domingo, janeiro 26, 2014

Realidade e percepção - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 26/01

Quando se diz que uma imagem vale mais do que mil palavras, logo pensamos em cenas e fotografias que não carecem de explicação: a força de sua mensagem dispensa legendas. Mas imagem não é apenas algo que se enxerga concretamente.

Quando vi a foto do caixão de Ronald Biggs coberto pela nossa bandeira, sabia que aquilo significava apenas uma homenagem do filho brasileiro que o ladrão inglês teve, mas, subliminarmente, a imagem também fazia uma associação indigesta entre o banditismo e as cores verde e amarelo. Essa imagem negativa que temos do nosso país não é gratuita. Por maior que seja a quantidade de brasileiros honestos, incluindo até alguns políticos, não adianta: o Brasil tem um histórico de corrupção e violência que induz a essa percepção.

Percepção é algo que se constrói dia após dia, fato após fato, e que uma vez consagrada, é difícil mudar. Mesmo que todos os trens da Inglaterra partam e cheguem com atraso nos próximos meses, será preciso anos para desfazer a imagem que aquele país tem de pontual. O contrário também acontece. Ronald Biggs, depois que fugiu para o Brasil, não roubava mais nem no troco, era apenas um aventureiro que se transformou em uma folclórica subcelebridade. O episódio do assalto ao trem pagador, cinco décadas antes, foi deixado de lado em prol da construção de uma imagem de anti-herói, e ele acabou sendo enterrado com cobertura da imprensa.

Poucas coisas são tão fortes quanto a imagem que a gente cria. E como todos gostam de saber com quem estão lidando para evitar surpresas, essa imagem vira referência e pode agir a nosso favor e também contra - preconceitos vêm daí.

Nem todo alemão é sisudo, nem todo baiano é preguiçoso, nem todo gaúcho é machista, mas essa é a “foto” que guardamos deles em nossos porta-retratos mentais. Estereótipos de grupo. Individualmente acontece a mesma coisa. A sua vida passa como se estivesse numa esteira de linha de produção, até que um dia você ganha um rótulo – que não veio do nada, você de certa forma colaborou para ser etiquetado como um fofoqueiro, um bebum, um mulherengo.

E também colaborou para ser reconhecido como um cara focado, um homem responsável, um sujeito que cumpre o que promete. Você pode mudar? Pode. Para melhor e para pior. A vida é longa. Angelina Jolie passou de bad girl a cidadã ativista e de família - adotou crianças, visitou países assolados pela fome, a nossos olhos virou outra pessoa.

Mas, para comuns mortais, é bem mais penoso reverter a própria imagem. A imprensa não cobre.

Rótulos, mesmo os bons, são limitadores. O ideal seria que pudessem esperar qualquer coisa de nós, já que somos mesmo capazes de surpreender. Mas o mundo se apega às certezas, não às dúvidas. Então, tenha em mente que tudo o que você faz (e principalmente o que você repete) ficará arquivado na memória daqueles com quem convive, e será um trabalhão desfazer essa imagem. Não que seja impossível, mas vai exigir mais do que mil palavras.

Brincando com luz - FERREIRA GULLAR

FOLHA DE SP - 26/01

Ver arte hoje tem um preço, que tanto pode ser um barulho ensurdecedor como sentir-se ameaçado


Os movimentos de vanguarda do começo do século 20, ao romperem os vínculos que tradicionalmente, na arte ocidental, ligavam a linguagem artística à representação da realidade, abriram caminho para as mais diversas experiências no campo da expressão artística.

Alguns quadros cubistas são exemplos notórios disso: ao colar, na tela, recortes de jornal em vez de representá-los pictoricamente, fizeram dela um espaço expressivo que tudo aceitava, desde papéis colados até areia, arame, barbante ou o que fosse.

Estava aberto o caminho para toda e qualquer maneira de criar a obra de arte, fora de todo princípio estético a priori e de qualquer linguagem existente. O urinol de Marcel Duchamp é exemplo marcante dessa ruptura e de suas consequências futuras. Ele mesmo é o autor da frase que define a nova situação: "Será arte tudo o que eu disser que é arte".

Essa é a manifestação mais radical daquele momento de questionamento das linguagens estéticas consagradas. Mas foram feitas outras experiências, especialmente pelos dadaístas, sem o mesmo radicalismo de Duchamp.

Dentre essas novas tentativas estão o "Merzbau", de Kurt Schwitters, e o Clavilux, de Thomas Wilfred. São experiências muito diversas, pois, enquanto Schwitters montava a sua obra com o que trazia da rua e acrescentava a ela, Wilfred construiu um piano que em vez de sons produzia formas coloridas numa tela em frente. Ele foi o precursor da arte que usa como linguagem a cor-luz em movimento.

É, portanto, no Clavilux, que está a origem das obras que Julio Le Parc expõe atualmente na Casa Daros, no Rio.

A primeira vez que vi obras de Le Parc foi em começos da década de 1960 e eram muito diferentes destas que hoje expõe.

Aquelas eram telas com formas abstratas pintadas e outras recortadas em placas coloridas que se moviam. Confesso que não me causaram maior impressão, entre outras razões pelo fato de que o movimento das formas se repetia seguidamente.

Aliás, esse é o problema que enfrenta quem tenta introduzir o movimento real na linguagem pictórica. Foi enfrentado por Abraham Palatnik quando criou seus aparelhos cinecromáticos e por Thomas Wilfred com seu Clavilux. Está presente em alguns dos trabalhos mostrados agora por Le Parc, muito embora em alguns deles isso não ocorra. Mas não é esse o principal problema, uma vez que essa exposição do artista argentino compreende mais de dez salas totalmente às escuras.

Ao entrar na exposição, muito embora tenha sido avisado pela funcionária, senti-me totalmente perdido na treva de uma sala de que não vi as paredes e, por isso, não sabia se ia esbarrar em alguma delas ou tropeçar em algum degrau. Mantive-me parado, tenso, sem saber o que fazer. Percebi outras pessoas a meu redor mas tampouco as via. Depois dei alguns passos e pude vislumbrar, adiante, numa parede, um fervilhar de luzes. Tateando, passo a passo, fui me deslocando em direção àquelas luzes, já mais confiante.

Mas, o que fazer? Ver arte hoje tem um preço, que tanto pode ser um barulho ensurdecedor como sentir-se ameaçado ou perdido.

Nesse caso, tem sentido estarem as salas às escuras, uma vez que os trabalhos expostos são basicamente projeções luminosas. Não resta dúvida de que cada uma delas resulta das possibilidades de criar efeitos luminosos muitas vezes surpreendentes.

Outras vezes, porém, isso não ocorre; a própria presença dos equipamentos usados para provocar aqueles efeitos já retira deles o mistério que deveria envolver a relação entre a obra e o espectador.

Isso à parte, percebo que quase nenhuma daquelas obras suscita no espectador maior emoção. Antes, provoca o prazer próprio ao entretenimento, o que não desmerece a competência com que são realizadas. Le Parc consegue o resultado oposto ao das obras de Wilfred, em que o movimento das formas luminosas, lento e denso, leva-nos a um estado de descoberta e reflexão.

Saí da exposição de Le Parc como se nada de importante houvesse visto. São trabalhos elaborados e inventivos, mas não chegam a ser arte maior, no sentido pleno da palavra.

Mendigo do amor - FABRÍCIO CARPINEJAR

ZERO HORA - 26/01

Até que ponto é possível amar sem ser amado?

Quando amamos platonicamente, o amor pode durar muito tempo. Pois não tem ninguém para estragar nossa idealização. Não há convivência para nos desafiar. É uma paixão estanque, feita de sonho e névoa. É uma vontade desligada da realidade. Temos a expectativa intacta, longe de contratempos. Acordamos e dormimos com o mesmo sentimento, longe de interrupção em nossa fantasia.

