sábado, fevereiro 07, 2015

Já vimos esse filme - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 07/02


Quando a nomeação de um Aldemir Bendine para presidir a Petrobras é considerada uma ação de resistência esquerdista da presidente Dilma, e aplaudida como tal pela militância partidária; quando o tesoureiro João Vacari Neto, acusado de desviar até U$ 200 milhões para o partido e levado coercitivamente a depor na Polícia Federal, é aplaudido pelos militantes, aí vemos que o caminho do PT está definitivamente obstruído pelos interesses internos, e ele não tem qualquer capacidade (ou vontade) de se reinventar.

Revendo um velho preceito jurídico que manda “na dúvida, a favor do réu”, Lula disse: “Na dúvida, fique com o companheiro”, já colocando indiretamente Vacari como réu nesse processo. Mais um tesoureiro do PT encalacrado com métodos nada ortodoxos de recolher doações políticas. 

Delúbio Soares, de triste memória, achava que tudo terminaria em piada, e ele terminou na cadeia. Mas não abriu o bico, o que parece ser condição sine qua non para assumir essa tarefa partidária.

Não há mais volta nesse pântano em que o PT se encalacrou, e o que vier daí será apenas para aumentar o ridículo da situação, dar o tom escandaloso dessa tragicomédia em que nos meteram.

Quando a presidente Dilma Rousseff, a grande muda nesses dias de crises, sai de seus cuidados para dar posse no ministério das ações estratégicas a Mangabeira Unger, e fala da importância do pré-sal para nossa educação, aí vemos que ela está fora de órbita.

Fala de uma situação que já está superada pela conjuntura internacional, assim como, por exemplo, os sonhos megalômanos de Mangabeira Unger para os BRICS, ou o aqueduto para levar água do Amazonas para o nordeste.

Quando o ex-presidente Lula, como um Jim Jones aloprado, leva ao suicídio político seus seguidores repetindo na festa dos 35 anos do PT o mesmo discurso da festa dos 25 anos, em que o mensalão estava em evidência, vemos que o partido não saiu do lugar onde sempre esteve. Dez anos depois, o petrolão rebobina o filme para contar novamente a mesma história. 

O PT manteve os mesmos instrumentos de fazer política que sempre usou, transformando o cenário brasileiro em uma baixa disputa sindicalista, em que valem todos os métodos para vencer, e em que o adversário torna-se inimigo e precisa ser destruído, não apenas derrotado.

Quando um executivo petista como Aldemar Bendini é visto como um adepto de políticas progressistas, e o que de mais progressista que se vê em sua biografia foi afrontar as normas internas do Banco do Brasil para conceder um empréstimo milionário para uma socialite deslumbrada, vemos que não há mais saída para esses que militam por uma causa que é apenas uma frase no programa partidário vazio.

Val Merchiori é a versão real de Dorinha, a socialite socialista de Luis Fernando Veríssimo. O progressismo representado pela nomeação de um Aldemir Bendini para presidir a Petrobras é uma tragédia tornada farsa pela repetição de um truque mal feito.

Ainda mais quando se constata que mesmo no atual Conselho de Administração houve votos contrários à sua nomeação, assim como os novos diretores receberam o veto de conselheiros. Os representantes dos minoritários foram atropelados pela maioria governista, que manteve sob controle a gestão da Petrobras, não para defendê-la do ataque dos privatistas, essa bobagem de militantes fora do eixo ou de má-fé, mas para blindar o Palácio do Planalto, repentinamente desguarnecido com a demissão antecipada de Graça Foster e parte de sua diretoria.

Bendine é o primeiro presidente da Petrobras desde que o PT chegou ao poder que não é filiado ao partido, mas tornou-se petista “de coração”. Primeiro José Eduardo Dutra, depois José Sérgio Gabrielli, dois sindicalistas da área, e em seguida Graça Foster, o PT perdeu a condição política de indicar o substituto, e se preparava para abrir mão do controle da estatal para um executivo do mercado. 
Não foi por falta de convite, mas não apareceu ninguém interessado nesse emprego, com os problemas colaterais que ele traz consigo. Paradoxalmente, a recusa ajudou Dilma a buscar no seu entorno o substituto, dando uma saída política para a crise que se no momento interessa ao Palácio do Planalto, a médio prazo deve lhe trazer mais dores de cabeça.

A pátria deseducadora - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 07/02

O Brasil ainda tem jeito? Temo que não. Houve um tempo em que os ladrões, inclusive os de colarinho branco, ficavam envergonhados quando eram pilhados em flagrante e seus nomes apareciam estampados nos jornais. Hoje, eles nem se constrangem mais. Pelo contrário. Seus roubos bilionários são denunciados num dia, e eles fazem festa no outro. Pior: são ovacionados como "heróis" do povo brasileiro. Saquear os cofres públicos, "em nome da causa" - sabe-se lá que "causa" - é revolucionário. Cobrar ética dos gatunos é reacionarismo, udenismo, golpismo, coisa de direita.

Ainda esta semana, ao prender novos integrantes da quadrilha que afundou a Petrobras, um dos procuradores que investiga a roubalheira se disse estarrecido: o esquema criminoso, disse ele, continua a desviar recursos da estatal e de suas subsidiárias até hoje! É um poço sem fundo de maracutaias na companhia que era orgulho nacional. Estimativas da própria petroleira indicam que as perdas com corrupção e má gestão chegam a superar R$ 86 bilhões. E o Planalto fez de tudo para esconder esse número, que só veio à tona graças à pressão de acionistas minoritários que têm assento no conselho da empresa. É dinheiro demais. Faça as contas: bastavam R$ 6 bilhões para tirar o GDF do maior buraco da história!

