segunda-feira, junho 05, 2017

TODOS LEIGOS - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

Quer dizer que crimes, no Brasil, só podem ser apurados se houver delação?

O BRASIL DE HOJE está dividido em dois tipos de gente. De um lado, há os que mandam na aprovação de leis e, principalmente, na sua aplicação. São os políticos, que executam a primeira tarefa do jeito que se sabe, e depois deles camadas sucessivas de advogados caros ou influentes, desembargadores, procuradores gerais ou parciais, ministros de tribunais superiores e, acima de todos, os onze cidadãos que estão no momento no Supremo Tribunal Federal; frequentemente, chamam a si mesmos de "juristas". Do outro lado estão os "leigos" — todos os demais cidadãos brasileiros, cujo papel é obedecer a tudo o que o primeiro grupo decide. Não apenas obedecer: têm de estar de acordo, sob pena de serem acusados, justamente, de "leigos". É mau negócio ser leigo neste país. Na melhor das hipóteses, para os que controlam o aparelho legal, esse indivíduo é um ignorante que jamais sabe o que está falando, não tem capacidade mental para entender as decisões dos juristas e acha que o triângulo tem três lados, quando pode ter cinco, sete ou qualquer número que os magistrados resolvam, pois "decisão judicial não se discute, cumpre-se". Na hipótese pior, os leigos que discordam de algum desses decretos imperiais — diversos deles, comicamente, são chamados de "monocráticos", ou tomados por uma pessoa só, no palavreado da moda — são denunciados como "inimigos do Estado de Direito".

Justamente agora, com essa prodigiosa e extraordinariamente turva operação de artilharia em torno do mandato do presidente da República, o Brasil está vivendo um dos grandes momentos da charada judicial aqui descrita. A questão realmente central, ai, é a seguinte: continua incompreensível, há mais de vinte dias, por que um empresário que confessou oficialmente crimes capazes de lhe render dezenas de anos de cadeia foi perdoado pelo procurador-geral da República, e por um ministro do STF, de todos os delitos que tinha confessado, junto com o irmão, e para o resto da vida; não enfrentará um único processo penal na Justiça brasileira nem ficará um minuto na cadeia. No momento, relaxa no exterior na companhia de seu iate, ou de seus bilhões, ou de outros confortos. Um cidadão em atraso com o pagamento de pensão alimentícia, por exemplo, está em situação muito mais perigosa que ele e o irmão perante a Justiça nacional. É impossível entender: está escrito na lei que é proibido subornar, mas os juristas — no caso, o PGR e o ministro "monocrático" do STF — podem perfeitamente decidir que é permitido, sim senhor, cometer o crime de suborno quando ambos decidirem que é.

O PGR e o seu entorno nos garantem que, sem o perdão dado aos delatores, crimes muitíssimo mais graves ficariam "sem punição". Como ele pode ter certeza disso? Quer dizer que crimes, no Brasil, só podem
ser apurados se houver delação? E que crimes monumentais seriam esses? Como garantir, também, que serão punidos? Nada disso é explicado com um mínimo de lógica. A aberração toda fica especialmente agressiva quando se pensa, por dois minutos, que o procurador, sobretudo um que procura "geral" e procura para ninguém menos que a "República", é pago pelo contribuinte para colocar criminosos na cadeia — e não para fazer o contrário, permitindo que escapem para Nova York no seu jato particular Gulfstream Aerospace G550, com capacidade de levar até vinte passageiros. Mas tudo isso só é incompreensível para o leigo, esse amador ingênuo, chato e incapaz de raciocinar como um jurista; é um bobo que utiliza a palavra "justiça" e acredita que a autoridade pública deva tomar decisões "justas". Para os que influem ou mandam no sistema judiciário brasileiro, o leigo, tristemente, é incapaz de pensar como um profissional sério da ciência jurídica. Ali, como sabem as pessoas realmente qualificadas para tomar decisões legais, o que importa não é a aplicação do conceito romântico, tolo e pedestre de "justiça", e sim a aplicação da "lei"; não interessa que as decisões sejam "justas", e sim que sejam "legais" — isto é, que estejam de acordo com o que os altos tribunais decidirem.

