domingo, setembro 30, 2012

Os males do Brasil - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO


REVISTA VEJA 

Muitas cidades deste vasto Brasil dispõem daqueles semáforos com botões que, apertados pelos pedestres, prometem lhes proporcionar a vez de atravessar a rua. O nome científico do equipamento é "botoeira", segundo se lê nos textos dos órgãos de trânsito. Há pessoas que não acreditam neles. Seriam tão eficazes quanto uma caixa de papelão pespegada no mesmo local. Há razões para isso. Não poucas vezes aperta-se o botão e nada. Os mais afoitos então o apertam e reapertam, seguidamente, como se quisessem despertar o duende lá dentro que fará o mecanismo funcionar. Também ocorre de o pedestre aproximar o dedo e não encontrar o botão. Por desgaste ou vandalismo foi tirado de onde deveria estar, e o que resta é um buraco, qual desgraçado olho vazado. Em São Paulo há vários nessa situação. Quando serão consertados? E melhor esquecer. A cultura do conserto e da manutenção é alheia ao modo de ser brasileiro.

Continuemos nosso passeio pela rua. O que é verdade para as botoeiras será também para as calçadas. Aos buracos, afundamentos, calombos. corrosões e outras irregularidades que vierem a se instalar estará desde logo assegurada uma longa vida. Há buracos que chegam a comemorar dois, três, cinco anos de existência. A eles se junta o festival de diferentes calçamentos a que muitas vezes se está sujeito num único quarteirão; ao piso de cimento sucede o de pedrinhas, ao qual sucede o de ladrilhos, numa série de estorvos à caminhada à qual se soma a barafunda estética. O incômodo não é apenas para os deficientes, os idosos ou as mães que empurram carrinhos de bebê. E também para quem possui as duas pernas e está no pleno gozo delas. Em muitas cidades, talvez a maioria, a responsabilidade pela manutenção da calçada é do morador. Sim, mas cabe à prefeitura fiscalizar. Quando virá a fiscalização? E melhor esquecer. A fiscalização, irmã da manutenção, também é estranha ao modo de ser brasileiro.

O passeio ainda não terminou. Imaginemo-nos no centro do Rio, esquina das ruas da Quitanda e Sete de Setembro. O poste que indica o nome dessas ruas, em vez de ereto, como se espera dos postes em pleno exercício de sua função e investidos de sua dignidade, apresentava-se, até há pouco tempo, tristemente vergado, ameaçando despencar sobre a cabeça dos passantes, e assim permaneceu durante dias, até ser flagrado por foto enviada por um leitor ao site do jornal O Globo. Ao poste carioca correspondia um paulistano, também do tipo que exibe as placas com o nome das ruas, na esquina da Avenida Pacaembu com a Rua Margarida. Até pouco tempo atrás ele se encontrava na mesma situação humilhante, se é que não se encontra ainda. Cariocas e paulistanos, irmanados, confirmam a lei segundo a qual a falta de fiscalização e a falta de manutenção os males do Brasil são.

E quanto aos buracos no meio da rua? São nossos velhos conhecidos, indissociáveis da paisagem nas cidades brasileiras. Em alguns, tão profundos que capazes de ocasionar graves acidentes, almas caridosas fincam um pedaço de pau para alertar os motoristas, ou os cobrem com uma pedra. Tais almas caridosas sabem que até o poder público se abalar a corrigir a situação pavorosos desastres poderão ocorrer. Mais peculiar ainda ao modo de ser brasileiro que os buracos é a incapacidade de bem consertá-los. O conserto costuma ser tão incompetente que resulta num calombo. Raras vezes o chão fica igualado como devia. Como resultado, o buraco é trocado por uma protuberância. Verdade que com frequência o conserto malfeito é obra das concessionárias de serviços públicos. que abrem o buraco para reparar fiações ou encanamentos e não o fecham direito. A fiscalização, no entanto, de novo cabe às prefeituras.

Estamos a poucos dias das eleições municipais. Os singelos exemplos colhidos neste passeio pelas ruas estendem-se às grandes coisas. Tal qual nas pobres botoeiras sem botão ou nos buracos miseravelmente mal tapados, também nas pontes e nos viadutos, nos hospitais e nas escolas, a falta de fiscalização e a falta de manutenção os males do Brasil são. Daí que o colunista tenha uma sugestão a fazer ao eleitor. Escolha o candidato que se comprometa a não realizar nenhuma obra nova - nenhuma! -, mas a manter e fiscalizar as já existentes. Haverá tal candidato? Político gosta de inaugurar. Nada os entedia mais do que ter de fazer a coisa funcionar, depois. Mesmo porque isso pode ser deixado ao sucessor, que por sua vez estará empenhado em inaugurar algo novo, e não em manter o que foi inaugurado pelo antecessor. Não custa tentar, porém. Esforce-se o eleitor, procure. Quem sabe exista algum diferente, aí na sua cidade.

O espírito e o asfalto - WALCYR CARRASCO

REVISTA ÉPOCA

Após 40 anos, voltei a minha pacata cidade natal. Descobri que paz em excesso estimula a depressão e o suicídio
Nasci numa pequena cidade do interior de São Paulo, Bernardino de Campos, construída em torno da ferrovia Sorocabana. A torre da igreja da pracinha foi construída por meu avô materno, João, pedreiro. Morei lá até os 3 anos, quando minha família se mudou para Marília, bem maior. Passava as férias na casa de minha avó paterna, Rosa, em Bernardino. Com o tempo, toda a minha família mais próxima deixou a cidade. Os laços se esfiaparam. Fui morar em São Paulo. Lembrava com saudades de minhas férias em Bernardino, onde eu brincava sem medo nas ruas vazias. Quer dizer, não exatamente sem medo, porque às vezes alguém gritava que a boiada vinha vindo. Corríamos para dentro das casas, enquanto os bois tomavam a rua e passavam. Uma diversão! Passei bem uns 40 anos sem ir a Bernardino. Só voltei quando me convidaram para apresentar um recém-criado prêmio de teatro na região, há alguns anos. (E, ao que eu saiba, logo extinto.)

A cidade, ao contrário de outras do interior, não cresceu. A torre da igreja continuava lá. Mas a estação ferroviária fechara. Os trilhos, cobertos pelo mato. O cinema, onde eu me divertira tanto, transformado numa loja de sapatos. O filho da dona do hotel, criado em São Paulo, só tinha um sonho. Voltar para a cidade grande.

- Aqui, meu cabelo virou até notícia na rádio! - disse, apontando para o cocoruto verde.

Um primo em terceiro grau me reconheceu na rua. Fez questão de me levar até sua casa.

- Minha mãe sempre fala em você. Vai ficar feliz.

Fui com ele ao encontro da tia-avó que só vira quando menino e da qual mal me lembrava. Estava deitada. Ele a sacudiu.

- Mãe, mãe, acorda. Olha quem está aqui! - disse o primo.

A velha se mexeu. Abriu os olhos e encarou meu primo.

- Quem é você? - perguntou.

- Sou eu, seu filho! Veja só, é o primo que virou escritor.

- Estou muito feliz em ver a senhora, tia falei, sorri, constrangido.

Ela virou de lado e voltou a dormir.

- Pode ter certeza que a mãe adorou sua visita - disse o primo. - Mas está com depressão.

Conversei mais tarde com um funcionário da prefeitura.

- A depressão é um dos maiores problemas daqui afirmou.

- Mas é um lugar tão calmo, cheio de paz - disse eu.

- Tem muita gente que se suicida. Se alguém compra corda, já fazem piada - afirmou o funcionário, para meu horror.

Foi um susto. Já ouvira a mesma história em outra cidade bela e bucólica: Pomerode, em Santa Catarina, onde os suicídios são em número elevado. A cidade brasileira com maior número de suicídios per capita também é pequena, com uma bela catedral neogótica, cachoeiras por perto e todo um cenário que lembra paz e tranquilidade: Venâncio Aires, no Rio Grande do Sul. Mas minha querida Bernardino também estava na lista?

Moro desde os 15 anos em São Paulo. Sempre reclamei do trânsito e da violência, que me faz temer até assaltos em restaurantes. Sempre sonhei em voltar para uma pequena cidade do interior. Nem falo em comprar um sítio, pois não me vejo cuidando do pasto ou ordenhando vacas. Mas talvez uma casa gostosa numa rua calma, onde possa dormir de janela aberta. Ainda mais agora, com a internet, eu poderia morar em qualquer lugar e enviar meus artigos, livros e capítulos de novela por computador. Viajei muitas vezes em busca desse novo endereço. Quando me falam de um lugar com cachoeiras, meu coração bate mais forte. Será lá?

Inicialmente, meu sonho foi detonado pela onda de violência em muitas cidades do interior. Tornaram-se frequentes os assaltos e sequestros, mesmo porque até os trabalhadores rurais usam crack. Há exceções, porém. Bernardino é muito calma, com poucas ocorrências policiais. E a depressão? Soube que muitas prefeituras criam postos psiquiátricos. O problema é mais profundo. As pessoas não têm o que fazer, a não ser falar umas das outras. Cria-se um sistema de vigilância sobre o comportamento alheio. Tudo o que infringe a regra vira notícia - até mesmo o cabelo verde de um rapaz. Prefeitos investem em melhorias urbanas. Fala-se muito em hospitais e asfalto. Raramente num circuito cultural que alimente o espírito. Isso também acontece em boa parte das metrópoles, onde são raros os novos teatros, bibliotecas. Nas pequenas cidades, é pior ainda. O espírito das pessoas também adoece pela falta de atividades que provoquem indagações, criatividade, sentimento de equipe. Mergulhados no tédio, os cidadãos se deprimem.

Paz demais é insuportável.

Outro lado do mensalão - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA 


Já é possível comemorar o julgamento do mensalão, em curso no STF. Um de seus efeitos mais relevantes é provar a independência do Judiciário. Em todo o mundo, essa foi uma das características que permitiram construir a democracia e o ambiente do qual emergiriam a prosperidade capitalista e o bem-estar da sociedade. Para entendermos essa realidade, façamos um rápido sobrevoo pela evolução que trouxe o mundo até aqui.