Na "pátria educadora", onde professores ganham uma miséria e as escolas públicas estão sucateadas, um ex-gerente da Petrobras que fez acordo de delação premiada promete devolver US$ 100 milhões aos cofres públicos. Ele confessou à Justiça que o PT recebeu até US$ 200 milhões desviados da estatal. A conta parece subestimada. Afinal, só ele, que era um reles gerente, levou ao menos metade da bolada! Outro, um executivo de empreiteira, afirmou que uma das formas de lavar o dinheiro roubado era fazendo "doações legais" ao PT. O partido, claro, refuta todas as acusações.

Aos delatores, cabe provar tudo o que dizem. Pelo acordo de delação, eles não podem mentir. Caso não falem apenas a verdade, perderão o benefício de redução da pena. As denúncias são gravíssimas. Se for confirmado que dinheiro roubado da Petrobras foi parar na campanha de Dilma, a temperatura política no Brasil este ano vai subir, ainda que a oposição ao governo quase não exista. Só não subirá mais, claro, do que o preço da gasolina e da tarifa de energia elétrica. Quer apostar?


Novos direitos - CRISTOVAM BUARQUE

O GLOBO - 07/02

De tanto repetirem a própria publicidade, as lideranças fizeram o povo acreditar nas ilusões


O problema do ajuste fiscal está na falta de ajustes sociais, que substituam direitos velhos por novos direitos estruturais, assegurando bem-estar social permanente aos cidadãos. Ao longo dos últimos anos, o Brasil optou por uma verdadeira folia de gastos públicos, consumismo exacerbado, baixo nível de poupança e investimento, irresponsabilidade fiscal, preços administrados, contabilidade criativa escondendo a realidade, desonerações fiscais em dimensões escandalosas. Ignorando os alertas, os partidos no governo comemoravam euforicamente os benefícios do curto prazo. De tanto repetirem a própria publicidade, as lideranças fizeram o povo acreditar nas ilusões: o pré-sal resolveria tudo, empresas como o grupo X colocariam o país no cenário mundial, o BNDES construiria a nação emergente mais dinâmica do século 21.

A realidade desfez as ilusões, os alertas se mostraram proféticos, mas a eleição não permitia que se admitisse a crise. A folia econômica que se esgotava chegou à política e as ilusões foram ampliadas pelo marketing. Os eleitores passaram a acreditar que nunca o Brasil fora tão rico, dinâmico e sem pobreza, e que o país daria passos para trás se não reelegesse o grupo no poder.

O resultado é que a economia brasileira chegou a 2014 em uma situação de crise de proporções catastróficas: déficit em transações correntes de 4,2%, déficit nominal de 6,7% e dívida pública bruta de 6,3% (em relação ao PIB); além de inflação persistente acima da meta.

Agora, passadas as eleições, o governo faz tudo o que acusava seus opositores de pretenderem fazer contra o povo e o país: elevação da taxa de juros, controle de gastos, redução de direitos e realismo nos preços passaram a ser defendidos como ajustes necessários. A fala do novo ministro da Fazenda, carregada de medidas antifolia, passou a ser aceita pelos que as criticavam, enquanto outros que antes se beneficiavam da folia começam a criticar os ajustes.

O problema das últimas medidas não está na fala do ministro Levy controlando ou eliminando direitos trabalhistas, mas na falta de falas ousadas dos demais ministros, como do Trabalho, da Educação e da Saúde, oferecendo novos direitos. Alguns ajustes nos chamados benefícios sociais são necessários para corrigir os desastres criados pela folia fiscal, mas, em vez de repudiá-los ou de se conformar a eles, é preciso atualizá-los e fazê-los avançar. Alguns dos antigos direitos trabalhistas não têm como ser mantidos, mas novos direitos devem ser implementados.

Alguns dos atuais direitos precisarão ser moralizados, modificados e substituídos por direitos contemporâneos, como: direito do filho do trabalhador à mesma escola de qualidade do filho do patrão; licenças periódicas para efetiva capacitação; direito do trabalhador à licença para ir à escola do filho e para cuidar preventivamente de sua saúde.

A solução petista - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 07/02

BRASÍLIA - Como seria previsível, o PT na sua festa de 35 anos ofertou ao governo Dilma a saída da radicalização para enfrentar a crise existencial que se abate sobre o partido e sua gestão na esfera federal.

Seus caciques defenderam João Vaccari Neto, o tesoureiro mais do que suspeito segundo a Polícia Federal apura, e o próprio acusou o famoso golpe das elites contra o probo governo dos trabalhadores ao ser apontado como parte da gatunagem que assola a Petrobras.

É uma furada. Um filme velho que remonta a 2004, quando na comemoração dos 24 anos do petismo foi feita a defesa de José Dirceu, acertado pelo petardo Waldomiro Diniz (o seu faz-tudo no Congresso, pego cobrando propinas, sempre elas).

A narrativa ganhou corpo em 2005, com a reação à revelação do mensalão. "Todo mundo faz caixa 2", disseram Lula e o PT. O STF não comprou a balela e a cúpula do partido, Dirceu à frente, foi parar na cadeia.

O que ouvimos de Lula e companhia agora? Que o financiamento de campanhas pelas empreiteiras investigadas no escândalo da Petrobras era legal e para todos os partidos, como se o PT e aliados fossem virgens a passear em um prostíbulo.

Há duas mistificações aqui. Empreiteiras doam para todo mundo, só que dão mais para quem está no poder e pode usar de esquemas de favorecimento. A graça da história é que a Lava Jato descobriu que propinas foram dadas dentro da lei.

A segunda observação peca pela obviedade. Ainda que grana suja tenha abastecido aqui e ali partidos de oposição, o grosso absoluto do apurado aponta para o PT e os seus. A oposição não indicava diretores corruptos na Petrobras.