Você acha uma alucinação que criminosos confessos como os irmãos Joesley e Wesley Batista recebam permissão legal para praticar crimes, como, por exemplo, subornar com 50 000 reais por mês um procurador federal de Justiça? Ou não acha certo que dois bilionários possam comprar a sua impunidade com dinheiro — no caso, menos de 11 bilhões de reais, a ser pagos em prestações ao longo de 25 anos? Problema seu. Você é um leigo. Cale a boca. Caia fora.

Juízes se julgam deuses, procuradores santos e advogados, a ética pura - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 05/06

A política é um circo. Quanto menos você tiver esperança política, menos você se iludirá sobre a realidade política. O ceticismo em filosofia sempre aconselhou uma postura mais conservadora e cuidadosa quanto às promessas políticas. Desde que a política se tornou objeto de fé, passamos a ter expectativas salvacionistas através da política. E a política não passa da conquista, gestão, manutenção e distribuição do poder.

Não há nenhuma dimensão "ética" na política, nem nunca houve. O que há são sociedades mais ricas em que seus políticos destruíram outras sociedades no mundo para garantir o aspecto de santos nas suas próprias (e a população goza dessa santidade na mesma medida).

Eu, pessoalmente, espero o mínimo da política. Que não nos atrapalhe em demasia, por isso, que seja mínima.

O erro crasso de quem espera uma redenção política é não prestar atenção na política mais próxima dele. É comum grandes canalhas cotidianos agirem de modo politicamente canalha nas instituições em que trabalham, mas sustentarem um discurso "ético" na "grande política" (esse mito de gabinete).

Por exemplo, mentir, manipular o cotidiano institucional, usurpar ganhos alheios, destruir carreiras de colegas em universidades, igrejas, sindicatos de classe, grupos artísticos, corporações de todos os tipos, enfim, fazer política real. Mas quando se trata de falar da "grande política", enche os olhos de lágrimas em nome da justiça social.

A redenção do mundo via política virou um mercado para canalhas específicos. Pense bem e verá que há um perto de você.

O mundo não é perfeito, claro. Mas o Brasil parece, nos últimos tempos, trabalhar duro para destruir nosso cotidiano. O homem é um animal frágil moralmente, sempre foi e sempre será. Mas vivemos agora, de fato, a ruína moral dos Poderes no país.

Em matéria de Poderes da República no Brasil, o Executivo sempre teve vocação getulista, ou seja, a vocação de ser o "pai ou mãe dos pobres". A miséria no país sempre foi um importante capital para correntes coronelistas-populistas como a do PT.

O Legislativo é a representação perfeita do fisiologismo corrupto. Trabalha para si mesmo. Basta ver a corrida dos insetos em busca das misérias pós-Temer. Dane-se a estabilidade econômica. Querem a miserável Presidência por alguns meses.

A economia é a única coisa que importa nisso tudo, mas, infelizmente, semiletrados de todos os tipos pensam que, quando se diz que é a economia que importa, estamos a defender "O Capital". Chega a ser ridícula a força desse mito ("Das Kapital") no pensamento.

Não, "economia" aqui significa que você perde o emprego, deixa de comprar coisas, e os outros perdem o emprego porque você deixou de comprar coisas. Estágios são fechados, lojas também. Tudo para de circular. Mas você, que acredita em Papai Noel, ainda não entendeu que é a economia que sustenta tudo, inclusive coisas fofas, como os direitos humanos. E o dinheiro nunca foi produzido pela Chapeuzinho Vermelho.

E o Poder Judiciário? Esse mesmo que até pouco tempo muita gente pensava ser um produto real da Marvel. Uma mistura de Batman, Super-Homem, Capitão América, Homem de Ferro e Thor. Não. O Poder Judiciário não é um monólito de pureza.

