terça-feira, outubro 28, 2014

O dia seguinte RUBENS BARBOSA

O ESTADO DE S.PAULO - 28/10

Ao final de uma das eleições mais renhidas das últimas décadas, as urnas falaram de forma clara e 120 milhões de votantes manifestaram-se de forma ordeira e tranquila, dando mais um sinal de maturidade democrática. Na disputa entre dois modelos distintos de governo, a maioria mais apertada desde 1945 optou pelo do PT. Não se deu a alternância de poder, tão saudável para a democracia.

Nos dias seguintes aos resultados, contudo, temos de pensar no Brasil em primeiro lugar, virar a página dessa histórica eleição e tratar de olhar para a frente pensando no futuro de nosso país. O Brasil não para e não pode ficar refém de rixas radicais entre grupos políticos. A sociedade brasileira espera que de norte a sul, dos mais favorecidos aos mais desvalidos, as feridas e os ressentimentos deixados pelos duros embates e evidentes exageros das campanhas eleitorais sejam superados. A intolerância atingiu níveis perigosos e inaceitáveis no contexto de um rotineiro enfrentamento político que se pressupõe civilizado e conducente ao aperfeiçoamento das práticas democráticas.

O País terá de enfrentar a partir de agora a dura realidade da economia em recessão e das contradições e dos desafios na política nacional.

O governo vai ter de cumprir os principais compromissos assumidos pela presidente reeleita, tais como medidas para estabilizar a economia, ajustes na política econômica para reduzir a inflação, volta do crescimento para manter o nível de emprego e reforma política para permitir o avanço das mudanças de que tanto o País necessita. Por outro lado, esperam-se o prometido combate à corrupção e o restabelecimento dos princípios éticos com a punição dos culpados pelo assalto aos cofres públicos e que tanto prejuízo causaram à maior e mais prestigiosa empresa brasileira.

As oposições, que saem derrotadas, têm de se reinventar e atuar de forma diferente da dos últimos 12 anos para melhor defenderem o modelo e as políticas que expuseram na campanha eleitoral e cobrar resultados do governo nas áreas política, econômica e social.

Os ataques pessoais e a exacerbação das críticas fizeram crescer as paixões partidárias e a animosidade entre os simpatizantes do PSDB e do PT. O ardor da disputa em diversos momentos, não só nos debates na televisão, mas também nas ruas, acirrou os espíritos e fez com que o País emergisse, depois da eleição, dividido eleitoralmente entre Norte-Nordeste e Sul-Sudeste, e socialmente entre pobres e ricos, povo e elite, entre "nós e eles".

Olhando para os interesses permanentes do Brasil, esse elemento novo é preocupante. A insistência na divisão, tão explorada pelo PT para se manter no poder, é uma receita bastante perigosa para a preservação da democracia e da tranquilidade em nosso país.

O novo mandato não se prenuncia fácil para o governo do PT. Se a tática de divisão entre "nós e eles" continuar, a radicalização política e o enfrentamento derivado das opções que serão adotadas vão provocar uma situação de conflito que não deveria interessar a ninguém.

Temos de encontrar formas de restabelecer a harmonia interna para podermos avançar nas agendas que interessam ao Brasil. Desde o início do novo governo petista teremos de estabelecer pontes e canais de comunicação para evitar que a radicalização e a polarização dos últimos meses da campanha eleitoral se mantenham, fracionando a nossa sociedade. Isso vai exigir um esforço de moderação dos dois lados. Temos de demonstrar maturidade para poder dialogar de forma democrática e pacífica.

A legitimidade consagrada pela vitória eleitoral impõe a responsabilidade de que as propostas apresentadas durante a campanha sejam discutidas e aprovadas pelo Congresso Nacional, que, passando a contar com representantes de 28 partidos, normalmente verá seu processo decisório tornar-se mais difícil e complexo.

O próximo ano prenuncia-se difícil não só, como tudo indica, pela gradual deterioração da economia - o que exigirá a tomada de medidas fortes para equilibrar as contas públicas, conter a escalada da inflação e tentar aumentar o crescimento econômico -, mas também porque, do ponto de vista político, os detalhes divulgados nas delações premiadas no caso de corrupção na Petrobrás começarão a ser expostos com provas ao grande público e os acusados deverão começar a ser julgados.

Algumas das políticas e medidas prometidas pela então candidata, agora presidente reeleita, têm grande potencial de levar ao aprofundamento das divisões internas. O plebiscito para a reforma política, o controle social da mídia, o controle econômico das empresas de comunicação, a revisão da Lei de Anistia, a criação da política nacional de representação social e a modificação da lei que torna privativas funções de chefia no Itamaraty - para mencionar apenas algumas - não contam com o apoio da maioria da sociedade brasileira. Caso o governo reconduzido queira aplicá-las, haverá, sem dúvida, o aprofundamento da divisão interna e um novo inevitável choque de consequências imprevisíveis para a democracia e a estabilidade do nosso país.

Embora o discurso da presidente Dilma Rousseff após o anúncio oficial dos resultados, no domingo, tenha conclamado "todos os brasileiros e todas as brasileiras sem exceção" à "união" e ao "diálogo", não houve um gesto em relação à oposição, nem sequer uma menção, como é de praxe, a seu opositor, que a havia cumprimentado pouco antes.

O grande desafio que o Brasil vai enfrentar nos próximos meses será como estabelecer as referidas pontes para evitar a radicalização e procurar deixar as diferenças de lado. Não será fácil.

Governo e oposição têm responsabilidade compartilhada para evitar que a divisão se agrave, se aprofunde e leve a uma crise institucional.


Vitória de Pirro - RODRIGO CONSTANTINO

O GLOBO - 28/10

A luta apenas começou. E a vitória deles foi com gosto de derrota, pois sabem que vem chumbo grosso por aí


Após a batalha de Ásculo, o rei Pirro, ao felicitar seus generais depois de verificar as enormes baixas sofridas por seu exército, teria dito que com mais uma vitória daquelas estaria acabado. Desde então, a expressão "vitória de Pirro" é usada para expressar uma conquista cujo esforço tenha sido penoso demais. Uma vitória com ares de derrota.

Eis a sensação dessa vitória apertada de Dilma na reeleição. O Brasil está claramente dividido. A máquina estatal foi colocada a serviço do projeto de poder do partido. Houve denúncias de crime eleitoral, claro terrorismo com os dependentes dos programas assistencialistas, ameaça aos funcionários públicos. As baixarias usadas pela campanha da presidente, antes contra Marina e depois contra Aécio Neves, entrarão para a história como as mais sórdidas da nossa democracia.

Bem que Dilma tinha avisado que faria “o diabo” para vencer. Fez mesmo. E metade do país — a metade mais esclarecida e honesta — ficou estarrecida com o que viu. Nunca antes na história deste país se apelou tanto. O Brasil foi segregado. O “nós contra eles” virou o mantra daqueles que tentam monopolizar o discurso em defesa dos pobres, mas atendem, na verdade, aos interesses de uma elite corrupta e carcomida.

Os velhos caciques nordestinos celebraram, assim como Maluf e os mensaleiros presos na Papuda. O tirano Fidel Castro também deu pulos de alegria, assim como Nicolás Maduro. Kirchner, que vem destruindo a Argentina de forma acelerada, talvez com inveja da capacidade destrutiva do camarada venezuelano, foi outra que vibrou com a reeleição.

As urnas deram um resultado legal, apesar de denúncias de fraude que deveriam ser averiguadas. Mas qual a legitimidade de uma vitória tão apertada conquistada somente com base nas táticas mais pérfidas e imorais que existem? É uma vitória que colocou boa parte da classe trabalhadora de luto. Aqueles que pagam as contas do populismo petista. Aqueles que não suportam mais tantos impostos, tanta demagogia, tanta roubalheira.

A presidente Dilma falou em união em seu discurso de vitória, mas soa muito falso, não convence. Como ignorar todo o racha fomentado durante sua campanha indecente? Fingir que nada ocorreu é impossível. O país chega completamente partido ao meio por obra do próprio PT, que sempre precisou de inimigos e jamais colocou os interesses nacionais acima do seu projeto de poder.

Além disso, Dilma terá a verdadeira “herança maldita” agora pela frente. Não dará mais para culpar o governo de FHC ou a “crise internacional”, que faz os nossos pares emergentes crescerem o dobro da gente com a metade da taxa de inflação. O que vem por aí — e não será nada bonito de se ver — será colocado totalmente na conta da “presidenta”. Não haverá mais bodes expiatórios.

A economia, hoje estagnada, vai piorar ainda mais. A inflação, hoje muito elevada, vai subir ainda mais. O desemprego vai subir. A Petrobras, hoje pilhada, será finalmente destruída. E a roubalheira vai seguir seu curso, com a metade dos eleitores cúmplice, conivente. As conquistas sociais estarão em risco, e talvez a esquerda finalmente aprenda que não há dicotomia entre pobres e ricos, entre social e economia.