Mas quando amamos dentro de um casamento e quem nos acompanha não retribui o amor? Quanto tempo dura? Quanto tempo você suporta a secura, o desaforo, a grosseria? Quantos meses, se cada dia é um ano?

Nem estou falando de falta de sexo, mas a falta de beijo, de abraço, da telepatia rumorosa, do colo, de perceber seus cabelos sendo penteados pelas mãos, de ver seu rosto encarado de forma única e brilhante. Nem estou falando da falta de aventura, mas do conforto protetor, da cumplicidade, do afago que é viver com a certeza de que é admirado. Nem estou falando da falta de viagens, mas do mínimo da rotina apaixonada, ser cuidado mesmo quando está distraído. Não estou falando de arroubos e arrebatamentos, mas da vontade boa de morder seus lábios levemente quando suspira e de esperar o final de semana como um feriado.

Quanto tempo dura o amor sem retorno, sem reconhecimento?

Talvez pouco, quase nada. Quem não se sente amado não é capaz de amar. Não é problema de carência, é questão de tortura.

Extravia-se a cintilação dos olhos. Ocorre um bloqueio, uma desesperança, uma resignação violenta. É como dançar valsa sozinho, é como dançar tango sozinho. É abraçar pateticamente o invisível e não ter o outro corpo para garantir seu equilíbrio.

Você se verá um mendigo em sua própria casa, diminuído, triste, desvalorizado, esmolando ternura e atenção. Aquilo que antes parecia natural – a doação, a entrega, a alegria de falar e de se descobrir – será raro e inacessível. Todo o corredor torna-se pedágio da hostilidade. Passará a evitar os cômodos para não brigar, passará a evitar certos horários para se encontrar com sua esposa ou marido, passará a prolongar os períodos na rua, passará apenas a passar. Combaterá as discussões e gritarias anulando sua personalidade. Despovoará a sua herança, assumirá o condomínio do deslugar. Comerá de pé para evitar o silêncio insuportável entre os dois.

Quer um maior mendigo do que aquele que dorme no sofá em sua residência? Com um cobertorzinho emprestado e com a claridade das janelas violentando os segredos?

Por ausência de gentileza, perdemos romances. O que todos desejam é alguém que diga: não vou desperdiçar a chance de lhe amar. Alguém que não canse das promessas, que não sucumba ao egoísmo do pensamento, que tenha mais necessidade do que razão.

A gentileza é tão fácil. É fazer uma comida de surpresa, é convidar a um cinema de imprevisto, é pedir uma conversa séria para apenas se declarar, é comprar uma lembrancinha, é chamar para um banho junto, é oferecer massagem nos pés, é perguntar se está bem e se precisa de alguma coisa, é tentar diminuir a preocupação do outro com frases de incentivo.

Quando o amor para de um dos lados, o relógio intelectual morre. Não se vive desprovido de gentileza. A gentileza é o amor em movimento

Vida normal - HUMBERTO WERNECK

O Estado de S.Paulo - 26/01

O camarada no laboratório foi enfático:

- É indispensável que o senhor, nas próximas 24 horas, leve uma vida normal, para não comprometer os resultados do exame.

Vida normal? Então isso existe? Já não era sem tempo!

Ao sair de lá, quinze minutos mais tarde, me dei conta de que o atendente prescrevera missão impossível: o que ele chama de "vida normal" até pode existir, mas certamente não está ao alcance de quem, como eu neste momento, tem o peito e as costas cravejados de eletrodos, nos quais, tente visualizar, se espetam sete fios, cujas extremidades são plugues encaixados num aparelho preso à cintura por um cinto, não sem antes se enovelarem numa barafunda colorida - branco, preto, marrom, laranja, vermelho, azul e verde escuro. Sacou o panorama? Pense num daqueles astronautas que, para dar uma voltinha no vazio sideral, deixam a nave-mãe, mas a ela permanecem ligados por um feixe de cordões umbilicais de última geração.

É a passos hesitantes que eu, a caminho da rua, cruzo a sala de espera, tão apinhada que todos os males do corpo parecem estar ali representados. Catapultado da terceira para a quarta idade, tudo em torno é ameaçador, e o instinto me faz avançar recurvo qual Corcunda de Notre Dame: ao menor descuido, pode um eletrodo desprender-se, e adeus vida normal.

No táxi, finalmente relaxo, e, num raro momento Poliana, descubro motivos para me sentir aliviado. O monitor Holter que nas próximas 24 horas vai vigiar o comportamento de meu veterano coração não chega a ser um trambolho, ainda que o volume sob a camisa sugira uma inédita hérnia retangular. Tem o tamanho de uma caixinha onde coubessem dois sabonetes, e não pesa muito. Menos sorte tiveram, no final dos anos 1940, as cobaias humanas destacadas para testar os primeiros monitores bolados pelo Dr. Norman J. Holter.

Sim, fui ao Google, vida normal é isso! - e lá me deparei com a foto de um infeliz que, empoleirado numa bicicleta, arqueja ao peso do primeiro aparelho construído pelo célebre (só eu não conhecia) biofísico americano: um fardo com 38 quilos posto sobre as costas. Década e meia se passará até que a estrovenga se miniaturize para ser usada sem estropiar o usuário. Descobri também que o monitor ora aderido à minha carcaça está longe de ser de última ou mesmo antepenúltima geração. Se fosse carro, seria um Monza. Soube, por fim, que o invento já se desdobrou num monitor para cães. Totó e você passeando por aí, na mais total normalidade, cada um com seu aparelhinho, consegue imaginar? Melhor amigo é também pra essas coisas.

No que pode ser problema para os circunstantes, estou, neste verão brabo, proibido de tomar banho antes que se escoem as 24 horas de suplício. No mais, garantiu o atendente, posso fazer o que quiser, inclusive escrever crônica. Havendo "intercorrências", deverei registrá-las num diário até agora em branco. O que mais houver, o espião grudado ao corpo se encarregará de anotar, coletando informações a serem destrinchadas em laboratório, e nada que me ocorra ou faça passará despercebido. Não dá para fingir bom coração. Está de volta o onipresente olho de Deus que na puberdade tentava sabotar meus impulsos de autossatisfação.

Detetive afiado que é, o Holter também vê tudo. Que o elemento, eu, teve um pesadelo às 3h23 da madrugada. Que no parágrafo 9 da crônica em elaboração o elemento embatucou, confrontado com a natureza chinfrim de sua prosa e lamentando uma vez mais não ter nascido Tolstói. E há razões mais sérias para que me preocupe. Se o elemento, com eletrodos e tudo, decidir lá pelas tantas entregar-se a lambanças carnais, é certo que o onisciente Holter, com ganas de voyeur, se inteirará de tudo, tudo mesmo, das preliminares às modalidades, sem esquecer a intensidade da gratificação, se houver. Pior que isso: e se o laboratório descobrir que essa atividade específica nada mais foi do que uma intercorrência - em outras palavras, um evento tão raro que não chega a fazer parte da vida normal do elemento? Tende piedade dele, Holter!