Se o Executivo tem vocação ao populismo, e o Legislativo à corrupção pedestre, o pecado do Judiciário é a arrogância e a onipotência. Juízes se julgam deuses, procuradores santos, advogados representantes da ética nacional. Risadas?

Para ingênuos talvez, mas não para quem já leu mais do que dois livros na vida. O Poder Judiciário, inclusive, ou principalmente o STF, é também um poder "político" na medida em que sofre a mesma pressão para articular, privilegiar, perseguir, em nome dos interesses materiais ou ideológicos de seus membros.

E em meio a isso tudo, vem a moçada das diretas já, como num surto de gozo dos anos 1980. Como se a maioria desses (afora os ingênuos) não fossem os fanáticos da soberania popular "pura" ou não fossem os coronelistas do PT apostando na ressurreição do seu Drácula de bolso.

Governos indecentes - PAULO GUEDES

O GLOBO - 05/06

A democracia representativa não é necessariamente corrupta. Mas só com poderes limitados pode haver um governo decente


Há pouco mais de dois séculos, a corrupção e a estagnação sistêmicas abateram nas lâminas das guilhotinas uma aristocracia sem responsabilidades e cheia de privilégios. A centralização administrativa promovida pela monarquia absoluta dos reis da França esvaziara as atribuições da nobreza feudal, que se convertera em casta inútil. A irrefreável ascensão do ideal democrático da igualdade tornava inaceitáveis aqueles privilégios de uma classe que ia perdendo  sua legitimidade. À medida que subiam os impostos do Antigo Regime, os privilégios dessa casta se tornavam cada vez mais ofensivos à população. Para Tocqueville, o Antigo Regime e a revolução de 1789 eram indissociáveis, uma continuidade histórica mais do que uma inexplicável ruptura.

A corrupção e a estagnação sistêmicas que sofremos agora refletem o desafortunado descarrilamento de nossa inacabada transição do antigo regime militar para uma Grande Sociedade Aberta. A expansão ininterrupta dos gastos públicos e a ocupação política do aparelho de Estado são a linha de continuidade a explicar a escalada dos escândalos de corrupção e a degeneração das práticas políticas. “As enormes somas que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”, já advertia Marx no clássico “As lutas de classe na França: 1848-1850”. A contínua exposição na mídia de piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político tornou-se, nas modernas democracias representativas, o equivalente dos espetáculos de decapitação em praça pública ocorridos na radical “democracia” jacobina. Para moderar uma insaciável guilhotina midiática, o Congresso deve abrir mão de seus privilégios (foro privilegiado, aposentadorias nababescas), sem hesitar no exercício de suas funções (aprovar reformas).

A degeneração moral de nossa democracia emergente é explicável. “O engano fatídico foi julgar que a adoção de procedimentos democráticos permitiria dispensar limitações ao poder governamental. Não é que a democracia representativa seja necessariamente corrupta. Mas só um governo com poderes limitados pode ser um governo decente”, alertava Hayek, em seu clássico “Direito, legislação e liberdade”.

O TSE não deve cassar Temer - LUIZ FERNANDO PEREIRA

GAZETA DO POVO - PR - 05/06

“Julgar por pesquisas de opinião” representa a antítese do papel constitucional do Poder Judiciário – inclusive do TSE


​Nesta semana será retomado o julgamento que pode redundar na cassação do presidente Michel Temer pelo TSE. É o mais importante julgamento da história da Justiça Eleitoral. Há algumas naturais incompreensões sobre o tema.

​É inegável que há uma crise política no Brasil. E ninguém duvida que a crise política tem impacto negativo na economia. No entanto, como bem observou o ministro Gilmar Mendes, “o TSE não é ambiente para resolver crises políticas”. O TSE deve julgar o processo que pede a cassação da chapa Dilma-Temer a partir de uma racionalidade exclusivamente jurídica. O contexto político circunstancial é um dado neutro. O ex-ministro Joaquim Barbosa afirmava que os juízes deveriam “sair às ruas” para orientar julgamentos. Discordo. “Julgar por pesquisas de opinião” representa a antítese do papel constitucional do Poder Judiciário – inclusive do TSE.

