domingo, agosto 28, 2011

MARIA TEREZA SADEK - Um conselho que incomoda muita gente




Um conselho que incomoda muita gente
MARIA TEREZA SADEK
FOLHA DE SP - 28/08/11

O Conselho Nacional de Justiça incomoda e precisa de nossa proteção para que não seja transformado em mais um órgão burocrático e ineficiente

Após um longo debate e uma série de propostas, a reforma do PoderJudiciário aprovada em 2004 foi uma resposta à crise da Justiça. O remédio encontrado para afastar os tumores sem matar o corpo foi a criação de um sistema nacional de controle, denominado Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Essa solução está hoje ameaçada por propostas que pretendem acabar com o papel de fiscalização e investigação exercido pelo CNJ. Há quem pretenda subverter, por meio de um exercício interpretativo no mínimo controverso, uma das principais reformas aprovadas em nossa Constituição.
Órgão ainda jovem, a partir de 2008, por iniciativa do então ministro corregedor-geral Gilson Dipp, o conselho começou a realizar inspeções e audiências públicas em diversas unidades do Judiciário, tornando transparente aos olhos da opinião pública o que gerava odor podre em um corpo que necessita ser saudável tanto para a consolidação do regime democrático como para o fortalecimento dos direitos individuais e coletivos.
Ao assumir a Corregedoria Nacional de Justiça em setembro de 2010, em postura pouco comum aos nossos administradores, a ministraEliana Calmon não só manteve a política de transparência de seu antecessor como ainda procurou aprimorá-la por meio de parcerias com Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), tribunais de contas e outros órgãos de controle.
A fiscalização, assim, foi se mostrando cada vez mais eficiente e, por isso mesmo, mais incômoda.
Um conselho assim incomoda e muito, sobretudo os interesses corporativos, que, relembremos, não convenceram o Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI nº 3.367-1, que afirmou a constitucionalidade do CNJ, registrando, inclusive, no voto condutor, a inoperância de muitas das corregedorias locais, o que todos já sabíamos.
Perplexos com a faxina levada a efeito pela Corregedoria Nacional deJustiça, os interesses contrariados reabrem a discussão do tema, tentando a todo custo fazer prevalecer o entendimento de que o CNJ só pode punir juiz corrupto após o julgamento do tribunal local.
Era assim no passado, e o Poder Judiciário foi exposto a uma investigação no Parlamento exatamente porque não fez esse dever de casa, e nada nos garante que o fará sem a atuação firme e autônoma doCNJ.
Nesse momento, a vigilância é mais do que sinal de prudência. É imperiosa e sobressai como dever de todos os que aceitam o desafio de aprimorar a Justiça. Políticas voltadas ao combate à impunidade se deparam com resistências.
Não por acaso são criados fatos e elaboradas teses capazes de ludibriar os inocentes e provocar retrocessos que causarão prejuízos irreparáveis ao Brasil.
Um conselho criado justamente porque os meios de controle existentes até a década passada eram ineficazes e parciais não pode ter a sua atuação condicionada ao prévio esgotamento dos meios de que os tribunais há muito tempo dispõem e que, na prática, pouco ou nunca utilizaram para corrigir os desvios de seus integrantes.
A tese de que a competência do CNJ é subsidiária, e, assim, somente pode ser exercida após a constatação de que os tribunais de origem foram inertes ou parciais, interessa tão somente àqueles que depositam suas fichas no jogo do tempo, da prescrição e do esquecimento.
O CNJ incomoda e precisa de nossa proteção para não ser transformado em mais um órgão burocrático e ineficiente.
MARIA TEREZA SADEK, doutora em ciência política, é professora do Departamento de Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.

CAETANO VELOSO - Papo furado



 Papo furado
CAETANO VELOSO
O GLOBO - 28/08/11

Sou de uma geração politizada, ativista. Eu próprio desejava me despolitizar


O mundo acabou. Kadafi (que o “New York Times” e a “Folha de S. Paulo” chamam de Gaddafi) caiu mas não saiu. Dilma explica que a faxina é acabar com a fome. Sarkozy faz o que os americanos nem podem admitir que se diga. No entanto, nada é tão fácil. O laissez-faire ianque e o bem-estar social europeu são dois lados da democracia liberal que pifaram igualmente. Marx, como Lobão, tem razão — dizem os não marxistas notórios. Leio no livro de Alex Ross sobre a música no século XX que “no dia 16 de janeiro de 1940 Stalin assinou 346 sentenças de morte — a de Meyerhold e a de Bábel estavam entre elas”. Stalin tinha razão — e Hitler também — contra o bolchevismo cultural e a arte degenerada. Para que serve toda a política estilística que heróis enraivados como Pierre Boulez tocaram? Nada sabemos.

Temos de começar pela admissão de que não temos chão firme sob os pés. Borrões e ruídos, frieza matemática e silêncios medidos, caos expressivo que sugira alguma ordem e expressões de extrema ordem que intensifiquem o caos — para que serve tudo isso? Bem, leio Alex Ross e Aline Barros. Moreno me deu a autobiografia dela. A música ruidista ou ultraformalizada prefigurou o mundo da Guerra, da Guerra Fria e do pós-Guerra Fria. E o rock, que não está ausente do canto de Aline, como o gospel não faltou na invenção do rock. Como mudaremos agora? Quão longa será a travessia?

Esse papo furado todo veio na esteira da finalização do disco de Gal: uma vez ouvida a cópia masterizada, comecei a querer fazer outra coisa, imaginar melodias, frases, opiniões (sou do tempo em que canções queriam também emitir opiniões). Saio do confinamento em estúdios e tenho tempo de olhar para o mundo antes de ir me deitar para dormir. (Da cama, olho-o sempre — com o olho fechado e assustado de quem se deita na noite, mesmo que já seja de manhã; mas agora, sem estúdio, vejo filmes, converso, releio jornais.) Ouço música. O disco “Chico”, ouvi enquanto gravava Gal. Mas o vivenciei mesmo depois que parei de trabalhar. Ouço Zé Miguel. Tudo veio na enxurrada que começou com a composição não planejada de uma canção que penso em tocar com a BandaCê. Nasceu Nino, o filho de Pedro Sá, e as saudades da banda aumentaram. Não tive tempo ainda de ir conhecer o filho desse meu filho emprestado. Esse neto emprestado que tem um dos nomes do meu filho mais velho. Há muita coisa bonita nesse mundo — e para poder saber disso precisamos dos barulhos e silêncios insolentes da música do século passado, das manchas informes e dos traços geométricos das pinturas que antecederam os becos-sem-saída dos museus e galerias — e também das ruas e pradarias dos países em aparente dissolução.

Sinto alegria em ver as fotos dos rebeldes árabes. E dos espanhóis. E mesmo dos ingleses que finalmente desmentem a letra dos Rolling Stones que dizia “na sonolenta Londres não há lugar para guerreiros de rua”. Era Mick Jagger com nostalgia do que se passava do outro lado do Canal da Mancha (que só os britânicos chamam de “Canal Britânico”). A entrevista de Pedro Almodóvar (que é da Mancha) ao jornal “El País” me fez sentir a alegria como sinal dos tempos. Sou de uma geração politizada, ativista. Eu próprio desejava me despolitizar, explicar aos outros que nem tudo é política. Mas sentia que naquele tempo das passeatas brasileiras, do maio francês, das demonstrações americanas contra a Guerra do Vietnã, da guarda vermelha de Mao Tsé-tung tinha como que um anjo bem torto dando o tom das atitudes humanas sobre a Terra. O afastamento desse anjo deixou uma saudade que diz que é triste um cotidiano sem desejo de transcendência. Os jovens líbios e espanhóis, ingleses e sírios, egípcios e tunisianos vistos em fotos de jornal trazem de volta uma alegria muito específica. Um novo anjo passa pelo mundo. Quero paz e segurança para o filho de Pedro (me identifico mais com Claire do que com Justine quanto a isso — para voltar ao estranhamente agradável filme de Von Trier) — e sei que ambições políticas vividas coletivamente podem trazer desconforto. Mas sou da fuzarca. Este mundo é um pandeiro. Em 1968 eu gostava de Marighella. Lamentei não ter podido participar do filme sobre ele: quase contribuí com apoio logístico para a luta armada (nunca contei isso de
público e, como fui preso sem que os milicos tivessem nada contra mim — esse esboço de participação era um segredo entre mim e Lurdinha, minha valente e íntegra colega de faculdade que, como eu, preferira a dissidência de Marighella à sensatez soviética do PCzão —, não quis dar a meus algozes o gosto de confirmar que eles tinham algum motivo justificável para me prender) e, quando a revista “Manchete” publicou capa em que Gil e eu aparecíamos sorrindo no exílio londrino sob a foto de Marighella alvejado, escrevi texto para o “Pasquim” dizendo “Gil e eu estamos mortos. Ele está mais vivo do que nós”.

Ninguém entendeu meu texto na época. Ouviram o nome de Marighella numa gravação em que ele não fora pronunciado, mas não captaram o óbvio explicitado nna crônica do “ Pasquim ”. Estar no exílio é também perder a noção de como funcionam as cabeças das pessoas que ficaram dentro do país.