Superstição - CAETANO VELOSO

O GLOBO - 26/01

Acho que 'O som ao redor' é um filme superior a 'A grande beleza'. Mas só sei que, se ele fosse reconhecido na realidade do mainstream do cinema mundial (Oscar etc.), algo do que sonho estaria pondo a cabeça de fora

Vi “A grande beleza” numa “sala de arte” da Universidade Federal da Bahia e fiquei quase o tempo todo emocionado com as imagens de Roma e a língua italiana ecoando no cinema. Era como retomar a minha vida. Eu vi “La dolce vita” umas dez vezes no cine Tupy, na Baixa do Sapateiro, quando eu mal tinha me mudado de Santo Amaro para Salvador. Anos depois, ouvindo de Bernardo Bertolucci, em Londres, que a língua italiana não era apropriada para o cinema, reagi quase indignado: ouvir pessoas falando italiano num filme fazia com que as imagens ficassem visualmente mais bonitas e o ritmo de seu fluxo mais interessante. Hoje encontro vários jovens para quem as imagens e situações cinematográficas perdem todo o sentido se não vêm acompanhadas da língua inglesa. Eu próprio às vezes me surpreendi estranhando sequências fílmicas só porque os atores falavam russo ou parse. Mesmo o francês e o italiano, tão frequentes nos filmes que vi em minha juventude, já chegaram, em tempos mais recentes, a retirar a credibilidade das histórias que as imagens tentavam contar. Às vezes, diante da TV ligada no Telecine Cult, me vi estranhando cenas só por não serem acompanhadas dos sons da língua dos cinco olhos. Quase me identifiquei com o americano médio, que não consegue ver filmes legendados. E agora quase digo que é felizmente que, embora fale inglês, não acho fácil entender o inglês falado. Vi filmes franceses e italianos (além, é claro, de russos, gregos, turcos, iranianos, chineses, coreanos e japoneses — além de pelo menos um tailandês) nos últimos anos. Mas a frequência (e a competência em manter fórmulas eficientes) do cinema de Hollywood tem dominado tanto que sempre foi com algum estranhamento que os absorvi.

“A grande beleza” me trouxe de volta ao prazer imediato do filme falado em italiano. Me lembro de amar as falas nos filmes de Fellini, mesmo dubladas (há uma cena em “O cinema falado” na qual faço Dedé dizer que aquilo é “tudo fora de sinc, mas tem magia”, algo assim). A semelhança buscada e conseguida por Paolo Sorrentino com o mundo felliniano (freiras onipresentes, cardeais mundanos que frustram expectativas de orientação espiritual do protagonista, santos grotescos mas reais e festas de aristocratas e burgueses entediados) proporcionou uma verdadeira atualização da experiência de assistir a um novo filme de Fellini, mantendo toda a atmosfera daqueles que o mestre criou a partir dos anos 1950 do século passado, só que com smart- phones, Instagram e música eletrônica. Talvez eu não tenha conseguido gostar da fala final do protagonista, mas o tom de comédia melancólica, de farsa amarga, e a cor das paredes de Roma me trouxeram de volta ao encantamento de seguir diálogos em italiano com todo o coração.

E é mais do que significativo que isso me tenha acontecido estando eu na Bahia.

Meus 18 anos. Um futuro para além de Hollywood e dos então apenas intuídos cinco olhos (eis um tema atual que me obsessiona). Um eco do neorrealismo visto em Santo Amaro. Um amor intenso pela imagem em movimento embalada pelos sons. Não se pode imaginar o quanto sentir renascer tudo isso em mim é importante. Salvador parece que foi destruída. Prédios feios e crack. Violência e vulgaridade. Mas não: ouvi as palavras italianas com sotaque napolitano e romano adornando imagens misteriosas e a esperança se renovou. O filme parece aquele gafanhotinho verde que pousou em mim no carnaval de 1972, quando voltei do exílio — e que tanto desgostou Roberto Schwarz. Sou incapaz de perceber como kitsch o episódio de “Verdade tropical”. E a visão do filme de Sorrentino me apareceu como um momento semelhante àquele. O que espero? O que quero com tudo isso? Com tantas canções feitas às pressas — exatamente como nosso grande mestre Dorival Caymmi desaconselhava que se fizesse — e tanto pensamento desorganizado? O que quero dizer? O que as forças que me interessam serão capazes de fazer surgir no mundo? Quão ridícula é minha superstição?

Acho que “O som ao redor” é um filme superior a “A grande beleza”. Mas só sei que, se ele fosse reconhecido na realidade do mainstream do cinema mundial (Oscar etc.), algo do que sonho estaria pondo a cabeça de fora. E só continuo sonhando assim porque vejo gafanhotinhos e um filme como “A grande beleza” em plena Bahia. Um dia desses, vou me sentar, parar para pensar e escrever longamente sobre o que está por trás do que estou querendo dizer aqui. Tenho que ter muita paciência comigo mesmo (sem falar nos malucos que escrevem na internet). Ter visto esse filme aqui agora (apesar do ar-condicionado criminoso) me leva até este estágio.

Do outro lado - JAIRO BOUER

O Estado de S.Paulo - 26/01

Um dia é Thiago. No outro, Laura. A história revelada nesta semana pelo jornal Diário da Manhã, de Goiânia, mostra a transformação do delegado da Polícia Civil, tido com linha-dura nas suas ações de repressão ao crime, que tirou licença médica, foi para a Tailândia, fez uma cirurgia de mudança de sexo e pode assumir em fevereiro uma função na Delegacia de Defesa da Mulher da cidade.

A mudança de nome (autorizada pela Justiça) já ocorreu. Fotos recentes no Facebook revelam as novas feições femininas de Laura. Thiago, no passado, foi casado e tem dois filhos.

Na Argentina, no último mês, nasceu o filho do transexual Alexis Taborda (que nasceu mulher, mas se transformou em homem) com sua parceira Karen Bruselario (nascido homem, que se transformou em mulher). Taborda teve de deixar de tomar seus hormônios masculinos para voltar a ovular e poder engravidar. A história ganhou espaço na mídia internacional no ano passado, quando foi revelada.

Quem acompanha essas notícias pode ver os fatos com certa incredulidade. É como se alguém levantasse da cama e dissesse "cansei de ser homem e resolvi que vou mudar de sexo". Mas essa está longe de ser a realidade das pessoas que lutam contra o que sentem ser uma inadequação total da identidade sexual ao corpo que habitam.

Casos de transexuais, como Laura, revelam um sofrimento absurdo de pessoas que se sentem mulheres aprisionadas em um corpo que tem um pênis, músculos e feições masculinas e onde os pelos e a barba insistem em crescer. Para entender a dificuldade, imagine que, da noite para o dia, seu corpo começasse a apresentar características sexuais típicas do sexo oposto. Assim, você que namora mulheres e gosta de jogar bolar com os amigos, percebe que suas mamas estão crescendo, os pelos estão caindo, a voz está afinando e seu rosto ficando com traços femininos. O que faria? Provavelmente, lançaria mão de tudo o que está ao seu alcance para reverter o processo.

É isso que Laura e outras pessoas na mesma situação buscam fazer. Hoje, amparados por diagnóstico e suporte médico (transexualismo é considerado um transtorno de identidade de gênero pela Organização Mundial da Saúde) e por uma lei em diversos países (como no Brasil) que garante o direito às transformações corporais nos serviços de saúde e à mudança de nome e gênero, o processo ficou mais fácil.

Mas ele está longe de ser tranquilo. O caminho é longo, o acompanhamento médico, social e psicológico pode demorar anos até autorizar o início das transformações (uso de hormônios, próteses), que vão culminar, em alguns casos (mas não em todos), em cirurgia.

No Instituto de Psiquiatria, do Hospital das Clínicas da USP, tive a chance de acompanhar a trajetória de vários desses pacientes. Muita luta, preconceito, sofrimento, quadros depressivos e distúrbios de ansiedade estavam na trajetória. Anos depois, vi ainda mais de perto a transformação de uma amiga que passou por boa parte das mudanças. Hoje, vive mais feliz com seu corpo e sua identidade.

Boa parte dos casos (novamente não todos) aparece cedo. Os especialistas argumentam que se o instrumento diagnóstico for "afinado" para a detecção mais precoce e se um trabalho de apoio familiar e social for instituído desde o início, o caminho dessas pessoas pode ser menos árduo e sofrido.

Em tempo, a pesquisa Equal at Work, do jornal inglês The Times, do dia 16 de janeiro, traz os 100 empregadores ingleses que mais respeitam os direitos e a igualdade do público GLS no ambiente de trabalho. Entre eles, Ministério da Defesa, Exército, Marinha e várias polícias de todo o Reino Unido. Tomara que Goiânia, com Laura exercendo seu papel de delegada, que defende a justiça e combate crimes, possa servir de exemplo para o restante do País.