Na maior parte dos últimos 10000 anos, os países que enriqueciam eram aqueles capazes de reunir recursos financeiros, materiais e humanos para guerras de conquista. Durante muito tempo, as receitas públicas da Roma antiga provinham da pilhagem dos povos dominados. A partir do século XVII, a prosperidade passou a depender de instituições propícias ao desenvolvimento capitalista, cujo êxito tem apenas dois séculos.

O marco desse processo é a Revolução Gloriosa (1688), na Inglaterra, da qual nasceriam as condições que viabilizaram a Revolução Industrial. Dados levantados por Angus Maddison mostram que nos três milênios anteriores o padrão de vida da maioria dos países se alterou muito pouco. Em 1800, a expectativa de vida de um inglês era semelhante à de um habitante da Roma antiga. Sua altura, resultado da qualidade da alimentação e da exposição a doenças, era menor do que na Idade da Pedra.

A Revolução Gloriosa, liderada pelo holandês William de Orange, à frente das tropas que invadiram a Inglaterra, recebeu o apoio da nobreza, do clero e dos comerciantes ingleses, descontentes com o reinado de James II, que foi deposto. Para ascender ao trono, William assinou a Declaração de Direitos, que, entre outras inovações institucionais, transferia a supremacia do poder para o Parlamento e proibia a demissão de juizes. Morriam o absolutismo e a tirania, nascia a independência do Judiciário.

Aprovada pelo Parlamento, a Declaração de Direitos se transformou na Carta de Direitos (Bill of Rights, 1689). No campo judicial, ela ampliava conquistas anteriores, como a instituição do habeas corpus (1679) e a extinção da odiada Star Chamber (1641), tribunal que julgava processos de interesse da monarquia. O rei podia indicar juizes dessa corte, demiti-los e influenciar nas decisões. Para Douglass North e Mancur Olson, as mudanças estabeleceram garantias de liberdades individuais, de respeito aos contratos e de direitos de propriedade, inclusive em favor dos críticos do governo. A segurança jurídica se tornou maior na Inglaterra do que em qualquer outro país. Esse ambiente contribuiu decisivamente para as transformações geradoras do desenvolvimento. Tinha-se agora o governo das leis, e não dos homens. A previsibilidade e a estabilidade das regras forjavam a confiança nas relações entre os agentes econômicos, fundamentais para os negócios e a prosperidade.

A independência do Judiciário brasileiro foi inscrita na Constituição de 1988, mas está agora comprovada nesse memorável julgamento do STF, cujo desenrolar demonstra inequivocamente o nosso amadurecimento institucional. Erraram os líderes do PT que esperavam dos juizes indicados por Lula e Dilma uma submissa declaração de inocência dos réus. Ao contrário, a expressiva maioria deles tem-se guiado por sua consciência e pelos autos. O compromisso com a história pessoal, com a carreira profissional e com a verdade se sobrepôs a pressões de qualquer natureza.

Há muito que avançar no Judiciário brasileiro. Muitos juizes ainda têm dificuldade de entender o sistema capitalista e os incentivos que levam indivíduos e empresas a assumir riscos, empreender, investir e inovar. A morosidade, decorrência do complexo processo judicial, eleva custos de transação e inibe ganhos de produtividade da economia. Melhorias dependerão de reformas, inclusive dos currículos universitários. Seja como for, o julgamento do mensalão aflorou teses inovadoras, que podem fundamentar sentenças exemplares. Os custos da corrupção ficam mais evidentes e podem inibi-la. Acima de tudo, dispomos de um dos mais relevantes fundamentos institucionais do país. O Judiciário é um dos poderes autônomos da República, condição essencial para a democracia e para o desenvolvimento.

O valor da educação - SUELY CALDAS


O Estado de S.Paulo - 30/09


Desde a edição do Plano Real, há 18 anos, a distribuição da renda no Brasil tem favorecido mais os pobres que os ricos - uma inversão inédita à perversa e crescente concentração de dinheiro em poder de poucos ricos, nos tempos do regime militar e de hiperinflação. Não foram recebidos como novidade, pois, os resultados de duas recentes pesquisas - a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, e outra, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) - sobre realidade social e distribuição de renda. Apesar disso, ou melhor, até por isso, há muito que comemorar: ao longo desses 18 anos não houve um só recuo, o progresso social tem caminhado sempre em frente e a cada pesquisa divulgada se renovam as esperanças de exterminar definitivamente a triste e vergonhosa situação de miséria em que ainda vivem 13,2 milhões de brasileiros excluídos da dignidade.

Após trabalhar sobre os números da Pnad, o presidente do Ipea, Marcelo Neri, concluiu que em dez anos, de 2001 a 2011, 21,8 milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza. E nesse mesmo período, enquanto a renda per capita dos mais pobres cresceu 91,2%, a dos ricos aumentou só 16,6%. Para isso, segundo Neri, contribuíram a renda do trabalho, que responde por 58% dessa evolução, a Previdência Social (20%) e os programas Bolsa-Família (13%) e Benefício de Prestação Continuada (4%). Recentemente, a queda da desigualdade social tem reduzido de ritmo, mas ainda mantém força expressiva: de acordo com o IBGE, entre 2009 e 2011, 3,7 milhões de pessoas deixaram a pobreza, uma média anual de 1,85 milhão, ante a média de 2,265 milhões dos oito anos anteriores.

Apesar do extraordinário avanço, o Brasil ainda é um dos países de maior desigualdade social do planeta, de maior abismo entre ricos e pobres. De 2001 a 2011, só avançamos da 12.ª para a 10.ª posição entre os países socialmente mais desiguais, onde a camada rica usufrui de boa renda, propriedades, conforto, bem-estar, boas escolas e assistência à saúde, enquanto a maioria pobre só agora começa a ter seus direitos sociais reconhecidos. Há, pois, muito que construir quando se trata de justiça social.

Se parece enterrada no passado a esfarrapada desculpa do então ministro da Fazenda do governo Médici, Delfim Netto, de que "é preciso primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir", estão vivas hoje três persistentes lacunas nesses 18 anos de ciclo virtuoso: educação, saúde e saneamento. Os três evoluíram em ritmo muito lento, apesar de sua enorme influência e importância para a estabilidade e continuidade da melhoria na distribuição da renda e para a sensação de bem-estar das camadas mais pobres da população.

Por produzir efeitos de longo prazo, alcançar e influenciar todos os aspectos e estágios do progresso social, o investimento em educação deveria ser tratado pelas três instâncias de poder - governos federal, estadual e municipal - com urgência e de forma permanente, não episódica. Infelizmente, não o é.

Com certeza, é o meio mais estrutural, eficaz e duradouro de distribuir renda e combater desigualdades. No plano individual, abre janelas de oportunidades - de trabalho, aumento salarial, melhoria de condições de vida e crescente bem-estar da família, além da felicidade proporcionada por todos esses efeitos. Para o País, a educação conduz a múltiplos benefícios de progresso econômico: eleva a produtividade do trabalho, melhora a qualidade de produtos e serviços, é fundamental para tornar o País forte e competitivo e faz brotar novas descobertas científicas. Enfim, fortifica a economia do conhecimento.

Pelo mais recente Censo do IBGE, nos últimos 20 anos a escolaridade média da população avançou timidamente: de 5 anos para só 7,3 anos de estudo. É muito pouco. E isso explica nossa baixa produtividade do trabalho, comparada aos países asiáticos, onde é comum o trabalhador ter nível universitário.

Sem dúvida, a educação é o alicerce que sustenta a redução das desigualdades sociais e a distribuição mais justa da renda. Se os governos não a virem como prioridade, haverá recuos nesses avanços.

O jeito Dilma de ser Keyne - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 30/09


Engana-se quem pensa que a presidente Dilma Rousseff passa as horas dentro do avião presidencial em suas viagens internacionais lendo revista de moda, tomando um drink ou simplesmente tirando uma soneca. É ali, sem telefones ou interrupções por parte de terceiros, que a presidente aproveita para “teorizar” o governo, comparar as medidas adotadas com as teorias existentes, especialmente, na área econômica, tratar das estratégias para o futuro e organizar as ideias — um “brainstorm” nas alturas.
Essa mesa redonda em cabine pressurizada é tão exclusiva quanto a primeira classe das companhias aéreas. Estão convocados de forma quase que permanente nesse grupo apenas dois ministros, o de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel; e o da Educação, Aloizio Mercadante. O assessor internacional, Marco Aurélio Garcia, hoje muito mais reservado e discreto do que no governo Lula, também participa. Em algumas rodas, ela inclui os ministros de Relações Exteriores, Antonio Patriota, e a de Comunicação Social, Helena Chagas. Mas é com Pimentel, Mercadante e Marco Aurélio que Dilma vive mais essa tarefa de “pensar” o governo.

Uma das últimas conclusões do grupo, ao analisar esses quase dois anos de governo sob a ótica da economia, foi a de que Dilma pegou a Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, escrita em 1936 pelo britânico John Maynard Keynes, e colocou um tempero brasileiro, promovendo uma mudança geral na política econômica nesse período. Primeiro, veio a queda na taxa básica de juros. Depois, o processo de baratear os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em seguida, foi a hora de dar incentivos a setores estratégicos, inclusive no que se refere a um alívio sobre a folha de pagamentos, o que, na visão do governo, ajuda a preservar empregos e aumenta a competitividade.

Coentro, cebolinha, cominho
Agora, o governo está na fase de organizar a infraestrutura e baratear custos não só para o empresariado como também para o consumidor. Daí, a redução de tarifas de energia e a pressão governamental pela queda nos juros dos cartões de crédito e dos financiamentos como um todo. “O que o governo não fez foi desemprego e redução de salário. Temos aí um jeito Dilma de ser Keynes”, define Mercadante.

