está no comando do governo mais reacionário e imbecil da nossa história quase sempre lamentável. Venceram.

Como é fácil perceber, o “empresariado reformista” e o sistema político dominado pelo centrão fizeram um grande arranjo de manutenção do establishment, com sucesso, mas sem perspectiva alguma de progresso, em um país agora mais selvagem, cafajeste, cínico, queimado, pobre, pária, ignorante, doente, miliciano e tutelado por generais semiletrados.

Ainda vai ser preciso estudar muito para entender a Grande Involução brasileira, que dirá para imaginar uma saída para este desastre.​

terça-feira, agosto 24, 2021

Bolsonarismo e Talibã são expressões do fenômeno do nacionalismo religioso - GUILHERME CASARÕES

FOLHA DE SP - 24/08

Movimentos no Brasil e no Afeganistão são bastante diferentes, mas projeto de nação indissociável da fé em Deus os conecta

Guilherme Casarões
Cientista político e professor da FGV-EAESP


Começou a temporada pré-eleitoral de comparações descabidas do Brasil com outros lugares do mundo. Em 2018, o voto em Fernando Haddad nos transformaria na Venezuela.

Agora, surfando a onda da trágica retomada do Afeganistão pelo Talibã, as redes bolsonaristas foram inundadas de comparações entre o Partido dos Trabalhadores e o grupo fundamentalista afegão —“se Lula for eleito, ele desarmará o povo, como estão fazendo lá!”, dizia a mensagem difundida, entre outros, pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O mais irônico desses paralelismos é como envelhecem mal. Nos últimos dois anos, a deterioração política do Brasil —comandada por um populista e amparada pelas forças de segurança— é o que mais nos aproxima da Venezuela. Nessa mesma linha, é possível dizer que, se há alguma comparação possível entre Brasil e Afeganistão, ela passa pelo bolsonarismo.


A essa altura, está claro que Bolsonaro lidera um movimento reacionário, marcado por desrespeito às instituições democráticas, sectarismo religioso e violência política. Em muitos sentidos, um Talibã tropical. Obviamente, não são fenômenos comparáveis em termos de beligerância, organização e modus operandi, até porque se orientam por parâmetros civilizatórios e históricos muito distintos.

Mas há algo que os conecta em sua essência: um projeto de nação indissociável da fé em Deus.

Guardadas as proporções, bolsonarismo e Talibã são expressões do fenômeno do nacionalismo religioso. Estamos falando de uma visão de sociedade que condiciona o pertencimento nacional não a critérios legais de cidadania, mas à filiação religiosa.

Trata-se de um fenômeno global que ganhou força no pós-Guerra Fria, especialmente em regiões periféricas do mundo, onde a disputa entre capitalismo e comunismo foi sendo suplantada por expressões religiosas de afirmação nacional.

Nos últimos anos, a ideia de organização política em torno do eixo religioso-civilizacional expandiu-se para além dos grotões. A crise dos valores liberais do secularismo e do multiculturalismo criou condições para a ascensão da extrema direita, muitas vezes atrelada a uma cosmovisão fundamentalista religiosa.

Governos de países tão distintos como Estados Unidos, Hungria, Índia e Polônia passaram a defender a necessidade da regeneração espiritual de suas sociedades, tornando a religião o principal elemento de unidade nacional, em prejuízo a valores como diversidade, pluralismo ou tolerância.

O risco evidente desse nacionalismo antiliberal —seja de corte étnico, racial ou religioso— é a linha tênue entre a solidariedade e o supremacismo. Ninguém pode negar a importância dos laços de fé ou de sangue como fundamento da vida comunitária.

Ao mesmo tempo, tomar uma religião como moralmente superior às demais, a ponto de pregar a assimilação forçada, a segregação social ou até mesmo a eliminação literal de quem não pertence ao grupo, está na raiz de incontáveis conflitos nos últimos séculos.

A tragédia afegã é reflexo da radicalização desse nacionalismo religioso. Politicamente fragmentado em grupos etnolinguísticos e estruturas tribais, o Afeganistão foi capaz de resistir às invasões externas —primeiro britânicos, depois soviéticos, agora americanos— usando a religião como cimento social.

Desse processo longevo nasce um tipo de fundamentalismo islâmico brutal, que sacrifica direitos e liberdades em nome da afirmação soberana. Aos olhos do Talibã, a derradeira prova de lealdade à nação afegã é a demonstração de fé, nos seus termos mais radicais.

A rigor, o bolsonarismo não nasceu como movimento exclusivamente religioso, aglutinando diversos grupos antipetistas, de saudosos da ditadura a apoiadores da Lava Jato, de armamentistas a liberais, de ruralistas a cristãos de várias igrejas.

Aos poucos, contudo, os contornos religiosos foram dando o tom da atuação política de Bolsonaro, desde as coisas mais prosaicas, como cultos escondidos no Planalto e referências bíblicas em discursos oficiais, à indicação de ministros por rateio denominacional.

São abundantes as evidências de que ao menos parte do bolsonarismo é adepta a uma visão radical de nacionalismo cristão. Para além do que diz o próprio presidente, há declarações de ministros e aliados buscando condicionar políticas públicas a preceitos religiosos, além de apoiadores que enxergam o mandato de Bolsonaro como parte de uma guerra santa contra inimigos genéricos como o comunismo, o globalismo e o marxismo cultural.

Expressão escancarada desse projeto nacionalista religioso é o programa do partido criado por Bolsonaro (e nunca oficializado), a Aliança pelo Brasil, onde se lê o seguinte: “a relação entre esta Nação e Cristo é intrínseca, fundante e inseparável”.

É a materialização de um discurso do próprio presidente, ainda em 2017, em que bradou ser o Brasil um país cristão e que as minorias “deveriam se curvar” às maiorias —ou desaparecer. A evangelização forçosa de indígenas e a destruição de terreiros de religiões afro-brasileiras é indício de que esse plano, ainda que lentamente, já se encontra em marcha.

Não, caros leitores, o Brasil não se tornará um Afeganistão. Bolsonaro sequer é o pio cristão imaginado por seus idólatras. Por mais problemática que seja nossa democracia, penso que ela ainda é capaz de nos resguardar de qualquer movimento que queira fazer do Brasil um país de uma só fé.

Mas é necessário zelarmos pelos valores e mecanismos democráticos que sustentam nossa sociedade. Destrui-los é o primeiro passo para que o radicalismo sectário impere no futuro, num caminho possivelmente irreversível.

segunda-feira, agosto 23, 2021

Adulto em sofrimento terminal deveria, sim, ter o direito de morrer - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 23/08

Negar às pessoas nos usos de suas faculdades mentais essa possibilidade é um abuso em nome de um bem que já não existe


Eu acho que uma pessoa adulta nos usos das suas faculdades mentais e numa situação de sofrimento terminal deveria, sim, ter o direito de morrer. Negar às pessoas essa possibilidade é um abuso em nome de um bem que já não existe, a saber, a vida como horizonte.

Sei que o tema é delicado. Alguns podem interpretá-lo como uma defesa do suicídio como direito. Aqueles que assim o fizerem, que o façam. Não podemos nos defender de toda forma de interpretação, coisa que nos dias atuais muita gente parece se esquecer. Pensar publicamente não é uma atividade feita para agradar —inclusive aos patrocinadores, que, aliás, desejo que se danem no seu poder de limitar o uso da palavra pública.

Aborto é outro tema espinhoso. Já tive muitas opiniões sobre ele. Hoje as tenho em muito menor quantidade e qualidade.