Ao indicar Aldemir Bendine para descascar o abacaxi gigante da Petrobras, Dilma mostrou-se sozinha em suas opções. Resta saber se daqui para a frente ela irá seguir o receituário petista do negativismo e correr o risco de isolar-se ainda mais.

Lição do avesso - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 07/02

É um caso para estudo em escolas de administração. Pelo avesso. Ensina tudo sobre o que não se deve fazer. Este é o resumo desta desastrada intervenção da Presidente Dilma na Petrobras. Mas uma coisa se diga: foi coerente. Improvisada e insensata do começo ao fim. Há três meses, o então ministro da Fazenda Guido Mantega desmentia que Aldemir Bendine estivesse demissionário do Banco do Brasil.

Bendine tentava, no dia 7 de novembro, explicar o inexplicável caso do empréstimo de R$ 2,7 milhões concedido com juros camaradas a uma amiga que deu como garantia a pensão alimentícia dos filhos menores. No dia 6 de fevereiro, está ele alçado pela presidente Dilma ao posto de presidente da Petrobras. Na presidência do conselho de administração, confirmando indicação, o mesmo Guido Mantega.

Imaginemos, para alimentar algum otimismo, que reste provado que Bendine nem sabia do tal empréstimo à amiga. Ele precisará ficar se explicando deste e de outros casos. E se existe uma coisa que a Petrobras não precisa neste momento é de um presidente que tenha que ficar se defendendo. Todos os esforços devem ser para defender a Petrobras.

O perfil ideal para o cargo é ser uma pessoa que simbolize independência. O que a estatal precisa é de um executivo com autonomia. O problema da Petrobras não será resolvido por um presidente que aceite pressões políticas e cumpra ordens que contrariem os interesses da empresa. O melhor seria evitar pessoas do grupo dos amigos do governo.

O que espanta neste caso é como nenhuma solução foi pensada com antecedência. Tão longa crise e não foi tempo suficiente para o governo ter uma saída estratégica. A presidente convocou a ex-presidente Graça Foster para demiti-la e, ao mesmo tempo, pedir que ela permanecesse no cargo até a publicação do balanço. Pelo andar dos trabalhos com a PricewaterhouseCoopers (PwC), se a diretoria permanecesse, seria possível ter o resultado financeiro auditado em maio. Ou seja, Dilma estava pedindo à Graça que ficasse dependurada por mais quatro meses no cargo do qual fora demitida. Em seguida, o governo confirmou a informação de que Graça sairia, a diretoria se rebelou e pediu demissão coletiva naquela mesma noite de segunda-feira.

Contudo, na manhã da terça, o ministro da Energia, Eduardo Braga, disse que a diretoria ficaria até março. Ainda que eles aceitassem permanecer, quem, com o mínimo de bom senso, imaginaria que uma empresa em crise poderia ser comandada por uma equipe enfraquecida pela demissão anunciada?

Hoje a Petrobras é uma empresa que não sabe o valor do seu patrimônio, está no meio da mais profunda e extensa investigação policial por corrupção. A companhia tem que administrar a crise e ao mesmo tempo fazer uma gestão de dano. A imagem da empresa sofreu sério estrago junto aos seus credores, auditores, investidores, acionistas e precisa reduzir esses danos. Ao mesmo tempo, precisa se proteger contra os riscos futuros de novos rebaixamentos ou cobrança antecipada de dívida.

A demissão que causou tanto reboliço esta semana não foi causada pelo escândalo. Mas sim pela divulgação do número de R$ 88,6 bilhões de diferença entre o valor real e o valor contábil de alguns dos ativos da Petrobras. A diretoria poderia ter sido trocada por outros motivos, mas, ao ser trocada por esse, a mensagem que a presidente da República passou é de que continuará interferindo nos rumos da empresa. O risco Dilma permanece.

O governo nem fez esforço para cumprir a legislação do mercado de capitais. Deixou vazar o nome de Aldemir Bendine bem antes que ele fosse anunciado como o escolhido do controlador. Mas essa foi apenas mais uma trapalhada. Coerente até o fim.

O choque da realidade - ANDRÉ LARA RESENDE

O ESTADO DE S.PAULO - 07/02

O quadro político e econômico agrava-se desde o fim do primeiro mandato de Lula. A revelação da sistemática compra de apoio ao governo por meio de um esquema de desvio de recursos públicos - o "mensalão" - foi um marco divisor. Ainda não estava claro o grau do estrago que a ocupação do Estado por militantes e simpatizantes viria a fazer, mas estava quebrado o encanto.

A condução da política macroeconômica sofreu uma inflexão a partir de 2008. Sob pretexto de praticar uma política anticíclica keynesiana - que a grande crise financeira justificava nos países centrais, mas não nos países periféricos -, acelerou-se o processo de expansão dos gastos diretos e indiretos, explícitos e implícitos, do setor público. A política macroeconômica perdeu toda a racionalidade e tornou-se manifestamente voluntarista.

O desajuste fiscal e os desmandos administrativos, associados à distribuição de benefícios demagógicos, de vantagens e subsídios, ficaram mascarados pelo ciclo de alta das commodities, pelo o ganho nos termos de troca com o exterior. O País cresceu relativamente pouco, mas enriqueceu muito. A riqueza não depende só do crescimento, mas também das expectativas. O valor dos ativos, das empresas e dos imóveis, depende das expectativas. Com as expectativas favoráveis, o aumento da riqueza foi muito superior ao crescimento da renda. A reversão levará a uma correspondente queda da riqueza.

No ano passado, a aceleração da piora nas condições tanto econômicas como políticas não deu tempo para que as percepções pudessem acompanhar o agravamento da realidade. As eleições contribuíram para atrasar a convergência das expectativas. O clima de campanha eleitoral tornou difícil separar os fatos da propaganda. O País saiu das eleições dividido e com um fosso entre as condições objetivas e a percepção da realidade. O choque da realidade está agora em curso.

