sexta-feira, julho 15, 2016

De Marx a Marxilena - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 15/07

E quando a gente esperava que do mato teórico de Marilena Chauí não saíssem mais coelhos, eis que ela reapareceu há dias num vídeo em que a menor das sandices é acusar o juiz Sergio Moro de fazer parte de uma conspiração liderada pelos EUA para desestabilizar o Brasil.

Com aquele seu modo muito particular de simular rigor intelectual escandindo sílabas, a professora revela o objetivo oculto disso tudo que estamos vivendo: "uzamericânu" querem ficar com o nosso pré-sal! Moro teria sido o instrumento que permitiu a Michel Temer dar o golpe. Agora, a tarefa do presidente seria "destruir a República, a democracia e o futuro". Só isso. E convoca: "Nós não podemos permitir".

Uma onda de melancolia percorreu alguns nichos de esquerda que se queriam na resistência. A fala de Marilena, símbolo da intelectualidade petista, é de tal sorte tosca, primitiva, folhetinesca que muita gente se sentiu flagrada no ridículo. Ali estava a derrota inelutável!

Afinal, a decana do petismo universitário procurava dar as nervuras do real àquilo que eles também pensavam e pensam: está em curso um complô. Como ninguém ainda havia criado o enredo para tal argumento nem perfilado as personagens, a sedizente filósofa resolveu fazê-lo. E deu no que deu.

Marilena foi tratada de forma jocosa, e até com desprezo, por seus pares de ideologia, mas cabe a pergunta: o enredo que eles têm em mente é muito diferente? Com mais ou menos sofisticação, veem o que está em curso como um rearranjo das forças do capital. A crise do petismo, apeado do poder no quarto mandato, seria uma consequência da reação dos conservadores à ascensão das massas, tenham os tais conservadores, segundo cada narrativa, o nome que tiverem: "elites", "burguesia", "andar de cima", "direita"...

Isso tem história. Um dos livros de política mais instigantes que conheço, "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte", de Marx, poderia ser definido como um brilhante ensaio sobre o nada. O autor era um pouco mais requintado do que Marilena. Desmonta com impressionante rigor intelectual a maquinação conservadora que resultou no golpe das forças da reação.

Só que há um detalhe: a maquinação não existiu. Marx primeiro a constrói para depois desconstruí-la. Afinal, ele, sim, era um estrategista. A história só estava fazendo a sua parte, movida pela indeterminação do presente.

O que isso quer dizer? As esquerdas é que têm um "projeto". Isso as define. Seja pelo enfrentamento direto, seja tentando construir a hegemonia por outros meios, seus militantes estão sempre cumprindo tarefas de olho num devir redentor. E entendem que seus adversários também se dedicam ao cálculo.

O conservadorismo, o nosso e o alheio, é muito menos imaginoso do que isso e está aborrecidamente preso ao curto prazo. Pragmático, como se viu ao longo dos últimos 13 anos, pode até se deixar capturar pelas esquerdas (infelizmente!), desde que estas se comprometam com alguma racionalidade econômica.

Em palestras que tenho dado por aí –identificado que sou, é claro!, com a queda do petismo–, sempre me fazem a pergunta angustiada: "Mas o que vem depois?" Eu não sei. Se alguém quer certezas sobre o futuro, é bom chamar um dos colunistas de esquerda. Eles sempre sabem.

Nós, os "conservadores", já nos damos por satisfeitos se conseguirmos conservar as instituições neste sábado. Se não der para reformar o homem, que tal consertar o telhado?

PS: Tiro duas semanas de folga. Estarei de volta no dia 5 de agosto, o mês em que nos livraremos definitivamente de Eduardo Cunha e Dilma Rousseff. "Agosto, augusto tempo."


Ficou para depois - CELSO MING

ESTADÃO - 15/07

O IBC-Br de maio veio ruim demais e despejou água fria no caldeirão que já vinha demorando para esquentar



Aquela expectativa de que os primeiros sinais da retomada atividade econômica estavam para se manifestar está ficando para depois, sabe-se lá para quando, talvez para agosto. O IBC-Br de maio veio ruim demais e despejou água fria no caldeirão que já vinha demorando para esquentar.

O Índice de Atividade Econômica do Banco Central, nome e sobrenome do IBC-Br, é o indicador criado em 2010 pelo Banco Central para antecipar o comportamento das Contas Nacionais, calculadas pelo IBGE, as mesmas que apontam o PIB de cada trimestre. É que o PIB só é conhecido cerca de dois meses após o fechamento de um trimestre e a economia precisa trabalhar com informações mais quentes. Daí o IBC-Br, que o Banco Central divulga todos os meses, com informações provisórias e sempre sujeitas à revisão.


Foto: Infográficos Estadão


Os números de maio vieram decepcionantes. Apontaram, na série submetida a ajuste sazonal, para uma queda da atividade econômica de 0,51% em relação a abril. A marcha à ré da renda nacional (já descontada a inflação), apenas nos primeiros cinco meses do ano, é de 5,79% e nos últimos 12 meses acumula retração de 5,43%, ambos sem o ajuste sazonal.

Outros números de maio divulgados por outros institutos de aferição da economia, inclusive os do IBGE, como os da produção industrial, os das vendas ao varejo e o desempenho do setor de serviços, já vinham apontando para a continuação da fase ruim, que vem desde 2014. Mas ninguém esperava que fosse tão longe.

Esses números do IBC-Br sugerem que o segundo trimestre deste ano também foi de forte recessão e que uma recuperação vai sendo empurrada para o segundo semestre.

Para o bem ou para o mal, algumas razões vão criando a expectativa de que o mês crucial da atividade econômica poderá ser agosto. E isso nada terá a ver com os Jogos Olímpicos. É o mês em que o Senado terá de decidir se a presidente Dilma continua morando no Palácio da Alvorada ou se vai definitivamente para casa. É, por isso, o ponto a partir do qual ficará definida a natureza da política econômica que prevalecerá até 2019. Em agosto, o Congresso terá de dar melhores indicações sobre o futuro do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que determina os limites para expansão da despesa pública à inflação passada. E será, também, o mês em que o governo Temer terá de apontar com mais precisão como será a política fiscal e de onde obterá os recursos necessários para fechar o Orçamento da União de 2017.