Sei que existem pessoas que não comem carne nem usam proteína animal de qualquer tipo, mas que são a favor do aborto. Para muitos haveria uma contradição nessa atitude. Ou hipocrisia. Eu suspeito que, no caso de não comer carne, a pessoa acredita que isso será saudável para ela.

Já no caso do aborto, está em jogo a liberdade de ela transar e, se algo no processo der errado, por assim dizer, poder resolver o problema com o menor sofrimento físico possível, apesar de essa solução nunca ser de forma fácil do ponto de vista moral.

Óbvio que existe a dimensão da saúde pública. Óbvio também que em uma etapa lógica anterior, se pressupõe a ideia de que o feto não é um ser humano ainda. Penso que, em meio a um mundo em que a desumanização corre solta, a dificuldade em desumanizar o feto parece uma afetação de virgens no bordel.

Mas voltando ao que me interessa hoje, o tema da escolha pela morte assistida e legítima me parece significativo. Antes de tudo porque a população envelhece a olhos nus, e muita gente faria uso de uma saída de cena com classe se lhes fosse dada essa opção. Aliás, o filme “A Despedida”, de 2019, com Susan Sarandon e Kate Winslet, é excelente sobre o tema.

Cenas do filme 'A Despedida', de Roger Michell


Alguns poderão considerar essa afirmação um absurdo moral. Alguém escolher essa opção não implica que você seja obrigado a escolhê-la. Talvez, um dia, vivendo uma situação semelhante, você venha a entender a opção do outro.

Óbvio que há sofrimento. Mas é justamente em nome dele que se deve dar às pessoas o direito de morrer quando elas querem e quando a vida já não aparece como um horizonte fisiológico viável. Obrigar a uma pessoa no uso da sua inteligência a existir num corpo que já não mais é seu me parece uma violência moral muito maior.

Se há hipocrisia no vegetariano a favor do aborto —o que não me parece totalmente evidente—, aqui há com certeza. Se quero manter a pessoa viva porque eu a amo, mesmo que ela sinta que o melhor é repousar na pedra, o meu amor, sim, é de alguma forma impróprio.

A ideia de que a vida pertence a Deus me parece irrelevante. Se não acredito em Deus, entendo que a vida pertence apenas a mim, mas se sou terminal, ela já pertence à pedra.

Mas, mesmo que eu seja um crente, posso sê-lo de forma ousada e desafiar a afirmação religiosa institucional de que só Deus pode tirar a vida.

Posso escolher encará-lo, inclusive para perguntá-lo, afinal de contas, por que sou obrigado a ficar em agonia se poderia já descansar.

Detalhes jurídicos são o menor aqui. Em termos de lei, tudo pode, uma vez decidido que pode. Quanto ao fato de que médicos só podem salvar vidas, também é algo que se pode ajustar. E nem me falem sobre a possibilidade de uma descoberta milagrosa de cura: a ciência, nesse caso, está a favor de quem se sabe terminal. Não existem milagres na ciência.

O centro do problema é a possibilidade de se decidir que basta. Esse passo não significa o aniquilamento
da agonia moral. Significa a escolha de uma certa agonia moral em detrimento de outra, sendo a diferença capital a que quem quer sair de cena —que é quem deve decidir a qualidade da agonia moral que pretende enfrentar.

À medida que a humanidade envelhece, há que nos prepararmos para um mundo em que pessoas desistam dele.

Pandemia de ransomware está só no início - RONALDO LEMOS

FOLHA DE SP - 23/08

Ataques se sofisticam, e até funcionários das empresas são cooptados


Na semana passada, a rede de lojas Renner foi a mais nova vítima de um ataque de ransomware.

“Ransom” significa sequestro. E é exatamente isso que acontece. A vítima tem dados e sistemas sequestrados pelo atacante, que exige o pagamento de resgate em criptomoedas para restabelecer a normalidade. No caso da Renner, o pagamento inicial exigido foi de US$ 1 bilhão.

O impacto desse tipo de ataque é devastador. Até sexta (20) à noite, o site da Renner estava fora do ar com a frase “estamos com uma indisponibilidade sistêmica e nosso time está trabalhando para normalizar o acesso”. Em geral os ataques também paralisam operações essenciais do negócio, como contas a pagar e receber. Por isso os criminosos tendem a pedir valores gigantescos para devolver os dados.
Serviços da Renner ficam fora do ar após ataque hacker - Renner

Pagar o resgate não é uma boa opção. Como advogado, sempre lembro que o pagamento do resgate pode constituir crime de fraude processual. Mais do que isso, nada garante que os criminosos irão restabelecer os sistemas.

A exceção a essa recomendação é quando há vidas humanas em risco, nesses casos pagar o resgate pode ser justificável. No entanto, a situação da vítima é sempre sofrível. Ninguém merece a sensação de incredulidade, pânico, medo e impotência que surge ao se deparar com a tela do computador que anuncia o ataque.

O problema do ransonware é que ele se transformou em uma operação altamente profissionalizada. Existe até “call center” disponível 24 horas para que a empresa possa tirar dúvidas com os atacantes sobre como pagar o resgate e até barganhar o preço.

O imaginário popular gosta de pensar o autor desse tipo de ataque como sendo “o hacker”. No Brasil, tem sido usual até culpar “o hacker” por fatos inexplicáveis. No entanto, a imagem de um garoto solitário atacando empresas é passado.

Os atacantes de hoje são principalmente organizações criminosas e Estados nacionais. Como o ransonware é capaz de fazer dinheiro com risco relativamente baixo, há países autoritários que adotam a prática para fugir de sanções internacionais.

O ransonware pode também gerar responsabilidades legais para a vítima. A Lei Geral de Proteção de Dados obriga que as empresas adotem “medidas de segurança aptas a proteger dados pessoais de acessos não autorizados e de situações ilícitas de destruição ou perda”. Isso só aumenta o drama, já que a vítima pode ser posteriormente responsabilizada por danos por não seguir as medidas exigidas pela lei.

Mais preocupante ainda, os ataques estão se sofisticando. A tática mais recente é cooptar funcionários da empresa para ajudar no ataque. Isso acontece por meio de mensagens para os funcionários com textos como: “Se você instalar esse programa em qualquer computador ou servidor da sua empresa, remota ou fisicamente, você receberá 40% do resgate”. A mensagem fornece então um email dos atacantes e um perfil no Telegram para os interessados.

Por todas essas razões não é exagero dizer que está em curso uma pandemia de ataques de ransonware. Para contê-los, são necessárias medidas de várias naturezas que envolvam o setor privado, público, a comunidade científica e, sobretudo, mais cooperação internacional.

READER
JÁ ERA: Não fazer backup (cópia de segurança)
JÁ É: Desespero ao ser atacado por ransomware sem ter backup robusto
JÁ VEM: Mais empresas brasileiras e órgãos públicos atacados por ransomware

Pesadelos de agosto - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 23/08

Agosto é um estranho mês, todos sabemos no Brasil. Por que não o seria sob Bolsonaro, que em si já é um estranhíssimo governo?

Numa noite dessas de agosto, vi nas redes um cantor sertanejo nos ameaçando de caos e até fome se não adotássemos o voto impresso.

Na minha santa ignorância, perguntei: mas o que pensa o outro?

Achava que os cantores sertanejos sempre se apresentam em dupla, mas o autor da ameaça faz uma carreira solo. Achava também que cantam amores perdidos, a natureza, um pé de serra, um animal de estimação.

