domingo, julho 07, 2019

Estado policial: Moro já fez o que o PT não ousou nem para tentar se salvar - REINALDO AZEVEDO

UOL - 07/07

Estado policial: Moro já fez o que o PT não ousou nem para tentar se salvar



José Eduardo Cardozo: ministro da Justiça de Dilma, nunca houve nem sinal de que ele tenha tentado controlar a Lava Jato. Com seis meses no poder, Sergio Moro já passou a Bolsonaro informação sobre inquérito sigiloso e, segundo o próprio presidente, recebeu ordem para que a PF abra investigações. É tudo ilegal (Foto: Adriano Machado/Época)

José Eduardo Cardozo era o ministro da Justiça quando teve início a tal Lava Jato. Não se tem notícia de que tenha sido avisado previamente das ações desfechadas pela Polícia Federal. E isso implicava que sua chefe, a então presidente Dilma Rousseff, era literalmente a última a saber.

Desde os primeiros passos, a Lava Jato se organizou de forma meticulosa para capturar a imprensa com vazamentos organizados, hierarquizados e seletivos. Uma das consequências foi a queda do governo Dilma — que não se deu só em razão disso, mas também por isso.

Quem conhece os bastidores dessa história pode atestar: Cardozo era malvisto pelos setores mais inconformados do PT. Considerava-se um absurdo que, sendo a PF administrativamente subordinada ao Ministério da Justiça, atuasse com independência — como, de resto, prevê a lei.

Pois bem! O jornalista Rubens Valente, da Folha, apontou o que ao resto da imprensa passou despercebido, incluindo a este escriba. Reproduzo trecho de texto publicado em sua página:

Que o presidente da República tenha revelado isso e nenhuma reação provocado é um sinal preocupante de debilidade das instituições. Em entrevista coletiva no Japão, no dia 28, Jair Bolsonaro disse que o ministro Sergio Moro lhe deu acesso privilegiado a dados do inquérito sobre os laranjas do PSL: "Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal pra mim. Mandei um assessor meu ler porque eu não tive tempo de ler".
Segue Valente:

Ocorre que a investigação tramita sob segredo na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais. Surgem aqui dúvidas éticas e legais. Bolsonaro foi além. Revelou que "determinou" a Moro, que por sua vez iria "determinar" à PF, que "investigue todos os partidos" com problemas semelhantes. "Tem que valer para todo mundo, não ficar fazendo pressão em cima do PSL para tentar me atingir."

As declarações devem assustar policiais das diversas carreiras da PF —alguns dos quais hoje em cargos de direção, reconheça-se— que nos últimos 30 anos trabalharam para que o órgão evoluísse para uma instituição "de Estado, não de governo", como cansaram de repetir. Uma PF que não esteja à mercê dos rancores do presidente e do ministro de plantão. Um órgão que investigue fatos e não pessoas.

O jornalista atenta para a gravidade do caso:

Bolsonaro se elegeu agitando a bandeira "da lei e da ordem", o que pressupõe pelo menos respeito aos órgãos investigativos. Agora faz o contrário: acessa e fala sobre um caso sob segredo e humilha investigadores em praça pública ao ditar como devem se comportar, como se eles não soubessem seu papel. Ele também tem seguidamente atacado a PF por discordar, sem provas, das conclusões do caso Adélio.

Os órgãos de controle da União ou não ouviram o que Bolsonaro disse no Japão ou ouviram e silenciaram. Nos dois modos temos instituições cegas para o Alex Jones que ora ocupa a Presidência. Ele exerce abertamente a ousadia dos impunes a fim de obter dados sigilosos e determinar o que deve ser investigado no país. Isso é que é Estado policial.


DE VOLTA AO COMEÇO
Volto, então, ao meu primeiro parágrafo e pergunto:

1: o que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — diante da evidência de que a PF teria fornecido, contra a lei, informações sigilosas ao ministro da Justiça, e este, dando sequência à ilegalidade, à presidente da República? Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;

2: o que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — se ficasse evidente, então, que o ministro da Justiça comandava as ações da PF e que, pois, esta teria se transformado numa polícia a serviço do governo, não a serviço do Estado, segundo as balizas legais? Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;

3: o que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — se a então presidente da República tivesse admitido que mandou, sim, seu ministro da Justiça determinar à PF que investigasse seus adversários políticos? E tal ministro, entende-se — depois de ter recebido e fornecido ilegalmente informação sigilosa sobre investigação —, teria cumprido diligentemente a ordem. Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;

4: O que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — diante da evidência de que, se a presidente podia mandar investigar seus adversários sobre um assunto em particular, então poderia fazê-lo sobre qualquer outro? Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República;

5: O que teriam dito os críticos do PT — e isso me incluiria, claro! — diante de outra evidência, esta que segue? Presidente que manda investigar A ou B, dos quais não gosta, tem poder, então, para mandar parar de investigar C ou D, dos quais gosta. Falo por mim: eu teria acusado uma tentativa de instalação de Estado policial a serviço de um grupo que quereria golpear a República.

CADA UM FALE POR SI

Como se nota, falo por mim. Cada um fale por si. Não mudei de princípios:: ACUSO A TENTATIVA DE INSTALAÇÃO DE UM ESTADO POLICIAL A SERVIÇO DE UM GRUPO QUE QUER GOLPEAR A REPÚBLICA.