A nossa Constituição fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos. Isso não significa impunidade 


Definido que o julgamento é eminentemente jurídico, o TSE terá de decidir se o processo contém (ou não) elementos suficientes para anular a eleição da chapa Dilma-Temer. É importante lembrar que não são quaisquer ilícitos eleitorais que redundam em cassação de mandato. É necessário que os eventuais ilícitos sejam graves o suficiente para desequilibrar o resultado. Nenhum país do mundo promove tantas cassações judiciais de mandato como o Brasil, mas a regra constitucional brasileira exige gravidade. A cassação de mandato, enfim, é medida excepcionalíssima que só está autorizada quando realmente ficar demonstrada a prática de abuso que comprometa o resultado eleitoral. Revela-se, no TSE, a gravidade exigida pela nossa Constituição? Na única fração do processo que pode ser validamente julgada, entendo que não.

​Na origem, a ação proposta por Aécio Neves e pelo PSDB, no fim de 2014, tinha um objeto muito restrito. Havia a indicação de supostos ilícitos eleitorais que, mesmo sendo provados, não continham a gravidade necessária para indicar cassação. Bem mais tarde, revelações da Lava Jato – independentemente da força probante de tais fatos, o que não discuto aqui – deram contornos de gravidade ao processo. No entanto, a nossa Constituição não admite a inclusão destes fatos novos.

​O prazo para apresentar fatos e impugnar o resultado eleitoral é de até 15 dias depois da diplomação. Depois disso não há mais espaço para impugnar mandatos, por mais graves que sejam os fatos posteriores revelados. É assim no mundo inteiro. A estabilidade da democracia depende da estabilidade dos mandatos. Por isso há prazos exíguos para ações de cassação em todos os países. A Comissão Europeia para a Democracia através do Direito orienta a adoção de prazos exíguos. A respeitada Comissão de Veneza, como é conhecida, diz que o interesse público está em vedar questionamentos tardios dos mandatos. A democracia convive muito mal com a instabilidade dos mandatos. Daí um prazo universal limite para a legitimidade do resultado eleitoral. A nossa Constituição fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos. Isso não significa impunidade. Se houve crime, a apuração deve estar na esfera penal. Para a Justiça Eleitoral, ou são apresentados fatos no prazo ou o mandato se estabiliza. Insisto: é assim no mundo inteiro, como mostrei nos dois pareceres que apresentei ao TSE a pedido da defesa do presidente Temer.

​Esta ampliação tardia do objeto (com os temas da Lava Jato) não é admitida porque representa uma ação nova fora do prazo. A ampliação extemporânea, enfim, equivale à propositura de nova ação fora do prazo constitucional. Não por acaso, a jurisprudência do TSE sempre rejeitou a hipótese. Por isso, entendo que é assim que o TSE deve julgar o caso, apenas considerando o que estava no processo desde o início – sem a ampliação extemporânea. Até porque poderia ser casuístico alterar a jurisprudência apenas para cassar o presidente Temer. Casuísmo e Judiciário não combinam. O resto é algo para ser resolvido pelos atores da política.

Luiz Fernando Pereira é doutor em Processo Civil pela UFPR.

A Lava Jato e suas atribulações - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/06

No mundo da Lava Jato, a atual direção da PF é intocável por definição, e quem for ministro da Justiça que lide com isso.


Não é de hoje que uma parte da força-tarefa da Lava Jato considera que há uma conspiração de políticos para sabotar a operação. Qualquer movimento no governo, no Congresso ou no Judiciário que não seja de incondicional apoio às atividades da Lava Jato é apontado como manobra para impedir que os políticos corruptos paguem pelo que fizeram, e para obstar o saneamento da vida pública nacional que os procuradores julgam realizar há três anos. Em lugar de reconhecer os erros e exageros cometidos no decorrer da operação, que em certos momentos se assemelha a uma cruzada, alguns procuradores e investigadores acabam de revelar sua disposição de divulgar uma nova avalanche de denúncias, com o objetivo de neutralizar os efeitos das críticas que vêm sofrendo e que, para eles, fazem parte de uma ofensiva para desmoralizá-los. Se têm conhecimento de ilícitos, sua obrigação de ofício é revelá-los às autoridades judiciárias – e não usar tais informações para valorizar suas posições. Não fica bem que ajam como pessoas incompreendidas e injustiçadas.