A partir daí, deslancharão – ou não – os novos programas de desenvolvimento, o cronograma de leilões de concessão de serviços públicos e de privatização e a abertura do mercado de produção de petróleo. E se saberá qual será o nível de confiança dos agentes econômicos internos na política econômica adotada e até que ponto os investidores estrangeiros acreditarão na capacidade do governo brasileiro de resolver os problemas que há tanto tempo não param de acumular. Façam suas apostas, senhores.

CONFIRA:


Foto: Infográficos Estadão

Esta é a evolução das cotações do dólar no câmbio interno em julho.

Mais confiança

Apesar da volatilidade, o dólar acentuou queda no câmbio interno, a despeito das intervenções do Banco Central. A nova direção já realizou nove leilões de swap reverso (equivalentes a venda futura de dólares), de cerca de meio bilhão de dólares por vez. Este é um indicador de que há mais otimismo. Reflete, também, o enfraquecimento da moeda estrangeira por causa da baixa disposição dos grandes bancos centrais de elevar os juros, hoje negativos.


Verdades e mentiras na web - PEDRO DORIA

ESTADÃO - 15/07

“Fiquem comigo”, diz a moça Diamond Reynolds no vídeo transmitido ao vivo pelo Facebook. Ela vira o celular para que vejamos seu namorado no banco do motorista. Ele veste camiseta branca tomada pela metade por uma grande mancha cor de vinho. Sangue. O rapaz tenta conter algo com as mãos, talvez o braço. “A polícia nos parou por causa de uma lanterna quebrada”, explica Diamond. Sua voz é trêmula, porém firme. O celular vira um pouco mais à esquerda e vemos os braços do policial, pistola à mão, ainda apontando para Philando Castile. “E o policial”, ela gagueja, “ele está coberto”. E continua: “Ele matou meu namorado.”

É quando percebemos que estamos assistindo à morte de um homem. Ele ainda estava vivo, parece, mas nos minutos seguintes do dramático vídeo vai lentamente se tornando imóvel.

Foi uma semana muito dura esta primeira de julho, nos Estados Unidos. A questão racial explode, há uma campanha eleitoral estranha, o Partido Republicano se dissolve. Violência impera. E, desde que o Facebook tornou possível para que qualquer um possa transmitir vídeos ao vivo, a rede social está oficialmente no negócio do jornalismo. Reynolds narra o que vê com a firmeza de uma âncora desde a primeira frase: “Fiquem comigo”, ou “Stay with me”, quase um clichê da televisão de notícias americana. Está preocupada em, mantendo o controle das emoções, descrever, dar o contexto. Ela conhece o formato da tevê em ritmo de notícia urgente. E o repete.

Na última terça-feira, a editora-chefe do jornal britânico The Guardian, Katharine Viner, publicou um longo artigo sobre a era em que vivemos. O título: “Como a tecnologia provocou a disrupção da verdade”. Os dois principais argumentos do movimento pela saída do Reino Unido da União Europeia eram mentiras. O primeiro, que a terra da rainha Elizabeth II economizaria £ 350 milhões semanais em repasses para a UE, que poderiam ser aplicados na saúde pública. O segundo, que seria possível conter um sem número de imigrantes com a saída. Os proponentes do Brexit sabiam que era mentira. Dane-se. Na web, mentiras emplacam.

Daniel Patrick Mynihan, um dos mais ativos senadores americanos entre as décadas de 1970 e 2000, é quem cunhou a frase: “Você tem direito a suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. Era assim, não mais. Na internet, criamos coletivamente o hábito de buscar os fatos que confirmam nossas opiniões e ignorar os outros. Enquanto ministro do Supremo, Joaquim Barbosa jamais recebeu salário de professor da Uerj. E, no entanto, até hoje circula essa informação por aí, com direito a foto do holerite. Não importa o quanto se publica o contrário. O quanto se mostra os fatos. As pessoas querem acreditar. E acreditando seguem.

Este crescimento do império da mentira vem ocorrendo lentamente. Ele borra tudo. Quando um jornal publica o resultado de uma investigação por parte de polícia e Ministério Público, seguido de condenação pela Justiça, os partidários do acusado dizem: não foi assim. Para que se ater aos fatos? As opiniões não se formam mais a partir de fatos. Os fatos curvam-se às opiniões.

O argumento da editora do Guardian é muito simples. A internet permite a transmissão ao vivo de notícias de impacto por qualquer um. É um ganho imenso para a democracia. Mas ela também permite a criação de um ambiente onde opinião política se descola da realidade. Não precisa ser assim. Mas temos de ter consciência do que está ocorrendo.

Na internet, criamos o hábito de buscar fatos que confirmam nossas opiniões


Vitórias e derrotas - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO- 15/07

A eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a presidência da Câmara foi uma vitória do presidente interino Michel Temer, que atuou o suficiente para render resultados, mas não mergulhar na crise interna nem atrair chuvas e trovoadas. Foi coisa de político hábil e experimente, que precisa agora canalizar essas qualidades para fazer o País andar, a economia reagir e os agentes políticos e econômicos acreditarem minimamente que “yes, he can”.

O perfil do vitorioso estava traçado naturalmente, faltava encaixar um nome. Rodrigo Maia caiu como uma luva: 46 anos, quinto mandato, filho do conhecido político César Maia, ele representa a “nova situação” – PSDB, PPS, PSB e o próprio DEM –, transita bem em todos os partidos, não orbitou em torno de Eduardo Cunha e, ao que se saiba, passa ao largo da Lava Jato.

Temer fala em “pacificar” a Câmara, Maia disputou e venceu prometendo exatamente “pacificar” a Câmara. É isso que o País precisa e os próprios deputados e funcionários querem desesperadamente. Depois do “nós contra eles” das gestões do PT, da tragédia Eduardo Cunha e do vexame Waldir Maranhão, é preciso paz. Paz para trabalhar, debater, construir e se recompor com a sociedade. Até porque, em algum minuto, as prisões vão começar. É preciso uma casa sólida, confiável.