No ano passado, a economia não cresceu, o superávit fiscal primário desapareceu e o déficit externo passou de 4% do produto interno bruto (PIB). Apesar dos preços administrados defasados e dos juros em alta, a inflação vai superar o teto da meta. A infraestrutura está obsoleta e o racionamento de água e energia elétrica será inevitável. A Petrobrás está paralisada, incapaz de acessar os mercados de capitais. Sua viabilidade está ameaçada. Os investimentos privados devem colapsar.

A surpreendente nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda impediu que o ajuste das expectativas levasse a uma crise cambial e financeira. Sua presença foi crucial para que a crise não explodisse com toda a sua força logo nos primeiros dias do segundo mandato de Dilma Rousseff. O PT poderia então explorar mais facilmente a tese da sabotagem dos "mercados" a um governo que acabara de ser democraticamente eleito. Isolado num Ministério de inédita incompetência, Levy corre o risco em alguns meses se defrontar com apenas duas alternativas: a demissão, diante da inviabilidade política do ajuste necessário, ou a desmoralização.

Some-se às dificuldades macroeconômicas o racionamento de água e energia para que as perspectivas se configurem dramáticas. O racionamento racional deveria considerar as repercussões do corte para os diferentes setores. Para minimizar o impacto sobre o PIB os cortes deveriam ser definidos a partir da matriz de insumos-produtos. Numa economia de guerra, que exija o racionamento de bens essenciais, não é possível utilizar apenas o sistema de preços para alocar recursos. O racionamento planejado exige, pois, planejamento e execução centralizada, o que não pode prescindir de autoridade e comando.

O País está acéfalo. O Executivo, atordoado e acuado, está aparentemente preocupado exclusivamente em minimizar as possibilidades de impeachment. Os quadros do serviço público estão desmoralizados e desmotivados. A percepção popular do Congresso Nacional, envolvido no esquema da corrupção sistematizada pelo governo na Petrobrás, nunca foi tão negativa. Desmoralizado com a população, o Legislativo corre ainda o risco de colisão com o Judiciário. Não há novas lideranças nem sinais de que possam surgir da política partidária, cujos canais estão entupidos. Dada a desmoralização da política, abre-se a possibilidade de lideranças externas a ela, populistas e inimigas das instituições.

A combinação da economia submetida a um racionamento drástico com a falta de autoridade institucional é o caminho para se chegar aos chamados "Failed States". Caminho que a Venezuela parece ter começado a trilhar e no qual países como a Síria, o Iraque e o Afeganistão, entre outros, estão avançados. Sem autoridade institucional constituída e reconhecida, forças paralelas passam a controlar o racionamento e os mercados negros. Numa fase aguda, diante da revolta popular e da generalização dos saques, surgem milícias armadas, inicialmente para vender segurança, mas que se transformam em poderes paralelos.

Entre os "Failed States" e a situação brasileira ainda há uma grande distância, mas mesmo que não sejamos pessimistas o horizonte não é promissor. Na melhor das hipóteses, teremos quatro anos de um governo acuado e paralisado, diante da pior crise política e econômica em décadas. A possibilidade de um tumultuado impeachment da presidente não pode ser descartada. Em tese, basta o fundamento jurídico para o impeachment, mas na prática é preciso o apoio político "das ruas".

Diante da gravidade do quadro, não é hora de dividir, mas de reconciliar o País em torno de uma coalizão suprapartidária, com apoio de todos os segmentos da sociedade. É preciso reconstruir o Estado, resgatar a capacidade de formular e implementar políticas para enfrentar a crise. Infelizmente, parecemos caminhar no sentido oposto, o da radicalização da divisão do País.

Quem calcula esse balanço? - ANA MARIA MACHADO

O GLOBO - 07/02

Baixa produtividade não é algo abstrato. E quando se fala em Custo Brasil, não se trata de complô da mídia nem intriga da oposição


Início de mês e de ano. O cidadão é daqueles que procuram estar sempre em dia com suas obrigações. Organizadíssimo. Mas em poucos dias vive três situações exemplares.

Primeira: precisa renovar a carteira de motorista, porque o exame de vista venceu. Vai ao banco e paga o Duda. Liga para o teleagendamento do Detran. Depois de perder um tempo enorme ouvindo a irritante musiquinha de espera, finalmente é atendido. Informam-lhe que só há horário vago daí a dias. Preocupa-se porque o prazo fica apertado demais. A atendente, solícita, lhe faz uma sugestão. Por que não recorrer ao “Poupa-Tempo”? É um serviço ótimo, economiza tempo e esforço. Num só lugar se entregam os documentos e se faz o exame. Dá-lhe o endereço. O contribuinte agradece. Que bom saber que agora há essas coisas, e as autoridades se preocupam com o cidadão! Só que o serviço não marca exames pelo telefone. Precisa fazer isso em pessoa. Fornecem-lhe o endereço e o horário de funcionamento. Até marcam a hora em que será recebido: 13h, daí a poucos dias. Vai perder só mais meia tarde de trabalho. Na data e horário, comparece mas descobre que foi mal informado: naquela unidade não se faz mais exame de vista. Dão-lhe um papel para tentar marcar com o médico, que só podia em outra semana. E lhe passam um pito: na certa entendeu mal, ninguém lhe informaria errado. Ignora a provocação. Precisa renovar o exame. Não pode dirigir sem carteira de habilitação válida. Engole em seco e espera que agendem o exame. É sorteado para um ponto que não lhe convém. Pede para trocar. Não pode. O sistema já sorteou, não aceita mudanças. Que jeito? Vai ter de perder mais uma manhã de trabalho.