É inevitável a alegria que se nutre até dos atos do Tea Party (por que não, se tivemos alegria com a Guarda
Vermelha?). O que estamos preparando? O Quinto Império de Vieira? O Reino do Espírito Santo superando o do Filho? O mundo acabou. Salvemos o mundo.

O Poderoso Chefão - REVISTA VEJA


O Poderoso Chefão 
REVISTA VEJA

O ex-ministro José Dirceu mantém um “gabinete” num hotel de Brasília, onde despacha com graúdos da República e conspira contra o governo da presidente Dilma
Há muitas histórias em torno das atividades do ex-ministro José Dirceu. Veja revela a verdade sobre uma delas: mesmo com os direitos políticos cassados, sob ameaça de ir para a cadeia por corrupção, o chefe da quadrilha do mensalão continua o todo-poderoso comandante do PT. Dirceu é um homem de negócios, mas continua a ser o homem do partido.
O “ministro”, como ainda é tratado em tom solene pelos correligionários, mantém um “gabinete” num hotel de Brasília, onde despacha com senadores, deputados, o presidente da maior estatal do país e até ministro de estado — reuniões que acontecem em horário de expediente, como se ali fosse uma repartição pública.
E agora com um ingrediente ainda mais complicador: ele usa o poder e toda a influência que ainda detém no PT para conspirar contra o governo Dilma — e a presidente sabe disso.
O que leva personagens importantes e respeitáveis, como os que aparecem nas imagens que ilustram esta reportagem, a deixar seu local de trabalho para se reunir em um quarto de hotel com o homem acusado de chefiar uma quadrilha responsável pelo maior esquema de corrupção da história do Brasil? Alguns deles apresentam seus motivos: amizade, articulações políticas, análise econômica, às vezes até o simples acaso. Há quem nem sequer se lembre do encontro.
Outros preferem não explicar. Depois de viver na clandestinidade durante parte do regime militar, o ex-ministro José Dirceu se tornou habitué dos holofotes com a redemocratização do país. Foi fundador e presidente do PT, elegeu-se três vezes deputado federal e comandou a estratégia que resultou na eleição de Lula para a Presidência da República. Como recompensa, foi alçado ao posto de ministro-chefe da Casa Civil.
Foi um período de ouro para ele. Dirceu comandava as articulações no Congresso, negociava indicações de ministros para tribunais superiores, decidia o preenchimento de cargos e influenciava os mais apetitosos nacos da administração federal, como estatais, bancos públicos e fundos de pensão. Dirceu se jactava da condição de “primeiro-ministro” e alimentava o próprio mito de homem poderoso.
Sua glória durou até que ele fosse abatido pelo escândalo do mensalão, em 2005, quando se descobriu que chefiava também um bando de vigaristas que assaltava os cofres públicos.
Desde então, tudo em que Dirceu se envolve é sempre enevoado por suspeitas. Oficialmente, ele ganha a vida como um bem-sucedido consultor de empresas instalado em São Paulo. Mas é em Brasília, na mais absoluta clandestinidade outra vez, que ele continua a exercer o seu principal talento.
A 3 quilômetros do Palácio do Planalto, Dirceu mostra que suas garras estão afiadas. Ainda é chamado de “ministro”, mantém um concorrido gabinete num quarto de hotel, tem carro à disposição, motorista, secretário e, mais impressionante, sua agenda está sempre recheada de audiências com próceres da República — ministros, senadores e deputados.
As autoridades é que vão a José Dirceu. Essa inversão de papéis poderia se explicar por uma natural demonstração de respeito pelos tempos em que ele era governo. Não é. É uma efetiva demonstração de que o chefão ainda é poderoso.
Dirceu tenta recuperar o prestígio político que tinha no governo Lula, usando como arma muitos aliados que ainda lhe beijam o rosto. Convoca-os como soldados, quando necessário, numa tentativa de pressionar a presidente Dilma a atender a suas demandas. Ou torná-la refém por meio da pressão dos partidos.
Esse trabalho de guerrilha — e, em alguns momentos, de evidente conspiração — chegou ao paroxismo durante a crise que resultou na queda de Antonio Palocci da Casa Civil.
Naquela ocasião, início de junho, Dirceu despachou diretamente de seu bunker instalado na área vip de um hotel cinco-estrelas de Brasília, num andar onde o acesso é restrito a hóspedes e pessoas autorizadas. Foram 45 horas de reuniões que sacramentaram a derrocada de Antonio Palocci e durante as quais foi articulada uma frustrada tentativa do grupo do ex-ministro de ocupar os espaços que se abririam com a demissão.
Articulação minuciosamente monitorada pelo Palácio do Planalto, que já havia captado sinais de uma conspiração de Dirceu e do seu grupo para influir nos acontecimentos que ocorriam naquela semana — acontecimentos que, descobre-se agora, contavam com a participação de figuras do próprio governo.
Em 8 de junho, numa quarta-feira, Dirceu recebeu no hotel a visita do ministro do Desenvolvimento, o petista Fernando Pimentel. Conversaram por 28 minutos. Sobre o quê? Pimentel diz não se lembrar da pauta nem de quem partiu a iniciativa do encontro. Admite, no entanto, falar com frequência com o ex-ministro sobre o contexto brasileiro.
É uma estranha aproximação, mas que encontra explicação na lógica que une e separa certos políticos de acordo com o interesse do momento. Próximo a Dilma desde quando era estudante, Pimentel defendeu, durante a campanha, a ideia de que a então candidata do PT se afastasse ao máximo de Dirceu.
Pimentel e Dirceu estavam em campos opostos. Naquela ocasião, o atual ministro do Desenvolvimento nutria o sonho de se tornar o futuro chefe da Casa Civil.
Perdeu a chance depois de Veja revelar que funcionários contratados por ele para trabalhar na campanha montaram um grupo de inteligência cujas tarefas envolviam, entre outras coisas, espionar e fabricar dossiês contra 
os adversários, principalmente o concorrente do PSDB à Presidência, José Serra.
No novo governo, Pimentel foi preterido na Casa Civil em favor de Palocci. O mesmo Palocci que, no primeiro mandato de Lula, disputava com Dirceu o status de homem forte do governo e de candidato natural à Presidência da República.
Um cacique petista tenta explicar a união recente de Pimentel com José Dirceu: “No PT, é comum adversários num determinado instante se aliarem mais à frente para atingir um objetivo comum. Isso ocorre quando há uma conjução de interesses.”
Será que Pimentel queria se vingar de Palocci, a quem considerava um rival dentro do governo?
Dois dias antes, na segunda-feira, Dirceu esteve com José Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras. Gabrielli enfrenta um processo de fritura desde o fim do governo Lula. A presidente Dilma não cultiva nenhuma simpatia por ele. Palocci pretendia tirar Gabrielli do comando da estatal.
Gabrielli precisava — e precisa — do apoio, sobretudo do PT, para se manter no cargo. Dirceu é consultor de empresas do setor de petróleo e gás. Precisa manter-se bem informado no ramo para fazer dinheiro. É o famoso encontro da fome com a vontade de comer — ou conjunção de interesses.
O presidente da Petrobras, que trabalha no Rio de Janeiro, chegou à suíte ocupada pelo ex-ministro da Casa Civil, no 16º andar do hotel, ciceroneado por um ajudante de ordens. Permaneceu lá exatos trinta minutos. Ao sair, o presidente da Petrobras, que chegou ao quarto de mãos vazias, carregava alguns papeis consigo.
Perguntado sobre a visita, Gabrielli limitou-se a desconversar: “Sou amigo dele há muito tempo, e não tenho que comentar isso com ninguém”.
Naquela noite de segunda-feira, a demissão de Palocci já estava definida. O ministro não havia conseguido explicar a incrível fortuna que acumulou em alguns meses prestando serviços de consultoria — a mesma atividade de Dirceu.
Na terça-feira, horas antes da demissão de Palocci, Dirceu recebeu para uma conversa de 54 minutos três senadores do PT: Delcídio Amaral, Walter Pinheiro e Lindbergh Farias. Esse último conta que foi ele quem pediu a
audiência.
Qual assunto? Falaram do furacão que assomava à porta da Casa Civil. “O ministro Dirceu nunca falou um ‘ai’ contra o Palocci. Pelo contrário, sempre tentou resolver a crise com a ajuda da nossa bancada”, garante Farias.
De fato, a bancada foi decisiva — mas para sepultar de vez a tentativa de Palocci de salvar a própria pele. Logo após o encontro com Dirceu, os três senadores foram a uma reunião da bancada do PT e recusaram-se a assinar uma nota em defesa do então ministro-chefe da Casa Civil. Alegaram que a proposta não havia sido combinada com o Planalto.
Existiam outros motivos para a falta de entusiasmo: o trio também estava insatisfeito com Palocci. Delcídio reclamava do fato de não conseguir emplacar aliados em representações de órgãos federais em Mato Grosso do 
Sul, seu estado natal e berço político. “Num momento tenso como aquele, fui conversar com alguém que está sempre bem informado sobre os acontecimentos”, explicou Delcídio sobre o encontro com o poderoso chefão.
Pinheiro estava contrariado com a demissão de um petista do comando da Polícia Rodoviária Federal na Bahia. “O encontro foi para fornecer material para que ele publicasse um artigo sobre o projeto de lei que trata da produção audiovisual no país”, disse ele.
Lindbergh Farias, por seu turno, ainda digeria as tentativas fracassadas de ser recebido por Palocci. No fim da tarde de terça-feira, o ministro-chefe da Casa Civil entregou sua carta de demissão. E teve início a disputa pela sua sucessão.
Quando Gleisi Hoffmann já havia sido anunciada como substituta de Palocci, no mesmo dia 7 de junho, Dirceu recebeu o deputado petista Devanir Ribeiro. Foram 25 minutos de conversa. Já era sabido que, no rastro da saída de Palocci, Luiz Sérgio, um aliado de Dirceu, deixaria o ministério das Relações Institucionais.
Estava deflagrada a campanha para sucedê-lo — e Dirceu queria emplacar no cargo o deputado Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara.
Procurado por Veja, Devanir, que é compadre do presidente Lula, negou que tivesse ido ao hotel conversar com Dirceu. Um lapso de memória, como deixa claro a imagem nesta reportagem. “Faz muito tempo que eu não o vejo.”
Na quarta-feira, 8 de junho, pela manhã, as articulações de Dirceu continuaram a pleno vapor. Ele recebeu o próprio Vacarezza. Durante 25 minutos, trataram, segundo o líder, do congresso do PT que será realizado em setembro.
“Converso com o Dirceu com regularidade. Como o caso do Palocci era palpitante, é possível que tenha sido abordado, mas não foi o tema central”, afirma o deputado — que, no início do governo Dilma, chegou a dar entrevistas como o futuro presidente da Câmara, mas acabou convencido a desistir de disputar o cargo por ter perdido apoio dentro do PT.
A agenda do chefão não se limita aos companheiros de partido. Duas horas depois do encontro com Vacarezza, foi a vez de o senador peemedebista Eduardo Braga adentrar o hotel.
Segundo o parlamentar, ele e Dirceu se encontraram por obra do acaso, no lobby, uma coincidência. O senador conta que aproveitou a coincidência para auscultar os ânimos do PT sobre o projeto do novo Código Florestal: “Queria saber como o PT se posicionaria. Ninguém pode negar que a máquina partidária petista foi arquitetada e construída pelo Dirceu. Ele respira o partido”.
O PMDB também respira poder. Com o apoio de Dirceu, peemedebistas e petistas fecharam um acordo para pressionar o Planalto a indicar Vacarezza ao cargo de ministro de Relações Institucionais no lugar de Luiz Sérgio. A substituição nessa pasta foi realizada três dias depois da queda de Palocci.
Informada do plano de Dirceu, a presidente Dilma desmontou-o ao nomear para o cargo a ex-senadora Ideli Salvatti. A presidente já havia sido advertida por assessores do perigo de delegar poderes a companheiros que orbitam em torno de Dirceu.
Mas Dilma também conhece bem os caminhos da guerrilha política. Chamada de “minha camarada de armas” por ele quando lhe foi passado o comando da Casa Civil, em 2005, a presidente não perde de vista os passos do chefão. Como? Pedindo a algumas autoridades que visitam Dirceu em Brasília informações sobre suas ambições.
“A Dilma e o PT, principalmente o PT afinado com o Dirceu, vivem uma relação de amor e ódio. Mas hoje você não pode imaginar um rompimento entre eles”, diz um interlocutor de confiança da presidente e do ex-ministro.
E amanhã? Se Dilma se consolidar como uma presidente popular e, mais perigoso, um entrave a um novo mandato de Lula, o tal rompimento entra no campo das possibilidades. “Nunca a turma do PT foi tão lulista como hoje. Imagine em 2014”, afirma um cardeal do partido. Ele é mais um, como Dirceu, insatisfeito com o fato de a legenda não ter conseguido, como previra o ex-ministro, impor-se à presidente da República.
Dilma está resistindo bem. Uma faxina menos visível é a que ela está fazendo nos bancos públicos. Aos poucos, vem substituindo camaradas ligados a Dirceu por gente de sua confiança. E o chefão não está nada contente com isso. Tanto que tem alimentado o noticiário com denúncias contra pessoas muito próximas à presidente, naquele tipo de patriotismo interessado que lhe é peculiar.
Procurado por Veja, Dirceu não respondeu às perguntas que lhe foram feitas. A suíte reservada permanentemente ao “ministro” custa 500 reais a diária. Para chegar de elevador, é preciso um cartão de acesso especial. Cada quarto do andar recebe uma única cópia.
Qualquer visita ao “ministro”, portanto, tem de ser conduzida ao andar. Esse trabalho de cicerone é feito por Alexandre Simas de Oliveira, um cabo da Aeronáutica, que foi assessor de Dirceu na Câmara dos Deputados até ele ter o mandato cassado.
Hoje, o cicerone é empregado do escritório de advocacia Tessele & Madalena, que tem como um dos donos outro ex-assessor de Dirceu, o advogado Hélio Madalena. O advogado já foi flagrado uma vez de caso com a máfia — a russa. Escutas feitas pela Polícia Federal mostraram que, na condição de assessor da Casa Civil, ele fazia lobby para conceder asilo político no Brasil ao magnata russo Boris Berezovski (mafioso acusado de corrupção e assassinato).
E Madalena foi flagrado outra vez na semana passada. É o seu escritório que paga a fatura do “gabinete” de José Dirceu. Na última quinta-feira, depois de ser indagado sobre o caso, Madalena instou a segurança do hotel Naoum a procurar uma delegacia de polícia para acusar o repórter de Veja de ter tentado invadir o apartamento que seu escritório aluga e, gentilmente, cede como “ocupação residencial” a José Dirceu.
O jornalista esteve mesmo no hotel, investigando, tentando descobrir que atração é essa que um homem acusado de chefiar uma quadrilha de vigaristas ainda exerce sobre tantas autoridades. Tentando descobrir por que o nome dele não consta da relação de hóspedes. Tentando descobrir por que uma empresa de advocacia paga a fatura de sua misteriosa “residência” em Brasília.
Enfim, tentando mostrar a verdade sobre as atividades de um personagem que age sempre na sombra. E conseguiu. Mas a máfia não perdoa.