Do outro lado da rua, Temer esfrega as mãos cerimoniosamente, recorrendo a um velho cacoete de quando em fala em público ou precisa ser contido nas emoções. Tudo o que ele não queria era a vitória de Marcelo Castro (PMDB-PI), que virou as costas ao PMDB para se agarrar ao Ministério da Saúde, só desgarrou para votar contra o impeachment na Câmara e agora se rendeu ao jogo da oposição – leia-se do PT – sem ao menos se fingir docemente constrangido.

Castro dividiu o PMDB de Temer, quando este precisa justamente somar forças, mas só teve 70 votos e não chegou ao segundo turno e tinha uma vantagem para Temer: o Planalto pôde jogar ostensivamente contra sua candidatura. Mais complicado, e arriscado, foi tratar a do deputado Rogério Rosso (PSD-DF).

Que vantagem Temer teria com a eleição de Rosso? Pouca, ou nenhuma. Primeiro, consolidaria a versão do “acordão” para dar sobrevida a Eduardo Cunha. Segundo, ele teria simultaneamente um presidente da Câmara e um líder do seu próprio governo (André Moura) mais alinhados com Cunha do que com ele mesmo.

Mas, de outro lado, como bater de frente com Cunha? Por alguma razão que até a razão desconhece, Temer é cheio de dedos e cuidados na sua relação com Cunha. Sabe-se lá por quê, apesar das muitas suspeitas sobre motivos.

Sendo assim, Rodrigo Maia veio bem a calhar para o Planalto, que arranjou um candidato para chamar de seu e agora divide os louros da vitória com ele. Mais: curtindo a sensação de que o Centrão ainda é uma força, sem dúvida, com seus 170 votos para Rosso, mas já não é essa Brastemp toda.

“Last, but not least”: o PT e seus aliados não deram nem para o gasto. No rastro da ruína do governo Dilma Rousseff, o partido de Lula não conseguiu sequer lançar um candidato, nem dele próprio, nem do PCdoB ou do PDT. Quem se lançou por uma dessas siglas se lançou por conta própria. E Aldo Rebelo, líder no PCdoB, agiu institucionalmente, mais no interesse da Câmara do que no de partidos.

O PT, sem nomes para vencer, lançou um nome para rachar o PMDB, dividir a base aliada ao Planalto e deixar Temer espremido entre o candidato de Cunha e um candidato de Lula, mas deu errado. Temer acabou com dois candidatos e foi ele quem espremeu o PT e Lula.

Agora, é torcer para Rodrigo Maia realmente “pacificar” a Câmara, negociar os principais projetos com o Planalto, a base aliada, os derrotados e os adversários. Seu maior desafio é resgatar a moral e a honra do Congresso numa hora vital. Bom trabalho e boa sorte!


A queda e a espera - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/07

Na economia, a reação à decisão na Câmara foi positiva e isso se refletiu nos indicadores mais voláteis do mercado, como a bolsa e o dólar, mas no meio da manhã já veio mais uma notícia desanimadora: o índice de atividade econômica calculado pelo Banco Central foi pior do que o projetado pela média do mercado. O 0,5% de queda — abaixo do -0,24% da média das previsões — indica que o PIB cairá no trimestre.

A visão positiva sobre a eleição do deputado Rodrigo Maia à presidência da Câmara é resultado de uma soma de percepções. Foi mais uma vitória parlamentar do governo interino, apesar do processo meio tumultuado em que houve uma forte fragmentação da base aliada. No conflito, o governo conseguiu esvaziar a candidatura de Marcelo Castro, que fora articulada pelo ex-presidente Lula. No segundo turno, enfrentaram-se dois governistas e venceu o mais comprometido com a agenda de reformas.

Se o governo Michel Temer for confirmado em agosto — no cenário de aprovação do impeachment da presidente Dilma — a agenda que será defendida exigirá um trabalho intenso no Congresso, porque são medidas amargas e este é um ano eleitoral. O primeiro dos itens é o teto de gastos.

A secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, define essa PEC do teto de gastos como “uma agenda importantíssima para o ajuste fiscal”, que, segundo ela, consolida o compromisso com a volta do equilíbrio. Mas quando o país sai do vermelho? Eu perguntei isso a ela, num programa exibido ontem na GloboNews:

— Nosso horizonte é reequilibrar as contas em 2019. Trabalhamos para ter lá o déficit zero. Cada ano o déficit será decrescente. A PEC do teto dos gastos não é o único instrumento, mas a partir dela vamos ter mais capacidade de decisão sobre as despesas e fazer escolhas.

A retomada da economia depende desse horizonte fiscal e, pelo que diz a secretária do Tesouro, não será nem em 2018. O déficit primário será zero só em 2019. E isso se todos os projetos de limitação e mudança de gastos forem aprovados. Se a Câmara dos Deputados deixar de ser o foco da instabilidade e crise que foi na tumultuada gestão de Eduardo Cunha, já será um avanço.

Na economia, tudo funciona assim: se os empreendedores e os investidores têm um horizonte crível de solução dos problemas, isso é trazido a valor presente, ou seja, já começa a melhorar agora. Se o investimento privado subir, há possibilidade de queda do desemprego, o que reduz a tensão na economia.

Há alguns sinais de melhora da confiança e de certos indicadores econômicos, mas o país teve esta semana três banhos de água fria.

Vieram mais negativos do que o esperado os dados do índice de vendas do varejo, o índice do setor de serviços, e ontem o IBC-Br. Os economistas começam a piorar a projeção do PIB do segundo trimestre, que deve ser outra queda, de 0,5%.

Ana Paula Vescovi alerta que é assim mesmo nas recuperações econômicas:

— Isso é normal em reversão de ciclo. Há sempre contradição de indicadores. Vamos transitar um pouco por isso. Temos expectativa de que o ganho de confiança vai se confirmar.

Os indicadores econômicos negativos da semana lembraram como é acidentado o caminho da recuperação econômica e isso torna mais urgente que o governo consolide seu projeto fiscal. No meio desse caminho há as contradições do governo Temer. Perguntei à secretária do Tesouro como um governo propõe um teto para os gastos, mas, ao mesmo tempo, eleva as despesas permanentes aprovando aumentos salariais. Ela repetiu que isso já estava negociado antes. “O governo fez uma escolha”, disse Vescovi.