Corre, Fábio, corre! - FÁBIO PORCHAT

O Estado de S.Paulo - 26/01

Após minha passagem de três meses pelo quadro Medida Certa no Fantástico, emagreci 17 kg só de gordura, perdi 19 cm de circunferência abdominal e minha porcentagem corporal de gordura chegou a 11,5. E aí vieram as férias. Passada a turbulência de panetones e rabanadas, o que ficou foi aquilo que considero o mais importante: incorporei a atividade física à minha rotina diária.

Agora, eu já coloco exercício como mais um afazer do dia. Acordo, tenho reunião do Porta dos Fundos, gravo um vídeo, escrevo, corro na praia, reunião para falar do filme, sessão de fotos... E quando eu vi, correr virou banalidade. Corro sete quilômetros quatro vezes por semana. Só que isso não significa que me exercitar deixou de ser um sofrimento. É, mas um sofrimento igual a ter que tomar banho às seis e meia da manhã, em São Paulo, no inverno. Tem que fazer.

Eu descobri que correr é o que eu gosto de fazer e, mesmo assim, toda vez que eu vou correr - toda - eu penso em desistir.

Na verdade, do momento em que eu começo a calçar o tênis até os últimos cem metros da minha São Silvestre particular são sucessões infindáveis de desculpas que eu mentalmente me dou para desistir. Tá frio, tá calor, tá sol, tô cansado, tô com sono, tô com fome, acabei de comer, tô com bolha, eu corro amanhã, já corri ontem... Eu entro em uma batalha campal comigo mesmo, tentando sempre me fazer desistir de um lado e continuar do outro. E a batalha é inconsciente inclusive, a resistência vem de lugares que nem eu mesmo sei.

Eu entro no elevador, me dá vontade de fazer xixi. Eu volto, faço xixi, desço, quando eu começo a andar até o Aterro, a bexiga me cutuca de novo. Eu tenho que ignorar e seguir em frente.

Quando eu começo a correr, nos primeiros cem metros eu já quero desistir. Já começo a pensar em outras possibilidades de atividade como caminhar na praia, me alongar, todas bem menos cansativas. E aí entra o Fábio magro, que está escondido lá trás daquele monte de gordura abdominal e começa a conversar com o Fábio obeso dizendo: calma, cara, tá só começando. Vamos correr só um quilômetro hoje. Depois a gente para. O Fabio Torresmo pondera, aceita. Quando vai se aproximando dos 700 metros ele já dá sinais claros de cansaço, como se aquilo já tivesse sido muito. O Fábio Etiópia começa a entrar em ação ludibriando, mentindo, se utilizando da má-fé para dizer que se já chegamos até aqui, vamos mais um quilômetro. Não vai ser nada. E é assim todos os dias em que corro. Juro, não é modo de dizer. Fazer exercício é chato, cansativo, toma um tempo da sua vida, mas tem que fazer.

Muita gente me pergunta: me conta o segredo pra perder peso. Me dá até raiva. O segredo é vergonha na cara. Come menos e faz exercício. Não tem segredo nenhum. Pode fazer a dieta do abacaxi, da proteína, do doutor XWZ, vai tudo engordar de novo.

Se quiser emagrecer tem que mudar a sua cabeça. Tira a bunda do sofá e jogue no lixo esse empanado de queijo com presunto. Simples assim. Quer dizer, simples não é, né Fábio? É sim, Fábio. Vamos comer uma pizza agora, Fábio? Primeiro vamos calçar esse tênis, Fábio.

Xópis - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O GLOBO - 26/01

Americanos aperfeiçoaram a ideia de cidades fechadas, à prova de poluição, pedintes, automóveis, variações climáticas e todos os outros inconvenientes da rua



Não foram os americanos que inventaram o shopping center. Seus antecedentes diretos são as galerias de comércio de Leeds, na Inglaterra, e as passagens de Paris pelas quais flanava, encantado, o Walter Benjamin. Ou, se você quiser ir mais longe, os bazares do Oriente. Mas foram os americanos que aperfeiçoaram a ideia de cidades fechadas e controladas, à prova de poluição, pedintes, automóveis, variações climáticas e todos os outros inconvenientes da rua. Cidades só de calçadas, onde nunca chove, neva ou venta, dedicadas exclusivamente às compras e ao lazer — enfim, pequenos (ou enormes) templos de consumo e conforto. Os xópis são civilizações à parte, cuja existência e o sucesso dependem, acima de tudo, de não serem invadidas pelos males da rua.

Dentro dos xópis você pode lamentar a padronização de lojas e grifes, que são as mesmas em todos, e a sensação de estar num ambiente artificial, longe do mundo real, mas não pode deixar de reconhecer que, se a americanização do planeta teve seu lado bom, foi a criação desses bazares modernos, estes centros de conveniências com que o Primeiro Mundo — ou pelo menos uma ilusão de Primeiro Mundo — se espraia pelo mundo todo. Os xópis não são exclusivos, qualquer um pode entrar num xópi nem que seja só para fugir do calor ou flanar entre as suas vitrines, mas a apreensão causada por essas manifestações de massa nas suas calçadas protegidas, os rolezinhos, soa como privilégio ameaçado. De um jeito ou de outro, a invasão planejada de xópis tem algo de dessacralização. É a rua se infiltrando no falso Primeiro Mundo. A perigosa rua, que vai acabar estragando a ilusão.

As invasões podem ser passageiras ou podem descambar para violência e saques. Você pode considerar que elas são contra tudo que os templos de consumo representam ou pode vê-las como o ataque de outra civilização à parte, a da irmandade da internet, à civilização dos xópis. No caso seria o choque de duas potências parecidas, na medida em que as duas pertencem a um primeiro mundo de mentira que não tem muito a ver com a nossa realidade. O difícil seria escolher para qual das duas torcer. Eu ficaria com a mentira dos xópis.

Bieber! O Danoninho Rebelde! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 26/01

E essa piada pronta: 'Trem de Cuiabá atrasa e só fica pronto depois da Copa'. Já o apelidaram de Barriquelão!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E neste mês de janeiro Elvis Presley faria 79 anos, se estivesse morto! E a média de vida no Maranhão é de 70 anos. Por isso que o Sarney foi pro Amapá!

E uma amiga disse que o Galeão inventou um novo tipo de aeroporto, o Aeroforno! Você compra uma passagem e ganha uma sauna de presente. Ele estava mais quente que uma costela no bafo! Aeroporto Costela no Bafo! E eu estava no aeroporto de Salvador quando a mulher anunciou pelo alto-falante: "Passageiros da Gol, voo 7989, portão... que portão é mesmo, Rosângela?". Rarará. Gargalhada geral no aeroporto! É verdade.

E o Bieber foi preso! O Bieber foi pra Papuda! O Danoninho Rebelde: dirigindo bêbado e doidão. E uma amiga escreveu no Facebook: se dirigir, não Bieber! Rarará! E ele fez vaquinha tipo Genoino pra pagar a fiança? Rarará!

E o chargista Nani revela o novo livro do PSDB: "50 Alstons de Cinza". E eu já sei como vai terminar esse escândalo do Metrô: vão botar a culpa na Folha ou no Covas, que já morreu! E essa: "Alstom revela que pagou propinas em parcelas". Tipo Casas Bahia? Propina em parcelas. Carnê Propina! Rarará!

E a manchete do Piauí Herald: "Miami proíbe rolezinho de brasileiros". E eu sei como resolver o problema dos rolezinhos. É só botar uma placa na porta do shopping: "Proibida a entrada para menores de 18 salários mínimos".

E o tuiteiro monteirobsb disse que o problema do rolezinho é o nome, devia se chamar "Little Walk Around", tipo "flash mob"!

E essa piada pronta: "Juiz chamado Hitler condena Casas Bahia por racismo!". E essa outra: "Trem de Cuiabá atrasa e só fica pronto depois da Copa". E já o apelidaram de Barriquelão! E CBF quer dizer Como Bagunçar o Futebol! Olha o escândalo: "CBF oferece R$ 4 milhões para a Lusa ficar na série B e parar com os processos judiciais". Só que a Lusa não precisa de R$ 4 milhões, precisa de 4 milhões de torcedores!