A teoria keynesiana propõe a intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de garantir empregos. Com a recessão em parte da Europa e a crise nos Estados Unidos, Keynes ressurgiu com força e muitos caem nos ciclos a que a teoria dele se refere, quando trata de períodos de desemprego. O Brasil, apesar do baixo crescimento, não vive essa fase de desemprego. “Vivemos hoje no Brasil um Keynes anticíclico”, acredita Mercadante.

No encontro sobre educação, do qual o ministro participou na ONU, e que eu tive a oportunidade de acompanhar, o primeiro-ministro croata, Zoran Milanovic, falou em corte de salário de professores, em decorrência da crise. Na Espanha, houve demissões de professores. No Brasil, não houve demissões. “Não se sai da crise com menos educação e sim com mais educação”, disse Mercadante em seu pronunciamento, numa resposta indireta ao croata.

No forno
Embora o crescimento econômico do Brasil esteja abaixo dos 2%, a expectativa do governo é a de que no ano que vem, as medidas comecem a ser mais sentidas pela população. Outros países têm acompanhado muito de perto o que acontece por aqui. Se a resposta for positiva como espera o governo, “o jeito Dilma de ser Keynes”, como diz Mercadante, será objeto de estudo acadêmico pelo mundo afora.

Vale registrar ainda que, em 2013, estaremos na antessala da sucessão presidencial. Dada a popularidade de Dilma detectada na semana passada, a população está gostando do tempero brasileiro que ela coloca em Keynes e no próprio PT, ao promover as concessões de serviços públicos à iniciativa privada. Ou seja, se a oposição quiser fazer bonito em 2014, é bom se reinventar já. Porque, embora os petistas não estejam com a bola toda nesta eleição municipal, nada indica que Dilma terá esse mesmo fim daqui a dois anos.

7 motivos mara amar uma cidade - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA

O que é uma cidade? Não existe definição ideal. A cidade sou eu, é você. Se é o lugar onde se dorme, acorda, trabalha, caminha e trafega, onde se ama, briga e morre, a cidade é bem mais que um amontoado de concreto e verde - é uma experiência de bem-estar ou mal-estar. Alguns se tornam reféns de sua cidade, sequestrados por circunstâncias profissionais, financeiras e familiares. Alguns vivem onde desejam. É aí que os defeitos da cidade incomodam como traições de mulher amada. Só nós podemos criticar - forasteiros não. Cito dois pensadores visionários de cidades. Um é o inglês Ebenezer Howard (1850-1928), autor de Cidades-jardins de amanhã, em 1898: No século XIX, ele já se preocupava com ar fresco, água, superpopulação e migração do campo. Criou modelos de cidades utópicas, com vantagens urbanas e suburbanas, que significavam"uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização". Howard perguntava:"Para onde as pessoas irão?". Uma questão mais atual que nunca.

Outro pensador é o americano Lewis Mumford (18951990), que publicou em 1961 A cidade na história. Seus maiores medos eram o império do automóvel e a megalópole. Para Mumford, a cidade gigante ameaçava a saúde, a dignidade, os valores comunitários, ambientais e espirituais da população. "Antigamente", dizia ele, "a cidade era o mundo, hoje o mundo é uma cidade".

Para esta edição especial de ÉPOCA, dedicada às cidades, busquei um professor apaixonado pelo centro urbano em seu sentido ancestral - servir o homem. O arquiteto e urbanista premiado Luiz Carlos Toledo listou "7 motivos para amar uma cidade":

1. Amo as cidades que sabem se reinventar, como o Rio de Janeiro, que deixou de ser a sede tropical da corte portuguesa, capital do império e da república e, graças a Deus, capital cultural do.Brasil, título careta e equivocado nur,n país cuja diversidade cultural não respeita território e dispensa uma capital. O Rio soube transformar uma decadente Lapa em polo de atração capaz de arrancar os jovens da Barra da Tijuca de seus condomínios para se divertir com outros jovens, do resto da cidade, nas rodas de samba e chorinho. Soube resgatar o carnaval de rua, fazendo do Centro e de cada bairro passarelas tão ou mais atraentes que o Sambódromo globalizado.

2. Amo as cidades que têm esquinas e, principalmente, quando ocupadas por padarias e botequins, para a gente ouvir pela manhã o balconista gritar:"Salta uma média no copo e um pão na chapa". À noite, na volta para casa, uma rápida parada no boteco predileto, jogando conversa fora com um cara que você nunca viu antes, ouvimos deliciados e com sotaque lusitano: "Salta uma gelada que o freguês tem pressa".

3. Amo as cidades amigáveis, que tratam bem habitantes e visitantes e onde, num único quarteirão, a gente possa encontrar quase tudo. Amigável com crianças, velhos e namorados, que dispõem de uma pracinha perto de casa. Com os visitantes, pela gentileza da população e por uma sinalização urbana feita para evitar que qualquer um se perca. A cidade amigável nos salva do ataque de flanelinhas, motoristas de vans e taxistas inescrupulosos, garçons e vendedores mal-humorados, que adoram errar no troco, falsos guias turísticos e toda a sorte de gente capaz de fazer um turista jurar que nunca mais bota os pés ali.

4. Amo as cidades com entretenimento para todas as idades, independentemente de quanto temos no bolso. Se der sorte de a cidade ter praia, metade do problema está resolvido. Parques, museus, centros culturais, bibliotecas e shows devem oferecer entrada franca. Amo as cidades com locais para confraternizar a céu aberto.

5. Amo as cidades que preservam da ganância dos especuladores as suas montanhas, matas, praias, lagoas, florestas, seus parques e manguezais. Onde o ar se respira, e a poluição não nos sufoca nem nos adoece.

6. Amo as cidades que respeitam sua história e sua arquitetura e, por isso, se tornam donas de uma força misteriosa que faz com que moradores, até os mais cosmopolitas, relutem em se afastar, apegados aos bairros onde vivem, às paisagens conhecidas, aos prédios e monumentos e também às praças, ruas, travessas e becos, repletos de significados.

7. E amo, sobretudo, as cidades inclusivas, onde todos possam exercer sua cidadania. Uma cidade onde crianças não oferecem balas e, fazem malabarismos a cada sinal de trânsito, porque estão brincando em casa ou estudando nas escolas. Uma cidade sem moradores de rua e, se os tiver, que garanta a eles compreensão, abrigo e oportunidade. Onde nenhum trabalhador perca horas preciosas para chegar ao emprego. Onde os donos das ruas não sejam os carros particulares, mas o transporte público de qualidade. Onde a divisão entre morro e asfalto só exista na lembrança dos mais velhos ou nos livros de história, para não esquecer como é triste e perigoso viver numa cidade dividida. Onde os governantes saibam ouvir e governem para todos, discretamente. E que tenham horror às obras suntuosas.

Lições para as novas concessões - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 30/09

Lula acha que as múltis "exploravam" o consumidor. Estudos sugerem que o saber comum não procede


Em uma entrevista ao jornal "O Globo" em 12 de outubro de 2006, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial, o então presidente e candidato à reeleição, Lula, afirmou, com relação às tratativas da Petrobras com a Bolívia: "Eu não quero que a Petrobras aja como as empresas multinacionais agiam no começo da década de 50. Eu quero que a Petrobras aja como as empresas estão agindo hoje, no século 21, pagando o preço justo e ganhando o lucro justo".

Fica claro na afirmação de Lula que ele tem certeza de que as empresas multinacionais nos anos 50 "exploravam" o consumidor nacional.

Explorar no sentido de que cobravam pelos serviços de utilidade pública preços além do custo de produção. Evidentemente, Lula nunca estudou esse tema com profundidade. A fala do presidente expressa visão corrente na sociedade brasileira sobre esse tema.

Será que há evidências sobre esses fatos? É possível identificar casos nos quais as empresas multinacionais concessionárias dos serviços de utilidade pública tenham obtido lucros extraordinários, incompatíveis com a normal remuneração do capital e do risco do negócio?

Dois estudos sugerem que o saber comum expresso na fala do presidente Lula não procede.

Trata-se, portanto, provavelmente de visão ideológica de uma sociedade que tem dificuldade de enxergar seus próprios problemas e de identificar a sua responsabilidade nos mesmos problemas. Recorrer a supostos inimigos externos é sempre saída fácil.

O artigo "Market Intervention in a Backward Economy: Railway Subsidy in Brazil, 1854-1913", do acadêmico da Universidade da Califórnia William Summerhill, publicado em 1998 no "Economic History Review", sugere que as ferrovias de capital estrangeiro instaladas no Brasil no período não auferiram retornos excessivos.

Em particular, o retorno das ferrovias de capital privado doméstico -Paulista e Sorocabana- foi superior ao das de capital estrangeiro, e, em ambos os casos, o retorno para a sociedade das ferrovias foi superior ao retorno auferido privadamente pelos acionistas das empresas.

Da mesma forma, a dissertação de mestrado de Marcelo Mollica Jourdan, chamada "A Light, Investimento Estrangeiro no Brasil - Uma Luz sobre o Ciclo Privado-Público-Privado em 80 anos pela Análise da Taxa de Retorno" e defendida na EPGE-FGV/RJ em janeiro de 2006, indica que a taxa interna de retorno da empresa de capital canadense Light foi, ao longo dos 80 anos em que cá esteve, relativamente baixa: menos de 4% ao ano em dólares constantes.

A importância de se estudar a empresa Light deve-se ao papel central que ela desempenhou na oferta doméstica de energia elétrica, transportes urbanos e telefonia nas primeiras quatro décadas do século 20. Ela foi responsável por aproximadamente 80% da oferta desses serviços no período.

Há forte evidência de que, até os anos 30, não houve falta de oferta desses serviços.

O estudo sugere que a rentabilidade da empresa, em seguida ao controle tarifário introduzido pelo Estado Novo em meados dos anos 30, deprimiu a rentabilidade, explicando, portanto, os baixos investimentos a partir dos anos 40. A carência da oferta, consequência dos baixos investimentos, explica a estatização desses setores no pós-guerra, período a que se refere a fala do presidente Lula.