O cantor se dizia ligado aos caminhoneiros, daí o caos e a fome que se espalhariam pelo país. Minha perplexidade foi ainda maior: diesel e gasolina aumentam desde o princípio do ano, o etanol já está 34% mais caro. Merecíamos um castigo tão grande, por optar pela votação eletrônica?

Tenho sonhado muito nos últimos anos. Todas as noites, sonhos disparatados, mas — o que fazer ?— sonhos adoram o absurdo.

Sinceramente fiquei com medo de dormir e sonhar com a multidão pedindo a volta dos orelhões com fichas nas bancas de jornal. Ou numa hipótese mais radical, cartazes exigindo a volta do Rhum Creosotado, aquele dos famosos anúncios nos bondes de antigamente.

A indecisão diante do sono me lembrou uma história muito contada. É a do pobre homem que vivia num cômodo abaixo de um boêmio que chegava tarde à noite e tirava ruidosamente as botas. As duas pancadas da bota batendo no assoalho arruinavam o sono do vizinho de baixo.

Um dia ele tomou coragem, foi até o boêmio e pediu que tirasse as botas silenciosamente. Ao voltar para casa de madrugada, um pouco bêbado, o homem tirou uma bota ruidosamente e se lembrou do vizinho, corrigindo-se logo e depositando a outra em silêncio.

Aconteceu o previsível: o pobre homem passou a noite esperando que a outra bota fosse depositada, até que subiu ao quarto do boêmio e pediu que jogasse logo a outra bota, pois precisava dormir e trabalhar bem cedo.

A situação de muitos de nós é parecida. Estamos à espera de um golpe sempre anunciado nas entrelinhas e temos vontade de que tentem logo, para resolvermos nossa vida.

Os historiadores teriam dificuldade de explicar um golpe liderado por um cantor sertanejo.

Leio que ele se arrependeu, amigos disseram que bebeu muito.

Outra perplexidade de agosto: um sertanejo bêbado cantando um tango é muito mais previsível do que propondo um golpe.

Mas, como se diz na linguagem popular, onde há fumaça há tanques, outras pessoas com chapéu de caubói aparecem na internet dizendo que acabou a tolerância, que agora o país pegará fogo se não adotarmos o voto impresso.

Rigorosamente, os biomas brasileiros estão pegando fogo. Não teremos como os afegãos a possibilidade de nos agarrarmos no trem de pouso de aviões que partem.

Nossa única chance seria abraçarmos os pássaros maiores, jaburus, gaviões, urubus-reis, nhambus, jacus, e tentar pousar noutras raras florestas do planeta.

Com todo o respeito a essas pessoas com chapéu de caubói que se sentem acima do Estado Democrático de Direito, é preciso lembrar que a população se sente cada vez mais distante do governo Bolsonaro.

As pesquisas mostram a crescente consciência de que Bolsonaro foi apenas um acidente histórico e de que, apesar da importância númerica das forças conservadoras no Brasil, ele não as representa na sua totalidade.

Quando essa consciência se cristaliza, a extrema direita isolada nada pode fazer, além de cargas de cavalaria como nos filmes de faroeste e desfiles de tanques enfumaçados.

A imposição pela força é uma visão idealista que não se sustenta nem à direita nem à esquerda. A exportação do socialismo empurrado por baionetas fracassou na Europa; o idealismo liberal de se instalar no Afeganistão foi um fracasso.

Por mim, podem jogar logo a segunda bota, apesar do barulho e do peso das esporas.

domingo, agosto 22, 2021

Tamanho da pressão inflacionária - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 22/08

Câmbio não responde à elevação dos preços das commodities, e inflação sobe

Dólar está distante da cotação que representa fatores reais da economia



Caminhamos para que 2021 feche com inflação na casa de 8%. Inúmeros choques produziram a inflação.
Há pelo menos quatro choques:

1) escassez de matérias-primas e componentes industriais em razão do excesso de demanda, principalmente por bens duráveis e da construção civil, fruto das longas quarentenas;

2) choque de reabertura dos serviços cuja oferta foi desorganizada com o fechamento da economia;

3) encarecimento dos grãos em razão da elevação da demanda da China e dos problemas climáticos, e os impactos desse encarecimento nos preços das carnes e laticínios;

4) encarecimento da energia em consequência da seca que se abateu sob o Centro-Oeste e o Sudeste. Com exceção do último, os demais são globais.

No Brasil os choques têm sido agravados desde abril do ano passado, pois o câmbio não tem exercido seu papel de amortecedor da alta dos preços das commodities. Como somos um grande exportador de commodities, quando o preço no mercado internacional sobe, ficamos mais ricos e, consequentemente, nossa moeda costuma se fortalecer. A valorização do real amortece por aqui o impacto inflacionário da subida dos preços das commodities no mercado internacional. Mas essa apreciação
típica não ocorre agora.

Uma maneira de avaliar a pressão inflacionária no mercado doméstico exercida pela insensibilidade recente do câmbio às oscilações dos preços das commodities é considerar duas medidas de câmbio. A primeira é dada pelo real observado. Considero médias trimestrais desde 1998, como se vê na linha
em azul-escuro no gráfico abaixo.

Os dados estão todos aos preços do segundo trimestre de 2021, deflacionados pela diferença entre a nossa e a inflação média dos nossos parceiros comerciais (ponderada pelo peso de cada parceiro na corrente de comércio com o Brasil).

A segunda medida é o câmbio calculado a partir da correlação histórica entre o câmbio e duas forças reais, os termos de troca e a produtividade do trabalho. Ambas estão intimamente ligadas à competitividade de nossa economia. Ambas as variáveis foram construídas relativamente à média, das mesmas variáveis, nos nossos parceiros comerciais. A curva em azul-claro representa o câmbio dado por esses fatores reais da economia.

As barras representam o desvio (em percentagem) entre o câmbio corrente e o que deveria ser se fatores financeiros não interviessem na determinação da moeda. Os valores das barras estão representados na coluna da direita. Desde o segundo trimestre de 2020 abriu-se uma enorme boca de jacaré entre ambos. A boca de jacaré é uma medida da pressão inflacionária induzida pelo fato de o câmbio não ter respondido à elevação dos preços das commodities.

A boca de jacaré se fechará. Por bem, se arrumarmos a política fiscal e a moeda se valorizar. Por mal, se deixarmos a inflação fazer o serviço.

Ousadia de um fraco - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 22/08

Ao anunciar que apresentará outro pedido de impeachment de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), desta vez Luis Roberto Barroso, o presidente Bolsonaro dobrou sua aposta no caos, como é de seu feitio de blefador compulsivo. Só faz piorar sua situação, pois a cada arruaça institucional que promove, ajuda a afundar seu governo e abre caminho para que seja abandonado por sua base parlamentar trânsfuga.

O ex-presidente Lula, que conhece como o Centrão negocia, já previu que seus principais líderes não ficarão ao lado de Bolsonaro por muito mais tempo. A não ser os radicalizados, os apoiadores do presidente vão abandonando o barco ao constatarem que o país talvez não aguente muito mais tempo com ele à frente, e muito menos a perspectiva de um novo mandato.

Tendo sido eleito principalmente pelo antipetismo, Bolsonaro nunca deixou de ser o político do baixo clero que sempre foi, e também não cumpriu seu programa liberal na economia e de combate à corrupção. Ao contrário, fez questão de reforçar o que lhe distingue negativamente, e que faria com que disputasse com o Cabo Daciolo a insignificância nas urnas se não tivesse enganado o eleitorado com um programa que nunca poderia ter cumprido por sua própria índole, que era desconhecida da maioria que, de boa fé, viu nele o único candidato capaz de derrotar o petismo.