Essa estratégia de vitimização tem se tornado muito comum no Brasil. Quando alguém se julga moralmente superior e responsável pela regeneração nacional, tende a considerar qualquer reparo ao seu comportamento como uma intolerável reação dos que querem manter tudo como está. Como o imaginário popular considera todos os políticos corruptos – ainda que muitos sejam verdadeiramente honestos –, é fácil para esses paladinos da pureza contrapor-se a quem não os apoia integralmente, tratando-os como inimigos do processo de higienização do mundo político.

Assim, alguns procuradores acreditam que as críticas ao vergonhoso acordo de delação premiada feito pela Procuradoria-Geral da República com o empresário Joesley Batista, por exemplo, fazem parte da tática dos adversários para minar a luta contra a corrupção. Tal denúncia não se sustenta nos fatos, a saber: Joesley gravou a conversa com Michel Temer na expectativa não de produzir provas para se defender, mas sim de induzir o presidente a produzir provas contra si mesmo, o que, diga-se o que quiser, é o flagrante armado; a iniciativa de gravar a conversa foi de Joesley, sem autorização da Justiça, na presunção de que, ao obter esse material explosivo, ganharia um generosíssimo acordo com o Ministério Público, desde sempre interessado nos “peixes grandes” da política; a gravação foi considerada como prova antes mesmo de ser periciada; e, finalmente, Joesley Batista, embora tenha confessado crimes pesados, não cumprirá um único dia de pena na prisão.

Para os procuradores, contudo, quem levanta essas questões quer apenas encontrar justificativas para aprovar medidas que tolheriam seu trabalho, como a lei que coíbe abuso de autoridade. Segundo o jornal Valor, até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, por já ter defendido a adoção dessa lei, é visto pelos procuradores como um dos adversários da Lava Jato.

Na reportagem informa-se que, para a força-tarefa da Lava Jato, o ministro Edson Fachin, relator da operação no Supremo, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, serão os alvos dessa nova “ofensiva política”. O primeiro, porque teria sido ajudado pela JBS de Joesley Batista na sua campanha para cabalar votos para chegar ao Supremo; o segundo, porque foi sob sua chefia que um procurador que atuava na Lava Jato passou para o outro lado e ajudou a JBS a negociar o acordo de leniência, enquanto outro procurador foi preso sob acusação de passar informações confidenciais à empresa de Joesley Batista.

Ao mesmo tempo, a troca do ministro da Justiça também foi vista pelos procuradores como uma ameaça à Lava Jato, pois eles acreditam que o novo titular, Torquato Jardim, mexerá na chefia da Polícia Federal (PF) para minar as investigações – crença que não se abalou nem mesmo depois que Jardim garantiu não ter a intenção de fazer a substituição. No mundo da Lava Jato, a atual direção da PF é intocável por definição, e quem for ministro da Justiça que lide com isso.

Para quem se julga do lado do “bem”, todo o resto só pode ser o “mal”, contra o qual vale tudo. Ao esposar tal doutrina, certos integrantes da Lava Jato correm o risco de prejudicar o crucial trabalho de combate à corrupção no País.

Aqui é o fim do mundo - PAULO DELADO

O GLOBO - 05/06

O indescritível superou o descritível. O caráter da época passa com dificuldade porque seu principal personagem sobrevive. E sua sombra enfeitiça a realidade, cobrando de afilhados lealdade.