J. R. GUZZO - Paixão oficial

Paixão oficial
J. R. GUZZO
Revista Veja

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LYA LUFT - Arrumar sótãos e porões

Arrumar sótãos e porões
LYA LUFT
Revista Veja

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CELSO MING - A poupança não ajuda


A poupança não ajuda
CELSO MING
ESTADÃO - 28/08/11
Aceitem a realidade. A esse passo, o Brasil não crescerá, na média, mais do que 4% ao ano. É o recado que o economista Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real, passou na quinta-feira, em debate entre os membros da equipe econômica do governo FHC, no Instituto Fernando Henrique Cardoso.

Alguém na plateia opinou que o grande limitador é faltar uma oposição vigorosa. Fernando Henrique replicou: antes de se opor, é preciso entender.

Não há só um limitador do crescimento. O mais óbvio é a insuficiência de investimentos. Para cada unidade de capital, a economia gera 5 unidades de PIB (renda do País em um ano).Fora isso, caiu a produtividade do capital que o País tinha antes dos anos 60, explica Bacha. E o investimento ficou mais caro, porque a política de substituição de importações exige máquinas e condições nacionais de custo mais alto.

Como o investimento exige recursos, chega-se ao ponto de estrangulamento seguinte: o baixo nível de poupança do brasileiro, que mal chega a 17% do PIB. Apenas para comparar: o chinês poupa 51% de sua renda e os demais da Ásia oscilam entre 30%e 35% do PIB.

Pior ainda: a poupança do brasileiro está menor, adverte Bacha. No início dos anos 70, a poupança interna (18,6%) somada à externa (2,7%) alcançava 21,3% do PIB. Em 2010, esses números eram, respectivamente, 16,6% e 2,7%, e a poupança, 19,3% do PIB.

O economista André Lara Rezende vê o baixo nível de poupança no Brasil não só como um dos principais fatores de alta dos juros, mas também como responsável pela inflação no passado. Explicando melhor: sem uma poupança garantidora do investimento, o governo apelou e subiu os preços, o que tirou renda do trabalhador e das classes médias - uma espécie de imposto disfarçado. Esse arranjo funcionou de modo inverso. Normalmente, a primeira vítima da inflação é o setor público(governo), à medida que a arrecadação de impostos sempre vem depois das operações de compra e venda e, enquanto isso, corrói as finanças públicas. Mas o governo se defendeu com a correção monetária, mais eficaz na defesa dos seus interesses do que na do trabalhador. Assim, apropriou-se de recursos para garantir o investimento em infraestrutura. E esse sistema deu o que tinha de dar, até que ficou altamente disfuncional.

Outro criador do Plano Real e ex-presidente do Banco Central, o economista Pérsio Arida também bateu seu bumbo na precariedade da poupança. Os governos trataram de suprir isso com a criação de poupanças compulsórias, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Um problema é a baixa remuneração desses recursos. Na prática, tiram patrimônio do trabalhador e são canalizados para atividades empresariais nem sempre bem geridas. É o caso do FGTS. São recursos empregados em programas de infraestrutura e saneamento urbano, quase sempre, carregados com sobrepreços e corrupção.

