sexta-feira, fevereiro 10, 2012

No Brasil não existe direita? - JOÃO MELLÃO NETO


O Estado de S.Paulo - 10/02/12


PT e PSDB mantêm uma relação que só Freud explica. Ambos foram dissidências do antigo MDB e nasceram do mesmo ventre: o pensamento socialista. Mas só viveram juntos até meados da década de 1980. A partir daí separaram os trapos e cada um foi cuidar da própria vida.

Intelectuais existem em ambos os partidos. Só que a social-democracia se traduz pela adesão de sindicatos e o PSDB ainda não conquistou nenhum. Os tucanos acreditam contar com a nata da inteligência brasileira. Acham que seus adversários são rudes e pouco educados. Os petistas já perceberam que seus opositores só conhecem a política de punhos de renda e abusa disso. Praticam a política do pragmatismo e a do poder no seu sentido mais realista. O PT vê no PSDB um inimigo a ser combatido. Já no PSDB o PT é tratado como irmão caçula. Todas as suas diabruras são perdoadas, todas as suas malcriações são relevadas como "excessos da juventude". Acontece que o PT não é um adolescente. Nasceu em 1980, sendo, portanto, oito anos mais velho que seu "irmão mais velho".

O PSDB alcançou a Presidência em apenas seis anos. O PT ficou no sereno por mais de duas décadas. E perdeu três eleições nacionais até entender e depurar os seus defeitos. Fala-se dos tucanos que eles não sabem fazer oposição. É claro que não. Eles nunca a fizeram.

Vamos rememorar os fatos. Mário Covas perdeu a eleição presidencial em 1989, mas logo a seguir os tucanos se transformaram na noiva mais cobiçada da corte. O presidente Fernando Collor fez de tudo para atraí-los ao seu leito e Itamar Franco, seu sucessor, concedeu-lhes vários ministérios. Eu residia em Brasília nessa época e acompanhei todos esses fatos de perto.

O senador Fernando Henrique Cardoso ganhou de presente o posto que mais desejara: o de ministro das Relações Exteriores. É um cargo para quem não pretende mais fazer política na vida, uma experiência muito gratificante: viaja-se bastante, convive-se com gente do mais alto nível, trabalha-se no ministério mais bonito de toda a Esplanada. Até aí, tudo de bom. O problema é que o único cargo de livre provimento de que dispõe é o de secretário particular, todos os demais são de carreira. Mas, ainda assim, era tudo o que FHC mais queria.

Uma noite foi acordado, em Nova York, por um telefonema urgente do presidente Itamar. Após três nomeações frustradas para a Fazenda, o nome mais respeitável disponível era o do chanceler Cardoso, que admitia publicamente quase nada saber de economia. Mesmo a contragosto, assumiu a pasta e, assessorado por bons economistas, bancou o Plano Real, que lhe valeria a vitória em duas eleições presidenciais.

O sucesso do "jeito tucano de governar" era tanto que acabou inspirando o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, a vaticinar que os social-democratas permaneceriam no poder por pelo menos 20 anos. Mas eis que, já em 2002, foram apeados do poder pelas urnas. A hora e a vez eram de Lula. O Brasil estava ávido por experimentar o modo petista de exercer o poder.

O presidente Lula demonstrou-se um prestidigitador. O amplo arco de apoio ia do PP, partido que herdara a massa falida da ditadura, até o PCdoB, criado para confrontar o PCB, que seus membros achavam ser por demais moderado.

Surgiu, então, um problema: como o forte do governo anterior fora a economia, o PT haveria de se destacar em outra área, a social. Para tanto o PT contava com uma arma secreta: o famigerado programa Fome Zero. Criou-se até um ministério para implantá-lo, que seria ocupado por ninguém menos que seu idealizador.

A expressão "fome zero" foi um sucesso internacional. Muita gente se propôs a fazer doações ao programa. O governo adiou mais uma vez a compra de novos aviões para a Força Aérea Brasileira e alegou que o fazia para investir no programa de banimento da fome. Demagógica ou não, o fato é que a ideia pegou.

Só que havia um detalhe: ninguém fazia a menor ideia de como fazer chegar os alimentos aos desvalidos. Decidiu-se, então, que os víveres seriam adquiridos diretamente pelos beneficiários. Depois era só eles apresentarem a nota fiscal às autoridades competentes que o governo ressarciria todas as despesas. Ora, nota fiscal nos grandes centros é coisa comum. Mas, e no interior do Nordeste, onde as pessoas nem sequer sabem o que é isso? O barco começou a fazer água por todos os lados. E se optou por uma solução mais simples: bastava o dono do empório rabiscar num papel um indicativo de despesas alimentares para que a exigência fosse cumprida. Não funcionou.

Aí surgiu a ideia de unificar todos os programas sociais então existentes num só, aproveitar os cadastros que haviam sido elaborados e batizar tudo com um novo nome. Foi assim que nasceu o Bolsa-Família, um sucesso de público, mas não de crítica. E dessa forma ficaram divididos os louvores: FHC destacou-se na economia, Lula brilhou no social e Dilma faz um pouco de cada coisa: é autoritária como um tucano e conversa com Fidel Castro como um petista.

Não há, todavia, nada mais parecido com um tucano do que um petista: ambos os partidos contam com excelentes quadros administrativos (os mesmos, aliás), governam com alguma eficiência e se entendem como de centro-esquerda. Afinal, nasceram gêmeos.

Mas, e quanto à direita? Ela não existe ao sul do Equador? Será que no Brasil não existe ninguém que defenda princípios de direita, seja a liberal, seja a conservadora? O pensamento de direita tem bases sólidas e não implica necessariamente complacência com ditaduras ou regimes de exceção. Entre outros princípios, prega o respeito aos direitos humanos, o sagrado direito de tomar decisões e a responsabilidade individual.

Todos pelo social não dá, pessoal. Alguém vai ter de subir pelo elevador de serviço.

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