Nossas frágeis instituições serão testadas ao limite. Dilma herda um escândalo jamais visto, com evidências de desvios bilionários na maior estatal do país, e com o doleiro do próprio partido afirmando que ela e Lula sabiam de tudo. Se a denúncia for confirmada, um processo de impeachment não está descartado. Collor, hoje aliado do PT, caiu por muito menos.

Metade do Brasil finalmente acordou. Os anos de lulopetismo serviram ao menos para isso: despertar a indignação daqueles que são obrigados a pagar a fatura da irresponsabilidade, da incompetência e da corrupção do PT. Estamos cansados. Estamos de luto. E estamos, acima de tudo, vigilantes, atentos, de olho nos próximos passos do governo, que flerta abertamente com regimes opressores que censuram a imprensa independente.

A reação odienta e raivosa de muitos petistas, mesmo vencedores, demonstra como estão inseguros, tensos. Afinal, o Brasil ainda não é uma Venezuela. Temem ainda a punição legal por tantos anos de falcatruas, por terem permitido que uma quadrilha se instalasse dentro de nossas empresas e instituições. A oposição acordou. Está mais organizada e tem líder. E não vai assistir passivamente à pilhagem do nosso Estado.

A luta apenas começou. E a vitória deles foi com gosto de derrota, pois sabem que vem chumbo grosso por aí. Quem pariu Mateus que o embale...

Fala mansa - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 28/10

A vantagem da reeleição é que o país não precisa esperar os dois meses que separam a eleição da posse nem os tradicionais primeiros 100 dias de governo para conferir se a figura do candidato se encaixa na pessoa do presidente. Ou melhor: se o que foi feito para ganhar combina com o que será feito para governar.

A presidente Dilma Rousseff que surgiu reeleita na noite de domingo para discursar em prol do diálogo e da união nacional era outra na forma, mas ainda ficou devendo a prova de que na essência não continua a mesma.

Livre das jogadas ensaiadas que fizeram dela mera repetidora de frases desconexas, Dilma pôde se dirigir à nação com surpreendente fluência. Um alívio, pois se vê que não há nada de preocupante com ela. Apenas, não sendo política de raiz, tampouco é uma atriz. Nem improvisa nem segue com naturalidade o script.

Dilma disse as palavras adequadas no momento certo. A cobrança dos últimos dias eram todas no sentido em que foi construído o discurso. Era o que se esperava dela. Correspondeu bem a essa expectativa, principalmente quando exaltou o valor dos resultados apertados como agentes de mudanças mais eficazes do que vitórias muito amplas.

Foi ao ponto ao estabelecer que falar em união não significa defender unidade de ação e pensamento, pois o espaço para a divergência é sagrado. E foi em frente no comprometimento com reformas, com o reconhecimento de que pode ser uma pessoa de trato bastante melhorado, que a economia necessita de mudança de rumos, que o diálogo com todos os setores precisa ser qualificado, que a corrupção requer duro combate e o Congresso um relacionamento renovado.

As palavras da presidente são completamente diferentes das atitudes da candidata. Em quem o país deve acreditar? Aí depende da disposição de se aceitar, ou não, a teoria do “diabo”, segundo a qual pela vitória vale tudo. Ou os fins justificam os meios.

O problema da tese é que quem se orienta por ela pode adotá-la em qualquer situação: na campanha ou no governo. De onde a correção do discurso presidencial logo após a vitória deve ser visto com ressalvas. Primeira delas: tão amoldado à expectativa e contraditório em relação ao que gritava a militância que a ouvia ensandecida contra a “mídia golpista”, que autoriza a desconfiança de que seja mais uma peça de marketing.

A suspeita tem base em práticas anteriores. Já vivemos a publicidade da “faxina”, da “gerente”, da “durona”, que hoje promete ser “uma pessoa melhor”. Mas, sigamos com fé. Para que essa fé não nos falhe é necessário que a formalidade das palavras seja correspondida pela efetividade dos atos.

A presidente acena com diálogo. Se a memória não comete grave traição, ela fez gesto semelhante ao assumir a Presidência em 2010. A realidade resultou em isolamento. Sim, pode ter havido aprendizado, mas desta vez é preciso explicitar quais as bases, com quem e como o governo pretende estabelecer a interlocução para ganhar crédito. Terá de levar o PT a adotar a mesma orientação de que a crítica não significa “golpismo” e representa apenas uma parcela substantiva da população.

O compromisso com as reformas também não pode se resumir à repetição da proposta já repudiada do plebiscito para a reforma política. Há outras na pauta que implicam disposição do Poder Executivo de enfrentar e arbitrar contenciosos.

Para concluir, o enrosco urgente da Petrobras. A presidente aborda o tema da corrupção falando em mudanças nas leis. Não poderá, no entanto, passar os próximos quatro anos de olhos fechados para o fato de o PT ter optado por financiar seu projeto de poder por meio de traficâncias no aparelho do Estado.

Dilma 2, a revanche - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/10


SÃO PAULO - Foi apertado, mas acabou dando Dilma. Ela até que começou bem, afirmando, em seu primeiro pronunciamento como presidente reeleita, que está disposta ao diálogo --uma sinalização de que quer evitar o discurso radicalizado que marcou a campanha. Pelo menos por ora, imaginar que o Brasil está seguindo os passos da Venezuela parece mais exercício de paranoia do que um temor fundado.

No que diz respeito ao futuro próximo, há nuvens negras tanto no horizonte econômico como no político. A armadilha do baixo crescimento com inflação alta em que o governo nos enredou exigirá, senão medidas amargas, ao menos o adiamento das muitas bondades insinuadas na propaganda. No front político, além do sinal amarelo emitido principalmente pelos eleitores das regiões de maior dinamismo econômico, a administração deverá ser assombrada por uma espécie de crise permanente, conforme avançarem as investigações sobre propinas na Petrobras.

Espremida entre as dificuldades orçamentárias e as exigências de uma base aliada fortalecida pelo escândalo, Dilma não deverá ter muito espaço de manobra. Paradoxalmente, isso pode ser uma boa notícia, já que a presidente terá de limitar sua imaginação econômica e conter seus ímpetos intervencionistas. Pelo menos no primeiro governo Lula, a forte desconfiança do mercado sobre suas intenções acabou exercendo um poder moderador que contribuiu para a gestão responsável das finanças.

Mesmo que tudo dê errado, o que é sempre uma possibilidade, o otimista inveterado pode regozijar-se com o fato de que a eleição de Dilma favorece a curva de aprendizagem do eleitorado. Na hipótese de amargarmos uma feia crise social, a responsabilidade vai estourar no colo de quem a provocou, não de terceiros. Mesmo os talentosos marqueteiros do PT teriam dificuldades para culpar o governo FHC pelo que vier a acontecer a partir de 2015.

O novo e o mesmo - CARLOS ALEXANDRE

CORREIO BRAZILIENSE - 28/10

As manifestações de 2013 sinalizaram que parcela significativa dos brasileiros estava insatisfeita com a conjuntura nacional, traduzida pela qualidade sofrível dos serviços públicos, pelos gastos extraordinários na preparação da Copa do Mundo e por uma indignação difusa contra a corrupção. Ante o assombro dos políticos com a revolta popular, a presidente Dilma Rousseff anunciou cinco pactos como forma de o governo responder aos anseios da nação. Um dos pontos apresentados consistia na tal reforma política - sim, a mesma que voltou ao discurso da presidente na noite de domingo, desta vez reeleita para mais quatro anos em Brasília.

Em 2013, a iniciativa do Planalto naufragou nos meandros do Congresso. O Senado e a Câmara anunciaram uma pauta positiva, igualmente em resposta aos protestos de junho, mas guardaram na gaveta a mobilização por mudança. Nada leva a crer que os parlamentares eleitos ou a presidente reconduzida ao cargo terão reais condições ou genuíno interesse em abolir distorções como financiamento privado de campanha, fundo partidário para defender políticos na Justiça ou a trintena de legendas que fazem da política um jogo de toma lá dá cá. É altamente improvável que surja algo novo na próxima quadra.

Merece estudo e reflexão a contradição de um país que foi às ruas exigir mudança e, no ano seguinte, decide votar pelo continuísmo. Numa situação inédita desde a redemocratização, um partido permanecerá no centro do poder por quatro mandatos presidenciais consecutivos. Com o resultado das urnas, o governo recebe a chancela para prosseguir com a política econômica de juros altos, leniência com a inflação e frouxidão fiscal. Obtém igualmente o apoio a uma administração enviesada, que procura atender a parcela mais carente da população brasileira, mas sacrifica o setor produtivo e a classe média, em uma lógica esquerdista contra a chamada elite ou burguesia. Esse corte social defendido pelo PT produziu um efeito político desagregador, que nas eleições rompeu os limites do bom senso e se expressou por meio de manifestações mútuas de ódio e preconceito. Em ambiente tão deflagrado, não restava alternativa à presidente reeleita que fazer um apelo pela união nacional, a fim de curar as feridas da campanha e instaurar a normalidade civil.