E o patrimônio do FAT é despejado em projetos de investimento escolhidos com critérios políticos pelo BNDES.

Arida entende que essa poupança compulsória deva ser transformada em fundos de pensão, cuj aadministração sejade livre escolha do trabalhador.

A questão central é ninguém, até agora, apontar uma solução para o baixo nívelde poupança no Brasil. Podem-se melhorar os mecanismos hoje disponíveis, mas ainda é preciso mais fontes de investimento.

CONFIRA

E o pré-sal?

Entre quinta e sexta-feira aconteceram dois importantes debates sobre o futuro da economia brasileira.

Na quinta-feira, os pesos pesados da equipe econômica do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso discutiram os atuais dilemas para o futuro. E na sextafeira, economistas da área financeira examinaram as possíveis saídas para a crise. Surpreendentemente, em nenhum momento foi examinado o impacto da produção de petróleo a partir dos novos campos do pré-sal, tanto pela Petrobrás como pelas demais empresas do setor petrolífero.

Vai dar conta?

O economista-chefe do Grupo Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central, é um tanto cético a respeito da capacidade futura da Petrobrás de cumprir as metas de investimento e produção a que se propôs. Para o economista, antes de examinar o impacto da produção futura de petróleo, é preciso ainda saber se a empresa conseguirá dar conta do recado.

JOSÉ SIMÃO - Ueba! Festa do Bujão de Barretos!

Ueba! Festa do Bujão de Barretos!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 28/08/11

Ueba! Gretchen vai dançar a Conga la Conga pro Obama. Que tá precisando de fundos mesmo. Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E a piada pronta da Líbia: "Jornalistas libertados foram transferidos para o Hotel CORINTHIA". Então continuaram presos. Rarará!
Foram transferidos pro Itaquerão. Colchonete cinco estrelas. E logo depois, li mais esta: "Hotel Corinthia é palco de tiroteio". Rarará!
E a melhor jogadora de futebol da Espanha se chama Vera Boquete. Já imaginou o Galvão transmitindo?
"Boquete, pode, Arnaldo?" E adorei a lista das mulheres mais poderosas da revista "Forbes"! 1) Angela Merkel; 2) Hillary Clinton; 3) Dilma Rousseff; 60) Gisele Bündchen. Agora bota elas peladas e refaz a lista. Classifiquem de novo. Rarará!
E esta: "Ministério da Saúde adverte: logo mais ficaremos sem ministro também". Rarará! E o filho do Neymar devia se chamar Gansinho. O Ganso assiste ao parto, tira foto com o bebê! E o filho do Neymar quando nasceu, não chorou, pediu falta! E o Sensacionalista: "Filho do Neymar faz dez embaixadinhas no teste do pezinho".
E essa foi a semana do Gaddafi. Ops, Kagadafi. Kagadafi Fashion Week. Quem vai querer ficar com aqueles caftans exóticos do Gaddafi? A Alcione deu o primeiro lance. Eu quero todos. E um leitor quer ficar com "aquele harém de loiras ucranianas". E eu quero aquele banco dourado em forma de sereia com a cara da filha do ditador. Ditadura kitsch! E o chargista Dalcio revela que o Sarney lançou novo livro: "Helicópteros de Fogo". E agora no Brasil tem dois tipos de piada: aquela que termina com o Sarney e aquela que começa com o Sarney!
E esta: "Gretchen encerra a carreira e se muda pros Estados Unidos". Ueba! Vai dançar a Conga la Conga pro Obama. Que tá precisando de fundos mesmo. Gretchen doa fundos pro Obama. E encerrou a carreira.
Pendurou a bunda. Rarará!
E Palestina e Israel? Toda vez que tem ameaça de paz, eles saem brigando. É muita guerra, viu! Como dizia o filósofo Bronco Ronald Golias: a civilização não se comportou! E o site Mano Urbano lançou uma nova versão da Festa de Barretos. Para obesos e barangas: Festa do Bujão de Barretos. Um obeso montando uma baranga! E aquela médica especializada na medicina do sono: Boêmia Helena! E tem uma engenheira portuguesa que se chama Sonia Cristina Pinto Arrepia. Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza.
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

SUELY CALDAS - As voltas que o mundo dá


As voltas que o mundo dá
SUELY CALDAS
O ESTADÃO - 28/08/11
Enquanto o Partido Republicano dos Estados Unidos rejeita proposta do presidente Barak Obama de elevar impostos dos americanos ricos, 16 multimilionários franceses assinam documento pedindo para pagar mais imposto. Pedido prontamente atendido, no dia seguinte o presidente Nicolas Sarkozy instituiu uma taxa temporária de 3% sobre a renda dos franceses que ganham acima de 500 mil por ano. A crise econômica segue, desafia os ricos, testa reações e condutas pessoais.

É claro que os milionários franceses olham por suas empresas, querem evitar que elas mergulhem com o país num possível rebaixamento da nota de risco.

Mas deram sua parte, estão tirando do bolso. Os americanos nem se mexeram e viram a Standard & Poor"s (S&P) rebaixar o rating dos Estados Unidos. Outras agências de risco não seguiram a S&P e três semanas depois seu presidente, Deven Sharma, demitiu-se do cargo. Na quinta-feira a Standard & Poor"s melhorou a classificação do Brasil.

Neste emaranhado de situações inusitadas e inesperadas desta crise, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luis Alberto Moreno, fez um paralelo entre o que viveu a América Latina nos anos 80 e o que enfrentam hoje Estados Unidos e Europa. Ele aconselhou os países ricos a aprenderem com os latino-americanos como fazer gestão econômica em momentos de crise.

"Nos últimos 25 anos ocorreram 31 crises financeiras. A capacidade de gestão e decisão dos países da América Latina é mais forte do que a de países desenvolvidos", lembrou Moreno, em passagem recente por São Paulo. Com essa enxurrada de crises em tempo tão curto, os latino-americanos aprenderam a diagnosticar seus males - a inflação foi o maior deles, mas havia muito mais - e o que fazer para atacá-los. E acumularam experiência suficiente para ensinar.

Atualmente a situação é outra. Na década de 1980, na confortável posição de credores, os países ricos pressionaram os latino-americanos a puxarem o freio da economia, a suprimir gastos sociais, gerar desemprego, cortar salários, a multiplicar dramas humanos. Hoje eles padecem de problemas em que somos diplomados - elevado endividamento e desequilíbrio fiscal -, mas não somos nós os credores nem somos nós a pressioná-los.

E como a América Latina corrigiu seus erros?

Vejamos o caso do Brasil. Entre uma e outra das 31 crises citadas por Luis Alberto Moreno, enfrentamos os amargos efeitos de duas moratórias - em 1982 e 1987. O País ficou sem crédito, mergulhou na recessão e no desemprego, a inflação disparou e os governos Figueiredo, Sarney e Collor recorreram a cinco planos de estabilização, todos fracassados.

Os países credores (europeus, Estados Unidos e Japão) pressionavam o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passou a vigiar com lupa a economia brasileira a cada três meses, quando aqui aportavam seus técnicos. O FMI condicionava empréstimos a contrapartidas duras na área fiscal. O Brasil e sua população sofreram e empobreceram. Foi a chamada década perdida.

No final da década de 1980, o Plano Brady reestruturou a dívida e ajudou o Brasil a recuperar o crédito externo. Mas os crônicos déficits orçamentários persistiam: os governos continuavam gastando muito, o buraco fiscal aumentava e a inflação disparava. Sarney entregou o País a Collor com uma hiperinflação de 86% ao mês e 2.750% ao ano. Em dois anos Collor fez dois planos de estabilização - dois fiascos.

Para reorganizar a economia era preciso acabar com a inflação. O Plano Real cumpriu esse papel, a inflação veio abaixo e os brasileiros passaram a se orgulhar de sua moeda, antes desmoralizada e sem valor. A partir daí os governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso iniciaram uma saraivada de mudanças no arcabouço de leis para modernizar a economia e recuperaram o que foi destroçado na década perdida. FHC privatizou bancos e empresas estatais que sangravam os cofres públicos e criou leis e regras que obrigaram governadores e prefeitos a adequar seus gastos à receita. Estrutura econômica modernizada e mais bem organizada, o investimento privado deslanchou, gerando renda, empregos e receita tributária.

Mas FHC continuou gastando mais do que arrecadava e o déficit fiscal crescia. Só depois da crise da Rússia, em 1998, o governo passou a perseguir o equilíbrio com um programa consistente de redução de despesas. Mas as crises que vinham de fora atrapalhavam e as reservas cambiais eram insuficientes para enfrentá-las.

Em outubro de 1998, o Brasil recorreu ao FMI. Era tudo o que a equipe econômica de FHC não queria, mas não conseguiu evitar. Novamente, o País ficava sob o jugo do FMI, como na década de 1980. Por duas vezes - em 1999 e 2002 - o Plano Real esteve ameaçado, mas sobreviveu com uma boa gestão macroeconômica do Banco Central, comandado por Arminio Fraga.