Boa parte dos que já o abandonaram esperava que, eleito, incorporasse o espírito do cargo e refreasse seu linguajar chulo e sua maneira grosseira de ver o mundo. Mas Bolsonaro nunca entendeu o que significa ser o Presidente da República de uma das maiores democracias do mundo, ao contrário. Levou para os palácios presidenciais hábitos e costumes do baixo clero político, quando não ambições ditatoriais que certamente não estavam nos planos de grande parte de seus eleitores.

Nem ao Centrão interessa esse clima de tensão e discórdia no país. Não é da índole de seus integrantes apoiarem governos autoritários, pois sabem que fora da democracia parlamentar não têm importância nenhuma. Serão cassados por corrupção juntamente com os políticos ideológicos de esquerda, sobrando espaço apenas para os aloprados bolsonaristas no jogo de poder ditatorial. Com a mesma facilidade com que se entregou ao Centrão para evitar o impeachment, Bolsonaro os jogaria às feras se fosse vitorioso na sua aventura golpista, alegando que tentou acordos, mas foi traído pela ganância de políticos aventureiros.

A tentativa de constranger os membros do Supremo Tribunal Federal com pedidos de impeachment foi dos passos mais ousados que já deu nessa escalada golpista, mas também dos mais desastrados. Por inédita, a iniciativa é revestida de simbolismo político extraordinário, ao mesmo tempo que será inócua. Só seria possível um gesto dessa magnitude se tivesse de antemão a certeza do apoio do Senado, que não terá.

Jogar-se contra o STF por conta própria, ele e a turba que adere às suas provocações e arruaças, mostra mais desespero que fortaleza. Assim como a patacoada militar que encenou, com o desfile de tanques sucateados, só trouxe perda de prestígio para ele e os comandantes militares. A “ameaça” de discursar nas manifestações dia 7 de setembro marcadas para Brasília e São Paulo é mais uma escalada na confrontação com o Supremo e o Congresso.

Como é descontrolado, Bolsonaro vai botar fogo nessa crise. Com uma multidão pedindo a saída de ministros do STF, voto impresso, e outras coisas, não terá palavras sóbrias; não vai dar certo. Para justificar a voz nas manifestações, mostrar que o povo está a seu lado, terá que incendiar as massas, e será difícil se controlar.

A ação da Polícia Federal contra o sertanejo Sergio Reis e o deputado Ottoni de Paula, autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, primeiro alvo de Bolsonaro, é uma demonstração clara de que não dá para brincar com coisa séria, como as instituições democráticas. Não é possível incentivar revolução, invasão do STF e quebra-quebra no Congresso e ficar por isso mesmo. Mas grave mesmo é quando o presidente toma essa atitude, demonstrando total inconsequência, sem avaliar o que pode acontecer a partir daí. Ou até avaliar, e acreditar que a arruaça vai favorecê-lo.

O fantasma da cadeia - BERNARDO MELLO FRANCO

O GLOBO - 22/08


Na noite de quinta-feira, Eduardo Bolsonaro expôs o fantasma que apavora a família presidencial. O deputado reclamava do cerco a aliados que ameaçam a democracia e conspiram contra a eleição de 2022. Em tom de desabafo, questionou: “Qual seria o próximo passo? Prender o presidente? Prender um dos filhos?”.

Depois do sincericídio, o Zero Três ainda tentou se corrigir. “A gente não tem medo de prisão”, disse. Mas suas três perguntas já haviam escancarado o pânico do clã.

O Judiciário deu novos passos para desmontar a máquina de ódio e desinformação que sustenta o bolsonarismo. Na segunda-feira, o Tribunal Superior Eleitoral bloqueou o financiamento de sites especializados em notícias fraudulentas. Quatro dias depois, a Polícia Federal fez buscas contra aliados do presidente que organizam atos golpistas.

A operação da manhã de sexta foi autorizada por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. No fim da tarde, Jair Bolsonaro apresentou um pedido de impeachment contra o ministro.

Na família presidencial, o vereador Carlos Bolsonaro é o mais assustado com o avanço das investigações. Quando o TSE fechou a torneira dos sites de fake news, o Zero Dois acusou o golpe e reclamou de “censura”. Na semana anterior, ele havia protestado contra a prisão de Roberto Jefferson, que classificou como “injusta”.

“Qualquer inocente sabe que sua prisão é preocupante não somente a um, mas a todos os brasileiros”, tuitou o vereador. Sua preocupação parece menos ligada ao ex-deputado do que ao próprio destino.

O patriarca do clã também ganhou novos motivos para temer a cadeia. No início do mês, ele foi incluído na lista de investigados no inquérito das fake news. Na decisão, Moraes anotou que o presidente pode ter cometido onze crimes em seus seguidos ataques ao sistema eleitoral.

Bolsonaro sabe que o Senado barrará qualquer tentativa de cassar ministros do Supremo. Seu objetivo é inflamar a militância de extrema direita antes dos atos governistas de Sete de Setembro. O factoide também alimenta a campanha para minar a confiança popular no voto eletrônico. Moraes assumirá o comando do TSE em agosto do ano que vem, às vésperas das eleições.

A ofensiva contra o Supremo é um novo alerta a quem ainda se ilude com a ideia de que Bolsonaro possa se moderar. Em queda nas pesquisas, o presidente fará de tudo para manter os eleitores mais radicais a seu lado. Por isso, tende a aumentar os ataques às instituições e as ameaças de golpe.

A disputa de 2022 definirá mais que o futuro inquilino do Planalto. Para a família Bolsonaro, será uma questão de vida ou morte. Se perder o cargo, o capitão também perderá a blindagem judicial. Seu antecessor, Michel Temer, sabe bem o que isso significa. Ele foi preso em 21 de março de 2019, apenas 79 dias depois de deixar o poder.

Custo Bolsonaro cobra fatura com dólar, inflação, juros e miséria em alta - FERNANDO CANZIAN

FOLHA DE SP - 22/08

Investimento externo despenca, e empresas brasileiras mantêm moeda americana fora do país


O Brasil vem sofrendo queda abrupta no ingresso de investimentos estrangeiros produtivos, e até empresas brasileiras evitam trazer ao país dólares obtidos em exportações, que cresceram muito nos últimos meses.

A nova tendência engrossa o que vem sendo chamado de “custo Bolsonaro”. Ele não se reflete apenas no dólar bem mais caro do que os fundamentos econômicos justificariam, mas em mais inflação e juros, com impactos deletérios sobre a dívida pública.

Essa combinação, numa espécie de círculo vicioso, colocou em xeque a recuperação pós-pandemia em 2021 e 2022 e vem aumentando o total de miseráveis no país.

O presidente Jair Bolsonaro durante entrevista para TVs em Eldorado, interior do estado de São Paulo - Eduardo Anizelli - 21.ago.21/Folhapress
O “custo Bolsonaro” é identificado como a transmissão para a economia da instabilidade política alimentada diariamente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com declarações golpistas, confronto com outros Poderes e questionamentos sobre o processo eleitoral.

Com menos crescimento e com dólar, inflação e miséria em alta, a expectativa é que Bolsonaro crie subterfúgios para gastar mais para tentar se reeleger. Hoje, o presidente está longe de ser o favorito no pleito de 2022.

A proposta de adiar o pagamento de dívidas judiciais (precatórios) para turbinar o Bolsa Família (rebatizado Auxílio Brasil) é o ponto mais visível desse contexto, em que se buscam alternativas para furar o chamado teto de gastos, que corrige a despesa pública pela inflação e é o principal instrumento de controle da elevada dívida pública brasileira.