Segunda: como tem um apartamento na serra, recebeu a cobrança do IPTU, enviada pela prefeitura de Petrópolis. Vai fazer como todos os anos, pagar em cota única, adiantado, e aproveitar o desconto para quem faz isso. Ao abrir o carnê, constata que falta uma página, justamente a da cota única. Só estão lá as das cotas parceladas. O que terá havido? Examinando com atenção, verifica uma observação impressa, acusando-o de estar devedor, por não ter pago o imposto em 2014. Não é possível. Tem certeza de que pagou. Será que aquela tripinha amarela que agora o banco dá como recibo já terá se apagado e ele não terá como provar? Mas não, pode ficar tranquilo. Como é organizadíssimo, não apenas pagou em dia o imposto de 2014 (e os de todos os anos anteriores), como tirou cópia do comprovante bancário e o guardou grampeado no carnê. Mas não pode pagar o imposto em cota única. Falta-lhe a guia correspondente, que a prefeitura não enviou, em represália por considerá-lo o mau pagador que não é. Perde a tarde ao telefone tentando falar com alguém lá. Inutilmente. Deus do céu, vai ter de ir a Petrópolis em pessoa para resolver! Em dia útil. Mas só depois que estiver com a carteira de motorista, pois está impedido de dirigir enquanto não renovar o exame de vista , esperar seu resultado e receber a nova carteira. Que jeito?

Terceira: recebeu um aviso da Companhia de Gás, em tom um tanto ameaçador. Dizem que sua conta, vencida desde novembro, não foi paga. Sorri, superior. Engano deles. Não pode ser. Há mais de 15 anos tem em débito automático todas as suas contas. Nem se preocupa em pagá-las, são descontadas diretamente. Passam-se alguns dias, vem novo aviso. Vai verificar no extrato e constata que, realmente, há dois meses esse desconto não está sendo feito, como lhe confirmara por telefone a companhia de gás — depois de uma tarde inteira de varias ligações e da indefectível musiquinha. Como pode o banco suspender um serviço desses unilateralmente? Perde o sono, de raiva, frustração, estresse. Vai ao banco, furioso. Outra tarde de trabalho perdida. Descobre que, realmente, o débito foi suspenso. Como? Quem deu a ordem? Esmiúça daqui e dali, descobrem: ninguém suspendeu. Mas a CEG mudou unilateralmente o número do código do cliente em sua conta, sem avisar a ninguém. Nem a ele, nem ao banco. Pode? Não, não pode. Mas fizeram. E ainda cobram multa pelo atraso nos pagamentos. Vai brigar?

Bem que dá vontade. Mas só quer cuidar da vida. Deixa pra lá. Há um limite para o acúmulo de aborrecimentos de cada um. Já perdeu tempo demais do trabalho, com tudo isso. E no momento, cruzes!, está às voltas com a renovação de seu passaporte.

Não há limite, porém, para quanto esses esforços desperdiçados podem roubar da vida econômica de uma nação. Baixa produtividade não é algo abstrato. E quando se fala em Custo Brasil, não se trata de complô da mídia nem intriga da oposição. É o preço da incompetência, da perda de tempo com inutilidades, da educação precária, da má gestão, da condescendência com erros inadmissíveis. Alguém consegue calcular esse prejuízo num balanço?

Desastres em série - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/02

Nomeação do novo presidente da Petrobras conseguiu provocar desconfianças tanto no mercado financeiro como no aparelho petista


A sequência de infortúnios que se abateu sobre a Petrobras nos últimos meses não se interrompe com a nomeação do presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, para o posto que vinha sendo ocupado por Graça Foster.

Embora exista o risco de cometer injustiças, é difícil escapar à impressão de que o nome de Bendine consegue a proeza de suscitar reservas tanto entre investidores do mercado como entre membros do aparelho petista.

Desgastado por denúncias relativas a sua atuação no BB, Bendine não teria "perfil para gerenciar uma crise dessa dimensão", confidenciou um alto dirigente do PT à reportagem da Folha.

Afinal, ele chegou a ser investigado pela Receita Federal, intrigada por variações em seu patrimônio e pela aquisição, em dinheiro vivo, de um apartamento --bastante inusitado, aliás, que o responsável pela mais importante instituição financeira do país prefira guardar economias debaixo do colchão.

Ainda nessa área, causa estranheza o empréstimo de R$ 2,7 milhões, com juros subsidiados, autorizado por Bendine à apresentadora de TV Val Marchiori, a quem faltavam qualificações para a obtenção de tão volumoso aporte creditício.

Enquanto no PT --que é o PT--há quem se assuste com as implicações da nomeação, o mercado se comporta de forma semelhante, embora mais precisa e imediata. Caíram fortemente as ações da Petrobras, tão logo veio à tona a decisão de Dilma Rousseff (PT).

Mais uma vez, a presidente da República se vê assoberbada por uma crise à qual, por falta de inteligência política e talvez de simples contato com a realidade, só tem contribuído para intensificar.

Em tese, ao Planalto caberia transmitir uma imagem de inflexível disposição para passar a limpo todo o escândalo da Petrobras.

Dilma poderia ter tomado a iniciativa de realizar demissões fulminantes; viu-se, ao contrário, na situação de pedir a Graça Foster que continuasse por algum tempo até conseguir nome mais adequado.

A contemporização não deu certo, uma nova urgência se impôs à pauta da chefe de governo. Ironicamente, o nome do economista Paulo Leme, da Goldman Sachs, era visto como uma possibilidade.

Leme, que já havia sugerido a privatização da estatal, atestaria a vontade de emancipar a empresa das conhecidas pressões que sofre do petismo. Mas a alternativa ultraliberal desaparece do horizonte, e Bendine é o nomeado.

A oscilação diz mais sobre Dilma Rousseff, seu isolamento, sua visão da política, do que sobre o que significa, ou deixa de significar, a presença desta ou daquela figura menor nos quadros da Petrobras.