Ao assumir a Presidência do País, Lula não fez nada do que pregou em 20 anos. Seu mérito foi manter intacta a política econômica de FHC, não mergulhar o País em aventuras mirabolantes do PT. Seu governo soube tirar proveito de um longo período de prosperidade no mundo e, até 2008, nenhuma crise externa. Mas em 2008 não só o Brasil, como também seus vizinhos da América Latina estavam mais bem preparados para enfrentar uma crise que não criaram, que não era sua.

Foram 25 anos nada tediosos, cheios de emoções, altos e baixos, nunca planície, uma sinuosa e turbulenta montanha a exigir ações e decisões rápidas dos responsáveis pela gestão. É disso que fala o presidente do BID.

A crise nos Estados Unidos e na Europa ameaça contaminar o mundo inteiro e, em menor proporção, os países emergentes, entre eles o Brasil. Por aqui, levamos tempo para reconhecer a origem dos nossos dilemas - a gastança exagerada dos governos, que criavam déficits públicos gigantescos, cobertos com endividamento crescente e produzindo hiperinflação.

Por enquanto, Europa e Estados Unidos ainda não vivem o descontrole da inflação, mas se não agirem rápido... ela vai chegando de mansinho e se instalando.

A gestão da crise nos dois continentes tem sido criticada por não produzir decisões, no máximo, medidas paliativas que não resolvem. Falta coragem política. E, quanto mais demorados os resultados, mais longa será a crise. Nós, aqui, levamos 25 anos. Quantos serão por lá?

ALBERTO TAMER - Eles adiam o que a gente faz

Eles adiam o que a gente faz
ALBERTO TAMER
O ESTADÃO - 28/08/11
Agora, não. Esperem mais um mês. Vamos voltar a conversar no fim de setembro para ver o que fazer. Se servir de consolo, posso adiantar que a reunião do Fed para tratar disso, marcada para apenas um dia, vai durar dois. Foi isso, em resumo, o que Bernanke disse no seu tão esperado pronunciamento de sexta-feira, na presença de presidentes dos bancos centrais.

Concentrou-se mais em criticar duramente os políticos (leia-se Congresso) que estão impedindo a recuperação.

Sim,e daí? Mud a alguma coisa? Vão dar mais espaço fiscal para o governo agir? Bernanke não acredita em recessão - e se acreditasse, não diria. Afirmou que a economia vai crescer no segundo semestre, mas, se forem tomadas agora as medidas fiscais e monetárias necessárias. Quais? Bem, vamos falar disso depois. Em setembro.

A espera adiada. A interpretação do mercado é que Bernanke vai esperar para ver como é que a economia americana fica. Nomes modia do seu pronunciamento, o Departamento do Comércio confirmou que o PIB do segundo trimestre não cresceu 1,3% como havia previsto, mas 1%. No ano, 07%. E isso um dia depois de ter anunciado que o nível de desemprego aumentou, beira os10%da força de trabalho e existem agora 25 milhões ociosos recebendo ajuda do governo e à espera por uma vaga há mais de seis meses.

Bernanke deu a entender no seu discurso que o Fed está mais ou menos conformado com essa situação, que deve durar ainda por algum tempo. Só que sem emprego não há consumo (aumentou apenas 0,4% no segundo trimestre) e sem consumo não há produção, crescimento, receita.

E agora, Obama. Os investidores esperam o pronunciamento de Obama marcado para o dia 5 de setembro, mais uma sexta-feira. Ele deve anunciar o novo plano de recuperação econômica do governo, mas a previsão do mercado é que pode ser de novo um "evento não evento".

Informa-se que ele deve anunciar redução e impostos para as empresas que criarem empregos e estímulos especiais para as que investirem em produção e exportação, que cresceu apena 3,1% no trimestre quando se previa 6%. É o comércio mundial parando.

No fundo, quer encaminhar para o setor produtivo da economia uma parte dos bilhões de dólares que continuam sendo aplicados maciçamente na compra de títulos do Tesouro. São recursos que financiam, sim, o governo, mas não geram empregos. Vai encontrar a resistência da desconfiança generalizada das empresas e dos consumidores, no governo e no Congresso. De novo, fica tudo para quando setembro vier...

Não esperamos nada. No Brasil, ninguém se desapontou porque ninguém esperava nada. Nem de Bernanke e muito menos, agora, do presidente Barack Obama,na próxima semana. E isso simplesmente porque eles ainda não sabem bem o que fazer.

Enquanto a economia lá fora está abandonada a si mesmo, como afirmou o economista-chefe da Street Global, Christopher Probyn, aqui vem obtendo em grande parte o apoio de que precisa. Enquanto se discute na Europa e nos Estados Unidos se devem iniciar uma política fiscal ou monetária, sem muitas condições de aplicar uma ou outra, aqui, as duas estão aplicadas com bons resultados.

Resumindo: enquanto eles falavam, o Brasil era acometido por uma "crise" de bom senso e realismo, não hoje, mas nos últimos 16 anos. Um realismo que se acentua agora, com novas medidas fiscais e monetárias.

A casa pode tremer quando os ventos fortes chegarem, mas não vão ruir como estão ruindo lá fora.

Com Bernanke, com Obama,que são prisioneiros dos interesses políticos mesquinhos do Congresso americano.

Acho que até aí estamos bem e temos sorte. Enquanto lá os deputados e senadores arrasam com o governo, no Brasil, os nossos apenas fazem greve pedindo mais favores para voltarem a votar. A desvantagem de eles terem apenas dois partidos e nós...

quantos mesmo? Perdi a conta, pois tem agora esse do nosso Kassab, um bom prefeito, mas....

JUAN ARIAS - E agora, Lula?

E agora, Lula?
JUAN ARIAS
O GLOBO - 28/08/11

Lula está numa encruzilhada política. Lutou contra seu próprio partido para fazer de Dilma Rousseff sua sucessora. Conseguiu. E pediu-lhe que mantivesse uma boa parte dos ministros de seu último governo. Ela o fez. Só que, aos oito meses de governo, sua pupila pôs na rua quatro desses ministros, três acusados de corrupção e o outro após ter criticado publicamente as duas ministras mais importantes nomeadas pela presidente.

Dilma está ganhando por esse motivo o título de heroína contra a corrupção política, e está surgindo um movimento em todo o país de simpatia e apoio a sua vassoura ética. Curiosamente, os que mais a apoiam são precisamente os que mais criticavam os governos de seu antecessor. Defendem-na, inclusive, líderes históricos da oposição, como o ex-presidente social-democrata Fernando Henrique Cardoso e a ecologista Marina Silva, que deixou o partido de Lula e obteve 20 milhões de votos em sua disputa presidencial com Dilma.

Paradoxalmente, tudo isso está sendo utilizado para atacar quem tinha confiado em Dilma como a melhor candidata para suceder-lhe: Lula. E já se fala de uma "herança maldita" que ele teria deixado à presidente com esses ministros corruptos, que ela teve de afastar de seu governo.

A pergunta é óbvia: e agora, o que fará Lula? E a resposta não é fácil. Este gênio da política não aparecerá nem um minuto em conflito com sua herdeira. De fato, já comentou ser "normal" que um presidente prescinda dos colaboradores que não funcionam, como ele mesmo fez em seus dois mandatos. Substituiu a dois de seus mais importantes ministros - ambos acusados de corrupção: José Dirceu, da Casa Civil, e Antonio Palocci, da Economia.

Lula nunca porá obstáculos à cruzada contra a corrupção de Dilma, que está recuperando os votos da classe média que ele havia perdido. Há até quem assegure que se essa operação de limpeza - que já começa a ser comparada à italiana "Mãos Limpas" - der frutos à presidente, Lula subirá no barco e até poderia tomar o timão.

Não falta tampouco a maquiavélica hipótese de que ambos estariam de acordo: Dilma faria a limpeza que ele não quis ou não pôde fazer para não comprometer a governabilidade, ao enfrentar os partidos aliados mais corruptos, ao mesmo tempo em que ela supriria com sua defesa da ética o que lhe falta em relação a Lula: o carisma pessoal e a destreza em equilíbrios políticos.

A presidente conquistaria a classe média, porque o mundo dos pobres nunca deixará de ser lulista, como apontou FH a seu partido, o PSDB. Contudo, o candidato com mais possibilidades de enfrentar Dilma em 2014, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB, afirmou que a cruzada da presidente é só "slogan de campanha" e o que conta para um governo são "as grandes reformas" que, presa em sua luta contra a corrupção, Dilma não está fazendo.

A grande incógnita - que ficará ainda por muito tempo sem resposta - é se a presidente pensa, ou não, em se apresentar à reeleição em 2014, ou somente estaria preparando, com um acordo prévio, o caminho para que Lula volte, posto que ele parece estar já em campanha eleitoral novamente. Lula insiste que Dilma não será candidata em 2014 somente "se ela não quiser". O analista da "Folha de S.Paulo" Fernando de Barros e Silva escreveu há dias que Lula disse apenas o óbvio. Que a notícia seria: "Dilma não se candidatará", e que dizer "se ela não quiser" é o mesmo que dizer "se eu não quiser".

