domingo, setembro 02, 2012

Depois daquele setembro - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/09


A dívida que quebrou o Brasil em 1982 um dia teve final feliz. Foi renegociada e paga, mas essa foi daquelas histórias econômicas brasileiras cheias de emoções e reviravoltas. O Brasil teve que esperar quase 24 anos até o dia em que o Tesouro Nacional divulgou uma nota dizendo que havia terminado a “faxina” da dívida externa. Pedro Malan negociou a travessia do atoleiro.

Quando foi contraída nos anos do milagre, a dívida parecia fácil de pagar. Havia dinheiro abundante no mundo. Após setembro de 1982, ficou impagável. Ela agravou nossa amargura econômica. O país já vivia a disparada da inflação e enfrentou a recessão e a humilhação imposta pelos fiscais do FMI e dos bancos.

Nesse clima, o país festejou o fim do governo militar. A democracia recebeu como herança econômica essa crise. O presidente civil eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves, disse que não pagaria a dívida com o sangue do povo brasileiro. O presidente que de fato assumiu, José Sarney, queimou o que havia de reservas e decretou moratória em 1987. Depois, retomou o pagamento, mas voltou a ficar sem dólares para honrar os juros.

Em 1991, o economista Pedro Malan foi nomeado pelo então ministro Marcílio Marques Moreira para renegociar toda aquela dívida que, com seus vários calotes, havia demolido a reputação brasileira. Éramos tratados como párias no mercado internacional. Aqui dentro, o país chegava à hiperinflação, que havia sobrevivido aos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

No dia 9 de julho de 1992, às 4h50m da madrugada, na sala de um escritório de advocacia de Nova York, dois homens se deram as mãos. Eram Pedro Malan, representante do Brasil, e Bill Rhodes, representando os credores. Devíamos a 880 bancos. O Brasil devia até ao Banco do Brasil.

Esse aperto de mãos selou o acordo, em princípio de troca de toda a velha dívida, que explodira 10 anos antes, por novos papéis. Era “em princípio” porque precisava de adesão dos bancos e aprovação do Congresso brasileiro.

Já estava em curso uma operação secreta que foi decisiva. Os novos papéis embutiam uma perda para os credores e eles fizeram uma exigência: o Brasil teria que conseguir do Tesouro americano a emissão de títulos para serem dados em garantia, para a eventualidade de o Brasil não pagar de novo. O Tesouro americano fez para o México, mas não quis fazer para o Brasil. Exigiu que o país fechasse antes um acordo com o FMI. E o Fundo exigiu que o Brasil derrubasse a inflação. Ela estava a mais de mil.

Secretamente, o Banco Central comprou títulos americanos. Quando chegou o prazo fatal o Brasil tinha o suficiente sem precisar pedir. Houve momentos de aflição na renegociação que só terminou em fins de 1994. O Senado quase rejeitou o acordo; o Banco do Brasil teve que fingir ser contra o Brasil para, juntando-se aos contrários à adesão, impedir que a ação deles na Justiça prosperasse.

Toda a velha dívida foi trocada então por sete modalidades de títulos, que eram diferentes em prazo e juros dentro do formato do Plano Brady. Em 1995, o Brasil voltou ao mercado internacional e foi bem recebido, pela primeira vez depois de muitos anos, e as emissões de bônus brasileiros atraíram mais compradores do que precisava.

A maioria dos Brady bonds da velha dívida venceria só depois de 2020. Mas já foram resgatados. O presidente Fernando Henrique recomprou uma parte, o presidente Lula recomprou o resto. E no dia 18 de abril de 2006 o Tesouro Nacional divulgou a nota informado que a “faxina” da dívida externa havia terminado. Isso, 23 anos e sete meses depois daquele doloroso setembro.

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