quarta-feira, outubro 05, 2011

ANTONIO PRATA - Anistia para o tomate seco



Anistia para o tomate seco
ANTONIO PRATA 
FOLHA DE SP - 05/10/11

No início dos anos 1990, não havia restaurante ou evento que não oferecesse tomate seco no cardápio


Sei que na última quarta prometi continuar minha lista das coisas-que-não-funcionam, abarcando também as ideias-que-não-funcionam, como o camping, pintar a própria casa e relação a três. Se não cumprirei com minha palavra é porque nesses dias descobri que, de todas as ideias-que-não-funcionam, a mais estéril é decidir com antecedência o tema de uma crônica. Crônicas são como cogumelos, brotam onde querem, espontaneamente, e não convém colhê-las muito antes da hora nem demorar para tirá-las da terra, sob o risco de secarem e perderem o sabor.
Vejo um leitor franzir o cenho. O quê? O funghi secchi? O bacalhau? A baunilha? É verdade, é verdade, aí estão alimentos que, desidratados, ficam mais saborosos do que "in natura". Devo agradecê-lo, perspicaz leitor: seu comentário não só me faz perceber o equívoco de minhas divagações fúngico-literárias como me traz ao verdadeiro tema deste texto, um tema que eu jamais encontraria sozinho, errando por parágrafos como quem passeia por bosques, em busca de crônicas e cogumelos; falo de um alimento desidratado e saboroso, que conheceu dias de glória, não faz muito tempo, mas caiu em desgraça e hoje vive quase no esquecimento. Falo do tomate seco.
No início dos anos 1990, não havia evento ou restaurante digno de nota que não o oferecesse no cardápio. Estava em pizzas, saladas e sanduíches. Em casamentos, vernissages e bar-mitzvás. Era chique, porém moderno. Saboroso, porém saudável. Vinha embebido em azeite, quando o azeite começou a ficar na moda. Trazia novidades, como a mozarela de búfala e a rúcula, sabia reverenciar os mais velhos, como o rosbife. E então, o que aconteceu? Feito um artista que estoura rápido demais, não soube administrar a carreira, perdeu-se na superexposição. Foi parar em rótulos de batata chips. Passou a ser figurinha carimbada em sanduíches de metro nos bufês infantis. Renegou os antigos amigos -a rúcula, a mozarela de búfala, o rosbife - e enrolou-se com queijo prato e presunto gordo, em sórdidos balcões de alumínio, ao lado de ovos azuis e torresmos amanhecidos.
O resultado, todos conhecem. Ninguém foi tão rápido do estrelato ao ostracismo: nem a lambada, nem o Collor, nem o Keep Cooler. Hoje, o tomate seco é como o John Travolta, antes de "Pulp Fiction": um modismo condenado ao limbo do passado recente, onde se debatem as pessoas, os objetos, as músicas e os cortes de cabelo que não são nem tão novos para permanecer cool, nem tão velhos para chegar ao vintage.
Pois eu estou disposto a acabar com essa condenação. Quero ser para o tomate seco o que o Tarantino foi para o John Travolta. Quero lembrar ao mundo que ele é mais do que um gostinho bonito, que tem talento e estatura para sair da história e voltar para a vida. Façam um pequeno esforço: da próxima vez que forem ao supermercado, comprem um pote e me digam se esse alimento nutritivo e saboroso não merece estar de novo entre nós -ele, que jamais se envolveu com PC Farias, não teve qualquer ligação com a banda Kaoma nem foi responsável por misturar vinho com suco de cereja. Que a justiça seja feita -e bom apetite.

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