sábado, abril 07, 2018

Lamentar ou celebrar a prisão de Lula? - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 07/04

A imagem do Brasil estaria “manchada” se, depois de todas as evidências apresentadas ao longo destes anos, Lula seguisse impune


Nos últimos dias, a possibilidade da prisão de Lula e, depois da tarde de quinta-feira, a ordem de prisão expedida pelo juiz Sergio Moro – que Lula desafia, entrincheirado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC – despertaram reações curiosas da parte da elite política e jurídica nacional. “Ter um ex-presidente da República como Lula condenado é muito negativo para o Brasil”, tinha dito o ministro do STF Gilmar Mendes em Portugal, ainda antes de ser parte vencida no julgamento do habeas corpus de Lula na quarta-feira. Ele ainda acrescentou que “ter candidato condenado, mas que lidera as pesquisas é fator mais grave para coquetel [de violência]. Tenho a impressão de que mancha a imagem do Brasil no curto prazo”.

Já depois da ordem de prisão, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que “aqueles que têm responsabilidade pública, em qualquer nação, não podem celebrar a ordem de prisão de um ex-presidente da República”. Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e pré-candidato tucano à Presidência, disse que “é lamentável ver a decretação da prisão de um ex-presidente”. Mas, enfim, o que há para lamentar e o que há para celebrar? Em que medida a condenação de Lula “mancha a imagem do país”?

A condenação e a prisão de Lula são “lamentáveis” porque são evidência acachapante de que a rapinagem prospera nos mais altos escalões do governo

Há muito, sim, para lamentar. O fato de alguém ter usado o mais alto cargo do país para promover negociatas e enormes esquemas de corrupção, ainda mais quando o objetivo é fraudar a democracia para conseguir a perpetuação de um projeto de poder partidário, é profundamente lamentável. E, para alguém como um presidente (ou ex-presidente) da República agir dessa forma, mesmo sendo o centro das atenções em um país, é preciso ter um profundo desprezo pela Justiça e pelas instituições responsáveis pela investigação criminal. Desprezo este que consiste em considerá-las incapazes – por incompetência ou, pior, por cumplicidade – de alcançar os envolvidos e, especialmente, os chefes dos esquemas de corrupção. Que o detentor do cargo mais importante do país despreze dessa forma as instituições democráticas também é lamentável. E apenas nesse sentido se pode dizer que a condenação e a prisão de Lula são “lamentáveis”: porque elas são evidência acachapante de que a rapinagem prospera mesmo nos mais altos escalões do governo.

E também há muito para celebrar, a começar pelo fato de um corrupto condenado finalmente estar sendo punido – o que, aliás, deveria ser o destino natural de qualquer criminoso. Especialmente quando esse corrupto é um ex-presidente da República, ou seja, uma pessoa poderosa e influente, o tipo de pessoa que, algum tempo atrás, seria praticamente intocável em nossa República altamente personalista. Ninguém está pretendendo que a prisão de Lula seja o divisor de águas a partir do qual a corrupção está extinta no Brasil, mas não se pode negar que ela é um sinal potente de que estamos evoluindo para um país onde a lei efetivamente vale para todos.

Nossa imagem sai manchada com Lula na cadeia? É quase certo que não. Alguém diria que a imagem da França saiu manchada quando o ex-presidente Nicolas Sarkozy foi preso – ainda que temporariamente – não uma, mas duas vezes, em 2014 e em 2018, respectivamente por tráfico de influência e por ter recebido financiamento ilegal do ditador líbio Muamar Kadafi durante uma campanha eleitoral? Ou que a imagem de Portugal foi arranhada quando o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi preso por corrupção, fraude fiscal, lavagem de dinheiro e tráfico de influência? Na Coreia do Sul, a ex-presidente Park Geun-hye acabou de ser condenada a 24 anos de prisão por corrupção – e, antes dela, dois ex-chefes de Estado daquele país já tinham sido presos pelo mesmo motivo, na década de 90. O ex-premiê Silvio Berlusconi coleciona condenações judiciais, e, se a Itália ainda é vista como um país marcado pela corrupção, isso ocorre apesar das condenações, não por causa delas. O que suja um país é a roubalheira que termina em pizza, não a punição dos ladrões. Manchados estaríamos se, depois de todas as evidências apresentadas ao longo destes anos, Lula seguisse impune.


Cumpra-se a lei - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/04

Como em outros processos, prisão de Lula se inscreve na plena normalidade republicana


Em meio às previsíveis manifestações de seus partidários mais inconformados, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preferiu não cumprir o prazo que lhe foi concedido pelo juiz Sergio Moro para apresentar-se à sede da Polícia Federal em Curitiba.