Dessa eleição marcante em vários aspectos, talvez a novidade digna de registro venha da oposição. O desempenho de Aécio Neves pode inaugurar um período de relevante contestação à prática governista, tão necessária à democracia quanto ao PT.

Burrice e ignorância - ARNALDO JABOR

O ESTADÃO - 28/10

A burrice é diferente da ignorância. A ignorância é o desconhecimento dos fatos e das possibilidades. A burrice é uma forca da natureza (Nelson Rodrigues).

A ignorância quer aprender. A burrice acha que já sabe. A burrice, antes de tudo, é uma couraça. A burrice é um mecanismo de defesa. O burro detesta a dúvida e se fecha.

O ignorante se abre e o burro esperto aproveita. A ignorância do povo brasileiro foi planejada desde a Colônia. Até o século 19, era proibido publicar livros sem licença da Igreja ou do governo. A burrice tem avançado muito; a burrice ganhou status de sabedoria, porque, com o mundo muito complexo, os burros anseiam por um simplismo salvador. Os grandes burros têm uma confiança em si que os ignorantes não têm. Os ignorantes, coitados, são trêmulos, nervosos, humildemente obedecem a ordens, porque pensam que são burros, mas não são; se bem que os burros de carteirinha estimulam esse complexo de inferioridade.

A ignorância é muito lucrativa para os burros poderosos. Os burros são potentes, militantes, têm fé em si mesmos e têm a ousadia que os inteligentes não têm. Na porcentagem de cérebros, eles têm uma grande parcela na liderança do país. No caso da política, a ignorância forma um contingente imenso de eleitores, e sua ignorância é cultivada como flores preciosas pelos donos do poder. Quanto mais ignorantes melhor. Já pensaram se a ignorância diminuísse, se os ignorantes fossem educados? Que fariam os senhores feudais do Nordeste em cidades tomadas como Muricy ou o município rebatizado de Cidade Edson Lobão, antiga Ribeirinha? A ignorância do povo é um tesouro; lá, são recrutados os utilíssimos "laranjas" para a boa circulação das verbas tiradas dos fundos de pensão e empresas públicas.

Como é o "design" da burrice? A burrice é o bloqueio de qualquer dúvida de fora para dentro, é uma escuridão interna desejada, é o ódio a qualquer diferença, à qualquer luz que possa clarear a deliciosa sombra onde vivem. O burro é sempre igual a si mesmo, a burrice é eterna como a pedra da Gávea (Nelson Rodrigues). De certa forma, eu invejo os burros. Como é seu mundo? Seu mundo é doce e uno, é uma coisa só. O burro sofre menos, encastela-se numa só ideia e fica ali, no conforto, feliz com suas certezas. O burro é mais feliz.

A burrice não é democrática, porque a democracia tem vozes divergentes, instila dúvidas e o burro não tem ouvidos. O verdadeiro burro é surdo. E autoritário: quer enfiar burrices à força na cabeça dos ignorantes. O sujeito pode ser culto e burro. Quantos filósofos sabem tudo de Hegel ou Espinoza e são bestas quadradas? Seu mundo tem três ou quatro verdades que ele chupa como picolés. O burro dorme bem e não tem inveja do inteligente, porque ele "é" o inteligente.

Mesmo inconscientemente, aqui e lá fora, a sociedade está faminta de algum tipo de autoritarismo. A democracia é mais lenta que regimes autoritários. Sente-se um vazio com a democracia - ela decepciona um pouco as massas. Assim, apelos populistas, a invenção de "inimigos" do povo, divisão entre "bons" e "maus" surte efeito. Surge na política a restauração alegre da burrice. Isso é internacional. Bush se orgulhava de sua burrice. Uma vez, ele disse em Yale: "Eu sou a prova de que os maus estudantes podem ser presidentes dos USA". E aí, invadiu o Iraque e escangalhou o Ocidente. E está impune, quando deveria estar em cana perpétua. Aqui, também assistimos à vitória da testa curta, o triunfo das toupeiras.

O bom asno é sempre bem vindo, enquanto o "pernóstico" inteligente é olhado de esguelha. A burrice organiza o mundo: princípio, meio e fim. A burrice dá mais ibope, é mais fácil de entender. A burrice dá mais dinheiro; é mais "comercial".

Em nossa cultura, achamos que há algo de sagrado na ignorância dos pobres, uma "sabedoria" que pode desmascarar a mentira "inteligente" do mundo. Só os pobres de espírito verão a Deus, reza nossa tradição. Existe na base do populismo brasileiro uma crença lusitana, contrarreformistas, de que a pobreza é a moradia da verdade.

No Brasil, há uma grande fome de "regressismo", de voltar para a "taba" ou para o casebre com farinha, paçoca e violinha. E daí viriam a solidariedade, a paz, num doce rebanho político que deteria a marcha das coisas do mundo, do mercado voraz, das pestes e, claro, dos "canalhas" neoliberais. É a utopia de cabeça para baixo, o culto populista da marcha a ré.

Nosso grande crítico literário Agripino Grieco tinha frases perfeitas sobre os burros. "A burrice é contagiosa; o talento, não" ou "Para os burros, o 'etc' é uma comodidade..." ou "Ele não tem ouvidos, tem orelhas e dava a impressão de tornar inteligente todos os que se avizinhavam dele", "Passou a vida correndo atrás de uma ideia, mas não conseguiu alcançá-la", "Ele é mais mentiroso que elogio de epitáfio", "No dia em que ele tiver uma ideia, morrerá de apoplexia fulminante".

Vi na TV um daqueles bispos de Jesus, de terno e gravata, clamando para uma multidão de fiéis: "Não tenham pensamentos livres; o Diabo é que os inventa!". Entendi que a liberdade é uma tortura para desamparados. Inteligência é chata; traz angústia com seus labirintos. Inteligência nos desorganiza; burrice consola. A burrice é a ignorância ativa, é a ignorância com fome de sentido.

Nosso futuro será pautado pelos burros espertos, manipulando os pobres ignorantes. Nosso futuro está sendo determinado pelos burros da elite intelectual numa fervorosa aliança com os analfabetos.

Como disse acima, a liberdade é chata, dá angústia. A burrice tem a "vantagem" de "explicar" o mundo. O diabo é que a burrice no poder chama-se "fascismo".

Descida rápida - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 28/10

Aflições governamentais com a seca, inflação e fragilidades no sistema bancário devem obrigar Dilma a descer do palanque bem mais rápido do que previa


A vida real insiste em bater à porta de Dilma Rousseff. Em sua mesa, no domingo da reeleição, acumulavam-se informes e relatórios recentes sobre as aflições governamentais provocadas pela seca, inflação, recessão e evidências de fragilidades no sistema financeiro.

Não haverá “pacote”, expressão há muito banida do léxico governamental. Vêm aí “ações localizadas, em especial na economia" — ela anunciou na noite de domingo, ao celebrar a vitória, seguindo sugestão da equipe de propaganda. Arrematou: “Antes mesmo do início do meu próximo governo".

Por trás dessa dezena de palavras está um governo atormentado pelos efeitos da seca na maior parte do Brasil. Na sexta-feira, por exemplo, chegou ao Palácio do Planalto a previsão de estoque de água durante esta semana nos reservatórios das hidrelétricas. No Sudeste e Centro-Oeste, 18%, nas usinas do Nordeste, 15%.

Pela régua do Operador Nacional do Sistema Elétrico, a situação hoje seria mais grave do que aquela de 2001, no governo Fernando Henrique, quando o armazenamento nas usinas era de 21% e o consumo precisou ser racionado.

A crise no abastecimento de energia só não aconteceu neste ano eleitoral porque a indústria, maior consumidora, está em recessão há 12 meses. “Vamos dar mais impulso à atividade econômica em todos os setores, em especial no setor industrial", prometeu Dilma, no discurso.

Desta vez, não haverá “racionamento” — outra palavra banida do vocabulário oficial. Vem aí uma “racionalização” do consumo, se Dilma decidir agir e, nesse caso, adotar a proposta vocabular do serviço de propaganda pós-eleitoral.

Em qualquer hipótese, as contas domésticas de luz devem atravessar 2015 sob bandeira vermelha, código de aviso ao consumidor sobre como a coisa está feia no sistema gerador. Por causa dos desequilíbrios, naturais ou governamentais, ele deverá pagar uma taxa extra.

Os efeitos da seca se espraiam pelo sistema de preços de uma economia estagnada. A saída com anabolizantes no consumo já não existe, porque esgotou-se a capacidade de endividamento familiar. O crédito deixou de fluir na praça, apesar das ações emergenciais do Banco Central, que atravessou os últimos quatro meses da campanha eleitoral liberando R$ 17 bilhões mensais aos bancos.

O alto custo do dinheiro, em tempos de inflação crescente e taxa de câmbio incerta, gelou o ritmo de negócios. Os maiores bancos ampliaram as restrições ao crédito de grandes clientes. Principalmente, daqueles que fornecem à Petrobras e têm sido obrigados, na melhor das hipóteses, a renegociar valores de contratos arguidos nas múltiplas investigações sobre as traficâncias na empresa estatal.