Mas especialistas também veem o governo perdido, sem articulação política ou propostas coerentes de reformas, como no caso da tributária, e agora refém do chamado centrão, com seus políticos pressionando por mais verbas para o período eleitoral.

O resultado tem sido a deterioração de indicadores financeiros (índice Bovespa, dólar, inflação e juros futuros) e, mais recentemente, a paralisação dos planos de investidores estrangeiros e locais de ampliar a produção e o emprego no Brasil.

No acumulado em 12 meses, os investimentos líquidos de estrangeiros dirigidos ao setor produtivo no país caíram de quase US$ 70 bilhões, há um ano, para cerca de US$ 24 bilhões.

Mesmo empresas exportadoras nacionais, que multiplicaram recentemente suas receitas com o dólar em alta e um novo ciclo de valorização de commodities agrícolas e metálicas, têm preferido manter seus dólares longe do Brasil diante da instabilidade atual.

Os dois movimentos ajudam a pressionar ainda mais o valor da moeda norte-americana. Na comparação com outros países bastante endividados (com relação dívida bruta/PIB acima de 65%), é no Brasil onde o dólar mais sobe.

Grande parte dessa alta é transmitida diretamente para a inflação, via produtos importados ou commodities cotadas em dólar, como petróleo e gás, proteína animal e trigo.

Mesmo assim, segundo cálculos do economista Livio Ribeiro, do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), os fundamentos econômicos do Brasil, sobretudo por causa das contas externas equilibradas, não justificam o dólar na faixa de R$ 5,30/R$ 5,40.

Pelas suas contas, sem “o gol contra da bagunça institucional” atual, a moeda norte-americana poderia valer ao redor de R$ 4,20 —quase 30% menos.

“Mas, dadas a estrutura de risco e a incerteza no Brasil, os exportadores agora mantêm a maior quantidade possível de dólares no exterior”, diz Ribeiro. Isso passou a ser permitido desde a virada da década passada.

“Em outros ciclos positivos de exportação como o atual, a entrada de dólares valorizava o real. Mas perdemos esse canal estabilizador.”

As reservas cambiais do Brasil explicitam a tendência: mesmo com um saldo positivo de US$ 44,1 bilhões na balança comercial (exportações menos importações) até julho, as reservas em dólar do país não aumentaram neste ano, permanecendo estacionadas ao redor de US$ 355 bilhões.

O chamado “custo Bolsonaro”, agora turbinado pela expectativa de descontrole no gasto público, também leva investidores a buscar proteção no dólar, alimentando um ciclo vicioso.

Nele, o dólar alto pressiona a inflação, sobretudo pelo canal das commodities, o que obriga o Banco Central a subir os juros para controlar os preços. Como o juro mais alto corrige a dívida pública, ela cresce. Para atrair investidores dispostos a financiá-la, o BC pode se ver obrigado a subir ainda mais os juros, tornando a dívida ainda maior.

“O comportamento errático de Bolsonaro vem produzindo estragos de ponta a ponta, expondo um governo que se revelou muito despreparado no geral”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Segundo ele, não só os investidores estrangeiros estão evitando o Brasil.

“Sem estabilidade política e macroeconômica, projetos na agroindústria e no óleo e gás também sofrem.”

O próprio Ministério da Infraestrutura admitiu há alguns dias que o cenário político conturbado deve afetar concessões importantes previstas para até 2022, como a Ferrogrão (ferrovia que ligará Sinop, em Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará), aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ) e a Via Dutra (BR-116, no trecho que liga São Paulo ao Rio de Janeiro).

Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre/FGV, o quadro de deterioração agravou-se com a adoção, por um Bolsonaro em baixa nas pesquisas eleitorais, de uma “narrativa para que se possa gastar mais visando maior apoio popular”.

Desde o segundo semestre de 2020, auge do pagamento do auxílio emergencial na pandemia, o total de pessoas na extrema pobreza no Brasil (renda mensal abaixo de R$ 261) disparou, passando de 5% da população (10,5 milhões) para 13% (27,4 milhões), segundo dados do FGV Social.

”Nos últimos 12 meses, a inflação dos pobres foi de 10%, quase três pontos percentuais maior que a da alta renda, resultado do aumento dos alimentos e do gás de cozinha, entre outros”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

“Enquanto a renda média do trabalho caiu 11% entre os primeiros trimestres de 2020 e 2021, a queda na metade mais pobre foi de 21%.”

Assim, não só a pobreza extrema aumentou. Quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C (renda domiciliar de R$ 1.926 a R$ 8.303) desde agosto de 2020. A classe E (até R$ 1.205) foi a que mais inchou, com 24,4 milhões de pessoas. Já a D (R$ 1.205 a R$ 1.926) ganhou 8,9 milhões.

Nesse percurso, a taxa de reprovação de Bolsonaro saltou de 32% para 51% entre o fim de 2020 e julho deste ano, segundo o Datafolha. Num eventual segundo turno contra Lula (PT) em 2022, Bolsonaro seria derrotado por 31% a 58%.

“Mas tentar comprar a sociedade com estímulos acaba não dando certo e não se sustenta”, diz Silvia Matos. “Como o mercado se antecipa a esse movimento, com pressões sobre dólar, inflação e juros, o país acaba perdendo tempo e a oportunidade de consolidar a retomada do pós-pandemia.”

Grande parte das previsões de crescimento, do valor do dólar e do comportamento da inflação vem se deteriorando. O banco Fator, por exemplo, já trabalha com o dólar a R$ 5,80 em 2022 e crescimento do PIB ao redor de 1%.

“É uma grande frustração para quem esperava alguma coisa com pé e cabeça do governo Bolsonaro e sua equipe”, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator.

Gonçalves lembra que os próximos meses devem ser marcados por uma reversão nos estímulos monetários pelos Estados Unidos, tornando cada vez mais provável o aumento dos juros americanos para conter pressões inflacionárias.

Quando isso ocorre, países muito endividados e desarranjados sofrem com a fuga de investidores para mercados mais seguros, derrubando preços de ações, de ativos como imóveis e desvalorizando a moeda local. O resultado é uma sociedade mais pobre e mais inflacionada.

“No caso brasileiro, teremos um problema adicional de inflação. A energia elétrica vai subir, o petróleo não
deve cair e haverá uma crescente inflação nos serviços [que representam 2/3 do PIB] com a volta de alguma normalidade a partir de agora”, afirma Gonçalves.

Para Silvio Campos Neto, economista-sênior da consultoria Tendências, muitos agentes econômicos aceitariam, sem solavancos, um aumento de cerca de 50% nos benefícios hoje pagos pelo Bolsa Família, que poderiam chegar a R$ 300, em média.

“Haveria algum espaço no teto de gastos para isso. O problema é que parece não existir no governo um consenso mínimo do que fazer com a economia”, diz.

Em sua opinião, o fato de o Brasil estar com as contas externas equilibradas justificaria um dólar abaixo de R$ 4,50. Somando-se a isso, a ociosidade no mercado de trabalho (com 14,8 milhões de desempregados) e nas empresas suportaria uma eventual recuperação mais robusta sem grandes pressões inflacionárias.

“Seria toda uma outra história se tivéssemos outro tipo de liderança e postura. Isso cai na conta do presidente, símbolo desse desarranjo e principal causador de ruídos”, afirma o economista.