O senador Jarbas Vasconcellos, do partido da base aliada PMDB, mas que sempre se declarou independente, opina que a presidente é candidatíssima para 2014 e, a seu ver, "está fazendo o que deve fazer: diferenciar-se de Lula". Segundo ele - um dos senadores que criaram um movimento de apoio à presidente -, o que mais pode diferenciar Dilma de Lula ante a opinião pública é sua posição de intransigência ante o desperdício de dinheiro público derivado da corrupção num país em que, como escreveu ironicamente o maior romancista brasileiro, João Ubaldo, o sonho de muitas famílias é poder ter um "corrupto" para poder enriquecer com o dinheiro público. Porque, ironiza Ubaldo, as pessoas pensam que, se o dinheiro é "público", é de todos.

Juan Arias é jornalista e correspondente do El País (Espanha) no Rio.

FERNANDO DE BARROS E SILVA - Panis et circenses


Panis et circenses
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SP - 28/08/11

O ministro Mário Negromonte (PP), das Cidades, foi acusado de oferecer R$ 30 mil de mesada a parlamentares de seu partido a fim de tentar reverter uma correlação de forças que lhe é desfavorável na bancada da Câmara.

Em sua defesa, não se limitou a negar a acusação. Saiu cuspindo balas, literalmente: "Para acabar com esse fogo amigo, um revólver só não resolveria. Teria que ser uma metralhadora para sair atirando".

Em entrevista ao jornal "O Globo", o ministro de Dilma fez acusações e ameaças explícitas aos colegas do PP: "Imagine se começar a vazar o currículo de alguns deputados. Ou melhor, a folha corrida". E completou: "Então aqui vai o meu alerta: em briga de família, irmão mata irmão, e morre todo mundo".

Estaria tudo certo se o autor das frases fosse Tony Soprano, dando conselhos para unir a "famiglia". Na boca de um ministro de Estado, não passa de desfaçatez vulgar. Negromonte parece confundir família e governo, máfia e coisa pública.

Não é o caso de brincar de Roma Antiga e atirar as pessoas aos leões, como sugeriu Dilma, criticando a espetacularização da faxina (que a rigor não existe), mas, sim, de lembrar essa tigrada que isso ainda é uma República, apesar deles.

Depois de Alfredo Nascimento (PR) e de Wagner Rossi (PMDB), além de Antonio Palocci (PT), chegou a vez de o PP oferecer a sua contribuição à degradação da política.

Mas não se trata de um rebaixamento apenas moral, o que já seria bastante. A fala de sarjeta do ministro Negromonte vale também como sintoma e metáfora de um governo pedestre, sem nenhum brilho ou capacidade de formulação, que se consome no varejo de escândalos em série, diante dos quais tem atitude no mínimo dúbia.

Por ora, a política do pão e circo (programas de transferência de renda para os mais pobres e ilusão de faxina ética para as classes médias) tem funcionado. Veremos até quando Dilma pode se segurar inspirada na Roma Antiga.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - A primeira rede social

A primeira rede social
 LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O ESTADÃO - 28/08/11

Os seguidores de Vênus estavam acima da estupidez humana


Em 1761, mais de 500 pessoas participaram de um projeto científico traçando o curso de Vênus pelo céu da Europa. Ardia a feroz Guerra dos Sete Anos entre as grandes potências europeias, mas os seguidores de Vênus pertenciam a uma comunidade apátrida, cujos interesses estavam acima, no caso literalmente, de questões geopolíticas e da estupidez humana.

Eram pessoas que se correspondiam e pertenciam ao que depois seria chamado de República das Letras, uma nação epistolar sem sede ou fronteiras, unida apenas pela curiosidade intelectual. O projeto Vênus foi um dos primeiros exemplos de ação conjunta desta precursora de rede social, arregimentada pelos e-mails da época.

A origem do movimento está na “república literária” de Cícero, um ideal romano de preservar o conhecimento e o pensamento livre de qualquer limite que ressurgiu na Renascença, produziu ou inspirou gente como Copérnico, Galileu e Descartes e o Iluminismo e definiu, às vezes hereticamente, uma identidade própria para o “Ocidente”, já que depois da ruptura de Lutero e das descobertas no novo mundo nem a religião nem o isolamento geográfico asseguravam isto. Para chegar a ser um paradigma, o ideal ciceroniano teve que sobreviver ao obscurantismo e aos estragos da história.

A única cópia conhecida do seu manuscrito “República” foi descoberta no século 19 embaixo de uma transcrição de comentários de Santo Agostinho sobre os salmos. Não deixa de ser uma metáfora perfeita para a tirania cultural da Igreja durante séculos devermos nosso conhecimento deste texto de Cícero ao fato de monges relapsos não terem raspado o pergaminho adequadamente antes de reusá-lo.

Como as redes sociais atuais, a primeira rede social também tinha sua língua própria, o Latim clássico, depurado do Latim escolástico e oficial, e desenvolveu práticas peculiares de comunicação e disseminação – todas relacionadas com a dificuldade, na época, de simplesmente fazer uma carta chegar ao seu destino em pouco tempo – equivalentes aos sinais, às abreviaturas e aos atalhos usados nos tuiters e facebooks de agora.

A diferença entre a República das Letras e a Internet é que uma manteve viva uma tradição de humanismo e curiosidade cientifica, às vezes em luta aberta com a ortodoxia prepotente das igrejas, enquanto a outra, sem nenhum inimigo que a contenha ou religião que a esconjure, parece servir a uma republica transnacional da banalidade.

Fumar em lugar fechado está sendo proibido em todo o mundo para evitar a contaminação do vizinho, que pega fumaça e seus males de segunda mão. Acho que deve-se pensar em obrigar quem tem telefone celular a também ir usá-lo na rua. O objetivo seria nos proteger da contaminação pela vida alheia. Não precisamos saber do furúnculo da tia Elvira. E agora, com os pods e pads que fazem de tudo e informam tudo, há uma nova praga. Gente que no cinema, no meio do filme, liga o troço.

Se ainda fosse para saber como está o índice Bovespa. Mas não, geralmente é para saber da tia Elvira.

ILIMAR FRANCO - Novo apelo


Novo apelo
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 28/08/11
 
Na reunião do Conselho Político, amanhã, a presidente Dilma vai pedir cautela para os aliados com propostas que criem novos gastos em meio à crise econômica internacional. O recado vale para a regulamentação da emenda 29 (investimentos na Saúde) e para a PEC 300 (fixa piso salarial nacional para bombeiros e policiais). O governo vai antecipar aos aliados o projeto do Orçamento 2012, que será enviado esta semana para o Congresso.

Governo Dilma x base aliada
Há um descompasso entre a pauta do governo Dilma para enfrentar a crise econômica internacional e a agenda dos principais partidos, PT e PMDB, que apoiam seu governo. Enquanto a presidente corta gastos e pede para que não se votem projetos que aumentem as despesas públicas, sua base faz o contrário. O líder do PMDB, Henrique Alves (RN), apoia movimento para votar a emenda 29, que pode ampliar os gastos com a Saúde. Já o líder do PT, Paulo Teixeira (SP), acaba de fechar uma pauta comum com a CUT, da qual consta votar o fim do fator previdenciário. Os líderes são dissidentes? Ou jogam para a plateia?

"A oposição é minoria mesmo, e não tenho vergonha disso. Qualquer coisa que eu tenha acima de 60, 80 votos, que é o nosso número aqui, é uma vitória” — ACM Neto (BA), líder do DEM na Câmara

ALERTA
. O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça), na foto, está tentando pacificar os movimentos de policiais e bombeiros, que pretendem lotar o Congresso em setembro para pressionar pela votação da PEC 300, que fixa um piso salarial para essas categorias. O governo federal quer evitar um incidente como o do Rio, em que bombeiros ocuparam o quartel central da corporação, em campanha por melhores salários.

Prestígio
A presidente Dilma vai entrar pessoalmente, no segundo semestre, nas articulações para tentar garantir a vinda de chefes de Estado para a Rio+20, em junho do ano que vem. No fim, esse acaba sendo o termômetro de sucesso do evento.

Debruçado
A despeito da simpatia no governo pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) na eleição para ministro do TCU, a líder do PSB, Ana Arraes (PE), está sendo apontada como favorita. O expresidente Lula entrou em campo para elegê-la.

Os ‘hermanos’: é sempre assim
Sempre que há eleições na Argentina, sofrem os empresários brasileiros que têm negócios lá. Hoje estão retidos na aduana argentina 600 tratores e 150 colheitadeiras exportadas pelo Brasil. A presidente Cristina Kirchner pressiona as empresas daqui a instalarem linhas de montagem na Argentina. A ministra da Produção deles, Débora Giorgi, está pondo lenha na fogueira. Ela quer ser ministra da Fazenda no lugar de Amado Boudou, candidato a vice na chapa de Cristina.

Cautela

O PT não dá como certa a escolha do senador José Pimentel (PT-CE) para líder do governo no Congresso. Apesar da preferência da presidente Dilma, avaliam que a função pode ser usada para aplacar a guerra entre aliados na Câmara.

Royalties
Lideranças partidárias do Senado e senadores interessados no assunto fecharam acordo, quarta-feira, para votar o projeto de distribuição dos royalties do petróleo entre os dias 12 e 14 de setembro. O prazo final acordado é dia 15.