De fato, fez. A escolha mais fácil. Por mais meritórios que sejam os aumentos salariais de certas categorias, o governo está neste momento no meio da travessia de um mar vermelho. E sem separação das águas. Os auditores fiscais — justo eles — estão em greve por não terem recebido o seu reajuste. Agora todos querem.

Na política, a esperança é que a Câmara aproveite a renovação para superar um tempo horrível e tratar a fratura na relação entre os eleitores e seus representantes. O novo presidente da Câmara nasceu no exílio. Sabe, de berço, a falta que a democracia faz.


Lucro não é capricho - PEDRO PASSOS

FOLHA DE SP - 15/07

Com um programa de contenção do gasto fiscal embaixo do braço e a promessa de implantar reformas essenciais para modernizar a gestão do setor público, valorizando cada centavo tirado do contribuinte, é tempo de o governo de Michel Temer dar outro passo e começar a formular o crescimento movido a investimento –marco crucial para o desenvolvimento sustentado e a eliminação do para-anda da economia.

A tênue reocupação da capacidade produtiva tornada ociosa devido à recessão é um evento promissor, se mantida depois do desfecho do processo de impeachment e, sobretudo, o ajuste fiscal for conduzido com afinco e priorizar a revisão de subsídios e desonerações antes de se discutir eventual aumento de impostos.

Confiança é o principal impulso para o fim do ciclo recessivo na economia. Mas a volta do crescimento sustentado, refluindo a maré do desemprego e da renda cadente, depende de mais reformas e ação.

Sem um movimento forte de inversão privada, inclusive na execução de obras e serviços que os governos estão impedidos de fazer pela restrição orçamentária, o crescimento será como o voo da galinha a que se referem os economistas. É impensável tal cenário, tanto por agravar os ônus sociais como por retardar a necessária normalidade econômica para fechar o deficit fiscal. O que não se deve ignorar?

O lucro das empresas. É dele que sai a maior parte da poupança que custeia os investimentos em máquinas, equipamentos e edificações –alavancas da produção industrial, agrícola e de serviços, além da infraestrutura de logística, de energia e da inovação tecnológica.

Sem lucro razoável, ou superavit no caso dos orçamentos públicos, o investimento não avança. E, sem as inversões privadas e públicas, o crescimento econômico e a distensão social se dissolvem no ar.

Na média dos últimos 12 anos, segundo o Cemec (Centro de Estudos do Mercado de Capitais), 51% dos investimentos de empresas e famílias foram bancados com recursos próprios (de lucros retidos e poupança). Em 2015, essa fonte caíra a 43%, vindo a seguir investimento estrangeiro (28%) e, bem abaixo, crédito a juro subsidiado do BNDES (11%). Para o senso comum, essa ordem seria inversa, imputando-se ao BNDES papel maior do que possui.

É o lucro a variável relevante a impulsionar tanto o investimento como o crescimento econômico e a renda da sociedade. E o que ocorre com o lucro? Encolheu e entrou em território negativo. Ele se forma pela simbiose do faturamento com a rentabilidade de cada venda.

A habilidade produtiva está em gerar vendas ao menor custo. Ou, de outro modo, expandir a margem de lucro por unidade vendida. Aí está o problema. A margem líquida, segundo estudo do Iedi, despencou de 12,8% em 2010 (numa amostra das maiores empresas abertas e fechadas do país) para 3,9% em 2013 e -3,7% (ou seja, prejuízo) em 2015.

Em termos globais, o lucro anualizado de nossas empresas, segundo o JPMorgan, recuou 80% de meados de 2012 a abril. E a margem de lucro em relação às receitas caiu de 15,2%, em 2007, para 2,4%, em 2015 –abaixo da média global (7,8%), dos países desenvolvidos (6,8%), dos emergentes (9,6%) e do México (6,5%).

Nossas empresas, por tal ótica, encolhem há nove anos. Não há como a economia aguentar tamanho retrocesso, fruto de políticas erradas e de deficit que inflam a dívida pública, cujo custeio enxuga 72% dos fluxos financeiros do país e torna o crédito absurdamente caro.

Este Brasil, para ter futuro, precisa rever a incompreensão sobre a função social do lucro. Não se trata de fetiche capitalista.


Mudança de rota - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/07

A vitória do deputado do DEM Rodrigo Maia para a presidência da Câmara, sobretudo da maneira como aconteceu, reforça a mudança na tendência política do Congresso, reflexo do que já havia sido detectado no eleitorado na própria eleição presidencial, vencida por Dilma por menos de 3% de diferença.

O grupo formado por PSDB, DEM, PPS e PSB passou a ter o protagonismo numa Câmara que nos últimos anos foi dominada por PT e PMDB. Progressivamente, a partir da vitória de 2002, em que apenas em Alagoas o PSDB venceu, a supremacia do PT foi sendo corroída por dissensos na base aliada e pela perda constante do apoio da classe média, que vira no PT saída para a nova política e combate à corrupção e, a partir do mensalão, desencantou-se.

O PT teve que fazer uma mudança de rota de influência, refugiando-se no eleitorado do Nordeste e das pequenas cidades, onde os programas sociais, sobretudo o Bolsa Família, tornaram-se seu grande instrumento político.

Foi para o Nordeste que Lula se dirigiu recentemente em busca de apoio político, e é naquela região que o presidente interino, Michel Temer, tem seu pior desempenho, que de resto não é bom, até o momento, no país como um todo.

Não foi à toa, portanto, que Temer deu um aumento de 12,5% ao Bolsa Família, maior, portanto, que o previsto por Dilma, e gravou um vídeo dirigido especialmente aos que recebem o benefício. Já há indicações de que sua popularidade subiu um pouco depois desse anúncio, o que mostra o potencial político do Bolsa Família para o governo, qualquer governo.