Duas lições se depreendem do caso da Light. Primeira: se não houver um marco regulatório que garanta ao acionista retorno na casa de 8% a 10% ao ano, dificilmente a concessão funcionará. Quando a regulação reduziu os retornos abaixo dessa faixa, os investimentos escassearam.

A segunda lição é que é importante resolver o problema do risco cambial. No caso da Light, o risco cambial era arcado pelo consumidor: quando o câmbio desvaloriza, a tarifa do serviço era elevada.

Ao retirar esse risco do investidor estrangeiro reduz-se muito o retorno requerido (por esse mesmo investidor) para implantar e gerenciar o serviço.

O problema é que deixar o risco cambial para o consumidor é politicamente muito difícil: períodos de grandes desvalorizações cambiais, como foi o caso em seguida à crise de 29, são períodos de perda salarial. É muito difícil justificar elevações de tarifas quando os salários reais estão em queda.

Dado que somos uma sociedade de baixíssimos níveis de poupança, parte dos investimentos em serviços de utilidade pública terá que ser financiada externamente.

Se não houver um equacionamento do problema do risco cambial, não haverá solução duradoura para a oferta desses serviços.

Pornopolítica - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 30/09

Rotina na vida dos candidatos à prefeitura de São Paulo, Paulinho da Força fez dia desses uma visita à Santa Casa de Misericórdia
paulista. Dirigentes, professores de medicina e membros da Irmandade o questionaram sobre saúde.
E ele: “Saúde é foda!”

Segue...
A turma torceu o nariz e continuou querendo saber, agora, sobre educação.
E Paulinho: “Educação? É foda!”

No meio do caminho
Eike Sempre Ele Batista sabe, naturalmente de cor e salteado, a chamada lei da oferta e da procura.
Pois bem. Na construção em Itaguaí do Superporto Sudeste, ele esbarrou na existência, no local, de uma casa de um pescador que, em condições normais, valeria uns R$ 30 mil. O empresário teve que desembolsar R$ 10 milhões pelo imóvel.

Por falar em Eike...
O grupo EBX deve vender 49% da mina de ouro Ventana (janela em espanhol), na Colômbia.

+ 1 dose
O Barão Vermelho volta a se reunir na turnê + 1 dose, que começa dia 20 de outubro na Fundição Progresso, na Lapa. Serão apenas seis meses de shows por todo o país.
A turnê nacional celebra os 30 anos do lançamento do primeiro disco do Barão Vermelho, em 1982, e a Som Livre já prepara edição comemorativa em vinil.

Calma, gente!
José de Abreu também está sendo processado por Gilmar Mendes por conta de comentários do ator em seu Twitter.

OSNI e os gays

Um relatório do SNI de 1972, descoberto pelo historiador Douglas Attila Marcelino, mostra, mais uma vez, a implicância da ditadura com os gays.

Lá diz que “não se compreende que a competição por ibope justifique a invasão dos lares por essa estranha fauna, vez que, na programação nobre do domingo, ( ... ) deixa as alternativas de Clóvis Bornay, no Programa Silvio Santos; Denner, no Programa Flávio Cavalcanti; ou o costureiro Clodovil, na Buzina do Chacrinha.”

Falsete...
O relatório diz ainda que a “masculinidade dúbia dos citados personagens pode ser confirmada pelos trejeitos femininos, expressões faciais duvidosas e voz em falsete”.
É. Pode ser.


Jeitinho do mal
Um dos últimos países a acabar com o tráfico de escravos, o Brasil, em 1830, recorreu ao “jeitinho brasileiro” para ludibriar a Grã-Bretanha, que lutava pelo fim da escravidão.

A “Revista de História da Biblioteca Nacional”, reproduz documento da Biblioteca Nacional Britânica com a tentativa de burlar os ingleses.

Natal na Barra
O Via Parque Shopping, na Barra, vai montar para o Natal esta roda gigante.
Terá 11 metros de altura e capacidade para 21 pessoas.

Tudo em família
O filho de Elba Ramalho e Maurício Mattar, Luã, recém-chegado dos EUA, onde se formou em música na Berklee College of Music, fará participação nos shows da mãe, amanhã e terça, no Theatro Net Rio, no Rio.
Luã vai tocar violão e guitarra.

Gilson e Mauro
Gilson Peranzzetta e Mauro Senise tocam dia 6 agora, no Porgy and Bess, famosa casa de música na Áustria.
O show será exatamente no dia em que a dupla completa 22 anos de carreira.

Enchendo o cofrinho
Bernardinho, o técnico de vôlei e garoto-propaganda de várias marcas, participará do Congresso Brasileiro de... Psiquiatria, em outubro, em Natal.

O mensalão e as eleições - LEANDRO MOLHANO RIBEIRO

O GLOBO - 30/09


Quais as implicações do julgamento do mensalão para o PT? Como afetará o partido nas eleições? Qual o impacto sobre a dinâmica e o desempenho do governo Dilma?

A curto prazo, o mensalão talvez tenha pouco efeito. As eleições neste ano são municipais. Para o eleitor médio, relacionar o caso do mensalão com disputas locais é tarefa difícil nos pequenos e médios municípios . A sentença — “O mensalão existiu” — poderia ser usada na disputa eleitoral, mas parece impossível que o julgamento esteja concluído até as eleições.

A dinâmica pode ser diferente em municípios grandes, onde a dimensão nacional está mais presente. Mesmo assim, não se trata de efeito natural. Dependerá da capacidade dos partidos de oposição de fazer associações convincentes entre os réus do mensalão e os candidatos locais do PT — o que é dificultado pela diversidade interna do partido. Mesmo em cidades onde as intenções de voto no PT parecem em queda, o mensalão não necessariamente é parte da explicação. A julgar pelas pesquisas, essas tendências parecem anteriores ao início do julgamento. Nas capitais, portanto, o efeito do mensalão no curto prazo não deve ser tomado como dado inevitável.

No longo prazo, poderão surtir maior efeito sobre o PT. Fazer previsões é arriscado, mas há variáveis que podem ser decisivas. A primeira é o resultado do julgamento. Haverá ou não condenação dos principais políticos do PT, como Dirceu e Genoino? Em caso afirmativo, será matéria-prima para o trabalho das oposições atacarem a ética e o modo de governar do PT. Até as eleições presidenciais, haveria tempo para explorar esses temas.

Novamente, nada garante que o efeito das eventuais condenações extrapolará o “núcleo político”. Dependerá muito das estratégias da oposição, bem como da economia. Em tempos de crise, será que o mensalão terá mais relevo que o desempenho econômico na cabeça do eleitor?

No nível do governo, encontramos a mesma dificuldade de ligar réus do mensalão à gestão da presidente Dilma. Apesar das condenações anunciadas pelo STF, como a de João Paulo Cunha, o governo Dilma não parece ter sido afetado. Pesquisas mostram que, mesmo em meio ao mensalão, a população brasileira tem não apenas aprovado o governo Dilma, mas também seu modo de governar. Não parece haver cordão umbilical entre os réus, o governo e o PT em geral.

Menos óbvias do que o impacto do mensalão na popularidade do governo, porém, são suas implicações para o funcionamento futuro do governo. Como condenações e absolvições afetarão a dinâmica política do governo Dilma? Mudará o estilo de governar? Réus como José Dirceu e Genoino perderam espaço no processo decisório do PT nos últimos anos. Talvez aqui, para longe das pesquisas, resida um grande efeito das sentenças. Elas podem contribuir para incluir ou excluir esses atores na dinâmica decisória do partido e, consequentemente, do governo Dilma.

No gogó da Grande Mãe - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 30/09


Dilma faz políticas públicas com 'broncas e técnica', rainha que bate e afaga, 'braço forte, mão amiga'


DILMA ROUSSEFF está de novo a ralhar com os bancos. Passa carraspanas diretas e indiretas, talvez até fictícias. "Dá broncas", está "irritada", "brava", como aparece em manchetes e nos vídeos de caricatura em que barbariza ministros.
A presidente é "brava" ou assim é que ela quer que se pareça? Faz parte do seu show? Parece tratar-se de um caso de fome com vontade de comer.
Dilma de fato desce dos tamancos e os atira em subordinados (atenção, é metáfora), muitos dos quais temem a presidente, sendo que uns poucos até se afastaram devido ao assédio desmoralizante.
Mas a braveza é também um dos atributos marquetados da presidente "técnica", "gerente", mas "que lê literatura e vai ao cinema" (tem alma e pensa) e lê mais relatórios que seus subordinados (é profissional competente).
Nua e crua, a braveza de Dilma a transformaria na Rainha de Copas ("cortem as cabeças!"), para o que tem o "physique du rôle", o jeitão para o papel. Mas a presidente também é filha, mãe e avó amorosa (assim aparece); chora em público pelos colegas torturados (não é farsa, mas também é imagem).
Sob o esperto Lula, tornou-se a mãe do PAC. O povo não sabe o que é PAC, mas a ideia sonora de "mãe", a provedora de cuidados, reverberou. A presidente é a mãe durona. Se a nossa não é assim, todos já conhecemos mais de uma delas, mães de parentes e amigos. A gente sabe como é.
Não se trata de rainha do lar, claro. Mas pode ser a rainha da nação, modernizada, "profissional", que porém ainda dá broncas; que provê e cuida de coisas tão presentes no dia a dia como juros do cartão.
Fazer política ou políticas públicas por meio de broncas mistura um pouco as estações da intimidade (da casa, "do lar") com a esfera pública. Mãe, rainha, presidente, gerente.
Muito bem sabe disso João Santana, marqueteiro frequente do petismo-lulismo, grande e sagaz prático de psicologia popular. Pouco depois da eleição de Dilma, Santana deu entrevista a esta Folha em que sugeria o papel de rainha para Dilma.
"Na mitologia política e sentimental brasileira [há] uma imensa cadeira vazia", a "cadeira da rainha", dizia Santana.
A "braveza" não é desprovida de sentido prático. A presidente de fato recorre às carraspanas, reais ou marquetadas, para fazer política econômica.
O governo é mais ou menos adepto de providências da arca do velho em matéria de economia, uma coisa conhecida como "política de rendas", meio fora de moda desde os anos 1970 no mundo inteiro e desde os 1990 no Brasil. Isto é, quer regular uso e preço dos fatores de produção (trabalho e salário, capital e lucros, preços em geral), a fim de controlar a inflação ou melhorar a distribuição de renda, por exemplo.
Aos berros metafóricos, Dilma quer regular o lucro dos bancos e o preço de seus serviços, por exemplo. Por meio de instrumentos mais formais, mas intervencionistas, também segura um preço aqui (juros) a fim de baixar outro ali (o da conta de luz, da qual vai tirar o peso de alguns impostos).
Em parte no gogó, assim a rainha quer colocar a casa em ordem. Com "braço forte, mão amiga", como diz a propaganda do Exército.