Esgotadas as condições econômicas que permitiram realizar uma política pública de improvisação e sem futuro, uma política social manipuladora e sem lastro, uma política industrial sem fundamentos éticos ou técnicos, restaram aos titulares da falha funcional que sustentou seu tempo fingirem não o ver escarnecer da Justiça.

Estávamos à mercê de juízes e acusadores secundários, rugiu a capital. Mas eles não controlarão mais esse jogo. Tremei, insanos, não haverá tempo de passar da ira às súplicas, diz o simplificador geral, tomando as rédeas dos crimes construídos. Balbucia recados desconexos: “Calma, escravos, temos traidores também do nosso lado, primeiro vamos cuidar dos vossos traidores. Nós somos um comitê, mentalidade de casais. Num piscar de olhos emitimos a autorização para uso da força. Somos o injusto disfarçado de justo. A pior praga do populismo-popular.

“Vá, pensamento, minha pátria tão bela e perdida!”, canta, silencioso, o povo escravizado na mentira por acusadores que o traíram, se venderam aos corruptores, ao poder da produção do mal. Um investidor honesto, que tudo perdeu e nada recupera, proclama: “Por um procurador da sociedade”, “Por um juiz do cidadão, externo a moral estatal deles”.

A luta pela igualdade virou afirmação da diferença e fez explodir no país a desigualdade perante a lei. O Direito sumiu do horizonte da Justiça. O poder econômico se apropriou de vez da política e envolveu a alta Justiça. Criou-se um problema insanável: a jurisdição de exceção protege o governante antigo; o ímpeto de imolação se dirige contra o governante novo. E, mais uma vez, para nada, o pequeno briga na rua a briga dos maiorais.

A Justiça se ajustou ao modo de ser do líder do período e se tornou um ramo do relacionamento conflituoso. Capturada pela escuridão intelectual e grupos de pressão do velho regime, por corporações da alta elite do Estado, usa o crime como freio para as reformas. Dono dos autos, os 11 Supremos, cada um a seu modo, arremedam os mestres da cilada e aprisionam o país na corrupção.

É preciso exigir que o governo não pague mais para que o mau empresário fique rico. Encerre a lambança no BNDES, cobre o julgamento da CVM, e enterre o capitalismo de aduladores. Eleições mortas não podem ser julgadas como vivas só para manter a totalidade sombria e desestabilizadora que infantiliza a democracia.

Grave foi falar em Fome Zero, dirigir a FAO e terminar doando o dinheiro do trabalhador para desnacionalizar o parque industrial de alimento. Levar o capital público brasileiro a mudar de mãos e de país deveria ser caso de degredo para quem concedeu, e extradição para quem recebeu.

Não será aqui onde, comovedor ou zombeteiro, para envenenar a transição, o procurador-geral apresenta ao ministro relator a prova intergeracional do DNA do país: uma herança-propina, paga por semana, por 20 anos.

Nunca um cortesão ofendeu tanto a inteligência da ralé. Aqui é o Terceiro Mundo, peça a bênção e vá dormir.

O custo do desastre dilmista - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 05/06

No item corrupção, o Brasil ocupa a penúltima classificação no ranking do IMD, à frente apenas da Venezuela


O efeito da desastrosa gestão econômica durante o governo de Dilma Rousseff aparece com toda nitidez no mais recente relatório do International Institute for Management Development (IMD) sobre competitividade em 63 países. Desde a primeira eleição de Dilma, em 2010, quando alcançou sua melhor classificação, o Brasil perdeu 23 posições no ranking, caindo do 38.º para o 61.º lugar, ficando à frente de apenas duas outras economias. Uma delas é a Venezuela, destroçada econômica e politicamente pelo governo bolivariano de Nicolás Maduro; outra é a Mongólia.

O estudo World Competitiveness Yearbook, que é publicado desde 1989 pelo IMD – uma das mais reputadas escolas de administração do mundo, com sede em Lausanne, na Suíça – com a colaboração local da Fundação Dom Cabral, mostra a contínua queda do Brasil na classificação geral desde que Dilma chegou ao governo. Havia a expectativa de melhora da posição brasileira entre 2016 e 2017, em razão do impeachment de Dilma Rousseff e da posse de Michel Temer à frente de um governo com um programa de reformas destinadas a criar as condições para a retomada do crescimento. Mas isso não ocorreu.