Culpar o sistema financeiro pode ser útil à retórica, mas é inócuo. Como dizia o industrial Antonio Ermírio de Moraes, guarda-chuva de banco só abre quando faz sol. Além disso, uma em cada cinco das 100 maiores casas bancárias brasileiras fechou o balanço dos primeiros nove meses com exuberantes prejuízos — um pedaço teve origem em dívidas não pagas de fornecedores da Petrobras envolvidos nos escândalos petro-partidários.

Dilma Rousseff será obrigada a descer do palanque bem mais rápido do que previa.

Nós contra nós - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 28/10


BRASÍLIA - Em campanha, Dilma falava em "nós contra eles", comparando os governos do PT aos de FHC, encerrados há 12 anos. De volta à realidade, Dilma vai ter de enfrentar o "nós contra nós", com o PT confrontando os seus quatro anos aos oito de Lula. Ela perde feio.

Dilma venceu a eleição por menos de quatro pontos (51,64%) e já tem três frentes de batalha antes mesmo do segundo mandato: o buraco na economia, os escândalos da Petrobras e uma negociação política difícil não só com sua gulosa base aliada, mas sobretudo com o próprio PT. Onde encaixar os derrotados? São "só" 39 ministérios. E o Sesi é uma mãe, mas não tem vaga para todos.

É quando Lula entra em cena. Dilma é o presente, mas Lula não é só o passado, é o guardião do futuro do PT. Não porque ele seja obrigatoriamente o candidato do partido em 2018, como muitos creem, mas porque há uma simbiose indissolúvel entre Lula e o partido.

Nos dois governos Lula, sobretudo no segundo, os ventos internacionais eram favoráveis, os ministros e o presidente do BC eram fortes, o Brasil era a grande vedete do momento e a economia era considerada um sucesso por pobres e ricos, sindicatos e bancos. O clima mudou, todos esses ativos perderam valor no primeiro mandato de Dilma e até ameaçaram o projeto continuísta do PT.

Na sua segunda chance, Dilma tem duas opções: ouvir Lula, reconhecer os erros e resgatar os pilares da economia e a confiança dos investidores ou, ao contrário, dobrar a aposta. Aí mora o perigo.

Por isso, as Bolsas despencam, o dólar dispara. Mas engana-se quem pensa que é só um chilique do mercado, como o das mocinhas do Leblon, sem consequências. Com a economia e a indústria vacilando, quem mais vai sofrer é o pobre, a classe C.

Os tucanos perdem por não superar a imagem cristalizada de que o PT cuida dos pobres, e o PSDB, dos ricos. Mas, neste momento, como sempre, os pobres é que estão sob risco.

A perigosa constituinte do PT - BERNARDO SANTORO

GAZETA DO POVO - PR - 28/10

A presidente Dilma anunciou, no seu discurso da vitória, que a reforma política será a grande prioridade do seu novo mandato. A necessidade de uma reforma política é quase uma unanimidade, especialmente em virtude dos altíssimos custos de campanha, do sistema de financiamento dessas campanhas, do excesso de partidos e da falta de conteúdo ideológico dos mesmos. O problema está na forma e no conteúdo da reforma política que está sendo desenhada pelo PT.

Quanto à forma, o PT argumenta ser necessária uma “mini-Assembleia Constituinte” para produzir os efeitos necessários, com sua decisão de instalação a cargo de um plebiscito. Isso é uma completa falácia. A Constituição brasileira é bastante flexível quanto à sua organização política, e o sistema político-eleitoral pode ser reformado por emenda constitucional sem maiores problemas. Só haveria necessidade de uma Assembleia Constituinte caso o PT quisesse acabar com alguma das cláusulas pétreas da Constituição, que são a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes; e os direitos e garantias individuais. Uma reforma política que acabasse com qualquer um desses direitos e garantias seria necessariamente uma reforma de cunho ditatorial.

No conteúdo, o PT pretende acabar com o financiamento privado de campanhas por empresas, criar cláusula de barreira, adotar lista fechada de candidatos com cotas para mulheres e negros e a criação de comitês populares. O financiamento privado de campanhas é um problema, pois as grandes empresas nacionais investem em candidaturas para exigir favores e contratos públicos posteriormente. A atual legislação é bastante restritiva, sendo essa burocracia a criadora do famoso “caixa dois”, ou, no dizer do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, “recursos não contabilizados”. O financiamento público exclusivo não resolveria esse problema, pois as doações privadas continuariam existindo, só que agora totalmente irregulares, com 100% de doações em “caixa dois”, sem contar que os partidos maiores receberiam mais recursos, criando eleições injustas. Além disso, seria muito triste ver recursos que deveriam ser destinados para educação, saúde e segurança pública indo parar nas campanhas de políticos com cujas ideias não concordamos.

A cláusula de barreira restringe a pluralidade democrática e só é necessária porque hoje existe Fundo Partidário e tempo de tevê gratuito. Por que não atacar a raiz do problema, acabando com esse desvio legalizado de recursos públicos para políticos?

A proposta de lista fechada defendida pelo PT retira do eleitor o direito de escolher seu representante e o entrega para o diretório do partido votado. Se esse mecanismo já não fosse antidemocrático por natureza, criar cotas sexuais e raciais para esse fim gerará a total alienação do cidadão brasileiro do processo eleitoral. A nossa representação deve ser escolhida pelo povo de maneira livre, e não por políticos profissionais. A criação de comitês populares, já vislumbrada pelo Decreto 8.243/14, retira competência dos representantes democraticamente eleitos pelo povo e a entrega para militantes profissionais e grupos de interesse que não receberam nenhum voto de ninguém.

Tudo exposto, com todos os seus graves problemas, pelo menos o atual sistema é democrático, o que não se pode dizer da proposta petista. Se é para mudar assim, melhor ficar com o velho.

Ao vencedor, os problemas - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/10

Só saberemos quais são as verdadeiras intenções da presidente Dilma reeleita quando ela anunciar os integrantes de seu futuro Ministério, especialmente o ministro da Fazenda e o da negociação política. A presidente e o PT saem das urnas enfraquecidos, com menos votos do que jamais conseguiram, tanto para a Presidência da República quanto para o Congresso.

Por região, é possível ver-se a redução de votação do PT. Em 2010, a candidata Dilma venceu em três regiões: Norte, Nordeste e Sudeste. No domingo, venceu no Norte e no Nordeste. Sua votação cresceu apenas no Nordeste, onde obteve 72% dos votos, contra 70% em 2010. No Norte, repetiu o mesmo índice: 57%.

No Centro-Oeste, em vez de um empate virtual em 2010, perdeu de 57% a 43%. Já no Sudeste, apesar da vitória em Minas, perdeu de 56% a 44%. Em 2010, vencera na região de 51% a 48%. No Sul, perdeu de 59% a 41%, quando tivera, em 2010, 46% dos votos.

O novo governo tem pela frente um mandato dificílimo, basicamente devido à própria "herança maldita" com que terá que lidai". Não apenas na parte econômica, mas, sobretudo, no combate à corrupção, com o caso da Petrobras já em processo de delação premiada que levará ao envolvimento de inúmeros políticos do Congresso e do Executivo, com o risco de a própria Dilma e Lula verem-se às voltas com acusações do doleiro Alberto Youssef, como revelaram a revista "Veja" e os jornais "Folha de S. Paulo" e "O Estado de S. Paulo"

Temos, portanto, crises econômicas, políticas e institucionais já programadas, e pouca capacidade negociadora da presidente para enfrentá-las, pelo que apresentou até agora, e mesmo na hora de seu discurso de vencedora. Sua impaciência com os militantes poderia ser até folclórica, se não tivesse permitido os gritos de guerra contra a imprensa profissional independente, na figura da Rede Globo, com um sorrisinho no canto da boca, enquanto o presidente do partido, Rui Falcão, fazia o sinal de positivo.

Seu chamamento à concórdia e ao diálogo poderia ser até bom recomeço, se não viesse acoplado à insistência em fazer reforma política com a aprovação de um plebiscito. Controle da chamada mídia profissional e plebiscito sobre formas de governo são receitas típicas de regimes autoritários de países vizinhos muito ao gosto de setores importantes do atual governo.

Se a presidente Dilma se preparava para fazer um governo marcado por seu toque pessoal, terá agora que negociar duplamente: dentro de seu próprio partido, que passou por um susto tremendo e não vai querer deixar em mãos tão incompetentes o futuro de um projeto político que pretende se perpetuar no poder; e com o Congresso, que terá uma oposição revigorada com a maior votação já recebida desde o fim da era Fernando Henrique, justamente no momento em que o projeto político e econômico do PSDB foi recuperado.

Mesmo perdendo, Aécio fez coisas admiráveis nesta eleição: enfrentou os ataques do PT contra as políticas do PSDB, revigorando o legado do Plano Real e exorcizando a lenda de que perderia votos quem enfrentasse o PT e Lula. A oposição aprendeu nesta campanha a ser oposição de verdade, e será muito mais dura na próxima legislatura, sob a liderança do presidente do PSDB.