Dissolvida a aliança que sustentou os governos petistas com a debandada do PMDB, o protagonismo no Congresso ficou não com o partido, mas com Eduardo Cunha na Câmara e Renan Calheiros no Senado. Embora representantes do PMDB, os dois têm um estilo político muito personalista que não transfere ao partido seus bônus, apenas seus ônus.

O centrão, que na eleição de quarta-feira começou a se dissolver, foi uma arquitetura de Cunha para fortalecer sua influência. Os pequenos partidos que o compõem ganharam uma musculatura artificial, que só tinha peso político com a coordenação do ex- presidente da Câmara.

Hoje, o centro das negociações passou a ser a antiga oposição aos governos petistas e mais, evidentemente, o PMDB, que ensaiou uma dissidência também artificial sob o comando de Lula, mas hoje já deve estar reunido em torno do poder de fato de Temer, que saiu fortalecido para apresentar ao Congresso as propostas de reformas estruturais de que o país necessita.

Impopulares elas são, e serão precisos muita convicção e suporte político para levá-las a bom termo. Por isso mesmo o PT, embora demonstre o contrário, está ansioso por encerrar o episódio do impeachment para poder reassumir o papel de oposição.

Criaria maiores obstáculos se tivesse conseguido emplacar a candidatura de Marcelo Castro, que o próprio Temer classificou de “cavalo de Troia” do petismo. Mas, na oposição, poderá denunciar todas as mazelas econômicas como se tivessem sido provocadas pelo interino tornado permanente.

O parecer do Ministério Público Federal de que não se caracteriza como empréstimo o caso do Plano Safra não parece ter o poder que lhe confere o advogado de Dilma. É claro que é um dado positivo para a defesa, mas não o definitivo, pois existem vários outros estudos em direção contrária, inclusive no MP junto ao Tribunal de Contas.

E essas discordâncias não são, como quer José Eduardo Cardozo, prova de que não é possível condenar Dilma. Como o julgamento é, sobretudo, político, basta que a maioria dos senadores tenda para um parecer, e não para o outro, que a decisão estará tomada.

Principalmente porque outras acusações, que só não estão oficialmente colocadas por questões de interpretações da legislação, têm também seu peso no convencimento dos senadores. E são muitas as denúncias de corrupção na campanha de 2014.


O ajuste e os quebra-galhos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 15/07

Ocasionalmente um aumento de impostos pode ser necessário, mas esse deve ser o último recurso


Privatizações, concessões e vendas de créditos poderão reforçar as finanças públicas por algum tempo, talvez por alguns anos, mas seria um erro grave confundir esse tipo de expediente com ajuste das contas de governo. A venda de créditos fiscais poderá render à União R$ 55 bilhões, segundo estimativa oficial. Outras dezenas de bilhões poderão ser conseguidos com medidas fora da rotina fiscal, tornando mais suave a travessia deste semestre e do próximo ano. É preciso, no entanto, evitar confusões. Controlar despesas, tornar a gestão mais eficiente, arrecadar com muito cuidado e ter critério na concessão de estímulos são os componentes principais de um ajuste efetivo. Ocasionalmente um aumento de impostos pode ser necessário, mas esse deve ser o último recurso. Isso vale especialmente para o Brasil, com tributação bem maior que a dos outros países emergentes e até mais pesada que a de alguns países desenvolvidos.

Há uma enorme diferença entre cuidar da casa e administrar um país, um Estado ou um município, mas são inegáveis algumas semelhanças. Uma delas é a importância de receitas obtidas com alguma segurança, de forma recorrente e com um grau razoável de previsibilidade. Desde o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o Tesouro Nacional tem dependido, em grau excessivo, de receitas especiais, obtidas por meio de concessões e de programas de regularização de débitos fiscais, os Refis. Esse tipo de receita continua importante, agora para os planos do governo do presidente Temer, mas é preciso ter cuidado.

Está no Senado um projeto de securitização de créditos fiscais da União, dos Estados e dos municípios. Se for aprovado, governos dos três níveis poderão vender créditos parcelados pelos contribuintes. Haverá, naturalmente, algum desconto, mas a operação, se realizada com sucesso, produzirá dois benefícios – um adiantamento de receita e a eliminação de um problema de administração financeira. Com deságio de 50%, Estados e municípios poderão receber até R$ 62,5 bilhões, segundo a estimativa de técnicos. A União poderá ganhar R$ 55 bilhões. Uma cláusula adicionada ao projeto vincula 30% desse dinheiro a investimentos.

Nada disso é garantido, obviamente, mas, se fosse, o ingresso de recursos adicionais seria apenas temporário. Ajudaria a diminuir o sufoco da administração pública, mas a estabilização fiscal dependeria de outras medidas.

No caso de privatizações e concessões, as vantagens para a economia nacional – e também para as contas públicas – podem ser consideráveis, mas o ingresso extraordinário de recursos também seria limitado e sem perspectiva de repetição. Só se pode vender cada ativo uma vez. Outorgas podem ocorrer várias vezes, mas com intervalos de muitos anos. Privatizações e concessões, de toda forma, podem dinamizar a economia e favorecer o aumento da arrecadação, mas este será um efeito indireto.

Um ajuste duradouro só pode ter como base medidas de longo alcance. Por enquanto, o governo do presidente interino Michel Temer tomou poucas, embora importantes, medidas concretas nessa direção. Rever as contas e explicitar o tamanho do desastre produzido pela gestão petista foi um bom ponto de partida. Além disso, o Executivo propôs a criação de um limite para a expansão do gasto público. Uma proposta de reforma da Previdência, ainda em elaboração, deve ser, segundo se espera, apresentada em breve.

O caminho ainda é longo e a maior parte das medidas mal foi enunciada. É preciso desengessar os orçamentos de todos os níveis de governo, para tornar a administração mais flexível e, em princípio, mais eficiente. É necessário profissionalizar tanto a administração direta quanto a indireta – e quanto a este ponto algo já foi feito. Mas o governo permanece incapaz de formular e de cuidar da execução de projetos. Os quadros de pessoal incharam por muitos anos e os custos da folha cresceram sem aumento de produtividade. Não haverá ajuste efetivo sem o ataque a todas essas questões.