 SEDE. A Confederação Nacional dos Municípios ganhou da Superintendência de Patrimônio da União um terreno de 5.000m², em Brasília, para construir sua sede.
 O GOVERNO vai anunciar, em setembro, o Plano de Ação para Inclusão das Pessoas com Deficiência. As medidas têm como foco inicial garantir acessibilidade nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014.
● DO PLANALTO. Caso o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) fique insustentável, a presidente Dilma tem seu preferido: Franklin Martins.

DANUZA LEÃO - Certos momentos

Certos momentos
 DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 28/08/11

Ficou combinado que quem sorri muito é mais feliz do que os sérios, mas não sei se é mesmo fundamental


OUTRO DIA -era um sábado- saí de manhã para fazer umas coisas bem pouco interessantes, tipo comprar cabides, lata de lixo, um armário para a área etc.; mais sem graça, impossível. Quando terminei, eram 2h da tarde e eu estava com fome.

Por coincidência, quando vi, bem ao lado, um restaurante que adoro, de comida baiana. Entrei, pedi uma caipirinha e um acarajé.

Eu estava tranquila, tinha conseguido liquidar minha listinha e, sedenta e faminta, iria beber e comer exatamente o que queria. O restaurante foi enchendo, e a única mesa com uma só pessoa era a minha.

Algumas pessoas me olharam meio de banda, possivelmente achando estranho uma mulher almoçando sozinha num sábado de sol. Talvez tenham pensado que eu havia levado um bolo, ou que era uma pobre coitada que não tinha amigos com quem almoçar, ou sei lá mais o quê.

Terminei meu acarajé, que aliás estava ótimo, pedi mais uma caipirinha e uma moqueca de camarão.

Comi muito, mais do que deveria, mas estava tudo tão bom, mas tão bom, que eu acho que merecia.

Quando estou comendo, só presto atenção -e muita- ao que estou fazendo; mas quando terminei, e só então, comecei a olhar as pessoas.

Em uma das mesas elas eram seis, que conversavam alto, todas falavam, e pareciam alegres; em outra, um casal de turistas, tipo lua de mel, felizes da vida, e havia uma -também de seis- em que todos riam e gargalhavam, parecendo se divertir muito.

Aí fiquei pensando (uma mania que tenho). Será que os que riem e dão gargalhadas são mais felizes do que os que apenas conversam, talvez até sobre as mais banais banalidades? E mais do que os que estão sozinhos?

Ficou combinado que quem sorri muito, ri muito, gargalha muito é mais feliz do que os sérios, mas não sei se para viver bem -e não estou falando de felicidade- é mesmo fundamental estar sempre rindo.

Pensei que, se estivesse em qualquer daquelas mesas, não estaria melhor do que estava, ali, sozinha.

Quem inventou que rir é mesmo melhor do que não rir? Eu já ri muito, muito mais do que rio agora, e isso não me faz a menor falta; aliás, tenho horror aos profissionais em dizer coisas engraçadas, que são a alegria da festa, que fazem os outros gargalhar. "Vamos jantar sim, vai ter fulano, que é ótimo, divertidíssimo"; essa frase, aliás, já é uma boa razão para eu não ir.

Continuei mais um tempo na mesa, e tão bem, que ainda pedi uma cocada branca de sobremesa, e pensei que inventam umas coisas nas quais as pessoas acreditam; talvez, naquele sábado, muitos homens e mulheres acreditaram no que ouviram dizer, e estavam infelizes por estarem em casa, porque não tinham com quem almoçar, alguém engraçado, para que eles rissem um pouco.

Vou repetir, para que não haja engano: eu não estava vivendo nenhum momento de intensa felicidade. Mas estava tão bem, mas tão bem, que naquele momento não precisava de mais nada na vida; de nada. Já passei por momentos assim algumas vezes, e lembro de todos eles, porque foram todas inesquecíveis, e aprendi a identificar, na hora, quando eles acontecem, assim, a troco de nada; será que isso tem um nome?

E, curioso: em todos eu estava absolutamente só.

GOSTOSA


CARLOS HEITOR CONY - Faxineiras

Faxineiras
 CARLOS HEITOR CONY
FOLHA DE SP - 28/08/11

RIO DE JANEIRO - A revista "Forbes" considerou a nossa presidente a terceira mulher mais importante do mundo. Não levo a sério este tipo de avaliação, mas vamos lá. O motivo parece que foi a recente decisão de Dilma de fazer uma faxina no alto escalão do governo que ela herdou de seu antecessor. Por Júpiter! Bem merece a classificação.

Não votei nela, porque me considero um eleitor emérito, ou seja, aposentado -a faixa etária deu-me o direito de não mais cometer este ato cívico. Mas Deus, assim como o Júpiter acima citado, é testemunha do quanto roguei para que ela fosse a presidente que a grande maioria do povo esperava que fosse -e ela ainda pode ser, há tempo e condições para isso.

Pressionada pelas sucessivas crises dentro de sua equipe, incluindo a sua base de sustentação no Congresso, Dilma decidiu fazer a faxina, que certamente dará bons resultados. Assim, ela poderá se concentrar em cumprir o programa que prometeu na campanha eleitoral. Sinceramente, torço para isso.

Dizem que o bom palhaço torce para ver o circo pegar fogo. Neste particular, considero-me um péssimo palhaço.

E já que o assunto é faxina, a revista "Forbes" deveria dedicar um lugar para aquela faxineira que bagunçou a vida e a carreira de Dominique Strauss-Kahn, um dos homens mais poderosos do mundo, que chegou a ser preso, algemado e agora foi inocentado, mas sem nenhuma chance de se candidatar à Presidência da França, que era bem mais importante do que a faxineira.

Como se sabe, ele foi vítima de uma armação de seus adversários ou da própria faxineira, que o processou por assédio sexual.

Não me acusem de estar associando a patriótica faxina de Dilma com a pérfida faxineira de Nova York. Mas a verdade é que o mundo, volta e meia, necessita de faxinas, e geralmente elas conseguem dar conta do recado.

GILBERTO DIMENSTEIN - Meu inferno é mais interessante

Meu inferno é mais interessante 
GILBERTO DIMENSTEIN
FOLHA DE SP - 28/08/11

Apesar de tudo, tenho a certeza de que meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros


A cidade onde moro não é um paraíso. Mas, se lá não fizesse tanto frio e houvesse praia, estaria perto disso. Ao norte de Boston, Cambridge tem apenas 100 mil habitantes, é cercada de jardins; suas calçadas são largas -carro não faz a menor falta.

Não há violência nem atropelamentos. Nesse ambiente, Harvard e MIT atraem gente inovadora de todo o mundo, disposta a inventar ou a reinventar alguma coisa: do tratamento do câncer ao comércio eletrônico, passando pela bateria para mover carros elétricos.

Por causa da inovação, o desemprego quase não é assunto. Grandes empresas (como o Google) montaram ali centros de pesquisas. Se aquela paz cansar, rapidamente se chega a Nova York de trem -ou se pode ir caminhando por Boston.

Fiquei seis meses longe de São Paulo, que, na comparação, remete à imagem do inferno urbano. Um olhar um pouco estrangeiro nos faz ver melhor.

Na noite em que cheguei a São Paulo, um jovem foi atropelado perto da minha casa por um Land Rover. Todas as semanas, via notícias sobre vítimas nos bairros nobres, de professores a publicitários. Jornais falavam do recorde de assaltos a caixas eletrônicos e até de arrastões promovidos por crianças.

A informação que melhor define o ambiente estressante da cidade está numa pesquisa da Unesp: 40% dos seus habitantes sofrem de distúrbios do sono. A insônia -fruto da ansiedade, da depressão e de outras fobias urbanas- não escolhe gênero nem classe social.

Apesar de tudo, tenho a certeza de que meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros.

O encantador da cidade é a emoção que se encontra na resistência, no estilo guerra de guerrilha contra a barbárie.

Nestes dias em São Paulo, conheci um ex-morador de rua (Robson Mendonça) que entrega livros pelo centro da cidade pedalando uma biblioteca, batizada de "bicicloteca".

Conversei com Antônio Miranda, o motorista de táxi e fotógrafo amador que criou a Bibliotáxi, citada como exemplo no site da Associação Americana de Bibliotecas. Descobri motoboys que passaram a entregar livros pela cidade.

Foi lançado, na cidade, um programa de inovação educacional a ser desenvolvido na Universidade Stanford (Califórnia) para ajudar a repensar o modo de ensinar nas escolas públicas. Um dos envolvidos no projeto é Paulo Blikstein, ex-aluno da Poli-USP, que acaba de receber um importante prêmio americano de estímulo à pesquisa.

No mesmo dia em que era lançado o programa, saía a Plataforma de Cidades Sustentáveis, elaborada pelo Movimento Nossa São Paulo e pelo Instituto Ethos. Com exemplos internacionais, é um roteiro do que é necessário para uma comunidade ser civilizada. A ideia é realizar, a partir de São Paulo, uma ação nacional.