A dificuldade que os petistas tiveram para reeleger Dilma só demonstra o esgotamento deste modelo. Os métodos utilizados na campanha para alcançar os objetivos foram muito além do "fazer o diabo" já anunciado pela própria presidente.

A legitimidade de um mandato não se basta em si mesma, mas advém da maneira como foi conquistado. Embora as baixarias da campanha petista tenham ficado num nível comum ao de grandes democracias como os EUA, não é bom sinal que tenhamos importado esse tipo de marketing político negativo, em vez de nos equiparamos a democracias mais avançadas que reprovam instrumentos como esses.

O abuso da máquina pública, por exemplo, é prática ilegal que não encontra equivalente em nenhuma democracia moderna. O PT continua com a maior bancada da Câmara, mas perdeu nada menos que 18 deputados federais. No Senado, continuará sendo a segunda maior bancada, mas com um senador a menos. Elegeu 5 governadores, sendo que a joia da coroa é sem dúvida Minas, arrebatada do grupo político de Aécio.

Mas será o partido que governará a menor percentagem do PIB nacional entre os três maiores, com 16,1%. O PSDB continuará a governar a maior parcela do PIB (44,4%). Em segundo lugar no PIB está o PMDB, com (22,4%), que ficou com o maior número de governadores e dois dos maiores colégios eleitorais, Rio e RS.


Governo novo, ideias novas? - ANTÔNIO MÁRCIO BUAINAIN

O ESTADO DE S.PAULO - 28/10

Tomara! Não sendo leninista, recuso o "quanto pior, melhor", e por isso torcerei, sinceramente, pelo sucesso da presidente. Ela herda o País somente de si mesma, e 12 anos depois dos tucanos não poderá responsabilizá-los pelos duros problemas que temos à frente. O futuro do Brasil, já no curto prazo, dependerá sobretudo de sua postura para lidar com os fatos da vida real.

Um cenário é que acreditem na propaganda que foi usada para convencer os eleitores a sufragar o seu nome: a estagnação da economia se deve à crise mundial; o Mais Médicos atende 50 milhões de brasileiros; o Pronatec preparou 8 milhões de jovens para o mercado de trabalho; a taxa de desemprego é a menor da série histórica; a inflação não é uma ameaça; os problemas de execução das obras públicas são menores; e o País não vive nenhuma grave crise. Essas seriam invencionices da oposição ou da imprensa dominada pelas elites, que, por isso mesmo, precisa ser "regulada pela sociedade".

Não é uma via improvável, já que essas explicações convenceram a maioria dos eleitores, que nelas acreditou piamente, a ponto de defendê-las com unhas e dentes. É possível, pois, que os mentores da estratégia acreditem na fantasia e mantenham a orientação seguida no primeiro mandato, cujos resultados, em termos objetivos, estão muito longe do prometido, do possível e do alardeado na campanha. Não lido com futurologia, mas os prognósticos não podem ser bons: se não funcionou antes, quando as condições eram melhores, por que funcionaria agora?

Mudar, como propôs a candidata reeleita, implicaria arquivar a narrativa utilizada e reconhecer os dados objetivos da realidade. Significaria assumir que a estagnação decorre de uma política econômica equivocada; que interiorizar médicos sem as condições mínimas de trabalho equivale a "contratar chefs que não têm alimentos para preparar"; que cursos de 160 horas não qualificam jovens despreparados para quase nenhuma atividade nem os ajudarão a se inserir no mercado de trabalho. Tampouco é resposta para o grave problema da baixa qualificação e produtividade da mão de obra brasileira. Precisaria reconhecer que a baixa taxa de desemprego vem sendo assegurada pelo inchaço no setor de serviços, pela baixíssima produtividade do trabalho e pela redução da População Economicamente Ativa (PEA). Também implicaria aceitar que a inflação acima da meta compromete o esforço distributivo dos últimos 20 anos, corrói o mercado interno e não está associada a nenhum choque externo, mas à continuidade da errada política anticíclica, que manteve estímulos ao consumo sem ter logrado estimular a oferta. Finalmente, curvar-se ao fato de que as obras não andam porque falta ao governo capacidade de planejamento, execução e coordenação. Impossível pensar no futuro e na inclusão sem constatar a estagnação dos indicadores de educação e aceitar que a maioria das famílias beneficiárias dos diversos tipos de bolsas continua pobre.

O reconhecimento do esgotamento da narrativa eleitoral não requer uma cerimônia pública de mea culpa, mas só atos que mudem o curso das coisas. A economia não está em frangalhos e comporta um ajuste gradual, tanto das contas públicas como da estratégia geral. Basta restabelecer a confiança, em sensata sintonia com os papéis do setor privado e a remoção gradual de obstáculos estruturais em substituição aos estímulos pontuais concedidos pela política industrial vigente. Reorientações de tal ordem na área social e setorial e na gestão do Estado, contudo, são desafiadoras pois exigem mudanças na lógica mais profunda de ação do governo. Mudar a gestão implicaria substituir os militantes incrustados no Estado por profissionais qualificados, orientados por uma política consistente e estratégias de desenvolvimento de longo prazo. No caso das políticas sociais, seria necessário trocar a orientação populista e eleitoral por uma execução comprometida com a efetividade, com os impactos almejados e as metas de sustentabilidade socioeconômica e ambiental. Tomara!

Dilma 'melhor', só vendo - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 28/10

Contados os votos, resta ao País avaliar se, reeleita, Dilma Rousseff conseguirá ser a presidente "muito melhor do que fui até agora" e uma pessoa "ainda melhor", como disse desejar no discurso de vitória. Sem isso, o diálogo que ela anunciou como "primeiro compromisso do segundo mandato" terá como interlocutor apenas o seu espelho. A transfiguração prometida é indissociável da aspiração nacional por mudança, "a palavra dominante" da campanha, conforme reconheceu. Para que venha a dominar também os seus atos nos próximos quatro anos, Dilma não deveria perder de vista que as urnas de domingo foram muito mais severas consigo do que as de 2010. Desde a redemocratização, aliás, nenhum candidato ao Planalto levou a melhor por tão escassa vantagem - 3,2 pontos porcentuais, ou 3,5 milhões de votos, em 105 milhões validados.

A apertada aritmética talvez nem sequer exprima suficientemente o amargor dos antagonismos entre os brasileiros divididos entre manter ou remover o PT do poder - a questão de fundo da disputa recém-concluída que passará para a história, entre outras ignomínias, pela maneira feroz com que a incumbente e o seu partido se lançaram sobre a candidata Marina Silva para estraçalhar as suas chances de chegar ao segundo turno. O fato impossível de desconhecer é que, de tanto ser agredida pela estridente retórica petista de que o Brasil vive um permanente confronto à morte entre "nós e eles", a oposição só teve a alternativa de responder na mesma moeda, contaminando, afinal, o seu próprio eleitorado. A inescapável conclusão é de que o País saiu da sucessão presidencial mais crispado do que nela entrou. Diante disso, ainda que tomando pelo valor de face a sua fala aparentemente conciliadora, será um feito de enormes proporções ela construir uma liderança que dê conta dessa realidade adversa e, a partir daí, comandar o seu desmanche.

De resto, ela mesma já começou dando motivos para o ceticismo. A Dilma de sempre confinou ao palavrório o chamamento à abertura e disposição para o diálogo. De um lado, porque não teve a decência política elementar - para não falar em mera cortesia pessoal - de mencionar o nome do adversário Aécio Neves, a quem superou a duras penas na incerta jornada de horas antes e que, por sua vez, não hesitou em lhe telefonar tão logo se tornaram conhecidos os resultados da disputa. De outro lado, porque voltou atrás no tempo, aos idos de 2013, quando tentou responder ao clamor por mudanças que ecoava pelo País com a proposta de reforma política mediante plebiscito. Qual reforma seria essa e quais seriam os termos de uma consulta popular sobre um tema que não pode ser reduzido a umas poucas disjuntivas a presidente não se deu ao trabalho de esclarecer.

Nem o PMDB, que vinha sendo o esteio da base governista no Congresso, abriu espaço para tal. Abateu sumariamente a tentativa de impor ao Legislativo a agenda petista das regras do jogo político-eleitoral, começando pelo financiamento público das campanhas e a adoção do voto para deputado em listas fechadas, compostas pelas cúpulas partidárias. Agora, a legenda do seu vice, Michel Temer - o qual, à época, manifestou à titular o seu desagrado com o lance oportunista -, só pode se sentir injuriado com a sua exumação. Mesmo que, numa tentativa de dourar a pílula, Dilma tenha concedido que a reforma é de "responsabilidade constitucional do Congresso", como se esta fosse complementar à consulta a resultar de uma discussão do governo "com todos os movimentos sociais e as forças da sociedade civil".