2.131.332 razões pró-Chávez - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 30/09


Há exatamente 2.131.332 razões para acreditar que Hugo Chávez Frías tende a ser re-reeleito presidente da Venezuela no dia 7.

É o número de pessoas que deixaram a pobreza nos 13 anos de reinado desse militar de 58 anos, caudilho por excelência.

Quando Chávez ganhou sua primeira eleição, em 1998, a Venezuela tinha 11.212.273 pessoas em situação de pobreza, das quais 4.523.392 eram extremamente pobres.Em 2011, os números caíram para 9.080.941 e 2.450.621.

Os que deixaram de ser pobres representam pouco mais de 10% de um eleitorado de quase 19 milhões. É natural que votem em um presidente que faz questão de vincular todas as benesses a ele próprio.

Há outros avanços sociais a respaldar o favoritismo de Chávez, mas ele tomou o cuidado de cobrir-se com uma campanha eleitoral que a oposição reconhece ser "livre", mas não "justa", para usar as palavrinhas mágicas com que a comunidade internacional carimba pleitos civilizados.

A presença de Chávez na mídia eletrônica, obviamente decisiva, é avassaladoramente superior a de Henrique Capriles, o opositor.

Limpeza eleitoral à parte, Stephen Johnson, do conservador Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos dos EUA, aponta uma coleção de problemas para depois reconhecer que, "apesar de frequentes apagões, do racionamento de comida, do desaparecimento de muitos empregos no setor privado e da inflação, muitos venezuelanos acham que estão melhor hoje do que há uma década e meia".

O opocionista Capriles promete a quadratura do círculo: resolver todos os problemas apontados por Johnson e, ainda por cima, manter os programas sociais.

Promessas que estão lhe dando sobrevida nas pesquisas: das três mais confiáveis (se é que pode haver confiabilidade em pesquisas em país tão polarizado), uma coloca-o em empate técnico com Chávez. As outras duas cravam Chávez, mas todas apontam crescimento de Capriles desde o início da campanha.

Chávez gosta tanto de se comparar com Lula que importou o marqueteiro do então presidente, João Santana, e o bordão "nunca antes neste país".

A política social chavista tem de fato pontos de contato com as de Lula, mas há entre eles uma diferença fundamental: Chávez busca permanentemente a confrontação com as elites; Lula aposta sempre na conciliação, ainda que as ataque retoricamente.

Explica Jesse Chacón, ex-tenente que esteve preso com Chávez após o frustrado golpe de 1992 e figura eminente do chavismo: "A renda média dos 20% mais ricos não foi afetada nem seu estilo de vida, mas percebem que já não retêm o controle do Estado e da sociedade, o que lhes provoca medo e raiva" (declarações ao "site" brasileiro Opera Mundi).

No Brasil, a renda dos ricos não só não foi afetada como continua remunerada com juros siderais, o que lhes provoca o gozo com as políticas de Lula, que jogou no lixo, como "bravatas", as antigas propostas esquerdistas do PT. Ao contrário de Chávez, que aposta seu "socialismo do século 21" nas urnas.

Derrubando mitos - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 30/09

O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, diz que as eleições deste ano estão derrubando vários mitos. O principal deles é sobre o peso do mensalão. “O eleitor não está nem aí para o mensalão. Ele quer eleger o melhor síndico para sua cidade”, sentencia. E acrescenta: “O Haddad, o Pelegrino e o Elmano, todos do PT, estão crescendo. O mensalão está ajudando?”

Pesquisa: o fim de um dogma
Os políticos costumam afirmar que as pesquisas induzem o voto do eleitor. Mas, para Montenegro, as eleições deste ano jogam por terra esse surrado axioma. Cita as eleições de Recife, onde há dois meses Humberto Costa (PT) liderava com 40%, seguido de Mendonça Filho (DEM) na casa dos 20%. Faltando sete dias para o pleito, o que há é uma completa reviravolta política. Geraldo Julio (PSB) tem 40%; Daniel Coelho (PSDB), 25%; Humberto, 15%; e Mendonça, 5%. O presidente do Ibope conclui: “Isso é uma prova inconteste de que pesquisa não induz o eleitor ao voto. Se ela tivesse essa influência toda, Humberto e Mendonça sairiam e chegariam na frente.”

“Voto de protesto? Contra você mesmo? Por ter ‘protestado’ errado na eleição passada?”
Thedy Corrêa Vocalista da banda de rock

Nenhum de Nós Decreto para os aeródromos
O Planalto finaliza decreto permitindo o uso dos aeródromos particulares pelas companhias aéreas. Ele regulará os pousos dos voos comerciais e a cobrança de taxas. É o primeiro passo do plano de concessões dos aeroportos.

Marta pede arreglo
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, enviou uma carta ao coletivo nacional de cultura do PT, grupo que passou quase dois anos conspirando contra Ana de Hollanda, que deixou o cargo. Marta diz que está em “sintonia” com o que esperam de sua gestão, que as reivindicações do setor são “abrangentes, complexas e desafiadoras”.

Sem cerimônia
A presidente Dilma está sendo convencida a não fazer eventos no Planalto esta semana. Ela quer marcar para quarta-feira cerimônia do Brasil Carinhoso, mas ministros pedem férias para participar da reta final das campanhas.

O sectarismo petista saiu derrotado
Nas dez capitais em que o PT privilegiou a política de alianças com os partidos da base do governo Dilma, ele está no jogo em sete. Nas 11 em que impôs seus candidatos, está ficando fora da disputa em sete. O ministro Fernando
Pimentel (Desenvolvimento) resume: “Em todo lugar em que os petistas não andaram juntos com os seus aliados, está dando tudo errado.”

Eduardo Campos é a noiva da vez
A ala do PMDB que namorava com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e que tem divergências regionais com o PT vai tentar agora insuflar o projeto do governador Eduardo Campos (PSB) para as eleições presidenciais de 2014.

Niterói: a eleição está em aberto

Tudo pode acontecer na sucessão de Jorge Roberto Silveira. A sete dias do pleito, as
pesquisas revelam que há 34% de indecisos ou dispostos a votar branco ou nulo. Rodrigo Neves (PT) lidera, seguido por Felipe Peixoto (PDT).

A PRESIDENTE DILMA mandou um recado para os ministros mais afoitos. Ela não está pensando em fazer qualquer reforma ministerial neste ano.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 30/09


Hospital tira leito do SUS para plano de saúde
O número de leitos do SUS (Sistema Único de Saúde) disponíveis em hospitais privados no país caiu quase 40% entre 2005 e 2012, de acordo com análise da Anahp (Associação Nacional dos Hospitais Privados).

Os leitos não incluídos no sistema, por outro lado, cresceram cerca de 2%.

"Alguns hospitais fecharam as portas por má gestão mesmo, mas outros, como as Santas Casas do interior do país, não conseguiram sobreviver dos valores pagos pelo Sistema Único de Saúde", afirma Francisco Balestrin, presidente da entidade.

Houve também, segundo o executivo, uma transição crescente dos leitos que ficavam à disposição do SUS para o atendimento da medicina privada.

Enquanto o valor médio por internações no setor privado é de R$ 4.979, no sistema, não ultrapassa R$ 1.100.

"Muitos hospitais tiram leitos do SUS e fazem uma migração para o atendimento aos planos de saúde. O governo deveria investir mais para evitar isso", afirma.

Com a expansão da classe C, a demanda por planos de saúde, antes inacessíveis, avançou, com a evolução da oferta de produtos mais baratos, que podem apresentar dificuldade de atendimento e baixas coberturas, de acordo com a entidade.

"Apesar de comprometer significativamente uma parte da renda familiar, em muitos casos, no entanto, essa parcela da população acaba tendo de recorrer ao SUS", segundo a entidade.

Farmacêutica Orygem define nome de futuro presidente
A farmacêutica Orygem Biotecnologia, formada pelas nacionais Eurofarma, Cristália, Biolab e Libbs para competir no mercado de remédios biológicos, definiu um nome para ocupar sua presidência.

Andrew Simpson, que tem origem britânica e atuou no projeto genoma brasileiro, vai comandar a empresa a partir da segunda semana de outubro, após se desligar do Instituto Ludwig.

Simpson já conheceu as equipes técnicas, segundo executivos do setor, que também informam que o Estado onde a empresa vai fixar suas instalações foi decidido.

A empresa vinha sendo questionada pelo setor, que a considerava lenta na divulgação de informações sobre o início das atividade.

Procuradas, as empresas que integram a companhia não se manifestaram.

Um comunicado deve ser divulgado nos próximos dias.

Taxinhas
A XP Investimentos, uma das maiores empresas independentes do setor, inaugura hoje um quiosque no aeroporto de Congonhas (SP) para estimular o conhecimento e a comparação de produtos financeiros.

No espaço, chamado de "Acorda Brasil, Compare Antes de Investir", será possível também identificar o próprio perfil como investidor e abrir conta.

"Quando os juros começaram a cair, a gente viu que era hora de ir para fora. Comparar aplicações seria fundamental", diz Guilherme Benchimol, CEO da XP. "O brasileiro compara preços, mas não investimentos." A empresa planeja ampliar a experiência para shoppings no final de 2013.