Escolha temerária - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 07/02

Muito mais do que amadorismo e improvisação, a escolha do novo comando da Petrobras, vago desde quarta-feira com a renúncia de Graça Foster, expôs a inépcia do governo Dilma Rousseff para administrar crises e entender o tamanho e a gravidade da situação em que se encontra a maior empresa do país.

A escolha de Aldemir Bendine, presidente do Banco do Brasil, é quase tudo o que o bom senso não recomenda. Afinal, não se trata de nomear o chefe de uma repartição qualquer. A missão do novo presidente da estatal do petróleo não é apenas a de evitar que a casa fique sem alguém para assinar papéis importantes. É muito mais. É a de retirar um gigante de profundo atoleiro de dívidas, corrupção e perda de credibilidade.

O que a escolha não poderia deixar de levar em conta é que a Petrobras não chegou a ponto de não poder nem sequer publicar balanço auditado por obra do acaso. Pelo contrário. É mais do que sabido e alardeado por especialistas que a empresa foi vítima do acionista controlador, o governo, que, nos últimos anos, vem fazendo dela instrumento político.

Desde o início da administração Lula da Silva, a empresa foi obrigada a cometer o suicídio comercial de comprar gasolina cara no exterior para vendê-la mais barata no mercado interno. Assim, ajudou a criar controle artificial da inflação. Por pressão do ex-presidente, a Petrobras gastou dinheiro sem volta em projetos de refinarias economicamente inviáveis no Ceará e no Maranhão.

A sangria foi grande com a compra da refinaria em Pasadena (EUA) por preço muito superior ao que o vendedor tinha pago por ela. Ainda pior foram os golpes perpetrados por dirigentes da empresa, nomeados ou mantidos por influência política, na construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. De lá, bilhões foram desviados pela via do superfaturamento e de serviços pagos e não executados.

Esse é um dos focos da Operação Lava-Jato, que vêm revelando a ação de corruptos que, ao longo de pelo menos uma década, transformaram a Petrobras numa coleção de escândalos. Consequência do enorme desarranjo, a empresa vem perdendo rapidamente valor de mercado, aqui e nos Estados Unidos, onde tem papéis cotados, a ponto de levar grupos de investidores a pedirem investigação às autoridades do mercado de capitais norte-americano.

Sobram, portanto, razões para que o novo executivo da Petrobras fosse alguém independente das más orientações da presidente e do antecessor, além de ser alguém absolutamente livre de suspeita de desvios de conduta. Funcionário de carreira na instituição financeira estatal, Bendine é ligado ao ex-presidente Lula, a quem deve a nomeação para a presidência do BB em 2009.

Ele não tem currículo de quem já salvou qualquer empresa e muito menos que tenha trabalhado numa exploradora de petróleo e derivados. Pior: já começa tendo de esclarecer a suspeita de favorecimento à amiga e apresentadora de TV Val Marchiori com empréstimo de R$ 2,7 milhões, tendo como garantia a pensão alimentícia que recebe por dois filhos menores.

Não foi sem motivo, portanto, que as ações da Petrobras despencaram mais de 7% depois do anúncio do nome de Bendine. A queda refletiu a frustração com o descaso com o qual a presidente conduziu a questão e a certeza de que ela não pretende abrir mão de continuar impondo suas equivocadas decisões à Petrobras.

O petrolão chegou de vez ao PT - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/02

O depoimento do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco colocou o foco em propinas doadas de forma ‘legal’ ao partido, uma diferença desse caso em relação ao mensalão


O PT já viveu momentos mais festivos do que nestes 35 anos de existência, comemorados ontem em Belo Horizonte. Pois, além de todo o desgaste causado no partido por mais um escândalo, o do petrolão, o tesoureiro da legenda, João Vaccari Neto, um dos investigados no caso, foi levado, na quarta-feira, por policiais federais a depor. A cena de agentes pulando o portão da casa do petista, que resistia a ir à PF, reflete bem a situação em que se encontra o PT, nos seus 12 anos de Planalto.

O baque começou na quarta, com a revelação de que, no depoimento prestado em regime de delação premiada, o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco afirmou que o partido, em dez anos, de 2003 a 2013, recebeu, em propinas garimpadas na estatal, entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões, cifras majestosas em qualquer lugar. E desses, US$ 50 milhões teriam sido coletados por Vaccari. O testemunho de Barusco levou à convocação do tesoureiro.

Do inventário das piores situações passadas pelo PT desde a chegada de Lula ao Planalto, em 2003, constará esse depoimento de Barusco, ao lado de um outro, prestado em 2005 na CPI dos Correios, pelo marqueteiro da campanha de Lula, Duda Mendonça, em que ele afirmou ter recebido pagamento do partido em paraíso fiscal no exterior. Era a prova de que o PT já se lançara a traficâncias financeiras ilegais em dólares.

O petrolão, por sua vez, mostra-se um caso bem mais robusto que aquele, o mensalão. A diferença mais evidente está no volume de dinheiro surrupiado dos cofres públicos. Estima-se que o mensalão desviou algo como R$ 150 milhões, enquanto no petrolão o Ministério Público contabilizou até agora mais de R$ 2 bilhões.

Outra diferença é que enquanto no primeiro o objetivo era comprar literalmente parlamentares e irrigar alguns partidos aliados, o assalto à Petrobras, além disso, abasteceu, tudo indica com muito dinheiro, os cofres do próprio PT. Há depoimentos sobre a conversão de propinas pagas por empreiteiras em doações ao partido.

O PT se defende com o argumento de que foram doações “legais”. Sim, mas com dinheiro ilegal. Trata-se, à primeira vista, de uma forma engenhosa de lavagem por meio de doações registradas na Justiça eleitoral. Nesse caso, os recursos precisariam ser devolvidos à Petrobras. Como os denunciados, pelas regras da delação premiada, precisam provar o que dizem, há grande expectativa sobre como tudo isso será comprovado.