Nesse momento, ademais, a sociedade está de olhos postos em outra questão - os escândalos da Petrobrás. No ano que se aproxima, os desdobramentos judiciais das delações premiadas do ex-diretor de abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e do seu comparsa, o megadoleiro Alberto Youssef, com a provável identificação da trintena de políticos que teria citado em conexão com a lambança - e que deve incluir parlamentares do PT, PMDB e PP, pelo menos -, representarão um obstáculo de monta para a distensão política que Dilma apregoa. Nesse clima, não convém esperar o advento de uma presidente "muito melhor do que fui até agora".


Devassa na Petrobras - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/10


Às graves distorções econômicas e institucionais impostas à estatal somam-se os testemunhos sobre vasto esquema de corrupção


Até o ano passado, a Petrobras era objeto de uma discussão em grande parte centrada nos muitos problemas econômicos e financeiros da empresa, causados por interferências equivocadas ou indevidas do governo federal, como a política industrial, o controle de preços e mudanças nas leis e programas de exploração do petróleo.

As primeiras evidências decisivas sobre um vastíssimo sistema de corrupção na estatal relegou o debate econômico ao segundo plano.

No entanto, as degradações de ordem variada de que padece a petroleira derivam todas do descaso federal em relação a princípios institucionais e de racionalidade econômica, da indiferença a normas e à ideia de eficiência. A estatal tornou-se, assim, quase mero instrumento do governo.

Não deveria ser necessário lembrar que se trata de uma empresa de relevância maior na economia brasileira. Apenas seu faturamento equivale a 6% do PIB. No ano passado, a Petrobras pagou R$ 68,6 bilhões em impostos no país, cerca de 1,5% do PIB (no segundo governo Lula, a contribuição da empresa era de 2,1% do PIB).

Somadas as participações governamentais nos rendimentos, como royalties, os pagamentos da estatal aos governos se aproxima de R$ 100 bilhões por ano, o equivalente, por exemplo, a quatro vezes o desembolso com o Bolsa Família.

Essa empresa de grande capacidade técnica tornou-se, lamentavelmente, caso exemplar dos descalabros da administração federal.

Perdeu receita devido à política de controle de preços dos combustíveis, um artifício contraproducente para maquiar a inflação. Foi sujeita à política industrial de conteúdo nacional (dar certas preferências a fornecedores brasileiros).

Dentro de certos limites, tal programa é razoável. Quando atrasa investimentos e deteriora a qualidade de projetos e balanços, fomenta ineficiências em toda a cadeia produtiva nacional.

Um programa de investimentos por demais ambicioso e a receita reduzida fizeram com que o endividamento relativo da empresa triplicasse desde 2009. Observe-se que parte dos investimentos é de uma extravagância perdulária, caso da refinaria Abreu e Lima --para nem mencionar os episódios de superfaturamento.

Não bastassem todos esses problemas, os testemunhos sobre corrupção indicam que os mecanismos de controle da Petrobras não são apenas falhos. A atuação criminosa de pelo menos uma diretoria indica o quanto a estatal está sujeita aos efeitos do nível mais baixo da política e é conivente com o conluio de grandes fornecedoras.

Parece pouco o anúncio de que a empresa contratou duas agências independentes de investigação para apurar as denúncias do ex-diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef.

Politizada, prejudicada financeiramente, sujeita ao arbítrio político, a maior empresa do Brasil foi entregue a interesses privados e partidários bancados pelo governo. É preciso uma devassa na Petrobras.

A mensagem das urnas - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/10

A eleição presidencial mais parelha dos 125 anos de República deixa o país dividido entre os que produzem e pagam impostos e os beneficiários de programas sociais


A 21ª eleição presidencial direta ganha o merecido destaque nos 125 anos de história da República brasileira. O seu desfecho foi não só o mais parelho desde 1989, quando Collor venceu Lula, como de todos os tempos, com a vitória da candidata petista à reeleição, Dilma Rousseff, por apenas 3,2 pontos percentuais sobre o oposicionista tucano Aécio Neves, metade da já estreita margem observada em 89: 51,64% contra 48,36%, uma diferença, em grandes número, de 3 milhões de votos, equivalente a um eleitorado pouco maior que o da Paraíba. O desenho esboçado no primeiro turno, com a divisão do país em dois grandes blocos, recebeu traços mais fortes: grosso modo, o Norte-Nordeste perfilado ao PT, o Sudeste-Sul-Centro/Oeste com a oposição. Fica evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se — deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —, financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões.

Este comportamento eleitoral previsível foi explorado pelo PT. A campanha de Aécio denunciou uma série de golpes baixos desfechados para aterrorizar beneficiários desses programas — considerando os dependentes, apenas o Bolsa Família congrega uma clientela de 50 milhões de pessoas, um quarto da população brasileira, muitos deles eleitores. Há registro de mensagens recebidas por bolsistas de que Aécio acabaria com o BF, o mesmo tendo ocorrido com participantes do Minha Casa Minha Vida. Quem teria acesso a esses cadastros a não ser gente do governo? A arma do terrorismo é peça de artilharia da marquetagem eleitoral já conhecida. Mas, desta vez, seu emprego teria aumentado de escala.

Partidos do governo, num país como o Brasil, de grandes desníveis sociais e regionais, costumam cavar trincheiras nas áreas mais pobres, por serem elas as mais dependentes de repasses de recursos públicos. Não é novidade. A ressalva está na demarcação de um forte sentimento antipetista no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais que em outros pleitos.

A avassaladora antipetização do Estado de São Paulo, o mais populoso e rico da Federação, leva mensagem que precisa ser decifrada pelo Planalto e partido. O mais otimista tucano não poderia esperar que um mineiro receberia 15,3 milhões de votos no estado, 64,3% do colégio eleitoral paulista, contra 35,6% confiados a Dilma. Foi dura a derrota do PT no estado em que nasceu, inclusive na região específica do ABC, na qual o movimento sindical dos metalúrgicos, na década de 70, gerou Lula e outras lideranças do partido e da CUT.

Em contrapartida, o mais pessimista tucano não imaginaria que Aécio perderia na própria Minas, no primeiro turno e no segundo. No primeiro, além de ficar atrás de Dilma, não conseguiu que seu candidato Pimenta da Veiga impedisse Fernando Pimentel (PT) de vencer a eleição para governador no primeiro turno. No segundo, o máximo que o tucano conseguiu foi reduzir danos, perder para Dilma por uma diferença menor (52,4% a 47,6%). O equívoco na escolha para disputar Minas de um político já desligado do Estado, uma demonstração de excesso de confiança, se somou à enorme e nada surpreendente vitória de Dilma no Nordeste e Norte para explicar a derrota de Aécio, na maior chance que a oposição teve de voltar ao Planalto desde a primeira vitória de Lula, em 2002.

Foi, portanto, com justificada alegria que Dilma, Lula e correligionários subiram ao palco, num hotel em Brasília, na noite de domingo, para comemorar a difícil vitória. O fato de Dilma e Lula estarem de branco, e uma bandeira do Brasil ficar exposta no púlpito, foi um símbolo positivo: os dois fizeram questão de não trajar o vermelho partidário, forma de sinalizar uma adequada preocupação em engavetar, pelo menos naquela hora, a paixão partidária. Que continue assim.

No primeiro discurso como candidata reeleita, a presidente reforçou a mensagem simbólica ao dar um importante aceno, mesmo sem admitir a divisão do país: “algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas. (...) Minhas primeiras palavras são de chamamento da base e da união. (...) Esta presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo."

O discurso, infelizmente, teve partes contraditórias, como se houvesse sido escrito por dois redatores diferentes. Esta parte da proposta de diálogo, e uma outra, em oposição ao entendimento, de defesa de uma reforma política por meio de plebiscito, já rejeitada pelo Congresso, no ano passado, quando a ideia foi gestada em frações nacional-populistas do PT, em meio às manifestações de junho, e levadas a Dilma.

Ora, se em 2013 a ameaça de inspiração chavista de escantear o Congresso por meio de uma consulta popular para viabilizar projetos petistas — eleição em lista fechada, financiamento público de campanha, etc — já não prosperou, na próxima legislatura é que não vingará mesmo. Afinal, no Congresso que assume em 2015, o PT continuará o maior partido da Câmara (70 deputados), porém com a supressão de 18 cadeiras. O PMDB, contra o plebiscito, perderá menos deputados — 66 contra 71 —, e ainda haverá um PSDB com 54 cadeiras, dez a mais que no Congresso que está em fim de legislatura. Isso sem considerar a forte bancada que a oposição terá no Senado, com a volta dos tucanos José Serra (SP) e Tasso Jereissatti (CE), que se juntam a Aloysio Nunes e Aécio, donos de ainda quatro anos de mandato, tendo o candidato derrotado por Dilma saído da eleição como forte líder das oposições. A melhor alternativa é negociar alterações tópicas e eficazes: cláusula de barreira e fim das coligações em eleições proporcionais.,

Erra Dilma ao anular seu aceno de diálogo com a reafirmação de uma proposta que crispará os ânimos a partir de 2015. Entende-se que ela, no domingo, precisava animar a militância. Mas exagerou. Em vez de semear conflitos, a presidente reeleita deve tratar de começar a desatar nós cegos que existem na economia — razão pela qual os mercados regiram ontem com mau humor aos mais quatro anos deste governo. Esta urgente lição de casa passa pela escolha de nomes para postos-chave da área econômica que mostre que a presidente não cometerá o erro fatal de dobrar a aposta numa política fracassada. Os sinais são gritantes: inflação engessada em torno do limite superior da meta (6,5%), estagnação na produção com inexoráveis reflexos no mercado de trabalho — um trunfo eleitoral que se esvai —, contas externas em sério desequilíbrio e contas públicas desalinhadas e em total descrédito.