Sem constituir desobediência a ordem judicial, sua atitude reflete um cálculo político que corresponde mais, nesta altura, à expectativa da militância petista do que ao efeito que possa ter no conjunto da opinião pública.

Ainda que sejam intensas e díspares as emoções que o fato suscita, a prisão de Lula segue um protocolo republicano que transcende as significações ideológicas e as paixões partidárias de que se tenta revesti-lo, com doses negligenciáveis de provocação.

Não se sustenta, é óbvio, a versão lulista de que tudo se reduz a uma perseguição política contra um líder de origem operária.

Também foram atingidos por decisões judiciais e ordens de prisão, nestes anos de Lava Jato, figuras como Paulo Maluf, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Marcelo Odebrecht, Valdemar Costa Neto ou Geddel Vieira Lima, a quem não se podem atribuir compromissos históricos com a luta sindical ou a defesa dos excluídos.

Nem mesmo existe beneficiário claro, nos meios políticos mais tradicionais, das ondas de combate à corrupção que produziram, nos últimos anos, desalento e revolta no eleitorado nacional.

Tampouco é o caso de confundir a derrota judicial do ex-presidente —fundamentada em provas consistentes de corrupção, condenações em duas instâncias e habeas corpus negados nos tribunais superiores— com o julgamento dos valores ideológicos que ele representou com destaque indisputado.

De outro lado, o senso de irrealidade que se configura na atitude dos lulistas encontra paralelo na euforia persecutória, claramente seletiva, de setores que identificam nas bandeiras vermelhas e num fantasmagórico comunismo as únicas origens da indecência nos costumes políticos do país.

A disputa entre liberais e estatistas, entre redistributivismo e competitividade, entre dispêndio e austeridade, se dá —e continuará a dar-se, não importando os candidatos que se apresentem em outubro— num campo distinto do que, agora, ocupa as emoções gerais.

A democracia, o debate, a alternância de poder prosseguem e se aperfeiçoam quando a lei é respeitada e seus infratores, depois de exercerem seu pleno direito de defesa, são punidos.

Afora uma pequena parcela de militantes, tomados pelo inconformismo ou pelo ódio, a sociedade tem maturidade, e se mostra serena, para resolver os seus conflitos e problemas. A corrupção é um deles —e o progresso brasileiro, neste ponto, se confirma mais uma vez.

Os aloprados perderam - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 07/04

O fato é que não houve mobilização popular em favor de Lula


No dia mais importante da história recente do Brasil, os aloprados perderam e o bom senso, o respeito às leis e às instituições prevaleceu. Por alguns momentos desde a emissão da ordem de prisão contra Lula, temeu-se o pior. Os conhecidos revoltados do PT e dos partidos e dos movimentos que circulam o PT como satélites cerraram os punhos e sustentaram que Lula não sairia da sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para a cadeia.

O líder do MTST Guilherme Boulos conclamou sua turma a resistir “em trincheira" contra a prisão de Lula. A amigos escreveu, na noite de quinta-feira, que havia um pacto para que Lula não se entregasse, e pediu que a militância ocupasse pelo menos 30 quarteirões em torno do sindicato. Gilberto Carvalho pediu que a militância fizesse uma barreira humana para impedir a entrada da polícia. Desenhava-se uma tragédia.

O aloprado pai, João Pedro Stédile, do MST, chamou seus liderados para ocuparem as praças e as ruas de São Bernardo do Campo. “Vamos nos insurgir", bradou o líder. Não colou. As praças ficaram vazias e só mesmo as ruas ao redor do sindicato se encheram. Não aconteceu o “mar de gente" sonhado por outro ativista do caos, o senador petista Lindbergh Farias. Aparentemente, não houve tempo para Stédile arrumar ônibus e quentinhas e juntar o seu “exército”.

O fato é que não houve mobilização popular em favor de Lula. Talvez por isso tenha prevalecido o bom senso. Os discursos da inflamada presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman, também não funcionaram. Desde a sentença de Moro, antes mesmo da sua confirmação no TRF-4, Gleisi falava de uma insurreição nacional. Imaginava que as ruas das cidades seriam tomadas por multidões em favor de Lula. Chegou a dizer que, para prender Lula, “vai ter que matar gente".

Ninguém matou, ninguém morreu.