Na sexta, o Nossa São Paulo decidiu apoiar um aplicativo batizado de Cidade Mais Feliz, para estimular a população a manifestar-se sobre os problemas que testemunha.

Jovens da Casa de Cultura Digital levantaram recursos para o projeto de um ônibus-hacker, que vai visitar bairros e cidades para ensinar como se extraem e se analisam números dos orçamentos públicos, às vezes camuflados pelos governantes.

Abalados com os atropelamentos, jovens de classe média saíram às ruas, com uma linguagem mais simples que a das autoridades, para tentar civilizar os motoristas. Graças a jovens de classe média, no final da década de 1990, a cidade mobilizou-se pelo desarmamento - e obteve bons resultados. Na quinta, segundo anúncio oficial, a taxa de homicídios na cidade, nos sete primeiros meses do ano, comparados ao mesmo período do ano anterior, foi 26%.

Longe dos bairros nobres, de Heliópolis desenvolveram uma experiência para se comunicarem com outros jovens a fim de evitar o abuso do álcool. Os resultados, medidos por pesquisadores independentes, fizeram com que o projeto servisse de inspiração para um plano de saúde, anunciado no início do mês, para atingir milhares de escolas públicas.

Está prevista para hoje uma manifestação contra a violência, promovida por moradores do Morumbi, onde existem desconfianças em relação à favela de Paraisópolis, localizada no meio no bairro. Gilson Rodrigues, um jovem líder daquela comunidade está aproveitando o dia para propor que se construam pontes de diálogo entre os moradores do bairro. Gilson batalha há anos para criar uma sala de concertos.

Seria capaz de escrever páginas sobre as pequenas gentilezas urbanas que encontrei nessas semanas. Não são suficientes para acabar com o inferno urbano, mas são um desfile de emoções. Por isso, meu inferno é mais interessante do que o paraíso dos outros. E, tentando chegar ao aeroporto, começo a sentir saudades.

FÁBIO COLLETTI BARBOSA - Não é assim mesmo...

Não é assim mesmo... 
FÁBIO COLLETTI BARBOSA
FOLHA DE SP - 28/08/11

Nossa pior atitude é aceitar que "é assim mesmo" e que nada podemos fazer para melhorar as coisas no país


Por muito tempo achei, assim como muitos, que a questão de cidadania se resolveria por meio de um melhor nível médio de educação. Entretanto, temos muitas evidências indicando que isso não é suficiente.

O reforço que teve de ser dado recentemente na questão do respeito dos motoristas à faixa de pedestres na cidade de São Paulo mostra como ainda temos de lidar com noções muito básicas de cidadania.

Note-se que essa falta de respeito à faixa de pedestres acontece de forma generalizada pela cidade, não importa se estamos falando de um bairro de maior ou de menor nível de educação ou de renda.

Isso indica que não será suficiente um amplo investimento em educação, mas precisaremos também buscar uma forma de darmos foco ao que o jornalista Gilberto Dimenstein, na sua coluna nesta Folha, há um mês, chamou de Educação para a Cidadania.

Observar as leis de TRÂNSITO, cuidar da limpeza das ruas, respeitar a fila, não estimular o comércio ilegal ou "pirata", evitar o desperdício de água, entre outras, são condutas básicas para que possamos melhorar a qualidade de vida de todos. Mesmo em zonas da cidade onde o nível médio de educação é certamente bastante elevado, esses desvios são cometidos a todo instante.

Ao comentar esses problemas com colegas, e especialmente com jovens, noto uma grande receptividade para que busquemos formas de mobilizar a sociedade, não apenas conscientizando, mas também punindo e expondo aqueles que negligenciam esses comportamentos.

Algumas iniciativas poderão vir das autoridades, como é o caso da Lei Cidade Limpa na cidade de São Paulo, que, na minha opinião, já poderia ser estendido para além dos outdoors, chegando às ruas e às calçadas da nossa cidade.

Os currículos escolares precisam certamente ser ajustados, incorporando essa visão de cidadania, do papel que cabe a cada um de nós, e a valorização da interdependência, que existe entre tudo e todos.

Ninguém vive sozinho, e nossas atitudes (boas e más) impactam o todo, que deve ser construído junto.

A sociedade civil tem ferramentas tradicionais e modernas para se organizar: as redes sociais, o Twitter, as associações de bairros, as empresas etc.

Não precisa ser nada grandioso, nada que abranja toda a cidade, mas, se cada um conseguir impactar o seu "ao redor", o seu grupo de relacionamento mais próximo, a somatória será grandiosa. E assim um importante passo terá sido dado na mudança de atitude e na abertura de melhores perspectivas.

Recentemente, o jornalista espanhol José Arias, do jornal "El País", escreveu um artigo que causou grande repercussão. Lá, ele pergunta por que não nos indignamos. O foco era a questão dos casos de corrupção no Brasil, e o assunto repercutiu em vários jornais e artigos.

A mesma questão, porém, pode também ser estendida para o aspecto da cidadania. Por que não nos indignamos? A resposta para ambos os aspectos (apatia diante da corrupção e das questões de cidadania), parece ser que muitos acham que esse não é um problema nosso, ou que é grande demais para resolvermos ou influenciarmos. Decorre daí a pior das atitudes, que é a de aceitar que "é assim mesmo", e nada fazer...

Felizmente, há outro movimento, positivo e com um número cada vez maior de pessoas, especialmente jovens, se indignando, se mobilizando, procurando acender a luz e mostrar as coisas como elas são.

Esse é um primeiro e importante passo para que tenhamos a dimensão do problema e possamos tratá-lo de forma adequada. A imprensa e a opinião pública têm importante papel nessa jornada, mantendo a chama acesa e apontando novos caminhos.

Empunhar a bandeira da cidadania, e agir de forma coerente, são maneiras de sedimentar a base para a construção de cidades melhores, e, portanto, de um país melhor.

P.S.: Com esta coluna me despeço deste espaço onde escrevi textos durante pouco mais de um ano.

A partir do final de setembro assumirei novas responsabilidades, em outro grupo de mídia.

Agradeço à Folha pela oportunidade e aos leitores pelas tantas manifestações de apoio.

FÁBIO COLLETTI BARBOSA, 56, administrador de empresas, é presidente do conselho de administração do Banco Santander e presidente do conselho da Febraban.

BRAZIU: O PUTEIRO


MARTHA MEDEIROS - A palavra

A palavra
 MARTHA MEDEIROS 
ZERO HORA - 28/08/11

Falar e escrever sem necessidade de tradução ou legenda: eis um dom que é preciso desenvolver todos os dias

Freud costumava dizer que poetas e escritores precederam os psicanalistas na descoberta do inconsciente. Tudo porque literatura e psicanálise possuem um profundo elo em comum: a palavra.

Já me perguntei algumas vezes como é que uma pessoa que tem dificuldade com a palavra consegue externar suas fantasias e carências durante uma terapia. Consultas são um refinado exercício de comunicação. Se relacionamentos amorosos fracassam por falhas na comunicação, creio que a relação terapêutica também naufragará diante da impossibilidade de se fazer entender.

Estou lendo um belo livro de uma autora que, além de poeta, é psicanalista, Sandra Niskier Flander. E o livro chama-se justamente a pa-lavra, assim, em minúsculas e salientando o verbo contido no substantivo. Lavrar: revolver e sulcar a terra, prepará-la para o cultivo.

Se eu tenho um Deus, e tenho alguns, a palavra é certamente um deles. Um Deus feminino, porém não menos dominador. Ela, a palavra, foi determinante na minha trajetória não só profissional, mas existencial. Só cheguei a algum lugar nessa vida por me expressar com clareza, algo que muitos consideram fácil, mas fácil é escrever com afetação.

A clareza exige simplicidade, foco, precisão e generosidade. A pessoa que nos ouve e que nos lê não é obrigada a ter uma bola de cristal para descobrir o que queremos dizer. Falar e escrever sem necessidade de tradução ou legenda: eis um dom que é preciso desenvolver todos os dias por aqueles que apreciam viver num mundo com menos obstáculos.

A palavra, que ferramenta.

É pena que haja tamanha displicência em relação ao seu uso. Poucos se dão conta de que ela é a chave que abre as portas mais emperradas, que ela facilita negociações, encurta caminhos, cria laços, aproxima as pessoas.

Tanta gente nasce e morre sem dialogar com a vida. Contam coisas, falam por falar, mas não conversam, não usam a palavra como elemento de troca. Encantam-se pelo som da própria voz e, nessa onda narcísica, qualquer palavra lhes serve.

Mas não. Não serve qualquer uma.

A palavra exata é uma pequeno diamante. Embeleza tudo: o convívio, o poema, o amor. Quando a palavra não tem serventia alguma, o silêncio mantém-se no posto daquele que melhor fala por nós.

Em terapia – voltemos ao assunto inicial –, temos que nos apresentar sem defesas, relatar impressões do passado, tornar públicas nossas aflições mais secretas, perder o pudor diante das nossas fraquezas, ser honestos de uma forma quase violenta, tudo em busca de uma “absolvição” que nos permita viver sem arrastar tantas correntes.

Como atingir o ponto nevrálgico das nossas dores sem o bisturi certeiro da palavra? É através dela que a gente se cura.