sexta-feira, outubro 18, 2013

Dúvida americana - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/10

Irã e Iraque enfrentaram-se numa guerra, Irã e Estados Unidos são inimigos históricos que começam só agora um diálogo, Hugo Chávez, quando vivo, não perdia chance de atacar Washington. Mas todos esses países financiam o Tesouro americano. Onze exportadores de petróleo — Arábia Saudita incluída — têm um Ipouco mais que o Brasil de Treasury Bonds.

Juntos, esses 11 petrolíferos têm US$ 257 bilhões. O Brasil tem US$ 256 bilhões. Se a conta for feita por país, nós somos o terceiro maior detentor de títulos do Tesouro americano, depois da China e do Japão, que têm US$ 1,2 trilhão e US$ 1,1 trilhão respectivamente.

Há outro grupo interessante de financiadores: bancos do Caribe. Em paraíso fiscal, há dinheiro de quem não quer pagar impostos, de quem se esconde de algo ou alguém, de quem tem negócios escusos. A turma do paraíso fiscal tem um total de US$ 287 bilhões. Se forem considerados os dois grupos — o do petróleo e o dos bancos — o Brasil é o quinto detentor de dívida americana.

E é esse ativo inescapável, a dívida americana, que balança no abismo de quando em vez empurrada por um sistema político que foi capturado por uma polarização irracional.

Os Estados Unidos têm também o privilégio de serem os emissores da moeda de referência do mundo, com a qual são feitas as transações comerciais. Não há substituto à vista: nem os títulos dos tesouros de outros países nem outras moedas podem substituir o dólar e os Treasury Bonds no seu volume e valor.

O governo Barack Obama ficou duas semanas com as portas fechadas e chegou a poucas horas de atingir o limite do endividamento. Quando parecia tudo perdido, conseguiu mais um prazo. Nada resolvido, tudo adiado. Assim que o ano de 2014 começar, voltará a agonia da queda de braço no Congresso americano.

E pelo que houve até agora, pode-se prever que será de novo essa mesma queda de braço que termina no último minuto do segundo tempo com todo mundo prendendo a respiração. Na briga que terminou ontem, a economia perdeu o momento em que estava crescendo o ritmo de recuperação.

Tudo isso produz um aumento da incerteza global. O que era considerado porto seguro para se fugir da crise passa a ser o epicentro das crises. E estamos todos amarrados a esse centro, através dos títulos do Tesouro e da retenção da moeda americana.

As declarações de alertas das autoridades mundiais chegaram a ser engraçadas nos últimos dias. A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, disse que o evento, se ocorresse, provocaria ""um grave dano"à economia mundial, poderia provocar uma recessão global e seria um grande desastre. Todas essas palavras são fracas demais para descrever o que ocorreria.

O calote do emissor da dívida, que forma a
0 Brasil é o terceiro país que mais carrega títulos do Tesouro americano, atrás apenas de China e Japão
É esse ativo inescapável, a dívida americana, que balança no abismo pelo impasse político
maior parcela das reservas de países, seria uma hecatombe incalculável. Cairia a primeira potência e em seguida derrubaria a China, depois o Japão. O terremoto de um calote americano varreria a economia mundial,

É pela dimensão das consequências que ninguém reage à altura do risco: ele é tão grande que todos apostam que os Estados Unidos terão Juízo no momento final. E o mundo fica assim esperando o juízo final.

A crise da paralisação americana adiou o início da redução dos incentivos monetários, o que reverteu a alta do dólar. Isso aliviou a inflação no Brasil, mas pegou o Banco Central no meio do programa de vendas de quantias diárias de dólar que foi anunciado para durar até o fim do ano. Era um programa para conter a alta da moeda, que agora parece adiada. O que fazer diánte disso? Para enfrentar a inflação, o Banco Central continuará elevando a taxa de juros, como deixou claro na ata do Copom divulgada ontem. É possível que os juros cheguem a 10%. Isso derruba mais a moeda americana. Como fazer: manter a ração diária ou suspendê-la? O mundo fica girando em torno da crise americana e seu efeito atinge diretamente as políticas internas dos países. Estranho momento esse da economia mundial.

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