Para onde foi a esperança - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 15/07


Eleições de 2018 abrem o caminho da renovação ou da aventura, tudo vai depender da sociedade



Não sei se pela distância, vejo cada vez mais a esfera da política como um obstáculo à recuperação econômica sustentável. Temer ainda luta pela estabilidade. Prometeu não ser candidato em 2018. Ainda assim, a lógica política vai empurrando suas decisões para o sentido oposto de uma contenção de gastos necessária para superar a crise.

O socorro ao Rio e ajustes com os Estados já estavam inscritos como grandes problemas pós-impeachment. E ainda inseguro no cargo, Temer não tem condições de vetar o aumento para o funcionalismo.

O governo é frágil também porque a cúpula do PMDB está implicada na Lava Jato. Aliás, se estivesse só implicada, o problema seria menor. Mas ela mostrou ter como sonho de consumo esvaziar a Lava Jato, até pela via do jogo parlamentar.

A eleição na Câmara dos Deputados apresentou muitos nomes, nenhum com condições de conter o apetite dos grupos fisiológicos. A negociação com o Congresso tende a ser mais cara ainda em ano eleitoral.

Todos esses fatores reunidos me levam a esperar, na melhor das hipóteses, um ajuste fiscal meia-bomba, que nos conduza a 2018 sem que os problemas essenciais tenham sido atacados. A tendência é pensar: em 2018, aí, sim, as coisas podem melhorar. Um presidente eleito tem legitimidade para conduzir um processo de mudanças mais ásperas e profundas.

A grande incógnita, de novo, é o Congresso. Surgirá um tipo de governo de coalizão que escape do fracasso dos outros que o antecederam? Ulysses Guimarães quando se criticava o nível da Câmara, respondia: “Esperem a próxima, será pior ainda”.

Mas Ulysses dizia isso com base na experiência de outra fase da democracia. Ou pelo menos não ousou concluir que, de pior a pior, o Congresso acabaria numa crise profunda e o próprio sistema político se desprenderia da realidade do País.

Para realizar as esperanças de sucesso de um presidente legítimo as eleições teriam a enorme tarefa de renovar o Congresso.

A liderança de Eduardo Cunha lançou a Câmara no seu último estágio: a de um balcão de negócios. Ele produzia e distribuía recursos a seu grupo fisiológico nos períodos eleitorais. Era o maior criador de jabutis da história, com emendas inseridas nas medidas provisórias.

Hoje, o agora ex-presidente da Câmara e o presidente do Senado são os alvos principais da Lava Jato no Congresso. Cunha tem conta na Suíça, faz viagens milionárias, incríveis manobras para não ser julgado. E aparece sempre dizendo que é inocente.

De nada adiantavam as evidências, apenas a sua narrativa. Outro dia, lendo um ensaio de Bruno Latour sobre a democracia, ele tomava como ponto de partida aquela ida do Colin Powell à ONU às vésperas da invasão do Iraque. Todo um espetáculo narrativo para demonstrar as armas de destruição em massa, com imagens, mapas. As armas não existiam.

O cinismo não é um traço só da política brasileira. Os franceses cunharam uma expressão para suas expressões vazias: langue de bois.

Mas o que aconteceu no Brasil nos últimos anos pode abalar a profecia de Ulysses. O choque entre as narrativas e as evidências se dá num momento em que o Brasil tem um fluxo mais abundante e rápido das informações. E são evidências inescapáveis, gravações, cheques, delações premiadas. Está tudo aí, disponível a um toque no smartphone.

Outro momento ainda não avaliado: o impacto da transmissão ao vivo do impeachment de Dilma Rousseff. Muitos observadores – estrangeiros inclusos – previram que aquele espetáculo, no mínimo, levaria a sociedade a refletir sobre seus representantes.

Jogar as esperanças para 2018 não significa uma fuga do áspero cotidiano da transição.

A Lava Jato tem um adversário mais sutil que o PT pela frente. E alguns movimentos da Justiça são ambíguos.

A história da prisão de Carlinhos Cachoeira e Cavendish foi uma dança em torno das tornozeleiras eletrônicas. Foram presos, estavam à espera de uma tornozeleira eletrônica, artigo raro num Rio falido.

Finalmente libertados sem tornozeleiras, a desembargadora quer uma escolta da Polícia Federal para vigiá-los em suas prisões domiciliares. O resultado é que se a proposta for aceita teremos pelo menos quatro policiais presos, no lugar de dois bandidos no xadrez. Ou com tornozeleiras.

Mesmo nas esferas mais altas os sinais são ambíguos. O ministro Celso de Mello negou a prisão de condenados após julgamento em segunda instância. Negou em nome de um principio, o de que ninguém deve ser considerado culpado antes de a sentença transitar em julgado.

O problema é ver como esse princípio abstrato se aplica no Brasil de hoje. O Supremo Tribunal está congestionado. Muitas pessoas, com base nesse dado, empurram seus processos, na esperança da prescrição, da impunidade.

A Lava Jato avança num terreno instável, com as surpresas e os vaivéns na Justiça, com a retirada da urgência nos processos de corrupção. A retirada partiu do governo Temer. É a tática mais suave, melíflua, da cúpula do PMDB.

Exceto Cunha, ela jamais vai bater de frente. Jamais um dos seus ideólogos, se é que os tem, vai dizer que o juiz Sergio Moro foi treinado pelo FBI para entregar o pré-sal às “Seis Irmãs”, empresas de petróleo norte-americanas. Mesmo com um pouco mais de sutileza, o PMDB não se aguenta: seus principais líderes não escaparão da Lava Jato, embora os ritmos e meandros do foro privilegiado possam dar-lhes uma sobrevida.

Se as eleições de 2018 não se fizerem já com uma reforma política, certamente seu resultado servirá para impulsioná-la. Acabou uma fase da democracia no País. Com seus líderes e partidos, na maioria esmagadora, rejeitados pela sociedade, as eleições de 2018 abrem o caminho da renovação ou da aventura.

Tudo vai depender uma sociedade que cada vez sabe mais sobre o universo político. Sabe o bastante para desprezá-lo de vez. Ou tentar algo novo.