Benchimol afirma que tem atraído clientela alheia.

"Cerca de 90% do nosso crescimento tem sido com clientes de bancos comerciais. Aqui ninguém tem meta de venda nenhuma. Nossa meta é ajudar o cliente a comprar o melhor."

A XP tem produtos próprios e os oferece "em pé de igualdade com os outros do mercado", diz.

"Nos bancos, você tem os fundos deles. A gente não ganha com taxinha [como os bancos]. O cliente não nos paga nenhuma taxa. O gestor do fundo é que abre mão de parte da receita."

Humor... A confiança do consumidor inglês subiu um ponto em setembro e ficou em -28, de acordo com índice da GfK que varia de -100 a 100. Ante o mesmo mês de 2011, a alta é de dois pontos.

...inglês O indicador que mensura a situação financeira da população para os próximos 12 meses também subiu dois pontos, ante agosto, e foi para -8. Foram entrevistadas 2.004 pessoas.

Pelo país A Fundação Nacional da Qualidade e o Movimento Brasil Competitivo laçarão um programa itinerante de gestão. Neste ano, serão realizadas palestras sobre o tema em Goiás e Sergipe.

O clandestino - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 30/09


Fico imaginando o tamanho da solidão de um homem no meio do oceano, sem ter noção de onde está



HÁ ALGUM tempo, uns dois meses, talvez, li uma notícia que me paralisou. Um homem de Camarões, país da África, conseguiu entrar num navio como clandestino, sem nem saber para qual destino.

Fiquei pensando nesse homem, que devia ter uma vida tão sem esperança, tão sem perspectiva, que decidiu se arriscar a qualquer coisa, em qualquer lugar do mundo, à procura de um futuro. Ele não escolheu para onde queria ir, desde que pudesse deixar para trás tudo o que tinha sido sua vida até aquele momento; devia ter suas razões. Mas esse é apenas o começo da história.

Depois de sete dias de viagem, e já a dez quilômetros da costa do Brasil, a tripulação desse navio, de bandeira de Malta, descobriu o camaronês, de 28 anos. Como punição, ele foi jogado ao mar, com uma pequena balsa, e ficou à deriva durante 12 horas, quando foi resgatado por um navio chileno que passava.

Segundo o noticiário da época, ele seria deportado, a tripulação do navio que o jogou ao mar iria prestar depoimento etc. etc., mas o tempo passou e até hoje, quando abro o jornal, procuro uma notícia que me esclareça a continuação dessa história dramática que não consigo esquecer, mas nunca soube como terminou.

Sabe-se que o ser humano é capaz das piores coisas.

Mas nesse caso não foi um único ser humano; foi um grupo de seres humanos, todos unidos, todos de acordo em cometer esse ato de barbárie. Jogar em alto-mar um homem porque ele embarcou no navio sem documentos, sem ter comprado uma passagem, enfim, ilegalmente -o que, imagino, deve ser contra muitas leis-, é contra uma lei muito maior, que é a lei humanitária; não poderiam ter esperado chegar a um porto e entregá-lo às autoridades?

O que fizeram com ele foi pior do que um assassinato.

Fico imaginando o tamanho da solidão -da solidão e do medo- de um homem no meio do oceano, sem ter noção de onde está, sabendo que só um milagre poderá salvá-lo (isso se antes do milagre ele não morrer de sede, de fome, ou mesmo afogado). Nessas 12 horas, quais terão sido seus pensamentos?

Terá lembrado da infância, da família? Terá se arrependido de ter largado tudo em busca de uma vida melhor? E um pensamento banal me atormenta: seria noite ou dia, quando ele foi jogado ao mar? E sua agonia, quando viu lá longe o navio chileno que o resgatou, pensando que podia não ser visto -e podia mesmo; não, não dá nem para imaginar.

Existem crimes bárbaros, por ciúmes, raiva, vingança, que por piores que sejam, com algum esforço, dá para entender; não justificar, mas entender. Mas jogar um homem no meio do oceano porque ele não tinha no bolso uma passagem é fora de qualquer compreensão.

Mas ele foi salvo, e qualquer coisa que lhe tenha acontecido -a deportação, a prisão-, nada pode ter sido pior do que as horas que passou no mar, e penso que depois disso ele não terá medo de mais nada.

Só dos homens, e do que eles são capazes.

A terceira Revolução Copernicana - MARCELO GLEISER


FOLHA DE SP - 30/09


Revoluções como as de Copérnico tiraram a centralidade da Terra e da Via Láctea no Universo


QUANDO, EM 1917, Einstein propôs o primeiro modelo cosmológico da era moderna, não havia qualquer razão para supor que o Universo teria um começo. Tudo indicava que o Universo era estático e infinitamente velho, sem um início.
Tudo indicava também que a Via Láctea era tudo o que existia. Outras "nebulosas", vistas com telescópios, eram supostamente parte dela. Para além da Via Láctea, o Cosmo se estendia pela escura vastidão infinita do espaço vazio.
Em menos de uma década, porém, tudo iria mudar. Para o horror da maioria dos cientistas, o Cosmo ganhou uma história, que, ao menos qualitativamente, lembrava o "Faça-se a Luz!" bíblico.
Numa sucessão de observações sensacionais, graças a um telescópio de cem polegadas e uma metodologia impecável, o astrônomo americano Edwin Hubble e seu assistente Milton Humason determinaram, em 1924, que a Via Láctea era apenas uma entre "centenas de milhares" de outras galáxias.
Hoje, sabemos que existem centenas de bilhões de galáxias. Após Hubble, a imagem da distribuição da matéria pelo espaço mudou completamente: não havia mais um "centro", a Via Láctea, mas um enorme número de núcleos. De certa forma, a descoberta foi uma versão moderna da Revolução Copernicana, visto que foi nela que a Terra perdeu sua centralidade.
Como se isso não bastasse, em 1929, Hubble e Humason demonstraram que as galáxias se afastavam umas das outras. A conclusão, ainda mais chocante, inclusive para Einstein, era a de que o Universo não era estático, mas estava em expansão. Com isso, o Cosmo ganhou uma história: voltando no tempo, haveria um momento no qual as galáxias estavam amontoadas, o momento da "criação".
Se Hubble estivesse certo, a cosmologia se tornava mítica, colocando-a próxima das questões religiosas: se o Universo tem uma história, como ela começou? "Quem" a começou? Por que ela começou?
A situação tornou-se ainda mais interessante quando, em 1927, o padre-cosmólogo belga Georges Lemaître propôs que o Universo surgiu da desintegração espontânea de um gigantesco átomo primordial.
Lemaître inventou um modelo científico da "criação", mesmo se insistisse que não havia qualquer relação com a Bíblia. Mas a associação era inevitável. Ninguém prestou, ou quis prestar, atenção nas ideias de Lemaître até que Hubble descobriu a expansão.
Desde então, a cosmologia vem se debatendo com a questão do "início" de tudo. Em 1948, três ingleses sugeriram uma alternativa, o "modelo do estado padrão", no qual o Cosmos não teria um começo: por toda a eternidade, a matéria era criada na mesma proporção em que se diluía devido à expansão.
Porém, nos anos 1960, o modelo rival do Big Bang é que foi verificado por observações. Tudo indica que ao menos nossa etapa cósmica surgiu mesmo de um evento inicial.
Mas e se nosso Universo não for único, mas parte de um multiverso, esse sim eterno? Modelos atuais pressupõem que seja esse o caso, que o multiverso existe eternamente e que o nosso existe entre incontáveis outros. Seria a terceira Revolução Copernicana, agora removendo a centralidade do Universo.

Guerras de circuncisão - HÉLIO SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 30/09


SÃO PAULO - Na Europa e nos EUA, jornais não cessam de debater a circuncisão. O pretexto é a decisão de uma corte alemã de considerar que a realização do procedimento por razões não médicas constitui uma forma de lesão corporal sendo, portanto, punível criminalmente. A sentença revoltou as comunidades judaica e islâmica da Alemanha.

De minha parte, como bom judeu ateu, poupei meus filhos desse cruento ritual primitivo, mas, diferentemente de certos grupos religiosos, não pretendo que minhas escolhas pessoais sejam universalizáveis.

Os militantes anticircuncisão mais aguerridos a equiparam à excisão do clitóris, mas a comparação é enganosa. A clitorectomia tem o objetivo de fazer com que a mulher não sinta prazer no ato sexual. As repercussões da circuncisão masculina são bem menos dramáticas. Assemelham-se mais a marcas de outros ritos iniciáticos como tatuagens e escarificação. Há até trabalhos sugestivos de que ela traz benefícios, como a redução do risco de câncer e DSTs.

Esses, entretanto, me parecem argumentos secundários. O que está realmente em jogo aqui é até que ponto pais podem tomar decisões em nome de seus filhos. E eu receio que, mesmo admitindo que por vezes os genitores não fazem as escolhas mais sábias, não temos outro caminho que não confiar a eles a tarefa de cuidar dos rebentos. Não dá para interferir a todo instante nessa relação com a mão pesada e impessoal do Estado.

É preferível reservar a intervenção, que pode ser legítima, para situações mais graves, nas quais a vida ou a saúde da criança estejam seriamente ameaçadas. Pais são, por razões evolutivas, os melhores guardiães para seus filhos. Ainda que pudéssemos redesenhar o mundo a partir do zero, dificilmente chegaríamos a solução melhor do que a encontrada pela natureza, que, após milhões de anos de tentativa e erro, logrou obter um equilíbrio sutil entre os interesses genéticos e individuais de cada parte.

A democracia tutelar - CLAUDIO DE MOURA CASTRO


O Estado de S.Paulo - 30/09



Muitos cabeleireiros de Curitiba preferiram ser autônomos, alugando espaço físico nos salões de beleza - como se fosse um box em mercadinho. Assim têm ampla liberdade e trabalham nas horas que mais lhes convêm. O sindicato da categoria e a Delegacia do Trabalho aprovam o arranjo. Todos felizes? Não! Para o Ministério Público, precisam de carteira assinada, pois são explorados pelos salões. Em protesto, 600 deles saíram às ruas, afirmando pagarem seus impostos, não serem explorados e ganharem muito bem, obrigado. Nossa Constituição manda tutelar menores, incapazes e índios, mas não cabeleireiros prósperos que vão às ruas renegar a intromissão do Estado.