Os advogados recomendaram fortemente a rendição de Lula. Argumentaram que uma desobediência à Justiça atrapalharia muito as próximas etapas do processo. Eles acreditam que, antes do final do ano, e, se derem sorte, bem antes mesmo da eleição de outubro, conseguirão colocar o ex-presidente em prisão domiciliar.

O próprio Lula, pragmático como é, preferiu seguir o bom senso. Apesar de ser incendiário no discurso, porque fala para uma plateia que espera isso dele, Lula sabia que o que estava em jogo ontem era, antes de tudo, a sua pele. Qualquer movimento errado poderia ter impacto negativo em sua vida pessoal. Na sua vida no cárcere, na duração da sua prisão, no seu futuro. Até a perda da cela especial guardada para ele na sede da PF em Curitiba entrou no seu raciocínio.

Também era difícil medir os resultados políticos que resultariam de uma resistência. Seus efeitos poderiam inclusive ser ruins para o PT. Por isso também os aloprados perderam. Enquanto a militância ouvia discursos enfáticos na frente do sindicato, lá dentro Lula e seus advogados negociavam com a Polícia Federal a forma em que se daria sua rendição. Lula será preso a qualquer momento, talvez depois da missa em homenagem a dona Marisa Letícia, que será realizada neste sábado no próprio sindicato. O acordo não ofendeu a Justiça, que foi sábia e deu a Lula a tranquilidade e o tempo que ele precisava para se entregar.

Estrebucho diante da lei - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 07/04

Reação do MST à ordem de prisão de Lula da Silva evidencia quem está do lado da baderna

A reação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) à ordem de prisão do sr. Lula da Silva evidencia uma vez mais quem está do lado da lei – do lado do Estado Democrático de Direito – e quem está do lado da baderna. Até ontem, a Polícia Federal havia confirmado a interdição de 18 trechos de rodovias federais em 11 Estados por bloqueios dos militantes do MST. Segundo um dos coordenadores do movimento, Alexandre Conceição, a ideia é bloquear 50 estradas em 24 Estados. Foi ele quem anunciou recentemente que haveria “porrada, guerra e luta” em defesa do demiurgo de Garanhuns.

João Pedro Stédile, o baderneiro-mor do MST, também saiu a campo para conclamar seus militantes a protestarem contra o que ele chamou de “golpe do Poder Judiciário”. Segundo Stédile, “Lula não cometeu nenhum crime, mas eles querem prendê-lo para tirá-lo da campanha eleitoral”. Para ele, “o único juiz verdadeiro do Lula deve ser o povo”.

A contradição do discurso é evidente. O MST protesta contra o golpe que estaria em curso no País, isto é, afirma que “os interesses do capital internacional, somados aos interesses do capital nacional”, estão desrespeitando as leis e as instituições, mas ele mesmo não tem nenhum pudor em proclamar que Lula está acima da lei e das instituições, que só o povo poderia julgá-lo.

O motivo para a imunidade lulista é claro. “Lula é maior que o PT, que a esquerda. Ele é a síntese da classe trabalhadora”, disse João Pedro Stédile, para arrematar que “prender Lula é prender o povo”.

Esse discurso do MST, que a cada dia comove menos gente, seria apenas ridículo, se o movimento não fosse violento. Não se conformando em anunciar ideias antidemocráticas, esses desordeiros querem impor tais ideias, uma vez mais, com os bloqueios das rodovias e a pregação da baderna e da violência. É uma estranha visão de mundo, na qual a liberdade dos outros é vista como inimiga e opressora. Para dar remédio ao suposto problema, está Stédile, com seu exército, pronto para bloquear, invadir, depredar, como tantas vezes se viu na história do MST.

Como é evidente, a prisão de um condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nada tem a ver com a reforma agrária, que seria, em tese, a razão de existir do MST. Além de confirmar uma vez mais que a finalidade do movimento é política, o estrebucho do MST pelo encontro de Lula com as consequências legais de seus atos manifesta uma manipulação do discurso social. Usa-se a causa da reforma agrária para defender que um político condenado por corrupção não vá para a cadeia.

Ninguém pode alegar ignorância quanto à verdadeira face do MST. Um movimento que se diz progressista e preocupado com as causas sociais emprega todas as suas forças para defender que Lula da Silva tem o direito de receber favores, no caso um apartamento triplex à beira-mar, de uma empreiteira interessada em contratos com o governo federal e suas estatais. Certamente não deve ser fácil convencer a militância a apoiar esse tipo de causa.

