domingo, abril 08, 2012

Contículos 2 - LUIZ FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 08/04/12


Dois homens tramam um assalto.

– Valeu, mermão? Tu traz o berro que nóis vamo rendê o caixa bonitinho. Engrossou, enche o cara de chumbo. Pra arejá.

– Podes crê. Servicinho manero. É só entrá e pegá.

– Tá com o berro aí?

– Tá na mão.

Aparece um guarda.

– Ih, sujou. Disfarça, disfarça...

O guarda passa pelos dois, que fingem estar discutindo.

– Discordo terminantemente. O imperativo categórico de Hegel chega a Marx diluído pela fenomenologia de Feurbach.

– Pelo amor de Deus! Isso é o mesmo que dizer que Kierkegaard não passa de um Kant com algumas sílabas a mais. Ou que os iluministas do século 18...

O guarda se afasta.

– O berro tá recheado?

– Tá.

– Então vamlá!

Desejável

– Meu bem...Você está deslumbrante!

– Tudo para você, querido.

– Esse penteado...

– Fui ao cabelereiro e pedi um corte novo para o meu maridinho me achar desejável. Fui ao maquiador e pedi que me deixasse bem bonita e sexy para atrair meu maridinho. Comprei esta camisola provocante para enlouquecer você.

– E conseguiu, meu amor. Você está...

– Não me toca senão estraga tudo!

O encontro

Um homem livra-se de todos os seus bens materiais, abandona a família e vai viver no deserto. Leva o suficiente para sobreviver no deserto durante um ano. Não fazendo nada, só olhando o sol de dia e as estrelas à noite. Quer se encontrar com Deus e não quer nada à sua volta. Nada que distraia sua atenção, nada que confunda sua visão no caso de Deus aparecer. E o deserto é nada para todos os lados. Nada de horizonte a horizonte.

Mas de tanto olhar o sol e examinar os horizontes esperando ver Deus, o homem fica cego. É socorrido e levado para um hospital numa cidade grande, e, incapaz de ver o que o cerca e distinguir o sono da escuridão da cegueira, mergulha em si mesmo – e encontra Deus, que o recebe com um “alô” amistoso.

– Eu queria muito encontrá-lo – diz o homem.

– Eu sei, eu sei.

– Fui procurá-lo no deserto, despojado de tudo, livre da civilização...

– Pois é, foi no lugar errado. Acontece muito. Eu estava aqui todo este tempo.

– Esperei você em vão.

– Para dizer a verdade, não gosto muito de lugares ermos. A gente começa a pensar demais, a se auto-questionar... E a solidão? Prefiro lugares onde há gente e movimento. Bom é civilização.

– Mas ninguém se lembra de procurar você dentro de si.

– Pois é. Querem espetáculo. Visões no deserto. Epifanias. Conversões cinematográficas. Não é o meu estilo.

– Mas...

– Vê se dorme um pouco. Amanhã a gente conversa. Agora você sabe onde me encontrar.

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