Nas ditaduras as pessoas são oprimidas e privadas de suas liberdades pessoais. Por oposição imediata, persiste no imaginário popular a ideia de que nas democracias as liberdades são asseguradas, pelo simples fato de ser o povo a decidir como quer viver, e não o ditador de plantão.

O mundo, contudo, é mais complicado do que isso. No período de consolidação da independência americana, no início do século 19, muito se discutiu sobre o assunto. Temiam-se os riscos de opressão por parte das minorias ou da maioria, mesmo na democracia. Ou seja, democracia não garantiria liberdade. Nos seus Federalist Papers, James Madison advertiu: "É de grande importância numa República resguardar a sociedade da opressão de seus dirigentes, mas também resguardar alguns segmentos da sociedade contra a injustiça imposta por outros".

Como são proféticas essas palavras na nossa titubeante democracia! Convivemos com um pipocar de pequenos e grandes atentados contra as liberdades.

Nossas cabeças coletivas herdaram um DNA autoritário. Na ditadura aparece como o "eu prendo e arrebento". E, como temia Madison, na nossa democracia se revela fácil ludibriar a sociedade e cercear insidiosamente as liberdades de cada um.

Reconheçamos: na democracia não pode tudo. Não pode matar, não pode roubar e não pode muito mais. Corta-se a liberdade se está em jogo o bem comum. Mas o limite é tênue e controverso. A mensagem deste ensaio é que já fomos longe demais nesses assaltos à liberdade e há o risco de irmos mais longe ainda, embalados pelo atávico "não pode".

Nossos funcionários públicos nem sempre se veem como servidores. Irrompe aqui e acolá sua alma secreta de pequenos imperadores do quarteirão. Com que prazer e soberba, mas sem razões convincentes, os guardas criam monumentais congestionamentos de trânsito!

Para lutar contra a corrupção criam-se regras que amedrontam os funcionários com processos e lhes tiram a coragem para usar o bom senso. Vi um caso grotesco de uma escola que precisava mandar um ofício à secretaria estadual, toda semana, a fim de que o padre fosse autorizado a rezar, na escola, a mesma missa de sempre. Obter um alvará ou um "habite-se" é um pesadelo - em que pese vivermos num país de infindáveis favelas e invasões. Para alugar uma simples van é preciso mandar, de véspera, a lista com o nome dos passageiros e o número das suas identidades. E por que proibir as farmácias de vender picolé?

"Tempo é dinheiro" pode soar americano demais para alguns. Mas as perdas de tempo para lidar com os tentáculos da burocracia muito contribuem para a baixa produtividade da economia. Quando tudo é proibido ou tortuoso, fenecem os negócios, floresce a indústria dos despachantes e se infla o nível de emprego dos advogados.

Por que cassar o direito de fazer besteiras que só prejudicam o próprio autor? Num país tropical, o Estado não permite que motociclistas andem com a viseira levantada - aliás, os próprios motociclistas da polícia não cumprem essa regra. Óculos para motos? Somente o modelo aprovado.

Madison assustava-se com a tirania das minorias. Aqui vemos os grupos e lobbies se aninharem nas rugosidades do Estado para conseguirem privilégios e reservas de mercado. Os sindicatos defendem seus interesses privados confortavelmente encastelando seus membros na burocracia pública - só em conselhos já são 30 mil sindicalistas. Sociólogos e filósofos protegem seus mercados com leis que obrigam a ensinar os ofícios deles. Curiosamente, a lei determina a carga horária mínima para Sociologia, mas nada diz sobre Português e Matemática. Negros e índios querem matérias sobre seus problemas. Por que as faculdades privadas levam mais de dez anos para virar universidades e as públicas são criadas do dia para a noite, sem as mínimas condições de funcionamento? Diploma para jornalista? Até os astrólogos já tentaram criar reserva de mercado. É a tirania das minorias.

Para podar uma árvore dentro do seu próprio quintal é preciso obter autorização dos príncipes do meio ambiente. Para fazer um laguinho no sítio exigem-se os mesmos papéis que foram demandados para a represa de Três Marias. Já ouvi que a melhor solução é fazer o laguinho escondido e depois pedir ao vizinho que denuncie. Vem então o fiscal, autua, multa e regulariza. No Paraná, para compensar séculos de devastação, cortar o seu querido pinheiro virou crime medonho. Na prática, quando os pinheirinhos começam a empinar, são todos rapidamente cortados, antes que chamem a atenção. Depois de grandes, nem pensar, mesmo que atrapalhem seriamente. Cria-se o pesadelo do "não pode" e pouco ou nada ganha o meio ambiente.

O que fazer? O remédio é óbvio e difícil. A sociedade brasileira precisa dar-se conta de que é pelo Estado, ou por meio dele, que são corroídas as liberdades tão preciosas e que tanto nos custaram a alcançar. É preciso pressionar os representantes do povo para que resistam, em vez de cederem às tramoias de minorias que se querem locupletar. É indispensável protestar contra os burocratas que injustificadamente tolhem as nossas liberdades.

Tapar o sol - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 30/09


O julgamento do STF realiza-se à vista de milhões de telespectadores. Não é uma conspiração



GOSTARIA DE deixar claro que não tenho nada de pessoal contra o ex-presidente Lula, nem nenhum compromisso partidário, eleitoral ou ideológico com ninguém. Digo isso porque, nesta coluna, tenho emitido, com alguma frequência, opiniões críticas sobre a atuação do referido político, o que poderia levar o leitor àquela suposição.

Não resta dúvida de que tenho sérias restrições ao seu comportamento e especificamente a certas declarações que emite, sem qualquer compromisso com a verdade dos fatos. E, se o faço, é porque o tenho como um líder político importante, capaz de influir no destino do país. Noutras palavras, o que ele diz e faz, pela influência de que desfruta, importa a todos nós.

E a propósito disso é que me surpreende a facilidade com que faz afirmações que só atendem a sua conveniência, mas sem qualquer compromisso com a verdade. É certo que o faz sabendo que não enganará as pessoas bem informadas, mas sim aquelas que creem cegamente no que ele diga, seja o que for.

Exemplo disso foi a entrevista que deu a um repórter do "New York Times", quando voltou a afirmar que o mensalão é apenas uma invenção de seus adversários políticos. E vejam bem, ele fez tal afirmação quando o Supremo Tribunal Federal já julgava os acusados nesse processo e já havia condenado vários deles. Afirmar o que afirmou em tais circunstâncias mostra o seu total descompromisso com a verdade e total desrespeito com às instituições do Estado brasileiro.

Pode alguém admitir que a mais alta corte de Justiça do país aceitaria, como procedentes, acusações que fossem meras invenções de políticos e jornalistas irresponsáveis?

E mais: os ministros do STF passaram sete anos analisando os autos desse processo, tempo mais que suficiente para avaliá-lo. Afirmar, como faz Lula, que tudo aquilo é mera invenção equivale a dizer, implicitamente, que os ministros do STF são coniventes com uma grande farsa.

Mas o descompromisso de Lula com os fatos parece não ter limites. Para levar o entrevistador do "NYT" a crer na sua versão, disse que não precisava comprar votos, pois, ao assumir a Presidência, contava com a maioria dos deputados federais.

Não contava. Os verdadeiros dados são os seguintes: o PT elegera 91 deputados; o PSB, 24,; o PL, 26, o PC do B, 12, num total de 153 deputados. Mesmo com os eleitos por partidos menores, cuja adesão negociava, não alcançava a metade mais um dos membros da Câmara Federal.

Cabe observar que ele não disse ao jornalista norte-americano que não comprou os deputados porque seria indigno fazê-lo. Disse que não os comprou porque tinha maioria, ou seja, não necessitava comprá-los. Pode-se deduzir, então, que, como na verdade necessitava, os comprou. Não há que se surpreender, Lula é isso mesmo. Sempre o foi, desde sua militância no sindicato. Para ele, não há valores: vale o que o levar ao poder ou o mantiver nele.

Sucede que, apesar do que diga, ninguém mais duvida de que houve o mensalão. Pior ainda, corre por aí que o Marcos Valério está disposto a pôr a boca no mundo e contar que o verdadeiro chefe da patranha era o Lula mesmo, como, aliás, sempre esteve evidente. E já o procurador-geral da República declarou que, se os dados se confirmarem, o processará. É nessas horas que o Lula falastrão se cala e desaparece. Às vezes, chama Dilma para defendê-lo.

Desta vez, chamou o Rui Falcão, presidente do PT, para articular o apoio dos líderes da base política do governo. Disso resultou um documento desastroso, que chega ao ponto de acusar o Supremo de perpetrar um golpe de Estado contra a democracia, equivalente aos golpes que derrubaram Vargas e João Goulart. Pode? Vargas e Goulart, como se sabe, foram depostos pela extrema direita com o apoio de militares golpistas.

O julgamento do STF realiza-se às claras, à vista de milhões de telespectadores. Não é uma conspiração. Ele desempenha as funções que a Constituição lhe atribui. E que golpe é esse contra um político que não está no poder?

O tal manifesto só causou constrangimento. O governador Eduardo Campos, de Pernambuco, deu a entender que foi forçado a assiná-lo, após rejeitar três versões dele. Enfim, mais um vexame. Só que Lula, nessas horas, não aparece. Manda alguém fazer por ele, seja um manifesto, seja um mensalão.

Queria me orgulhar e elogiar o jornal de minha cidade e de meu estado. Mas definitivamente não está dando. Se vc tentar ler as crônicas de cronistas nossos da Zero Hora estão todas sem link. Clica-se e vai para lugar nenhum em nenhum navegador.