* FERNANDO GABEIRA É JORNALISTA

A importância de ter um teto - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 15/07

Interinidade tem custado caro ao governo, como bem evidenciam as muitas medidas na contramão do esforço de ajuste fiscal

Orecesso do Congresso, ao fim de um semestre especialmente tumultuado, dá ao país um momento de respiro para avaliar, com o realismo que se faz necessário, em que pé andam as coisas.

Sessenta dias após empossado, Michel Temer parece ter conseguido, afinal, com a escolha do novo presidente da Câmara, consolidar o amplo apoio parlamentar de que não poderá prescindir. E tem boas razões para comemorar o recrutamento de uma equipe econômica de excelente nível, que já lhe serviu para estender, em larga medida, o prazo normal de carência perante a opinião pública a que, nas circunstâncias, faria jus.

Como a tentativa de abreviar o processo de impeachment não teve êxito, o governo terá de esperar até o fim de agosto para deixar de ser interino. E a verdade é que a interinidade lhe tem custado caro, como bem evidenciam as muitas e custosas medidas na contramão do esforço requerido de ajuste fiscal a que, por insegurança, o Planalto tem preferido não se opor.

Em contraste com o que já se tornara hábito, a nova equipe econômica está empenhada em assegurar plena transparência na gestão das contas públicas. E, explicitada a real extensão do desequilíbrio fiscal, o que se vê é um quadro extremamente preocupante. Após ter anunciado uma meta de déficit primário de R$ 170 bilhões para 2016, o governo divulgou na semana passada que a meta para 2017 seria de R$ 139 bilhões. Mas para que o déficit possa ficar restrito a esse montante, o governo terá de gerar, no ano que vem, receitas extraordinárias, provenientes de privatizações, concessões e outorgas, de cerca de R$ 55 bilhões.

Fica claro, portanto, que o déficit primário recorrente com que o governo terá de lidar em 2017 é, de fato, da ordem de R$194 bilhões. Quase 3% do PIB! É esse o montante a ter em mente para aferir a magnitude do ajuste fiscal que terá de ser feito ao longo dos próximos anos. Para que a dívida pública, como proporção do PIB, deixe de crescer, e o controle sobre o endividamento público possa ser restabelecido, o déficit primário recorrente, de 3% do PIB, terá de ser convertido em um superávit primário de pelo menos 1,5% do PIB. O que exigirá um esforço de ajuste fiscal de 4,5% do PIB. Algo da ordem de R$ 300 bilhões.

Parte disso poderá advir do melhor desempenho da arrecadação que uma retomada moderada do crescimento propiciará. Mas, tendo em conta o vigor da resistência à elevação de impostos no país, o grosso do ajuste fiscal requerido terá de ser viabilizado por um esforço determinado e persistente de contenção de gastos.

A proposta de fixação de um teto para o dispêndio público, encaminhada ao Congresso, é um passo importante nesse sentido. Mas terá de ser complementada por um programa de reforma fiscal bem mais ambicioso, que proporcione à gestão do Orçamento a flexibilidade necessária para que o respeito ao teto possa ser assegurado da forma menos custosa possível.

A agenda desse programa de reforma fiscal vem sendo discutida há décadas. Além de mudanças nas regras de acesso a benefícios previdenciários e de medidas que possam conferir alguma margem de manobra à gestão da folha de pagamento, tal agenda terá de incluir desmantelamento, pelo menos parcial, do cipoal de regras de vinculação de receita e de indexação de dispêndio que têm agravado a rigidez de gastos no Orçamento.

Ainda não se sabe em que medida o governo Temer, no curto mandato que tem pela frente, conseguirá avançar nessa hercúlea agenda de reforma. Mas se, de fato, conseguir impor e manter o teto para o dispêndio público até o final do mandato, poderá engendrar um quadro de crescente desconforto com o atual regime fiscal, que tenderá a ser cada vez mais propício ao entendimento e ao avanço das reformas que se fazem necessárias.

A imposição de um teto para dispêndio a um Orçamento com tamanha rigidez do lado do gasto pode, afinal, dar ao Congresso inusitado senso de urgência na aprovação de medidas que possam atenuar essa rigidez.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

Cunha no corredor da morte - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 15/07

BRASÍLIA - Para quem se gabava de mandar e desmandar na Câmara, deve ter sido um baque e tanto. Com o mandato por um fio, o deputado Eduardo Cunha sofreu duas derrotas em apenas 12 horas. Fracassou na disputa pela presidência da Casa e não conseguiu usar a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) para melar seu processo de cassação.

O deputado-réu tentava anular outro revés, sofrido no Conselho de Ética. Em junho, depois de oito meses de manobras, o órgão conseguiu enfim aprovar o parecer que pede sua cassação por quebra de decoro. Cunha evocou uma série de miudezas para contestar o resultado. Entre outros detalhes, alegou que a votação deveria ter sido feita pelo sistema eletrônico, e não por chamada nominal.

A queixa atrasou o processo por mais um mês. Durante este período, o peemedebista acionou sua tropa de choque para alongar debates até o infinito, sempre com a intenção de adiar a votação do relatório. Contou com a ajuda do presidente da CCJ, Osmar Serraglio (PMDB-PR), que patrocinou manobras para protegê-lo. Em abril, o paranaense já havia declarado que o correntista suíço merecia uma "anistia" por ter comandado o processo de impeachment.

Apesar do empenho para se salvar, Cunha viveu nesta quinta (14) um dia de más notícias. Na madrugada, seu candidato à presidência da Câmara, Rogério Rosso (PSD-DF), foi massacrado por Rodrigo Maia (DEM-RJ). No início da tarde, a CCJ rejeitou o relatório que o favorecia por 48 votos a 12. Alguns de seus aliados mais antigos, como o notório Paulinho da Força (SD-SP), nem apareceram na sessão.

As duas derrotas empurraram o deputado-réu para o corredor da morte. Seu destino deve ser ir a plenário em agosto, depois de duas semanas de recesso branco. Ao deixar a CCJ, Cunha anunciou uma última cartada: vai recorrer ao Supremo para tentar parar o processo. É difícil que funcione. Nas últimas três vezes em que tentou a sorte no tribunal, ele perdeu por unanimidade.