Este quadro também foi denunciado pela metade do país que ficou na oposição. Faz parte da mensagem a ser entendida.

Eleições e mídias sociais - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 28/10


Ainda estamos aprendendo a bem usar as mídias sociais, inclusive em momentos sensíveis como o período eleitoral


O período eleitoral fez o Brasil bater um recorde mundial: o de interações nas mídias sociais. De 6 de julho, primeiro dia de campanha, até a noite de 26 de outubro, foram 674 milhões de interações só no Facebook, envolvendo 48,3 milhões de pessoas (pouco menos de um quarto da população brasileira). No último domingo foram quase 50 milhões de interações, considerando apenas as menções aos nomes dos candidatos ou expressões que remetem explicitamente à votação – o número real, assim, pode ser ainda maior. O comentário jocoso segundo o qual o lado bom destas eleições foi que as pessoas passaram a discutir política como discutem futebol, e o lado ruim foi o de que as pessoas passaram a discutir política como discutem futebol, dá uma ideia do potencial das mídias sociais, mas também de como elas podem ser desvirtuadas.

Mídias como o Twitter e o Facebook serviram, por exemplo, para divulgar toda sorte de mentiras sobre candidatos, assimiladas e passadas adiante sem espírito crítico. O absurdo preconceito contra os eleitores de Dilma Rousseff, especialmente os nordestinos, já mereceu nosso repúdio logo após o primeiro turno – preconceito, aliás, que, não bastasse ser abjeto, ainda se baseia em premissas frágeis, pois a presidente reeleita teve uma proporção considerável de votos no Sul/Sudeste, enquanto Aécio Neves conseguiu adesões consideráveis em vários estados do Norte e Nordeste, mesmo tendo perdido. O preconceito regional só enxerga a divisão em “estados vermelhos” e “estados azuis” e ignora todas essas nuances.

Isso faz soar ainda mais ridículo o clamor separatista que começou a pipocar nas mídias sociais logo após a divulgação do resultado do segundo turno. A Gazeta do Povo, que no passado lutou para que o estado do Paraná não fosse partido em dois, não pode endossar esse tipo de delírio que apenas confirmaria o discurso da divisão, repetidamente usado para demonizar a oposição ao atual governo. A única coisa que os que tomam a internet clamando pela secessão fazem é dar munição para ainda mais sectarismo. Somos todos brasileiros, e é pelo bem deste país que devemos trabalhar. É fato que há estados que recebem do governo federal muito menos do que entregam a ele. O próprio Paraná é um exemplo disso. Mas a indignação, ainda que seja justa, precisa ser bem canalizada, como no caso da luta por um pacto federativo mais racional.

Se o separatismo chama a atenção pelo ridículo, os pedidos de impeachment da presidente chamam a atenção pela precipitação característica de maus perdedores. As manifestações se baseiam, muitas vezes, em palavras de ordem genéricas que poderiam funcionar no Paraguai – onde a Constituição mal redigida permitiu o impeachment de Fernando Lugo por “mau desempenho de funções” –, mas não no Brasil. O que haveria de mais próximo a um crime de responsabilidade seria o suposto conhecimento, por parte da presidente, dos esquemas de propina na Petrobras. Mas falar em impeachment antes que se conclua toda a investigação – que está apenas começando – a respeito de um golpe nada simples em sua operação é, para usar uma palavra da moda, uma leviandade.

É preciso reconhecer que nem o preconceito, nem o separatismo, nem os pedidos de impeachment têm sido alimentados pelo comando da campanha derrotada; são muito mais a manifestação da revolta de uma parcela da população que tem acesso a meios de amplificar sua opinião pessoal e que ganha força no contato com quem tem uma visão semelhante – aliás, o fato de as redes de amizades acabarem concentrando pessoas com pontos de vista parecidos serve para alimentar a polarização, diminuindo as chances de conhecer e entender quem pensa de outra maneira. As mídias sociais já não são uma realidade nova, mas ainda estamos aprendendo a bem usá-las, inclusive em momentos sensíveis como o período eleitoral. Vale a pena explorar seu potencial extraordinário; não nos desanimemos com os absurdos. Que saibamos vencer a tendência à polarização com abertura ao outro e à exposição serena de ideias. Vamos tratar de política na internet com convicção, sim, mas sem paixões cegas.

Promessas da vitória - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 28/10


Depois de vitória apertada, cujo vencedor só se tornou conhecido com a apuração das últimas urnas, a presidente reeleita fez o que se esperava que fizesse. Falou à nação. Cercada de correligionários e líderes dos partidos que compõem a coligação, Dilma Rousseff leu discurso do qual sobressaem duas ideias-chave. De um lado, convoca à união e ao diálogo. De outro, promete reforma política e combate efetivo à corrupção.

O resultado (51,6% contra 48,4%) e a distribuição regional dos votos válidos dão clara ideia da divisão do país. Dois Brasis emergiram da campanha marcada por agressões e poucas propostas. Um deles, que abrange os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, pede mudanças - avanços nas conquistas amealhadas ao longo de 25 anos da Constituição Cidadã. O outro quer, sobretudo, continuidade dos programas sociais sem, contudo, abdicar de progressos.

Daí por que a presidente repetiu tantas vezes o verbo continuar. É bom que Dilma esteja, como parece estar, atenta às diferenças de expectativas e se empenhe em satisfazê-las. Numa nação tão desigual quanto a nossa, a heterogeneidade não significa ilhas distantes de imenso arquipélago de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Ao contrário. É quadro natural no país cujo processo de desenvolvimento ocorreu em épocas e estágios distintos.

O desafio da petista, como frisou no discurso que sucedeu à proclamação do resultado do pleito de 2014, é a construção de pontes. Merece aplauso a promessa de diálogo. A dificuldade de conversar foi uma das marcas do mandato da presidente. Em política, a escassez de troca de ideias cria ressentimentos, impede a renovação e compromete o andamento de projetos.

Parlamentares, ministros, governadores, assessores, empresários, servidores públicos, ONGs precisam ter canais de comunicação com o Planalto. O cenário do país que Dilma herdará de si mesma apresenta nuvens carregadas: economia estagnada, inflação teimosa, dados maquiados, base política fragmentada, oposição robustecida, denúncias de corrupção arrasadora, educação sem qualidade, segurança precária, saúde na UTI, burocracia indomável, Estado inchado e ineficiente.

Unir forças, convocar quadros competentes, promover faxina rápida e efetiva nos "maus-feitos" que indignam a sociedade e parecem plantar raízes profundas - são passos iniciais importantes para provar que o discurso não se resume a palavras soantes. É fato. Promessa que chama a atenção é o empenho para "deflagrar a reforma política por meio de plebiscito". Vale lembrar que os brasileiros ouviram as mesmas juras depois dos protestos de 2013. O compromisso não avançou. Avançará agora?


A economia devastada - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 28/10


Fracasso de ponta a ponta em seu primeiro mandato, a política econômica foi assunto secundário no primeiro discurso da presidente Dilma Rousseff logo depois de confirmada a reeleição. Numa rápida menção ao tema, ela prometeu "dar impulso às atividades econômicas", em especial à indústria. Terá de ser um impulso e tanto para desatolar a produção. A economia crescerá este ano 0,9%, se estiver correta, pelo menos desta vez, uma previsão do ministro da Fazenda, Guido Mantega (ele citou esse número na semana passada). Confirmada a projeção, terá sido um desempenho humilhante, se comparado com o de outros emergentes e até com o de alguns países avançados, como os Estados Unidos.

Nesse caso, a presidente Dilma só poderá exibir, depois dos primeiros quatro anos de mandato, um crescimento acumulado de 7,28%, com ritmo anual médio de 1,77%, um dos mais baixos em mais de um século de República.

Mas poucos são bastante otimistas para apostar nesse resultado. Na sexta-feira, dois dias antes da votação do segundo turno, a mediana das projeções do mercado financeiro estava em 0,27%. No começo do mês, o Fundo Monetário Internacional (FMI) havia anunciado sua nova estimativa de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, de 0,3%. Na América do Sul, só Argentina e Venezuela, em recessão, devem exibir números piores neste ano.

Não haverá crescimento maior que o dos últimos quatro anos sem expansão dos investimentos produtivos. Mas o setor privado continua investindo pouco, assim como o governo, e neste ano encolheram tanto a produção quanto a importação de máquinas e equipamentos. Condição essencial para o empresário investir é a confiança nas instituições e na condução da política econômica.