Um arruaceiro na Presidência - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 22/08

O real objetivo do pedido de impeachment não é tirar Alexandre de Moraes do STF. A finalidade é promover a arruaça no País


Fiel a seu histórico, Jair Bolsonaro cumpriu as piores expectativas. Incapaz de escutar quem quer que seja, protocolou na sexta-feira passada um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Com o ato drástico, o presidente da República tentou simular fortaleza. No entanto, a realidade é a oposta. Em razão de suas próprias ações e omissões – o pedido de sexta-feira foi mais um entre muitos atos de irresponsabilidade –, Jair Bolsonaro nunca esteve tão fraco e tão isolado.

O pedido de impeachment é tacanho nos fundamentos e nos objetivos. Pelo teor da peça, seria crime de responsabilidade proferir decisão judicial que desagrade ao presidente da República. Em vez de recorrer judicialmente da decisão, como se faz num Estado Democrático de Direito, Jair Bolsonaro preferiu acusar um ministro do STF injustamente.

Em nota, o Supremo expôs o abismo entre o pedido protocolado por Jair Bolsonaro e a Constituição. “O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal”, diz a nota do Supremo, corroborada pelos 11 ministros.

A rigor, a ameaça de Jair Bolsonaro é pífia. Bem se sabe que o tal pedido não tem como prosperar. “Não antevejo fundamentos para impeachment de ministro do Supremo”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aqui fica evidente o real objetivo do pedido. Não é, nem nunca foi, tirar Alexandre de Moraes do STF. A finalidade é promover a arruaça no País.

Tão logo o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes foi protocolado no Senado, as redes bolsonaristas começaram a difundir novas ameaças. “Ou abrem o impeachment ou paramos o País”, diziam as mensagens, explicitando o nível de loucura e de desespero do bolsonarismo.

O presidente da República e seus seguidores atuam como se fossem opositores violentos do governo, ameaçando parar o País. Em vez de governar, o bolsonarismo imita o PT em tempos do governo Fernando Henrique. À vista desse comportamento, entende-se por que mais de 60% dos brasileiros afirmam que não votarão de jeito nenhum em Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

O bolsonarismo é caso a ser estudado. No meio de uma pandemia, com inflação em alta, emprego em baixa, nível de confiança caindo, investimentos em compasso de espera, o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores tentam instigar medo no País, para que o Senado remova indevidamente um ministro do Supremo em razão de suas decisões judiciais.

É assim que o governo deseja promover a retomada econômica? É assim que se deseja melhorar a situação de tantas famílias vivendo na pobreza e extrema pobreza, por força da pandemia e da crise econômica?

Para piorar, as mensagens convocando para atos a favor de Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro – mensagens quase sempre apócrifas, mas nunca desmentidas ou rejeitadas pelo presidente da República – são rigorosamente criminosas, incitando a violência contra instituições e autoridades. O que ali se vê não é exercício da liberdade de pensamento e de expressão, e sim prática ostensiva de crimes contra a liberdade e contra o regime democrático.

Além disso, as mensagens de convocação para os atos do 7 de Setembro utilizam de forma abusiva e mendaz o bom nome das Forças Armadas. O espírito militar propaga a ordem e a civilidade, e não o caos ou a intimidação.

Talvez Jair Bolsonaro veja o inviável e frágil pedido de impeachment de Alexandre de Moraes como um gesto de esperteza. Ainda que de maneira torpe, teria agitado as hordas bolsonaristas. Trata-se de um não pequeno engano. A irresponsabilidade de sexta-feira não ficará impune. Ao protocolar a acusação, Jair Bolsonaro conseguiu isolar-se politicamente em grau inédito. Além disso, reiterou uma faceta especialmente nefasta de seu comportamento. Quando se trata de livrar os seus familiares e amigos do alcance da Justiça – afinal, essa é a causa de sua desavença com Alexandre de Moraes –, não tem limites.

Supremo e Congresso devem vetar Bolsonaro, pacificação é aceitar o golpe - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 22/08

É preciso barrar a recondução do PGR e deixar por ora vazia a cadeira que foi de Marco Aurélio no STF


É possível que Jair Bolsonaro não venha a ser contido mesmo por meio de um impeachment ou da derrota nas urnas em 2022. A eleição está distante, e o impeachment, tão longe quanto um lugar que não existe, graças aos arranjos da maior parte das elites políticas e econômicas.

Se ainda se pretende que instituições formais da democracia ou o que resta delas ainda funcionem, é preciso vetar de modo institucional os golpeamentos de Bolsonaro e as infecções crônicas que ele quer inocular no Estado de Direito.

Para dar logo uns exemplos, trata-se de barrar a recondução do procurador-geral da República, até que ao menos ele seja julgado pela acusação de subserviência, e deixar por ora vazia a cadeira que foi de Marco Aurélio Mello no Supremo.

As indicações para a PGR e para o STF são prerrogativas constitucionais do presidente; recusar os nomes de Bolsonaro é uma prerrogativa de quem quer proteger a Constituição e as instituições de controle da contaminação autoritária de um golpista.

Vetar Bolsonaro “de modo institucional” parece um pleonasmo. Não é. Depois de assistir a ano e meio de campanha golpista explícita, muitos donos do poder e do dinheiro ainda acomodam e aceitam o plano de destruição com “notas de repúdio”, pedidos de “pacificação” e de “harmonia” extraconstitucional entre os Poderes.

Ainda agora, o conjunto dos ministros do Supremo emitiu “nota de repúdio” contra a tentativa de Bolsonaro de impedir Alexandre de Moraes. Além de inconsequente, pois sem serventia prática, é uma atitude indevida. O STF não é ou não deveria ser (como tem sido faz mais de década) um corpo político ou politizado, mas acima de tudo uma corte que deve proteger a Constituição por meio de atos funcionais, por assim dizer, institucionais.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também reagiu ao pedido de impeachment de Alexandre de Moraes com mais uma desconversa de “harmonização” extraconstitucional dos Poderes, definidos como “harmônicos” na Constituição para que funcionem de modo conjunto e autônomo, não para agasalhar crimes e contravenções uns dos outros.

Essas atitudes do Senado, da Câmara, do Supremo, da maior parte da elite, são as mesmíssimas tentativas de apaziguar e conter Bolsonaro que ouvimos desde 2018, conversa fiada que apenas alimentou o projeto de tirania.

Na prática, é um acordão que revela uma preferência: Bolsonaro é melhor do que a alternativa, qualquer que seja: o PT, a instabilidade ou a convulsão política ou econômica (ainda mais?), a ameaça de golpe militar, qual seja a desculpa ou o interesse.

Jair Bolsonaro, seus generais e suas falanges pregam ou ameaçam golpes desde pelo menos abril de 2020. Ficava então claro que Congresso e Supremo tentariam evitar parte menor dos piores arreganhos autoritários do bolsonarismo, ainda que de modo circunstancial e improvisado.

Desde então Bolsonaro apenas multiplicou sua aposta golpista, na qual vai colocar mais moedas podres no 7 de Setembro. Permitir que continue a manipular a PGR ou que contamine de modo duradouro o Supremo, com mais um apaniguado servil, significa colaborar com a campanha de destruição constitucional.

Francamente, refugar o impeachment já significa ser conivente. De um ponto de vista prático, mas não muito, além de medíocre e desencantado, resta a tentativa de vetar de modo institucional os decretos e atos do golpe progressivo. Haverá confronto, talvez impasse crítico, mas a tentativa de pacificação será a derrota de quem ainda se diga democrata.

sábado, agosto 21, 2021

Bolsominions deviam ir ao Afeganistão, lá não há urna eletrônica - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 21/08

Personagens da semana são Roberto Jefferson, Sérgio Reis e Aras, conhecidos como a nata da nata



Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Caiu a Porteira! “PF faz buscas em endereços de Sérgio Reis”! E encontra dez berrantes, 20 santinhos do Bolsonaro e uma prótese peniana. E um carta escrito: “Vamo Quebrar Tudo!”. Rarará! Por que o Sérgio Reis não vai alimentar pombos na praça?