E se fosse o Vasco, eles ofereceriam um caminhão pipa! E se fosse o Flamengo, eles ofereceriam 4 milhões de tijolos pra fazer um estádio! E se fosse o Corinthians, eles iriam gastar todo o dinheiro em fiança! E diz que o São Paulo já fez três novas contratações: Félix, Eron e Niko! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Calor - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O ESTADÃO - 26/01


Calor, hein?”

Ou, opcional:

“E esse calor?”

Respostas padrões:

“Nem me fale.”

“Putz!”

“O Senegal é aqui.”

“E a sensação térmica?”

“Você sabe o que é, não sabe? Aquecimento global. Só pode ser. E só vai piorar”.

“Tá brabo!”

“Estou tomando três banhos frios por dia e não adianta.”

“Olha como eu estou suando. Pega aqui a minha camisa. Não, só pega.”

“País tropical, meu filho. País tropical.”

“Dizem que tem um país europeu que quando sopra um determinado vento as pessoas ficam tão irritadas, tão irritadas que, se cometerem um crime, como matar alguém, ou sair pela rua chutando cachorros, crianças e velhinhos e quebrando tudo, são automaticamente perdoadas, porque a culpa é do vento. Um calor como este também deveria ser atenuante para qualquer crime. Mas com um calor como este quem tem energia para praticar crimes?”

“Haja chope.”

“Tá brincando? Meu ar condicionado fugiu pro Caribe.”

“Vamos todos derreter”. “Sabe o que eu sinto quando vejo fritarem um ovo no asfalto para mostrar como está quente? Inveja. Penso: pelo menos pro ovo foi rápido...”.

Agora, todos juntos (ou pelo menos os mais de 60):

“Alá-la-ô, ooô, ooô

Mas que calô, ooô, ooô.”

Sim, a sensação é a de atravessar o deserto de Saara, com o sol forte queimando a nossa cara, como na marchinha de Carnaval. Pouca água e nenhuma sombra à vista. A noite ainda custará a chegar com o seu frio envigorante. Talvez nunca chegue, talvez estejamos condenados a um dia de calor eterno.

E os camelos nos olham com seu ar superior e a empáfia de séculos. Viemos do Egito, onde ao menos havia primavera, e não foram poucas as vezes em que no caminho rogamos a Alá, nosso bom Alá: mande água pra iaiá. Sim, mande água pra ioiô,ooô. Mas antes de mais nada mande água, com ou sem gás, e se possível gelo, para nós, neste deserto. Um oásis, Alá. Pode ser de uma palmeira só. Serve até uma miragem, se houver sombra. Salve-nos da sensação térmica, Alá-la-ô.

Ooô, ooô!

O sonho atômico da Bolívia - MAC MARGOLIS

O Estado de S.Paulo - 26/01

Será o ar rarefeito dos Andes? Ou, quem sabe, o feitiço da Pachamama, a deusa da natureza cultuada por Evo Morales? Seja que for seu inebriante, o líder boliviano arfa sonhos grandiosos. Na semana passada, o presidente do Estado Plurinacional se superou. Em seu discurso anual para o Legislativo, que também marcou o 11.º ano de seu governo, Evo descortinou seu último projeto: um reator nuclear. A energia atômica é uma prioridade estratégica, "para fins pacíficos", salientou. "Bolívia não pode ficar à margem desse conhecimento, que é patrimônio da humanidade."

Não foi sua primeira ogiva política. Ano passado, em Moscou, o boliviano deixou no ar a ideia de conceder asilo ao delator americano Edward Snowden. Não concedeu, mas a suspeita de que fosse contrabandear o fugitivo gringo a bordo da aeronave presidencial provocou um pequeno escândalo diplomático. Em 2006, Evo mandou soldados para ocupar as refinarias da Petrobrás, um tapa de Lilliput na cara do gigante vizinho Gulliver.

A ousadia atômica, no entanto, surpreendeu até os "moralistas" mais acalorados. O sonho não é novo. Em 2010, seu governo firmou com o Irã um acordo de cooperação nuclear. Ano passado, renovou um tratado de assistência técnica com Argentina, selado nos anos 70. Seguiu para França, onde teria arrancado promessas de ajuda de François Hollande e, dias atrás, voltou animado de outra visita a Teerã. "Não estamos longe de ter energia nuclear. Temos a matéria-prima e o direito de usá-la", afirmou ao seu congresso.

Ainda é cedo para abrir o champanhe. Pequena, ilhada e pobre, a Bolívia não é candidata nata ao clube nuclear. Apenas três países latinos contam com reatores - Argentina, Brasil e México - e, apesar, de ostentarem economias bem mais avantajadas, todos enfrentaram dificuldades graúdas para erguer suas usinas. Faltou a Evo esclarecer o que a Bolívia espera ganhar da associação com os aiatolás, fora a redobrada patrulha atômica internacional.

Bom senso econômico, não é. Afinal, a Bolívia possui a segunda maior reserva de gás natural do continente e ainda se gaba de ser a "Arábia Saudita do lítio", matéria-prima de microbaterias. Mesmo assim, o país tropeça em seu próprio ufanismo. Nada a ver com a Pachamama. A culpa é da política. Nacionalista abrasado, Evo passou a última década colhendo poder e podando capital privado. Comemora o "novo modelo" econômico, que dilatou o naco estatal para 34% do mercado, contra 20% em 2005.

Peitar o capitalismo forasteiro rende aplausos mas espanta investimento. Resultado: em meio à demanda crescente por seu gás natural, as reservas devem despencar na próxima década. Que dizer da ambição nuclear se nem o botijão à boliviana está garantido? A explicação talvez esteja na usina política de Evo. Em outubro, os bolivianos irão as urnas. O presidente desponta como franco favorito, surfando no forte crescimento econômico movido a commodities, mas enfrenta turbulências. Seu projeto de cortar com uma estrada uma vasta reserva indígena desagradou parte importante da sua base. Os investimentos sociais melhoraram a vida dos mais pobres mais não aumentaram a distância dos mais ricos. A Bolívia acaba de tirar do Brasil o título de sociedade mais desigual do continente.

Aí que se encaixa o plugue nuclear. Como o ouro e os canhões do passado imperial, a usina nuclear é hoje o emblema preferido do poder e da soberania. Quem domina o ciclo do urânio impõe respeito. A opção atrai os países bolivarianos - que, órfãos de Hugo Chávez, não se espelham mais na Venezuela, que mal consegue manter acesas as luzes e muito menos a revolução. Hoje, Evo e companhia buscam inspiração alternativa. Haja átomos.

Rio 40 graus - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 26/01

A rede Hortifruti vendeu, nos primeiros 19 dias de janeiro, cerca de 144 mil litros de água de coco em todas as lojas da rede na cidade. Uma alta de 35%, comparando com o mesmo período do ano passado.

Calor contra ciclista...
Aliás, veja só como este calor que beira os 40 graus atrapalha quem gosta de andar de bicicleta pelo Rio.
Uma pesquisa da DataScript, de Guto Graça, mostra que se o clima do Rio fosse mais ameno e existissem vestiários em pontos estratégicos 31% das pessoas ouvidas usariam mais a bicicleta como meio de transporte.

Segue...
O calorão, como fator inibidor, só perde para a segurança: 34% disseram que não se sentem seguros pedalando pela cidade.

Carros elétricos
A Nissan garantiu a Sérgio Cabral que em abril inaugura em Resende a sua primeira fábrica no Brasil.
Em seguida,vai desenvolver a planta de carros elétricos.

O contraponto
Em Davos, no meio de certo ceticismo empresarial em relação à economia brasileira, o economista Marcelo Neri exibiu para a plateia de desconfiados mais um número sobre o avanço da renda por aqui.
Segundo o ministro de Assuntos Estratégicos, entre 2003 e 2013, de acordo com as pesquisas domiciliares, a renda mediana por brasileiro subiu 88,4% contra 29,59% do PIB.