Neste ano, o Brasil perdeu quatro posições, em razão, sobretudo, do aprofundamento da recessão iniciada em 2014, do aumento do desemprego e da revelação da extensão da corrupção na estrutura política e empresarial do País. No item corrupção, o Brasil ocupa a penúltima classificação no ranking do IMD, à frente apenas da mesma Venezuela dominada pelo governo de inspiração chavista.

Os dados relativos ao Brasil foram compilados antes do surgimento da mais nova crise política, provocada pela divulgação de gravações de conversas do empresário Joesley Batista com políticos, entre eles o presidente Michel Temer. Mesmo que os efeitos da atual crise tivessem sido computados a posição do País não pioraria. Mas isso não chega a ser um consolo, pois os últimos colocados estão em situação muito pior.

Há no estudo do IMD pontos bastante positivos para o Brasil, como sua resistente capacidade de atrair investimentos estrangeiros diretos, que totalizaram US$ 78,9 bilhões no ano passado e, segundo projeções do Banco Central, devem alcançar US$ 75 bilhões neste ano. É uma indicação importante para o momento em que a crise política for superada e a economia der sinais de recuperação. Outro item em que o País ocupa boa colocação é o referente a risco financeiro, no qual ocupa a 33.ª posição, bastante baixa se comparada com a classificação geral.

Mas os graves e óbvios problemas do País o arrastaram para as últimas posições do ranking do IMD. A aguda recessão econômica, o aumento expressivo do número de desempregados, a queda da renda da população e, no plano político e administrativo, a ineficiência das ações de um governo duramente afetado pela corrupção e, sobretudo, o alcance que as práticas ilegais alcançaram no setor público, entre outros problemas, contaminam a atividade econômica e corroem a competitividade.

Os problemas mais recentes somam-se a antigos e ainda não resolvidos, como a baixa qualidade do ensino. Embora ocupe a 8.ª posição em gastos públicos com ensino, o Brasil obteve apenas a 62.ª colocação, a segunda pior do grupo, em qualidade da educação. Se não se preparar adequadamente, o País continuará a ficar para trás na classificação mundial quando se considerar o que os técnicos chamam de competitividade digital. Capacidade de produzir conhecimento e de adaptação a mudanças tecnológicas é item determinante dessa competitividade, mas o Brasil, como outros países latino-americanos, tem investido muito pouco em pesquisa e desenvolvimento.

Professora da Fundação Dom Cabral, Ana Burcharth disse ao Estado que o problema é que, enquanto o Brasil não sai do lugar, outros países evoluem. Se providências não forem tomadas a tempo, a distância tenderá a aumentar.

Fachin em jantar com Joesley, o Folgadão, e Renan, que varou a madrugada? Pode isso? Não! - REINALDO AZEVEDO

BLOG DO REINALDO AZEVEDO - 05/06

Ministro tem de abrir mão da relatoria nesse caso, que nem petrolão é; sua proximidade com pessoas da J&F o desabilitam a ser um árbitro tão generoso, não é mesmo?


O Brasil já vive hoje sob uma virtual ditadura do Ministério Público Federal. Parte considerável de seus integrantes, capitaneados por Rodrigo Janot, resolveu privatizar a democracia. Parlamentar, ministro ou magistrado grampeados que expressarem uma opinião favorável ao projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade, por exemplo, podem ser acusados pelo digníssimo Rodrigo Janot de “obstrução da investigação”. E, por favor!, não ousem nem mesmo fazer perguntas a Edson Fachin, o relator do petrolão, que homologou a delação que deu salvo-conduto para um bandido como nunca houve no país. Pois é… Ocorre que terei de fazer as perguntas:

– ministro Edson Fachin, quando apenas candidato ao STF, o senhor esteve num jantar com Joesley Batista, em Brasília, que começou por volta de 21h e só terminou às 6h do dia seguinte?;
– a esse jantar, na casa que o empresário mantém na capital, não estava presente o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que resistia à sua candidatura?;
– o senhor, por acaso, não saiu dali, de manhã, e foi direto para o aeroporto?;
– o sr. lembra o que serviram no jantar?;
– e qual foi o cardápio de conversa tão demorada?;
– ao fim do encontro, Renan já estava convencido?