E seu principal agente, como resta evidente, é Sergio Moro. E olhem que não trato aqui das revelações feitas pelo site The Intercept Brasil.



Dada outra grave ilegalidade, Moro enrola. E o morista Randolfe. Ou já ex?



Randolfe Rodrigues: senador era, até outro dia, a voz da Lava Jato e de Sergio Moro no Senado. Caiu a ficha?

Confrontado com a evidência inquestionável de que recebeu, ilegalmente, informações sobre investigação sigilosa e de que, também ilegalmente, a transmitiu ao presidente da República, Sergio Moro resolveu se dedicar a um de seus esportes retóricos favoritos: a enrolação. Na noite desta sexta, o Ministério da Justiça emitiu uma nota, segundo informa a Folha:

"O Ministério da Justiça e Segurança Pública esclarece que foi o próprio presidente da República quem solicitou a apuração rápida da suposta utilização de pessoas interpostas na eleição do PSL em Minas Gerais. Na quarta-feira, após a efetivação das prisões do assessor especial do Ministério do Turismo pela Polícia Federal, o fato foi informado ao ministro da Justiça e da Segurança Publica e ao Presidente". E acrescentou: "Nenhuma peça ou informação processual que pudesse comprometer o sigilo das investigações ou que já não estivesse amplamente disponível à imprensa foi repassada".

Lê-se ainda no jornal:

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), protocolou nesta sexta-feira na comissão diretora da Casa um requerimento para que Moro "esclareça, por escrito", a notícia de que forneceu os dados da investigação sobre o PSL para Bolsonaro.

Segundo Randolfe, a notícia sobre o repasse dos dados "é extremamente grave" pois "coloca em dúvida a lisura e a imparcialidade das investigações por parte da Polícia Federal".

O senador pediu que Moro seja indagado se está ciente da lei que estabelece que "é dever do Estado controlar o acesso e a divulgação de informações sigilosas produzidas por seus órgãos e entidades, assegurando a sua proteção".

Randolfe fez uma comparação entre o episódio e o que envolveu um delegado da PF "acusado pelo TRF [Tribunal Regional Federal] da 4ª Região de violar o sigilo funcional do cargo por ter revelado ao ex-deputado André Luiz Vargas a existência de investigação sigilosa deflagrada".

O presidente da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva, disse à Folha que não sabe a que o presidente se referiu quando declarou que teve acesso à apuração, mas que Bolsonaro é um terceiro e, em tese, não poderia ter acesso a uma investigação sigilosa.

"Só posso falar em tese. Em tese nós sempre queremos acreditar que jamais um terceiro vai ter acesso a uma investigação. O presidente, apesar de ser autoridade máxima de um país, é sempre um terceiro, ele não deve ter acesso a investigações em andamento", disse o representante dos delegados.

(…)

RETOMO

Será que Randolfe, hora dessas, vai fazer ao menos um mea-culpa por ter sido, durante tanto tempo, uma espécie de porta-voz da Lava Jato no Senado, fechando os olhos para todas as agressões à ordem legal que já estavam em curso sob o pretexto de apoiar o combate à corrupção? Mais do que ignorá-las, ele as exaltou muitas vezes.

É claro que não vou criticá-lo agora por ter feito a coisa certa. E não o criticarei por acertos futuros ainda que não venha a fazer a autocrítica. Mas sempre indagarei aos agentes políticos se descobriram o caminho da institucionalidade e do respeito às leis, de modo que arbitrariedades outras não venham a nos assolar no futuro.

Sim, é muito grave que Moro tenha tido acesso a informações sigilosas e que as tenha fornecido ao presidente. Ainda mais grave é que este tenha declarado, com a desfaçatez habitual, que ordenou que a PF investigasse também outros partidos. Não que não possam ser investigados se houver motivos. Mas ordená-lo é tarefa de um presidente?



Moro nunca foi tão perigoso: mais fraco e ainda forte, será servil ao rei




Prestem atenção a uma questão: Sergio Moro nunca foi tão perigoso como agora. E justamente porque está mais fraco — e se enfraquecendo. Entrou no jogo para ser uma espécie de âncora de seriedade do governo de Jair Bolsonaro e agora depende do presidente da República para manter a cabeça fora d'água. Não podendo ser aplaudido pelo estado de direito, vai buscar o aplauso do estádio.

Ainda que um bolsão de juízes federais tenha saído em sua defesa, é certo de que tal apoio moral vai diminuir à medida que se vá retirando o véu da fantasia que cobre a realidade. Parcelas crescentes da população começam a cair na real e a perceber que o demiurgo de uma nova ordem era, na verdade, o ogro.

E por isso Moro se torna especialmente perigoso: porque ainda dispõe de muito poder e vai lutar desesperadamente para se manter naquele lugar de gozo permanente em que ficou nos últimos cinco anos: bastava uma mensagem a seus comandados na Lava Jato, e tudo se movia, inclusive na imprensa. Ocorre que aquele lugar já não existe mais.

A lógica indica que haverá contra-ataque, mas agora, necessariamente, como um instrumento do governo. Não resta outra coisa à fera acantonada. O projeto pessoal do ex-juiz-vedete chegou ao fim — e será triturado ao fim da jornada. Enquanto permanecer no Ministério da Justiça, empregará seus infiltrados para atender às vontades do rei.

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