Amores roubados
Atendendo a pedidos de foliões, a Confraria do Garoto, do Rio, mudará o nome do seu bloco de carnaval. Deixará de ser A Galinha do Meio-Dia e passará a se chamar O Galinha do Meio-Dia.

Otto e o Golpe de 64
Dia 5 de fevereiro, o Instituto Moreira Salles bota no ar o site “Em 1964”. É sobre os 50 anos do golpe militar vistos por fotógrafos, escritores e artistas que têm seus acervos no IMS. Haverá ainda uma exposição do material.
Um dos acervos é do escritor e jornalista Otto Lara Resende (1922-1992), autor da frase-manifesto, ironizando a influência americana no país:
“Chega de intermediários, Lincoln Gordon (embaixador dos EUA no Brasil em 1964) para presidente.”

Coisa melancólica...
Otto, numa das gravações, em 1979, relembra: “Tenho orgulho de ter desconfiado desse 31 de março ou 1º de abril de 1964 desde o primeiro momento.”
E mais: “Essa é uma sombra que se projetou sobre o nosso destino e a nossa geração. Em nossa mocidade, tínhamos a ditadura do Estado Novo, e, em nossa maturidade, temos essa coisa melancólica, que nem é uma revolução.”

Esquerda festiva
O bordão de que “a esquerda só se une na cadeia” pode acabar em samba.
Surgiu no Rio o Bloco da Esquerda Carnavalista. Pretende reunir — e desfilar uma semana antes do carnaval — quem se considera de esquerda ou é “ativista, socialista, comunista, anarquista e sindicalista”. Ah, bom!

Revolta das madames
O clima fechou, quarta passada, no Jockey Club, no Rio. É que duas babás, que tomavam conta de duas crianças, entraram na piscina com as miúdas.
Uma madame não gostou e esbravejou com diretores. Ficou decidido que babá não pode entrar na piscina.

Vocês querem bacalhau?
Produzido pela dupla de sucesso Luiz Calainho e Aniela Jordan, “Velho Guerreiro, o musical”, escrito por Pedro Bial, terá uma novidade.
Durante o espetáculo, o personagem “Chacrinha” vai convidar gente da plateia para subir ao palco e participar como se fosse à vera, como nos antigos programas do Velho Guerreiro.

É de ouro?
Da série “deu a louca nos preços”.
Um hambúrguer de picanha, queijo e foie gras custa R$ 99 no Tom do Leblon, bar na Avenida Bartolomeu Mitre.

Bacana compartilha
Ao que tudo indica, pedir para “rachar” um prato de comida virou coisa de pobre.
Dia 20 agora, um garçom do ótimo Antiquarius, no Leblon, ao ouvir tal pedido de uma cliente, respondeu:
— Ah, já entendi... vocês irão compartilhar o prato!

TATÁ EM TODAS - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 29/01

A atriz diz que se recusou a fazer novela após 'Amor à Vida', dispensou mais de 70 contratos e vai adiar a maternidade para aproveitar a onda que a faz valer R$ 400 mil no mercado publicitário


Ela acordou às 3h com cólica renal, tomou remédio para aliviar a dor, voltou para a cama. Levantou às 5h, ainda sentindo as pontadas, para cumprir uma maratona de 16 horas de compromissos.

Tatá Werneck, 30, não cogitou desmarcar as sessões de fotos para capas de duas revistas, a gravação de um programa de TV nem a entrevista para a repórter Ana Krepp. "Minha vida é isso, não para. Claro que tô cansada. Desde maio, tô num ritmo de muito trabalho, mas se ficar mais de dois dias sem fazer nada já fico meio desesperada."

A atriz grava os últimos capítulos de "Amor à Vida", novela que a catapultou ao estrelato e chega ao fim na sexta. Onipresente na programação da Globo e nas páginas de revistas, ela protagonizou um lance inédito na TV brasileira: entrou no "Big Brother Brasil 14" no papel de participante por 12 horas.

Na pele de Valdirene, subverteu a lógica do "reality show". "Não tinha nenhum texto pronto, todas as conversas lá dentro foram criadas na hora. Eu só tinha que ir para debaixo do edredom pra justificar cenas já gravadas."

A "brother" de mentira precisou ser retirada à força, após ouvir que estava eliminada. Tatá alcançava ali o pico de exposição. Nos últimos oito meses, estampou 17 capas de revistas, fez o périplo por programas globais --de Xuxa a Ana Maria Braga--, fechou 32 contratos publicitários e recusou 71.

Está analisando três propostas. "Nego um monte de coisas." No mercado, sabe-se que para ter a figura do momento em um campanha publicitária é preciso desembolsar a partir de R$ 400 mil.

Deve dar um tempo da TV aberta depois da avalanche de aparições. "Não emendei uma novela na outra. Tive a possibilidade, mas não quis." Vai apresentar um programa de humor no canal pago Multishow, chamado "Tudo pela Audiência", com estreia prevista para abril. E participa de três filmes neste ano.

A obsessão pelo trabalho herdou "inconscientemente" da mãe, a jornalista e escritora Claudia Werneck. Na infância, ela perguntava aos pais por que na casa deles domingo era "igual segunda". "Lá não tinha folga e hoje também não tenho. Tô na idade, preciso mesmo produzir."

Na última São Paulo Fashion Week rivalizou com Gisele Bündchen na histeria de fãs e fotógrafos. A tietagem também parte de famosos. Ao gravar o "Altas Horas", recebeu elogios de Regina Duarte. "Ela veio me dizer no camarim que adora me assistir, que queria tirar uma foto. Porra! É a Regina Duarte!"

Nem sempre foi bem recebida pelos colegas. Diz que já se sentiu esnobada. "Nosso meio tem mais disso porque a gente está sempre exposto, vulnerável a todo tipo de energia e opinião. Às vezes, ainda sinto. Acham que acabei de aparecer. Não sabem que faço teatro desde os nove anos."

Para chegar à Globo, contou com a ajuda de Malu Mader, que a pedido de uma sobrinha lhe descolou um teste. "Malu foi fofa pra caralho. Tão generosa. E nem me conhecia." Tatá diz que cogitou "milhares de vezes" desistir da rotina teatral que incluía apresentações de quinta a domingo e, às vezes, mais de um espetáculo por dia.

Antes de entrar na MTV, em 2010, pensou em passar um tempo cuidando de órfãos africanos com o vírus da Aids. Acabou indo parar em um retiro espiritual na África do Sul, em 2011, com a escritora Leslie Temple-Thurston, "mestre da iluminação". "Comecei a me questionar muito sobre essa competitividade da TV. Não queria aprender a ser esperta para sobreviver no meio."

De crise em crise, chegou à de quem, de repente, ganha muito dinheiro. "Quando comecei a ganhar grana, achei que tava negando a minha arte, me vendendo, porque eu fazia teatro. Depois, vi que não. Graças a Deus, somos feitos para aproveitar tudo."

Está ficando rica? "Nunca vou responder a isso na vida", desconversa. "Quando fiz 18 anos, meus pais disseram que não iam me dar mais um centavo. Achei ótimo. Isso me fez correr atrás." Tatá vendeu cosméticos de porta em porta, deu aula de maquiagem. As contas não fechavam nos tempos de MTV, "ganhando dois e gastando seis".

Com a renovação do contrato com a Globo por três anos, diz ter adiado os planos de ser mãe. "Lá pelos 34 [anos] vou poder parar por uns dois anos para ter dois bebês, um seguido do outro." O casamento, "graças a Deus", sai mais rápido. Tatá e o engenheiro Felipe Gutnik, 30, depois de sete anos de namoro, vão morar juntos em fevereiro, quando acaba a reforma da casa que ela comprou no Itanhangá, no Rio.