Essa confiança, no caso brasileiro, é tão baixa quanto aquela evidenciada pela evolução dos números do mercado de capitais. Ontem de manhã, o Ibovespa, da bolsa paulista, chegou a cair 6%, enquanto ações da Petrobrás despencavam quase 14%. Mas o impacto da reeleição pode até ser moderado, nestes primeiros dias, porque as consequências da vitória petista já estavam em parte incorporadas nos preços dos papéis.

No caso da Petrobrás, a desconfiança continua refletindo os problemas associados aos controles de preços de combustíveis, as perdas derivadas de maus investimentos, os tropeços de uma administração prejudicada pelo aparelhamento e, é claro, a percepção incompleta da extensão da pilhagem ainda sob investigação.

Má administração, agravada por decisões sujeitas a conveniências pessoais e político-partidárias, também marcou a história dos bancos estatais nos 12 anos de governo petista. Só uma cuidadosa auditoria - solução rejeitada em pronunciamentos de campanha pela presidente Dilma Rousseff - mostrará a gravidade real dos danos. Parte do quadro, incluídas algumas perdas mais visíveis do BNDES, já é conhecida.

Problema especialmente importante é a promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais. Além de servir a políticas mal concebidas e mal executadas de estímulo ao investimento, essa promiscuidade prejudicou a administração do orçamento. Mas também serviu, ao mesmo tempo, à famigerada contabilidade criativa das finanças públicas, por meio de manobras com dividendos.

Não haverá recuperação de confiança nem se diminuirá o risco de rebaixamento do crédito brasileiro pelas agências de classificação, sem um esforço muito claro de correção da política orçamentária. Sem isso, também será inútil qualquer discurso a respeito de combate à inflação. Com as contas públicas em desordem, sobrará apenas um instrumento - os juros elevados - para conter a expansão dos preços e conduzir a inflação à meta de 4,5% ao ano. Para 2014, projeções de mercado apontam uma taxa de 6,45%.

O emperramento da indústria e do investimento reflete-se na piora das contas externas e na perda de qualidade dos empregos criados. Nenhum desses problemas se resolve com inflação, desordem fiscal e protecionismo. Nada, nas palavras e atitudes da presidente, indica o aprendizado desses fatos.

Pouco espaço para errar - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 28/10


Reeleita com a menor margem de votos que o Brasil já registrou, a presidente Dilma Rousseff (PT) experimentou, um dia após sua vitória, novas doses do mesmo "apoio" que o PMDB sempre lhe garantiu.

"A bancada do PMDB não será aliada automática para qualquer matéria", asseverou o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), líder do partido na Câmara, durante entrevista a jornalistas do portal UOL.

Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), divulgou nota em que questiona a ideia de um plebiscito para realizar uma reforma política, proposta definida por Dilma como prioridade do segundo mandato. Para o senador, o mecanismo mais apropriado seria um referendo --em que a população só ratifica ou rejeita mudanças aprovadas pelo Congresso.

A volumosa base aliada de Dilma, que não primou pela fidelidade nestes quatro anos, talvez encontre, na diminuição do capital eleitoral da presidente, pretexto para ampliar sua rebeldia. A oposição, por sua vez, poderá tirar do mesmo fato o ânimo de que precisa para se revigorar.

Pelo menos no Senado, a bancada do PSDB, com dez cadeiras (a terceira maior), terá nomes de peso. Ao mineiro Aécio Neves, que voltará fortalecido da disputa presidencial, se somarão os ex-governadores José Serra (São Paulo), Antonio Anastasia (Minas Gerais) e Tasso Jereissati (Ceará).

Nos Estados, permanece razoável equilíbrio de poder. Verdade que a maioria das unidades da Federação dificilmente deixará de se alinhar ao Planalto, mas o PSDB, governando Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná e São Paulo, estará à frente de 72 milhões de pessoas, ou pouco mais de um terço da população nacional.

Em termos de recursos, os cinco Estados que serão comandados pelos tucanos arrecadaram, em 2013, um total de R$ 545 bilhões. Os cinco que o PT governará (AC, BA, CE, MG e PI) tiveram, juntos, R$ 114 bilhões de receita, enquanto os sete do PMDB (AL, ES, RJ, RS, RO, SE e TO) computaram R$ 288 bilhões.

Esse contrapeso oposicionista e a quase paridade eleitoral são positivos para o país. A presidente Dilma Rousseff --e o PT-- sabe que, pelos próximos quatro anos, terá pouco espaço para errar.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

Impeachment de Dilma

Há 14 pedidos de impeachment da presidente Dilma protocolados na Câmara dos Deputados, dois deles provocados pelo recente escândalo do Petrolão. Além disso, a revelação de que ela, como Lula, sabia de tudo, segundo o doleiro Alberto Youssef contou à Justiça Federal, fez acelerar um abaixo-assinado no site Avaaz: ontem, no começo da noite, já havia mais de 1,1 milhão de adesões.

Não prosperam

“Aquecidos” pela eleição de domingo, os pedidos de impeachment dificilmente vão prosperar: a maioria governista na Câmara os arquiva.

Autoria

Dois pedidos de impeachment de Dilma foram protocolados na Câmara pelos advogados Luis Carlos Crema e Matheus Sathler.

Histórico

Onze pedidos de impeachment já foram arquivados pelos presidentes da Câmara da era Dilma, Henrique Alves (PMDB) e Marco Maia (PT).

Twitter

A palavra impeachment, um dia depois da reeleição da petista, entrou para os Trending Topics Brasil.

Pimentel presidente

A nova estrela do PT, que finalmente derrotou Aécio em MG, já é apontado como provável candidato a presidente em 2018, apesar do “Volta, Lula”: o governador eleito Fernando Pimentel. Ele não apenas derrotou Pimenta da Veiga (PSDB) no 1º turno, como conduziu Dilma à vitória no Estado, em 2º turno, que garantiu a ela diferença fundamental à sua reeleição.

Caminho das pedras

Pimentel é apontado como provável presidenciável porque mostrou saber como derrotar Aécio Neves, que deverá ser candidato outra vez.

Bajulação

O presidente do PT, Rui Falcão, tem citado Lula para presidente em 2018, só para puxar o saco ilustre. O ex-presidente diz que não quer.

Objetivo

Lula acha boa ideia Jaques Wagner no ministério da Fazenda para atormentar o candidato favorito, que ele detesta: Aloizio Mercadante.

Meu cargo, minha vida

A vitória de Dilma foi celebrada até as 6h da matina no restaurante BSB Grill, de Brasília, pelos ministros Cardozo (Justiça), Mercadante (Casa Civil), Belchior (Planejamento) e Thomas Traumann (Comunicação).

O calo de Dilma

Má notícia para Dilma: o PMDB confirma quarta (29) candidatura do líder do partido, Eduardo Cunha (RJ), por quem ela diz sentir asco, à presidência da Câmara, em fevereiro do ano que vem.

Previdência

Derrotado na eleição, o atual presidente da Câmara, Henrique Alves, pode assumir a Previdência em lugar de Garibaldi Alves. Até para que atue como “bombeiro” junto a Eduardo Cunha.

Chanceler Bustani

O embaixador Maurício Bustani, “radical chic” há quase uma década no foie gras de Paris, tem sido citado no Planalto como chanceler do segundo governo Dilma. Talvez não por acaso, ele circula em Brasília.

Oposição se une

Dirigentes de oposição (PSDB, PSB, PPS, SD e PV) se reúnem nesta terça (28), em Brasília, para discutir o cenário político e a possibilidade de fusão entre legendas ou, no mínimo, de um bloco antipetista.

Explica, senador

Derrotado, Delcídio Amaral (PT-MS) retoma o Senado com novos planos. Poderia explicar melhor por que é um dos mais citados políticos nos depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef.

Caixinha, obrigado

O setor energético tem bons motivos para demonstrar otimismo após a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Já foram autorizados aporte de R$ 12 bilhões e reajuste, que chega aos consumidores até o fim do ano.

Toma, contribuinte

Perguntado sobre irregularidades no empréstimo de R$ 2,7 milhões no BNDES, via BB, “customizado” para contornar impeditivos da perua Val Marchiori, o Banco Central “não comenta atividades de fiscalização”.

Modéstia no ralo

A frase de Guido Mantega (Fazenda), ontem, de que a vitória de Dilma mostrou que “o povo aprova a economia”, fez lembrar outra frase melhor, do ex-ministro Nelson Jobim: “Os idiotas perderam a modéstia”.


PODER SEM PUDOR

Saltando rego

O governador alagoano Pedro da Costa Rego foi implacável perseguidor de Lampião, no final dos anos 30. Após romper mais um cerco da polícia, Lampião chegou a Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas, e foi direto aos Correios. Segundo conta Antonio Sapucaia, no seu livro O Legendário Costa Rego, Lampião chamou o chefe da repartição e ditou um telegrama ao governador que terminava assim:

- Fique o sinhô sabendo que tô acostumado a saltar riacho, quanto mais rego. Assinado, Capitão Virgulino Ferreira, Governador do Sertão.