Investir na infraestrutura - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 15/07

O governo Michel Temer não pode medir esforços para retomar, o mais breve possível, os investimentos em infraestrutura. Aliado de peso em qualquer projeto de crescimento econômico, o aporte de recursos na infraestrutura do país é fundamental para que a economia nacional volte a crescer em patamares minimamente razoáveis. O país só voltará a conviver com a movimentação de máquinas e equipamentos para a recuperação e melhoria de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, usinas geradoras de energia e tantos outros setores vitais para a economia quando a confiança dos investidores for restabelecida.

O investimento em infraestrutura sempre esteve entre as prioridades dos últimos governos - como a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que nunca atingiu as metas alardeadas pela propaganda oficial -, mas os recursos aplicados não passaram dos 3% do Produto Interno Bruto (PIB), quando a média mundial beira os 4%. Nas últimas duas décadas, o Brasil investiu, em média, 2,2% de seu PIB em infraestrutura. Para efeito de comparação, no mesmo período a China direcionou 8,5% e a Índia, 4,7%.

O compromisso com a reversão desse quadro foi explicitado pelo governo de Michel Temer, quando da criação de uma secretaria especialmente voltada para destravar os projetos de infraestrutura. Os desafios são enormes, pois o governo tem de trabalhar em cima de uma infraestrutura mais do que precária. Apenas 12% das rodovias brasileiras são pavimentadas, a maioria de má qualidade; a malha ferroviária é pequena e tem sérios problemas de logística; 50% da população não estão conectados à rede de esgoto; e 16% não contam com água tratada.

A mudança desse cenário desolador será uma tarefa bastante árdua, mas o país não pode se furtar a enfrentá-la. E tudo se complica ainda mais com a atual crise fiscal e política que atingiu o Brasil. Se no momento em que o país atravessava uma de suas melhores fases econômicas, quando a economia global apresentava crescimento vertiginoso, o percentual investido em infraestrutura não atingiu o nível desejado, agora tudo fica mais difícil.

A recuperação da confiança dos investidores é de primordial importância, pois o país não tem condições de resolver os graves gargalos do setor sem a colaboração de capital externo. Para que o programa de concessões em infraestrutura possa deslanchar - algo estimado em torno de R$ 200 bilhões -, será fundamental o restabelecimento da credibilidade do Brasil no mercado internacional. Só assim o Brasil retornará à rota do crescimento socioeconômico.


Uma chance para os políticos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 15/07


O fortalecimento político do governo interino de Michel Temer, o desprestígio de Eduardo Cunha que provocou o esvaziamento do Centrão e a confirmação do papel marginal a que o PT está relegado na cena política são as boas notícias que resultam da vitória de Rodrigo Maia na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, com 285 votos (55,6% do número total de deputados). Além disso, a votação recebida pelo democrata fluminense indica que, com engenho e determinação, ele poderá transformar seu mandato-tampão de seis meses e meio no primeiro passo decisivo para a recuperação plena do papel institucional da Câmara e da hoje extremamente desgastada imagem da chamada classe política.

No discurso em que apresentou sua candidatura, Rodrigo Maia fez uma percuciente crítica aos descaminhos que levaram a Câmara dos Deputados a abrir mão de sua função de gerar, debater e aprovar ideias que, transformadas em leis, cumprem a missão constitucional do Poder Legislativo. De fato, a tendência de o Legislativo manter com o Poder Executivo uma relação de dependência que nada mais é do que a consequência do patrimonialismo que atrasa a nossa vida pública se acentuou pesadamente a partir do momento em que Lula da Silva decidiu cooptar senadores e deputados na base do puro fisiologismo, com o objetivo de consolidar o projeto de poder do PT. A partir de então, a política brasileira não teve mais a oportunidade de contar com partidos orgânicos, sendo dominada por sócios majoritários do poder.

Como desdobramento dessa aberração, praticamente deixou de funcionar o princípio democrático e constitucional da relação de independência harmônica entre Executivo e Legislativo, passando este a funcionar quase que exclusivamente em função da vontade daquele. Para agravar a situação e aumentar a desmoralização do Parlamento, no comando da Câmara a partir de fevereiro do ano passado Eduardo Cunha impôs a seus pares a observância de uma agenda inspirada em seus próprios e nem sempre claros interesses.

O novo presidente da Câmara estará prestando um grande serviço ao País se der, a partir do diálogo e do respeito e também do estímulo às divergências, os primeiros passos em direção ao objetivo de livrar os deputados do garrote do autoritarismo externo e interno e transformar a Câmara num genuíno foro de ampla discussão dos problemas nacionais e da proposição de medidas para enfrentá-los.

De outra parte, o episódio da eleição na Câmara foi um importante teste para a capacidade de articulação política do governo interino. Formalmente determinado a não interferir numa questão interna da Câmara, Michel Temer teve a habilidade, no momento certo, de superar as hesitações registradas quando foi lançada a candidatura do peemedebista-filopetista-oportunista Marcelo Castro e articular com discrição e eficiência o esvaziamento da manobra engendrada por Lula para criar dificuldades para o Planalto.

Também o Centrão, que no auge do prestígio de seu inspirador, Eduardo Cunha, se gabava de dispor de mais de 220 votos de deputados de 12 legendas, teve de se conformar com menos da metade disso no primeiro turno e com a derrota final. Eduardo Cunha, assim, colecionou derrotas que sepultam definitivamente sua nefasta influência sobre seus pares.

Outra boa notícia a ser comemorada com o resultado da eleição do novo presidente da Câmara é a impotência do lulopetismo na hora de se colocar com um mínimo de competitividade numa disputa de votos na Casa de representação do povo brasileiro. Lula da Silva, que teve imerecida fama como estrategista político, tentou articular uma candidatura não petista e anti-Temer e deu com os burros n’água. O número de votos obtidos por Marcelo Castro no primeiro turno, 70, foi inferior ao número de deputados que compõem as bancadas dos aliados PT e PDT, 77, que não lançaram candidatos e supostamente apoiariam o candidato de Lula. Também deste parece que cada vez menos gente sente saudades.