A maratona de fotos e gravações do dia só termina por volta das 23h. Ela só quer "dar uma descansadinha" na cama do hotel. "Quer deitar aqui comigo? Você também deve estar cansada", sugere à repórter. Encarou ainda mais uma hora de entrevista.

O celular, que largou por algumas horas, apita com mais de 300 mensagens de texto e outras 200 no Whatsapp. Revira a bolsa para encontrá-lo entre vários cremes Victoria's Secret. "Sempre gostei de me cuidar, mas ginástica não faço. Pego um táxi da sala até a cozinha pra beber água. Sempre fui vaidosa. Só que não priorizo a vaidade, não tenho aquelas frescuras típicas de mulher."

Dos grupos de humor de que fez parte, era a única representante do sexo feminino por aceitar "se zoar". "Pra mim, é muito mais importante ser engraçada do que estar bonita." Surgida para o grande público como comediante, ela diz que é mais difícil fazer graça nos dias atuais. "As pessoas estão mais preocupadas em averiguar se aquele humor é correto do que em rir."

Critica também a patrulha. "Quando nos proibiram de fazer piada sobre campanha política, foi uma censura absurda. O humor também é ferramenta política, de estranhamento, fomenta questões. Tiraram nossa maior arma. O limite é do bom senso de cada um, o que é uma merda. A gente não consegue nivelar o bom senso."

Ela, que ainda se diverte com os episódios já nada inéditos de "Chaves", recarrega o próprio repertório em séries como "Monty Python" e "The Office". Não é uma máquina de fazer piadas. Especialmente quando está cansada. "Às vezes, me perguntam como é sexo com humorista. As pessoas acham que vou sacar um palhaço [de dentro da caixa] e dizer: Surpresa! Olha aqui!'."

Três dias depois da entrevista, a repórter recebe uma mensagem, via Whatsapp, da atriz. É um vídeo viral em que uma moça aparece falando uma língua indecifrável. Após segundos, uma imagem medonha salta da tela de repente. Susto daqueles. E boa tradução do jeito Tatá de ser.

O caminho da expansão - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 26/01

Os investidores brasileiros se preparam para investir no "Chaco" do Paraguai. A região, de 250 mil km², de matas e pastagens, tem população aproximada de 400 mil e faz fronteira com Mato Grosso do Sul. O presidente da Itaipu Binacional, Jorge Sameck, retornou de uma visita à região, que precisa de investimentos em irrigação para se tornar um novo celeiro produtivo.

Uns são mais iguais que outros
Os aliados do governo Dilma estão reticentes em relação à escolha do secretário petista Arthur Chioro para o Ministério da Saúde. Alegam que, se fosse um nome indicado por outro partido da base, a sociedade em uma consultoria que atua no setor detonaria o pretendente. Mas, como é do PT, passa. Esses aliados preveem uma dor de cabeça futura. E perguntam: "Qual prefeito do país não vai querer contratar a consultoria dirigida pela mulher do ministro?". Eles antecipam a próxima pauta: o crescimento da Consultoria Consaúde sob a administração de Roseli Régis dos Reis, mulher de Chioro, e que está assumindo a empresa.

"Nós estamos colocando Minas Gerais como uma grande oportunidade de negócios para grandes empreendimentos internacionais" 

Antonio Anastasia Governador de Minas, otimista, sobre sua ida ao Fórum Econômico Mundial


A alternativa
Diante da posição do prefeito Marcio Lacerda (PSB) de permanecer na prefeitura de Belo Horizonte, os socialistas que defendem candidatura própria ao governo de Minas apostam agora no presidente do Atlético Mineiro, Alexandre Kalil. Ele queria disputar o Senado, mas desistiu devido à candidatura do governador Antonio Anastasia.

Troca na Esplanada e insatisfação
A primeira tarefa do futuro chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, é desarmar a chamada pauta-bomba, que, se aprovada, poderá gerar novos gastos públicos, como o piso dos policiais.

De olho nos eleitores
O Planalto está atento ao movimento para derrubar o veto da presidente Dilma à lei que permitiria a criação de 269 novos municípios. São muitos os deputados governistas que estão dispostos a se rebelar por causa das eleições.

Os nomes do colegiado
O candidato do PSDB ao Planalto, Aécio Neves, já tem alguns nomes para integrar o colegiado que vai comandar seu marketing. Na lista: o argentino Guillermo Raffo (atuou para o prefeito Márcio Lacerda), Paulo Vasconcelos (trabalhou para o governador Antonio Anastasia) e Rui Rodrigues (atuou nas duas do ex-presidente FHC).

Caçamba eleitoral
Em ano eleitoral, o governo quer faturar a entrega de caminhões-caçamba para municípios com até 50 mil habitantes. Amanhã, o Ministério do Desenvolvimento Agrário faz festa, em Brasília, para entregar as máquinas a 47 cidades de Goiás.

Nova fatura
O PCdoB, o mais tradicional aliado do PT, acaba de fazer mais um pedido de apoio aos petistas, além da reeleição do senador Inácio Arruda (CE). O partido quer a deputada Alice Portugal na vice da chapa de Rui Costa (PT) ao governo da Bahia.

MAIS DE 150 MIL PESSOAS baixaram aplicativo do Ministério da Justiça para verificar a situação de um veículo, a partir do número da placa.

O golpe e a campanha - BERNARDO MELLO FRANCO - PAINEL

FOLHA DE SP - 26/01

O PT prepara uma extensa programação para lembrar os 50 anos do golpe de 1964. O roteiro inclui um grande ato político em Brasília, para o qual serão convidados o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff. A data escolhida pelos petistas foi 1º de abril, Dia da Mentira. Os militares detestam a coincidência e situam a efeméride em 31 de março, dia em que o Exército começou a se rebelar contra o governo Jango. O ato ocorrerá a seis meses do primeiro turno da eleição.

Os arquivos Pesquisadores da Fundação Perseu Abramo têm se debruçado sobre documentos secretos que mostram como a ditadura vigiava os passos de líderes do PT. Os primeiros informes são de 1977, três anos antes de o partido ser registrado.

Os infiltrados Os papéis revelam que o Dops infiltrava agentes em reuniões com a participação do então líder sindical Luiz Inácio da Silva. Ele era seguido, fotografado e tinha as falas gravadas em todo o Estado de São Paulo.

O moderado Em 15 de março de 1981, a polícia monitorou visita de Lula a uma fábrica e um centro comunitário em Franca. O relatório atesta, com certa decepção, que seu discurso foi "comedido e sem ataques pessoais às autoridades constituídas".

Os suspeitos A ficha registra detalhes como as placas dos carros dos petistas. Lula viajou de Opala. Atrás, num Fusca amarelo, vinham "três desconhecidos com características de hippies". "Estes elementos foram fotografados", escreveram os tiras.

Antídoto Mais novos que Dilma, os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) não combateram o regime. Mas vão explorar na campanha a imagem de seus avôs, Tancredo Neves e Miguel Arraes, que foram adversários dos militares.

Pátria de fraldas Campos batizará o quinto filho com o nome do avô. Após anunciar a gravidez da mulher, Aécio ligou para ele e avisou: "Miguel que se prepare, porque Tancredo vem aí!".

Nem pensar Ao ouvir a conversa do marido, a modelo Leticia Weber foi rápida: "Tancredo? Tancredo, não!". O tucano já é pai de Gabriela, fruto do primeiro casamento.

Nos outros... A PM de São Paulo reforçou o estoque de spray de pimenta. Pregão realizado em dezembro comprou 85 mil frascos por R$ 5,87 milhões. Um lote de 5.000 é de "sprays coletivos", com carga sete vezes maior.

... é refresco A prefeitura de Fernando Haddad (PT) comprou "50 granadas explosivas de pimenta" para a Guarda Civil. Cada uma saiu, em novembro, por R$ 246,95. Sem licitação.