O momento pede serenidade, como lembrou a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, no início da semana. O ex-presidente Lula da Silva exerceu, em todas as instâncias judiciais, o seu direito de defesa. Na quarta-feira passada, o STF rejeitou, depois de um longo julgamento, o habeas corpus impetrado pelos advogados do líder petista, assentando que o ex-presidente está sujeito aos efeitos da condenação em segunda instância, como qualquer outro cidadão na mesma situação.

Também não contribuem para a serenidade do País comentários como o do ministro do STF Gilmar Mendes, qualificando de “absurda” a ordem de prisão do juiz Sérgio Moro ao ex-presidente Lula. Voto vencido no julgamento de quarta-feira passada, Gilmar Mendes disse, em Lisboa, referindo-se a colegas de plenário, que “foram péssimas indicações para o Supremo. Pessoas que não eram conhecidas foram indicadas, não tinham formação, não tinham pedigree”. Serenidade e respeito à lei convêm a todos.

Embargo do embargo - FERNANDO GABEIRA

O GLOBO - 07/04
Nesse momento em que vejo a vida como um milagre, o fato mais previsível do mundo é alguém condenado pela Justiça ser preso

Gostaria de estar à altura do nível dramático desta semana no Brasil. No entanto, aconteceu algo que me deixou frio e calmo. Viajávamos para Serafina Correa (RS) e, na altura de um lugar que se chama Encantado, um carro perdeu a direção, cruzou a estrada e bateu violentamente no nosso. Em meio à fumaça, lembro-me de ter dito apenas: sobrevivemos.

Quando se vê a morte tão de perto e se escapa dela, pelo menos no primeiro momento tudo fica mais simples.

Horas depois conseguimos um novo carro, o outro teve perda total, e voltamos a ouvir os longos votos dos ministros do Supremo sobre o habeas corpus de Lula. Sinceramente, talvez influenciado pela alegria de sobreviver, não via o fim de tudo se o STF derrubasse a prisão em segunda instância.

O velho mecanismo de corrupção seria de novo azeitado e, para nos impressionar, de vez em quando prenderiam um ancião e criariam um vaivém de cadeiras de rodas no presídio. Como somos sentimentais, aceitaríamos que os anciões fossem libertados logo para cumprir prisão domiciliar.

O único problema dessa opção: a Justiça no Brasil deixaria de funcionar em nome do belo princípio de presunção da inocência. As vítimas dos crimes continuariam desemparadas.

Mas a recusa do habeas corpus também não me parece um drama. É apenas a continuidade do bem-sucedido processo da Lava-Jato e da política do STF desde 2015.

Quando Lula foi condenado na segunda instância, não entendia os repórteres que diziam: o destino de Lula é incerto. Destino incerto é o meu e de todos que estão em liberdade. Lula será preso.

Infelizmente, com a calma dos sobreviventes, não consigo entender a agitação da imprensa. Há sempre alguém falando de um recurso, de um embargo do embargo, dando a falsa impressão de que as coisas vão mudar. Uma pessoa que vê a imprensa à distância pode supor que produzir tantas tramas artificiais é algo feito para ajudar Lula. Mas não é o caso. As pessoas precisam de emoção, de criar tramas que mantenham o interesse. Nesse filme, o ator não pode morrer no princípio, pois seria um anticlímax.

Nesse momento em que vejo a vida como um milagre, pouco me importam as pancadas, mas devo dizer que o fato mais previsível do mundo quando alguém é condenado pela Justiça, caso não fuja, é ser preso.

Todo esse miolo dramático, todas essas tramas que se criam entre a definição da Justiça e o momento da prisão são apenas tentativa de alongar o interesse pelo caso. Somos novelistas, criando enredos secundários.

Naturalmente, para o PT e seus aliados, as manobras e as constantes dúvidas mantêm a chama e podem ser de interesse político. Mesmo nesse caso, duvido da eficácia do cálculo. Se estivessem de olho no futuro, talvez escolhessem outra tática.

Toda essa interpretação talvez seja resultado da visão esquisita que tomou conta de mim desde o acidente em Encantado. Nada mais tedioso de quem supõe que conhece todo o enredo e subestima os lances emocionantes das tramas que eletrizam a imprensa.

Espero me curar disso, na próxima semana. Ou então deixar de escrever, pois, realmente, eu me sinto numa outra galáxia. Num lugar onde a lei vale para todos, as pessoas são condenadas e o fato mais banal é sua prisão.

A cidade onde nos acidentamos chama-se Encantado. Ao contrário do que seu nome sugere, foi ali que o Brasil finalmente se desencantou para mim.

Precisaria voltar a viver todas essas emoções, como um ateu que recupera sua fé. E voltar a acreditar em embargos dos embargos e em toda essa conversa.