quinta-feira, fevereiro 19, 2009

CLÓVIS ROSSI

O medo venceu a alegria


Folha de S. Paulo - 19/02/2009
 

Fiquei com uma dúvida, que compartilho com o leitor, a propósito do belo texto de Tostão ontem publicado por esta Folha
Diz ele que "mesmo as pessoas de bem se acostumam com tudo isso", sendo "tudo isso", se Tostão me permite um resumo apertado, a violência dentro e fora dos estádios, a falta de cidadania, a corrupção, a impunidade, "a prática disseminada do jeitinho brasileiro". Minha dúvida é simples: as pessoas acostumam-se ou sentem-se absolutamente impotentes diante de "tudo isso"? 
Fiquemos no território da violência nos estádios. Está em discussão o veto ao que é uma das maiores graças do futebol, a possibilidade de gozar o torcedor adversário (sou pré-antigo, do tempo em que havia apenas adversários, não inimigos como hoje). 
Refiro-me à ideia de limitar a apenas 5% a venda de ingressos aos torcedores do time que não é mandante da partida. Se é que não se vai chegar à proibição total da presença de mais de uma torcida no mesmo estádio. Significa o seguinte: desistimos de conviver com o "outro". É preciso bani-lo, como fazem vários países com os imigrantes ilegais. Aqui, ilegais somos nós mesmos, se torcemos para o Corinthians e jogamos no Morumbi ou se torcemos para o São Paulo e jogamos no Parque Antártica. 
Ouvi no domingo, no "Bate Bola" da ESPN Brasil, Juca Kfouri dizer que desistira de levar o filho mais novo aos estádios devido ao risco implícito (ou explícito) que há nessa atividade antes trivial, contrariando prática que adotara com os mais velhos, no que era um exercício de troca de afetos. Juca renunciou não só à alegria -um direito fundamental- mas a uma fatia da paternidade. 
Conformou-se, como diz Tostão, ou se sente impotente para mudar alguma coisa do "tudo isso" que revolta Tostão e tantos outros?

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