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O pós-mensalão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/09


Os ministros do Supremo estão imbuídos do compromisso de aperfeiçoar os costumes eleitorais brasileiros, e tem que ser entendida nesse contexto a dureza com que estão analisando o processo do mensalão. Já o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao definir o caso como um atentado à democracia brasileira, havia tratado do tema nessa perspectiva institucional, e por isso ele classificou de “quadrilha” a associação de políticos e empresários para a compra de apoio no Congresso. Ao decidir por tal ação, o comando político do PT optou por desqualificar as negociações partidárias, retirando-as do plano programático para o meramente fisiológico.

Esterilizar a política, transformando-a em pura ação de compra e venda, é uma maneira de colocar em risco a paz social a que se referiram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia como sendo uma das características da “quadrilha” que não detectaram no presente processo.

As ministras trataram o caso do ponto de vista estrito do cometimento de crimes previstos no Código Penale não levaram em consideração os aspectos institucionais a que outros ministros deram relevo.

Por enquanto, a condenação por formação de quadrilha tem a maioria dos votos já pronunciados, mas, mesmo que ao final prevaleça o entendimento das ministras, isso não quer dizer que os futuros réus a serem julgados, especialmente os que compõem o núcleo político do esquema criminoso, estejam livres das acusações. Podem ser condenados por corrupção ativa como coautores.

O caráter pedagógico da atuação do Supremo Tribunal Federal pode ser mais bem entendido pelo pronunciamento da ministra Cármen Lúcia, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao dar seu voto. Ela lamentou, às vésperas das eleições municipais, que a corrupção tenha a consequência de desiludir o eleitor, especialmente os mais jovens. Do ponto de vista filosófico, a ministra destacou que a ética é o contraponto ao caos, assim como a política é a opção civilizada à guerra.

Ao político caberia mais cuidados éticos do que ao cidadão comum, pois aquele está “cuidando da coisa de todos. E um malefício, um prejuízo no espaço político, principalmente de corrupção, significa não que alguém foi furtado de alguma coisa, mas que uma sociedade inteira foi furtada”.

Na prática, a ministra chamou a atenção para a dificuldade de nosso modelo político-partidário, colocando em discussão uma questão que terá que ser enfrentada pelos políticos na era pós-mensalão.

Condenados os culpados, absolvidos os considerados inocentes, estaremos diante do desafio de reorganizar a vida política de maneira a superar mazelas expostas no processo em julgamento e que aparecerão em outros que se seguirão, do próprio esquema do mensalão em outras instâncias ou como o do PSDB mineiro.

A legislação da fidelidade partidária, por exemplo, que foi decidida no próprio STF, recebeu dos ministros tratamento mais rigoroso para a troca de partidos a partir das evidências de compra de mandatos. O financiamento de campanhas é outro assunto que precisa ser revisto sob o novo espírito de rigor que está saindo das decisões do STF.

E o próprio quadro partidário precisa ser reorganizado, com melhor avaliação sobre direitos e deveres de partidos que têm representação no Congresso e daqueles que não atingem a votação mínima.

As coligações proporcionais têm o condão de distorcer a escolha do cidadão, e sua proibição teria o efeito de reduzir o número de partidos com representação parlamentar, ou até mesmo de desestimular aventuras. Também a distribuição de tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV, durante ou fora do período eleitoral, é outro assunto que deve ser discutido à luz da necessidade de desfavorecer essa troca de minutos de TV por apoios políticos sem base programática mínima.

Esses são assuntos paralelos ao processo do mensalão que precisam ser analisados pela classe política, que também está em julgamento neste momento. O desfile de falcatruas envolvendo as mais diversas legendas é demonstração de que alguma coisa precisa ser feita.

É o fim da censura. Em Mianmar - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 30/09


Da China aos Andes, passando por Buenos Aires e Campo Grande, inimigos da liberdade de expressão insistem em pôr a cabeça de fora



Enfim, uma boa notícia: acabou a censura.

Em Mianmar. E só lá, essa semana. No resto do mundo, dos mares da China aos Andes, o Grande Irmão permanece obscenamente vigilante e os corifeus da intolerância de tocha em punho.

Celebremos a exceção. Na semana passada, Tint Swe, o último chefe da censura de Mianmar, poderoso árbitro do que os birmaneses podiam ler e publicar (o que incluía até o catálogo de telefones), aposentou-se e fechou o escritório da Divisão de Escrutínio e Registro da Imprensa, coroando o desmonte de cinco décadas de totalitarismo executado pelo governo civil de Thein Sein, eleito há dois anos.

Enquanto os birmaneses festejavam a aposentadoria de seu último catão, só aqui no Brasil tivemos duas ações repressoras contra o YouTube e a tentativa de um deputado para retirar de cartaz o filme Ted - Uma Aventura Fantástica; a presidente argentina, Cristina Kirchner, apertou ainda mais as cravelhas no grupo jornalístico de El Clarín; o presidente equatoriano, Rafael Correa, destilou mais ódio ao editor do principal jornal do país; o presidente russo, Vladimir Putin, mesmo contra a vontade do primeiro-ministro Dimitri Medvedev, manteve a prisão das garotas do grupo punk Pussy Riot; um ministro do Paquistão instituiu uma fatwa (no valor de US$ 100 mil) para o produtor daquele vídeo contra Maomé; a China, bem, a China é um caso perdido no que diz respeito à liberdade de expressão, assim como o Irã e Cuba, ouro e prata na repressão à internet, segundo um relatório também divulgado na semana passada pela Freedom House, no qual a China ficou com o bronze.

A repressão chinesa, ativíssima no digital e no analógico, já conseguiu contaminar até as feiras de livros europeias. Depois de Frankfurt 2009, chegou a vez da London Book Fair deste ano, que entubou pianinho todas as restrições a autores e obras impostas pelo governo de Pequim, razão pela qual lá não estiveram, entre outros, o Nobel de Literatura Gao Xingjian, exilado em Paris, e o Nobel da Paz Liu Xiaobo, ora cumprindo pena de 7 anos em sua terra natal, acusado de subversão.

Faz um bom tempo que, oficialmente, a censura acabou no Brasil, mas vez por outra uma alma obscurantista tenta de algum modo ressuscitá-la. O último a pôr a cabeça de fora foi o deputado Protógenes Queiroz, do PC do B, cujo esforço para banir de nossas telas o filme Ted resultou infrutífero. O parlamentar (e também delegado de polícia) implicou com o epônimo ursinho por considerá-lo um mau exemplo para a juventude. Ted não estuda, não trabalha, consome drogas e é feliz. Depois de criticar a liberação do filme para maiores de 16 anos, Protógenes voltou atrás - muito atrás, eu diria que aos idos do general Bandeira, que, no auge da ditadura militar, vetava todo e qualquer filme que julgasse imoral ou subversivo - e decretou: "Esse filme não pode ser liberado para idade nenhuma". A Universal Pictures agradece a involuntária promoção.

Dois dias depois de Protógenes recomendar, sem sucesso, a volta da censura ao Brasil, o diretor-geral do Google no Brasil foi detido por ordem de um juiz eleitoral de Campo Grande (MS), sob a acusação de haver descumprido ordem de retirar do YouTube um vídeo hostil ao deputado Alcides Bernal, candidato do PP à prefeitura local. O Google, dono do YouTube, recusara-se a cumprir a ordem por não considerar o vídeo calunioso. O rigor da lei eleitoral prevaleceu, mas cabem, aqui, duas perguntas: 1) não terá sido a detenção descabida?; 2) E se o candidato a prefeito for mesmo a flor que não se cheira pintada no vídeo? Basta um sim a essas perguntas para o Brasil recuperar seu status de democracia relativa.

Na véspera da detenção do diretor-geral do Google, mais um revés do YouTube: acatando pedido da União Nacional Islâmica, um juiz de São Paulo deu dez dias para que o site retirasse do ar o vídeo Inocência dos Muçulmanos - sim, aquele mesmo. Se a ordem não for cumprida, multa diária de R$ 10 mil. Não ficou esclarecido se o chefe do Google terá de cumprir pena - no caso, dupla - em Campo Grande ou em São Paulo. Nesse ritmo, tão cedo não perderemos a liderança entre os países que mais censuram (ou pedem censura) o Google. Não disponho dos dados mais recentes, mas li que nenhum outro país nos suplantou nesse quesito no segundo semestre de 2009.

O vagabundérrimo vídeo islamofóbico não merece ser visto, nem sequer por curiosidade antropológica, mas seus insultos ao profeta Maomé não justificam que o escondam do julgamento de quem quer que seja, crentes, incréus ou agnósticos. Não fosse a reação histérica e desmedidamente violenta de uma minoria de radicais muçulmanos, o mundo nem teria se dado conta da existência do filme. Que danos à ordem pública e à vida humana ele concretamente causou? Nenhum.

Discordo do advogado da União Nacional Islâmica: o vídeo, se ofende a coletividade islâmica, não viola a Constituição, pois não viola o direito de liberdade religiosa. Incitar o ódio é outra coisa. Nenhum filme, aliás, tem o poder de violar o direito à liberdade religiosa. Por não ser juiz, ditador, polícia, soldado, aiatolá, mas apenas um artefato cultural, nenhum filme tem a capacidade de coibir ou proibir a prática de crenças e cultos. Já quem o proíbe viola a Constituição, pois impede a livre manifestação do pensamento (Artigo 5, parágrafo 4), direito que, por sinal, antecede, no dispositivo constitucional, a inviolabilidade da liberdade de crença (Artigo 5, parágrafo 6).

Não há ofensa - nem a Maomé nem a Deus - que justifique uma retaliação que atente contra a vida do ofensor e sacrifique inocentes, como os que até agora morreram por causa de uma blasfêmia cinematográfica. O que para uns é sagrado, intocável, divino, para outros não é - e não há como decidir de que lado está a razão, pois o conceito de sagrado e divino é uma invenção humana. Assim como a blasfêmia, de resto, cúmplice da derrubada de algumas ou várias teocracias ao longo da história. E também a censura.