Barusco, nos testemunhos, ampliou o papel na rapina do ex-diretor Renato Duque, indicado pelo PT/José Dirceu, e reforçou o entendimento de que propinas se tornaram parte do cotidiano na estatal. Não que o lulopetismo tenha inventado a corrupção na estatal. O próprio Barusco confessa ter cobrado “por fora" durante o governo FH. Mas sem dúvida o PT criou um esquema amplo de corrupção na empresa, algo jamais visto na história do país. Por tudo isso, há mesmo poucos motivos para alegria nas hostes petistas.

A frustrante escolha para a Petrobras - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/02

A crise exige uma mudança de 180 graus na condução dos negócios da estatal, mas a escolha de Dilma mostra que a presidente vai interferir ainda muito na empresa



O mundo do petróleo tem particularidades que limitam a entrada de altos executivos procedentes de outras áreas. Desde os anos 1990, o setor passou por muitas fusões e incorporações, que redesenharam internacionalmente o mapa das grandes corporações. Mas nesse processo não houve uma significativa renovação de executivos. No Brasil mesmo as companhias que estrearam depois da abertura do mercado foram basicamente alicerçadas na contratação de ex-funcionários da Petrobras, e não por executivos oriundos de segmentos sem relação direta com o setor. Nas telecomunicações, por exemplo, após a privatização as antigas estatais não ficaram restritas a ex-dirigentes da Telebrás.

Companhias estatais nacionais do petróleo são um pouco exceção à regra, devido às nomeações políticas em seus quadros dirigentes. Nos governos do PT, até que Graça Forster assumisse a companhia, a presidência da Petrobras teve esse caráter político, pois desde que Lula tomou posse ficou claro que a companhia passaria a ser um instrumento voltado para o atendimento dos propósitos do grupo que passou a ocupar o poder, e deseja mantê-lo a qualquer custo, como se vê.

Tal estratégia empurrou a Petrobras para a mais grave crise da sua história, e sem paralelo em qualquer outra grande empresa brasileira. Tirar a companhia dessa situação de calamidade exigiria uma mudança de 180 graus na condução dos negócios da estatal.

Daí a reação negativa do mercado de ações (com uma queda que chegou a 7% nas cotações dos papéis da estatal) ao anúncio do nome de Aldemir Bendine para a presidência da Petrobras. Respondendo até agora pelo Banco do Brasil, Bendine tem uma ligação com o Palácio do Planalto que torna improvável o fim da forte ingerência da presidente Dilma nos rumos e no cotidiano da Petrobras. A solução encontrada para a substituição de Graça Foster parece ser mais do mesmo, ainda que Bendine transite pelo mundo das finanças, o que, neste momento, é necessário para que a Petrobras consiga superar impasses que podem paralisar parte de seus atividades e inviabilizar investimentos.

Por esse vínculo com o Planalto e mais alguns episódios que protagonizou no Banco do Brasil, Aldemir Bendine chegará à Petrobras já tendo que dar muitas explicações, perdendo um tempo que seria precioso para a recuperação da companhia.

Não está claro se será uma interinidade ou se, com sua escolha, a presidente Dilma quis afirmar que houve substituição de nomes, mas não da essência dos planos que o governo tem para a Petrobras. Pela importância que a empresa tem para o país, espera-se que, internamente ou não, os novos gestores sejam bem-sucedidos em sua missão, e que a opção feita por Dilma não sirva para agravar ainda mais a crise da companhia. Mas não há um clima de otimismo.

A herança da inflação - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 07/02

Mais uma vez o Brasil deixa americanos, europeus e japoneses para trás, conseguindo em apenas um mês uma inflação muito maior que a exibida no mundo rico em um ano. A vida terá voltado ao normal nos países avançados quando os preços no varejo subirem no ritmo anual de 2% - pelo menos segundo os padrões de avaliação dos bancos centrais. A zona do euro tem sido assombrada pelo espectro da deflação, bem conhecido na economia japonesa. Pelo menos desse problema os brasileiros continuam muito distantes, graças à gastança, aos erros e aos truques de circo mambembe de seus governantes. No mês passado, os preços de bens e serviços comprados pelas famílias subiram em média 1,24%, de acordo com dados incluídos no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Em 12 anos, foi a maior alta desse indicador num mês de janeiro. Em 12 meses, a variação acumulada chegou a 7,14%, número superado apenas pela alta de 7,31% no período até setembro de 2011, primeiro ano da presidente Dilma Rousseff.

A meta anual de 4,5% foi sempre superada com folga nos últimos quatro anos. O desvio para cima, em 2015, deverá ser bem maior, segundo as previsões correntes. No mercado financeiro, a mediana das apostas era uma alta de 7,01% neste ano, de acordo com a sondagem realizada pelo Banco Central (BC). Para isso será necessário, naturalmente, garantir de agora em diante resultados bem menores que o de janeiro. É muito difícil de imaginar esse quadro sem pelo menos mais uma alta, provavelmente de 0,5%, dos juros básicos.

A inflação do mês passado refletiu, como se previa, a correção ainda parcial de preços contidos politicamente nos últimos anos. O item habitação, com alta de 2,42% e impacto de 0,35 ponto porcentual na formação do IPCA, foi fortemente influenciado pelo aumento médio de 8,27% do custo da energia elétrica. Em 9 das 13 áreas metropolitanas cobertas pela pesquisa o aumento das contas de luz ficou acima de 7,6%. A maior alta, de 11,66%, ocorreu em Porto Alegre. A segunda maior, de 11,46%, ocorreu em São Paulo. As tarifas de eletricidade foram congeladas há pouco mais de dois anos por decisão da presidente Dilma Rousseff e começaram a ser liberadas em 2014. A correção continua incompleta. Além disso, novos ajustes foram anunciados durante a semana pelo ministro de Minas e Energia, porque a seca se prolonga e será preciso continuar usando a energia mais cara das termoelétricas.