Além do ridículo
Olhem, essa questão está indo além do limite do ridículo. Todo mundo sabe em Brasília que Fachin visitou o gabinete de alguns senadores, quando ainda candidato ao posto, escoltado por ninguém menos do que Ricardo Saud, que vinha a ser justamente o homem da mala da J&F. Era ele que pagava boa parte dos “benefícios” a quase 2 mil políticos, na contabilidade admitida pelo próprio Joesley.

“Está insinuando que Fachin também recebeu propina, Reinaldo?” Eu nunca insinuou nada. Quando quero, afirmo. Não tenho informação de que tenha recebido grana. Mas tenho a clareza de que a proximidade do ministro com um dos comandantes da organização criminosa o torna suspeito para seguir relator desse caso.

Mais do que isso: se Saud o acompanhou, o empresário e lobista o fez na certeza de que sua presença poderia mover a vontade dos senadores. Assim, Fachin foi obviamente beneficiado pela, digamos, inserção que a J&F mantinha no Parlamento. E foi Fachin a dar sinal verde para uma operação do Ministério Público obviamente ilegal? E foi ele a decidir, em última instância, a liberdade, sem amarras de qualquer natureza, a Joesley, o conviva da mais longa das noites?

Informação
Um grupo de deputados decidiu ingressar com um pedido na Comissão de Constituição e Justiça para que o ministro explique as suas relações com Saud. Ora, o que há de estranho nisso, considerando que este também foi um dos beneficiados por Janot e pelo ministro? É preciso, sim, cobrar detalhes dessa relação.

Pois é… Leio no Painel, da Folha, que há quem, no Supremo, considere que isso seria uma forma de intimidar Fachin e poderia caracterizar até um crime: coação! Ah!!! A tese é de tal sorte exótica que deve derivar de algum ministro que não conhece direito a Constituição. Chuto… Roberto Barroso! Como é? Então um parlamentar perdeu a prerrogativa de apresentar petições à CCJ caso estas digam respeito a um ministro do Supremo? Então a imunidade parlamentar já não garantiria nem mais o direito de cobrar explicações?

Bem, considerando que Janot resolveu denunciar Aécio Neves por obstrução da Justiça porque, afinal, ele atuou como senador, não seria de estranhar que alguém levantasse a tese de que um deputado comete um crime quando faz indagações a um ministro do STF. Ademais, Fachin, como sabemos, cobra explicações de todo mundo, certo? Por que não pode dá-las também? E ainda com maior necessidade: afinal, o Judiciário existe para remediar os remédios, não é?

Fachin tem de abrir mão dessa relatoria. Sei lá se um outro seria melhor ou pior para Temer. Pouco importa nesse caso. Não dá é para aceitar o inaceitável. E não é aceitável que ele tenha sido, vamos dizer, acolhido pelo empresário que confessou 245 crimes e depois se mandou para Nova York, deixando atrás de si um país perplexo, mergulhado na certeza e da desesperança.

Estaria forçado a renunciar à relatoria ainda que tivesse tido, no caso, um comportamento exemplar. Mas todos sabemos que isso não é verdade.

O Brasil exige a volta de Joesley. E cobra também que, em alguma medida, ele pague por seus crimes, a exemplo do que aconteceu com todos os outros empresários que fizeram delação — ainda que, também para estes, as respectivas penas tenham sido pornograficamente baixas.

Não é de hoje que o crime compensa em Banânia. Mas nunca recebeu um prêmio tão alto como nesse caso.