E corre na internet que os bolsominions deviam ir pro Afeganistão: lá não tem Supremo, não tem urna eletrônica e tem arma na mão de todo mundo! E corre na internet uma definição nocauteante: “Talibã, o desaparecimento da mulher”.

E este classificado: “Troca-se um eleitor bolsonarista por uma família de afegãos! Pagamos as passagens!”.

E o Eduardo Bolsonaro é o Talibananinha! Com a quantidade de armas que ele tem em casa devia ser embaixador no Afeganistão. Finalmente a tão desejada embaixada: Cabul!

Personagens da semana: Roberto Jefferson, Sérgio Reis e Aras! A nata da nata! Deputado diz que Sérgio Reis teria usado verba pública em prótese peniana. Quer dizer que ele levanta o pau com o meu dinheiro? E custou R$ 55 mil! Tem controle remoto? Tem show de laser?

E o Aras? O Aras é o procurador que não procura! O Aras tem três apelidos: Bolsonaras, Aras de Pau e Puxa-saco Geral da República! E a pichação no ônibus: “Augusto Aras, Baba Ovo de Verme”. Rarará!

E o Jefferson tá preso em Bangu, vulgo Nova Dubai: quente e cheio de milionários! E esta: “Após prisão de Jefferson, filha cobra Bolsonaro: ‘e o bonito não faz nada?’”. Minha filha, o Bozo não é bonito nem faz nada desde que nasceu! “Em Bangu 8, Jefferson reencontra dr. Jairinho, ex namorado da sua filha.” Isso é Formação de Família!

Piadas Prontas!
“Tem muita gente por aí melhor que eu. Não faço questão de ser presidente, diz Bolsonaro em MT.” Concordo. Tem 211.755.692 melhores! E ele quer ser presidente, sim, senão vai parar na cadeia! Na cela impressa! Rarará!

E em Caxias do Sul tem a Clínica Psiquiátrica Paulo Guedes!

“Gretchen que ser candidata a deputada no Pará.” Ueba! Conga La Conga! Mas a Gretchen é um meme! É a primeira vez que um meme se candidata! Eu voto no meme! O Brasil é um meme que não dorme! E já imaginou juntar a bunda da Gretchen com o peito da Fafá de Belém? Pará bem servido!

Nóis sofre mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

sexta-feira, agosto 20, 2021

Um texto em defesa do Supremo e da liberdade, ainda uma exceção - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 20/08

Não fosse o malhado inquérito 4.781, o país estaria à mercê de hordas que pregam abertamente a ruptura institucional


Não tenho receio de um golpe de Estado. Temo um permanente estado de golpe. E isso não se esgota num jogo de palavras. Cultivamos uma certa crença mística nas nossas instituições e tardamos a reagir — refiro-me aos que pertencemos aos radares da sociedade, e a imprensa é um deles— àqueles que se organizam para assaltá-las. E noto que este texto se cingirá à democracia política. A social ainda está por ser inaugurada.

Penso no escarcéu que se fez quando, no dia 14 de março de 2019, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, abriu de ofício o correto e legal inquérito 4.781, que tem Alexandre de Moraes como relator. O país ainda vivia sob a égide da Lava Jato —esse “Fetiche da Destruição” que seduziu e ainda seduz tantas almas incautas—, que criou o ambiente ideal para a ascensão de um desordeiro destrambelhado.

Bolsonaro estava no poder havia menos de três meses. A reforma da Previdência chegara ao Congresso no dia 20 de fevereiro. Sem ela, os tais mercados teriam quebrado as pernas do fanfarrão antes que emitisse o primeiro insulto. A, vá lá, convergência entre os Poderes era fundamental para o mandato do próprio presidente.


Não obstante, a máquina de difamação dos Poderes e da democracia que o bolsonarismo havia montado ao longo de mais de três anos não refreou seu ânimo. Ao contrário. Ganhou musculatura. E restava evidente que, sem base parlamentar e sem articulação com atores políticos relevantes, o governo buscaria arrancar por meio do berro e da intimidação o que não conseguia por meio da negociação. Afinal, sobravam-lhe arruaceiros; faltavam-lhe interlocutores.

O Supremo se tornou o primeiro e principal alvo porque, afinal, ali estava o limite do Napoleão de hospício. Não é um Poder Moderador, mas é quem tem a última palavra sobre a Constituição. O general Augusto Heleno acredita que, acima da Carta, estão um cabo e um soldado, sem nem um jipe...
O STF (Supremo Tribunal Federal) em 2021

No 132º aniversário da República, nascida de um golpe, o regime de liberdade plena de organização e de manifestação no país ocupa exíguos 33 anos: da Constituição de 1988 a esta data. A crença mística a que me refiro no primeiro parágrafo, a exemplo de todas, é infundada: a liberdade plena, entre nós, é a exceção, não a regra.

Não fosse o malhado inquérito 4.781, o país estaria à mercê de hordas que hoje pregam abertamente a “ruptura institucional”, conforme mensagem que o próprio presidente mandou a seus sectários. Em 2019, a PGR, ainda sob o comando de Raquel Dodge, resolveu arquivá-lo, o que foi rejeitado por Moraes, com o apoio dos demais ministros.

Tardou para que a imprensa percebesse —e, até hoje, o reconhecimento é reticente e cheio de reservas— o que Toffoli e outros ministros do Supremo anteviram —e olhem que o então presidente do STF manteve relações cordiais com Bolsonaro: o nosso sistema de liberdades estava sob ameaça. A única barreira de contenção era o Ministério Público. E se ele não reagisse? E se a inércia, que já se verificava então, continuasse?

Infelizmente, involuiu-se para a conivência. A resposta à penúltima pergunta da entrevista concedida a esta Folha por Augusto Aras, procurador-geral da República, não faz sentido. Ainda não entendi por que Roberto Jefferson deveria ser livre para, por exemplo, incitar o assassinato de policiais, mas um colunista deveria merecer sanção legal por chamar Aras de “poste da República”. Ainda mais quando este se comporta como um poste diante de alguém que... incita o assassinato de policiais.

Com todos os defeitos —e não os terão o jornalismo, a academia e a assembleia dos santos?...—, este é um texto em defesa do Supremo. A ele coube conter os incensados arreganhos autoritários da Lava Jato, que avançou sob silêncios cúmplices, e é ele, hoje, a barreira em “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Vai entre aspas trecho do artigo 127 da Constituição, que define as atribuições do Ministério Público. A liberdade ainda é a exceção na nossa história. Quem se dispõe, de fato, a protegê-la, inclusive da desídia dos omissos?

O golpista e o ridículo - PEDRO DORIA

O GLOBO - 20/08

Existe um conhecimento de política que se adquire nos livros e na prática. E existe outro, que se aprende na internet. Que sempre se aprendeu, desde os anos 1990. Quem se informa sobre política debatendo na rede por muitos anos aprende alguns truques valiosos — como manipular grupos até criar consensos sobre determinados temas. Também aprende argumentos menos úteis do que parecem. Ocorre toda hora de alguém ser equiparado a Adolf Hitler ou de um acordo entre adversários ser comparado ao pacto entre o premiê britânico Neville Chamberlain e, claro, o próprio Hitler. Nestes últimos dias, o Palácio do Planalto usou fartamente um desses truques adquiridos na lição da política popular da internet: alargar a Janela de Overton. Mas, ao fazê-lo, não atentou para uma lição importante que só se aprende em livros. (E, sim, até o final desta coluna alguém terminará comparado a um fascista. Só não a Hitler.)