Também a correção das tarifas de transporte coletivo, contidas por influência do governo federal, afetou o IPCA em janeiro. No grupo transportes, o aumento médio ficou em 1,83% e foi determinado principalmente pelos ajustes das passagens de ônibus urbano e de metrô.

Esses ingredientes bastam para tornar indigesta uma sopa de números, mas servem para evidenciar, mais uma vez, o esforço do governo para disfarçar as pressões de custos e maquiar os índices de preços. Apesar desse esforço, os índices de inflação foram sempre ruins nos últimos anos e a variação anual do IPCA sempre esteve próxima - e algumas vezes acima - de 6,5%, limite superior da margem de tolerância.

A correção de preços contidos politicamente é inevitável e mais dolorosa quanto mais prolongado tenha sido o artifício. Além de inútil no combate à inflação, essa ação distorce a operação dos mercados. Ao transmitir um sinal errado sobre os preços, estimula o consumo, quando o correto seria o incentivo à economia. Ao mesmo tempo, a intervenção nos preços afeta a situação de caixa, a saúde financeira e a capacidade de investimento das empresas fornecedoras do bem ou serviço. O caso da Petrobrás, com a contenção política dos preços de combustíveis, era bem conhecido. O das empresas do setor elétrico ampliou o histórico e as consequências das intervenções desastradas.

Mas os preços administrados são uma pequena parte da história. Mesmo sem aumento desses preços, a inflação tem sido sustentada por outros fatores, como a gastança pública e o incentivo maior ao consumo que a produção. A herança dos erros é muito mais ampla.

As causas da corrupção - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 07/02

A presidente Dilma Rousseff utilizou a mensagem anual ao Congresso Nacional para insistir numa intencional confusão entre as deficiências do atual sistema de representação e as causas da corrupção. Ao se referir ao esforço para combater a corrupção e a impunidade - esforço este que, para ser mais fiel à realidade, deveria vir acompanhado de aspas, por seu caráter duvidoso ou, ao menos, bastante ineficaz até o momento -, a presidente Dilma disse que tal esforço "produzirá resultados apenas parciais, caso o Brasil não enfrente a fonte principal dos desvios e dos desmandos: as insuficiências e distorções do nosso sistema de representação política".

É mais que evidente a necessidade de uma reforma política. Os resultados do atual sistema de representação são apresentados diariamente aos olhos de todos os brasileiros. É um sistema que serve muito bem aos interesses de alguns, e muito mal ao interesse público. Exemplo disso é a proliferação de partidos, que não atende à diversidade de pensamento e opinião de uma sociedade vibrante e plural. Essa proliferação satisfaz a ambições e interesses particulares. Produz partidos que não representam parcelas ou minorias, organizando o povo, porque são legendas de aluguel, à disposição de quem mais pague ou melhores condições ofereça.

Outra coisa, muito diversa dos problemas de representação, é a corrupção estonteante da qual se vai tendo mais detalhes a cada dia. No entanto, a presidente Dilma parece querer tratar as duas como se fossem muito próximas.

De acordo com a mensagem da presidente ao Congresso, o culpado pela corrupção seria o sistema político. E, pelo que se pode deduzir do enviesado raciocínio presidencial, as pessoas que praticam corrupção não seriam tão corruptas assim. Seriam, antes, reféns de um perverso sistema.

Naturalmente, esse modo de pensar é benéfico à presidente, já que ela simplesmente lava as mãos pelo que de ruim acontece em seu governo. Para acabar com a corrupção, seria preciso mudar o sistema representativo, mas o que ela pode fazer se o Congresso Nacional - que é quem tem competência constitucional para fazer a reforma política - sempre a adia? A culpa seria do sistema, e subsidiariamente do Congresso. Já a presidente estaria isenta de responsabilidade no que se refere à corrupção.

Essa linha de raciocínio pretende vender também um mundo irreal. Agora, há muita corrupção. Mas, quando for feita a reforma política, tudo se ajeitará e o Brasil já não terá mais problemas desse tipo. Escapa-se, pensando assim, de um diagnóstico realista sobre o presente, oferecendo-se um mundo cor-de-rosa no futuro. E justifica-se a inação.

Pena que os fatos desmintam o raciocínio da presidente Dilma. O sistema político brasileiro é o mesmo de 20 anos atrás. No entanto, a corrupção expandiu-se exponencialmente nos últimos anos. Dessa simples constatação - da qual nem a presidente pode fugir -, surgem algumas perguntas. Se o sistema representativo não mudou nesse período, por que será que a corrupção aumentou tanto? Qual culpa tem o sistema representativo pelos desvios de dinheiro praticados por diretores da maior estatal brasileira? Aqueles que ocuparam ou ocupam cargos de responsabilidade na administração pública não têm nenhuma responsabilidade pelo escândalo do petrolão?

O sistema de representação precisa melhorar, e é um dever do Congresso Nacional fazer a tão esperada reforma política. Mas, seja qual sistema for, sempre haverá a possibilidade de corrupção. Isso não significa, no entanto, desistir de combater a corrupção, como parece insinuar a presidente. Significa que, mesmo agora, com uma representação política deficiente, é possível combater eficazmente a corrupção. A começar por não atribuir falsas causas à roubalheira. No caso presente, roubou-se desbragadamente não porque a isso o sistema político levou, mas porque políticos, funcionários e empreiteiros corruptos se reuniram para sangrar a Petrobrás e o Tesouro em benefício de um projeto de poder.