Joseph Overton foi um analista político americano, morto precocemente no início deste século, aos 43 anos. Ele alertava seus clientes políticos de que há uma janela de temas que podem ser debatidos em público sem chocar a população.

Um assunto começa inimaginável de tão fora da norma. Tabu. À medida que um grupo minoritário da sociedade passa a falar dele com desenvoltura, se torna radical. Não é mais inimaginável. Se mais pessoas são expostas, um novo passo é dado. Torna-se uma visão aceitável. Não é para todo mundo, tampouco é absurdo. Quando quase metade da população aceita aquilo, a ideia já é razoável. Passe de metade, torna-se uma ideia popular. Até que vira ação, política pública ou lei.

Não foi por acidente que houve um desfile de tanques que passou por Supremo, Planalto e Congresso. Que, depois, o presidente Jair Bolsonaro tenha disparado para grupos de WhatsApp uma mensagem falando em “contragolpe” e então, em sequência, os três generais-ministros que trabalham no Palácio, cada um a seu jeito, tenham tratado do assunto ditadura. Augusto Heleno sugeriu que a Constituição permite às Forças Armadas que intervenham no Judiciário ou no Legislativo. Braga Netto falou que, para ser ditadura, nossa ditadura teria de ter matado mais. E Luiz Carlos Ramos arrematou: ditadura ou democracia é só questão de semântica.

Estão normalizando a ideia da ruptura democrática. O tema era inimaginável há três anos. Já se tornou radical. Estão abrindo a Janela de Overton.

O truque é popularíssimo em fóruns de internet. O problema é que forçar uma ideia inimaginável goela adentro da sociedade não vem sem reação. O presidente da Câmara pode estar calado, e o procurador-geral da República fingindo que não vê. Mas o povo brasileiro tem anticorpos.

Em outubro de 1934, a Ação Integralista Brasileira organizou sua maior marcha até ali. Milhares de homens vestindo verde, com banda marcial, braçadeira de sigma e estandartes se reuniram enfileirados na Praça da Sé, em São Paulo. Desfiles fascistas são construídos para demonstrar força. Intimidar. Os fascistas brasileiros não sabiam é que, no topo dos prédios da praça estavam sendo aguardados por anarquistas, comunistas e veteranos da Coluna Prestes. Que abriram fogo. De cima, vendo o corre-corre desesperado dos homens verdes, alguém logo percebeu. Parecia um galinheiro quando alguém entra.

No momento em que os fascistas viraram Galinhas Verdes, caíram no ridículo, nunca mais foram levados a sério. Nas redes, o desfile de tanques com escapamento podre ganhou a trilha do desenho “Corrida maluca”. E o ataque da Marinha a uma casinha de bonecas circulou com a música dos “Trapalhões”.

Quando o brasileiro ridiculariza o fortão do recreio, não há ideia radical que possa ser levada a sério.

sexta-feira, agosto 06, 2021

Democracias precisam se vacinar contra arruaceiros de cervejaria - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 06/08

Elas têm de ter a coragem de banir, já nos primeiros arroubos, os que anseiam destruí-las


Ainda que pareça incrível, Jair Bolsonaro está nos dando algumas lições. E cumpre aprender com elas. Sim, é o mais improvável dos professores. A ânsia que temos, os sensatos ao menos —em todos os seus matizes—, é que isso tudo passe logo para que possamos esquecê-lo, o que seria um erro. Que se vá o mais cedo possível, mas que sua marca permaneça para sempre nas nossas consciências.

Durante longos 28 anos, o sistema político permitiu que um delinquente permanecesse na Câmara, expelindo perdigotos da mais escancarada indignidade. Defendeu ditadura, tortura, fuzilamentos. Não uma, mas duas vezes, com intervalo de 11 anos entre uma fala e outra, afirmou que não estupraria uma deputada, se estuprador fosse, porque não merecedora de tal distinção. A um jornal explicou a razão: seria muito feia.

Não só. Em 2003, reagindo a um deputado baiano que discursara lamentando a atuação de uma milícia de matadores em seu estado, afirmou o seguinte: "Quero dizer aos companheiros da Bahia, agora há pouco vi aqui um parlamentar criticar os grupos de extermínios (sic), que, enquanto o Estado não tiver a coragem para adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito bem-vindos. E, se não tiver espaço na Bahia, podem ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo apoio".

Um vagabundo daquela espécie permaneceu com assento na Câmara. E houve quem advogasse, e advogue ainda, que declarações como essas estão protegidas pela imunidade parlamentar e pela liberdade de expressão. Garantias fundamentais contra o Estado tirano, do qual Bolsonaro é entusiasta, eram e são evocadas para proteger o defensor de fuzilamentos, de milícias e de estupradores com critérios meritocráticos.

As democracias, infelizmente, padecem de certo idealismo nefelibata e tendem a considerar que arruaceiros de cervejaria ou de quartéis jamais chegam lá. Aprenderam pouco com a biologia e com a medicina. Estão sempre desatentas a infecções oportunistas, que se aproveitam de um organismo combalido —e a política brasileira se arrastava nos escombros do lavajatismo destruidor de garantias— para se instalar.

E quantas vezes ouvi e ouvimos, ao longo da campanha de 2018, que, caso Bolsonaro vencesse, as instituições se encarregariam de lhe impor limites! Assim como os leitores de Madison, nos EUA, apostavam que a "Assembleia" —o Congresso— e o "deep state" colocariam freio às aspirações liberticidas de Donald Trump... Assistiu-se lá ao inimaginável. Por aqui, a desordem tem data marcada. Sob o silêncio cúmplice da Procuradoria-Geral da República.

Protagonista de um programa na Jovem Pan, na quarta, Bolsonaro não hesitou: ameaçou romper "as quatro linhas" da Constituição. Na raiz do arreganho golpista, está o correto e legal inquérito 4.781, aberto de ofício pelo ministro Dias Toffoli no dia 14 de março de 2019 para investigar a indústria criminosa de ataques às instituições, em particular ao Supremo, que já estava nas ruas e no bueiro do capeta das redes sociais. Eram, sim, as hostes bolsonaristas. Alexandre de Moraes, o relator, incluiu o presidente entre os investigados.

Perceberam? Bolsonaro estava no poder havia apenas 73 dias. E a pregação golpista já corria solta país afora. Toffoli apanhou e não foi pouco. E olhem que o ministro não pode ser acusado, à frente do Supremo, de ter procurado crispar a relação com o Planalto. Ao contrário até: intentou uma malsucedida agenda de interesse comum entre os Três Poderes.

A dificuldade principal, como sempre, era entender o javanês político falado por Bolsonaro. Àquela altura, ele estava empenhado em destruir o partido que o elegeu.

O que se criava com o inquérito era uma barreira de contenção —por si, insuficiente, mas é o que temos, dada uma PGR que se queda inerme e, pois, conivente— ao que se mostrava inevitável: a aluvião autoritária que tomara o Executivo. As democracias, também a nossa, têm de se vacinar contra esses agentes infecciosos. Têm de ter a coragem de banir, já nos primeiros arroubos, os que anseiam destruí-las.

Ou os arruaceiros de cervejaria e de quartéis ainda chegam lá. Como está demonstrado.