Até no trem A CPTM, empresa estadual que administra os trens paulistas, também se preparou para possíveis manifestações no ano da Copa. Comprou 206 sprays de pimenta por R$ 44,7 mil. Cada um pode disparar 35 jatos.

Eu ajudeiO governo Geraldo Alckmin (PSDB) começa hoje uma nova campanha em rádio e TV. O objetivo é divulgar o repasse de R$ 536 milhões dos cofres de São Paulo para as Santas Casas.

Eu também O tucano tem criticado o governo federal por deixar as entidades à míngua. Não por acaso, o ministro Alexandre Padilha (Saúde), pré-candidato do PT a governador, anunciou no mês passado mais de R$ 100 milhões para filantrópicas.

Rali Aposta do PSDB, o técnico Bernardinho pode disputar o eleitorado do Rio com outra figurinha carimbada do vôlei. Radamés Lattari, que também comandou a seleção masculina, filiou-se ao PSB em outubro.

TIROTEIO

"Haddad quer a recuperação dos viciados, mas critica a polícia quando ela tenta tirar a droga das ruas. É a lógica eleitoral do PT."

DO DEPUTADO ESTADUAL CAUÊ MACRIS (PSDB-SP), sobre a crítica do prefeito da capital paulista à ação da Polícia Civil na cracolândia, na quinta-feira.

CONTRAPONTO

O candidato que autografava dinheiro

No início da campanha presidencial de 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi pedir votos em Santa Maria da Vitória, cidade pobre do interior da Bahia. Ao sair do carro, viu-se cercado pela multidão, que agitava notas recém-lançadas de um real. Um homem desdentado se aproximou com uma cédula e pediu um autógrafo.

Acho que pode ser ilegal... --advertiu um assessor.

Não, não... Não é ilegal, porque a minha assinatura já está nelas! --devolveu o então ministro da Fazenda.

Empolgado, FHC assinou a nota. A euforia do real, que "valia mais que o dólar", o ajudaria a vencer a eleição.

Quando fevereiro chegar - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 26/01

Em ano eleitoral, a presidente Dilma Rousseff está com os olhos bem abertos para o que pode acontecer no Congresso Nacional durante votações consideradas importantes. Fevereiro está chegando e traz a reboque uma fila de 30 vetos presidenciais polêmicos para serem apreciados pelos parlamentares.

Não é novidade para ninguém que, com a campanha eleitoral, os deputados e senadores ficam mais vulneráveis às pressões. A novidade é que, agora, a sistemática é outra. Os vetos serão deliberados em votação aberta. Até agora, a desgastada ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, dá sinais de que vai permanecer na pasta. Terá trabalho dobrado para evitar contratempos e surpresas desagradáveis para o governo.

No cardápio indigesto a ser analisado com o início do ano legislativo, está o veto integral ao Projeto de Lei Complementar n° 416/08, que regulamenta a criação de municípios. O tema tem grande apelo eleitoral. Outros vetos importantes e não menos polêmicos são aqueles referentes à minirreforma nas regras das eleições e a questões orçamentárias.

Na pressão
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), promete começar o ano legislativo colocando a boca no trombone. Vai tentar, junto ao governo federal, a retirada da urgência constitucional dos projetos que tratam dos royalties da mineração, do marco civil da internet e da mudança do FGTS. No ano passado, o esforço foi em vão. O Planalto fez ouvido de mercador, e a pauta ficou trancada por boa parte do tempo.

Convidados fantasmas
O deputado federal Paulinho da Força (SDD-SP) comemorou aniversário ontem em São Paulo. Políticos de variadas cores partidárias passaram no Clube Juventus, no bairro da Mooca, para abraçá-lo. A piada que circulava dava conta de que muita gente assinou a lista de presença e não apareceu na festa. Maldade em razão das fichas de apoio à criação do Solidariedade falsificadas pela sigla e validadas pela Justiça Eleitoral no ano passado.

Facebook eleitoral
Líder nas pesquisas de intenção de voto, a presidente Dilma Rousseff fica atrás do senador Aécio Neves (PSDB-MG) e do governador Eduardo Campos (PSB-PE) quando se trata de curtidas na página oficial do Facebook. O tucano lidera, com 396 mil “likes”. Campos tem 270 mil e Dilma, 206 mil.

Regra três/ Caso o PSB faça a vontade de Marina Silva (foto) e resolva lançar candidato próprio em São Paulo, tirando o deputado Márcio França da vice do governador Geraldo Alckmin (PSDB), o PTB e o PRB estão de olho na vaga. Na sexta-feira, pleitearam a posição o presidente nacional do PRB, Marcos Pereira, e o presidente do diretório estadual do PTB, deputado Campos Machado.

Sina/ A delegada Martha Rocha, que deixa a Polícia Civil para se candidatar a deputada, é apenas mais uma da extensa lista de secretários de Segurança e chefes de polícia do Rio de Janeiro que escolheram o mesmo caminho. O ex-prefeito Cesar Maia lembra os casos: Helio Saboya (durante o governo Moreira Franco), Coronel Cerqueira e Helio Luz (na gestão Marcelo Alencar), Josias Quintal (Garotinho), Zaqueu Teixeira (Benedita), Álvaro Lins (Garotinho), Itagiba (Rosinha Matheus). Grande parte teve sucesso nas urnas.

Rolezinho bolchevique/ O paraibano Franklin Rabelo de Melo, estudante da UnB e um dos organizadores do rolezinho em Brasília, sugere que as autoridades deixem de monitorar os shoppings e passem a acompanhar de perto as áreas de Saúde, Transporte e Educação. O garoto lista como livro favorito O Estado e a revolução, publicado por Lênin às vésperas da Revolução Russa.

O caráter da inflação - GUSTAVO FRANCO

O GLOBO - 26/01

Tolos ou excessivamente espertos, sempre existiram os crentes no caráter da inflação. Uns viam um "caráter financeiro", outros um "caráter classista" e ao final do processo surgiram os sacerdotes do "caráter inercial". Diante disso, ficou famosa a penetrante observação feita pelo mestre Mario Henrique Simonsen:

- A inflação brasileira não tem nenhum caráter.

Não se tratava apenas de definir a criatura como macunaímica e peçonhenta, mas de estabelecer que a criatura tinha funcionalidade, pois havia quem lhe enxergasse caráter, mas que não era benigna nem era possível de se manter sob limites.

O desaparecimento da criatura em razão do Plano Real, que fará 20 anos em fevereiro, foi imensamente festejado mas, infelizmente, a criatura retornou, com a mesma falta de caráter, e novamente produzindo discórdia, desconforto e injustiça. Seu retorno foi a convite, a partir da invenção denominada "Nova Matriz Macroeconômica", uma criação da equipe econômica do governo.

Há os que enxergarão exagero nos veredictos acima. Para os que viveram a hiperinflação em particular, há dois sentimentos polares: o de que 5,91% ao ano não é nada, pois era a inflação de um fim de semana naqueles tempos malucos, e portanto não há razão para maiores ansiedades. No outro extremo, prevalece a angústia, pois o organismo econômico brasileiro livrou-se desse vício a muito custo, e pequenas dosagens da mesma droga podem produzir uma perigosa recaída.

É para se preocupar com 5,91% anuais, a inflação acumulada para 2013?

A primeira observação, quase um clichê, é que estamos tratando de fenômeno complexo que está muito longe de se resumir apenas a um número. Uma média pode resultar de extremos muito desagradáveis e assim ocultar mais do que revelar. É comum se usar a analogia médica ao comparar a inflação com a febre e tomar a temperatura desse organismo com um número livre de ambiguidades. Entretanto, como toda analogia, ao simplificar demais o assunto, pode levar a erro em muitos casos, como agora. De muitas maneiras a medição da inflação se parece muito mais com um exame de sangue, com seus inúmeros testes capturando diferentes fenômenos e revelando disfunções de órgãos específicos. Os diversos números desse tipo de exame não se "somam". Seu médico poderá dizer que o HDL está bom, mas não a tromboplastina e a testosterona. E que há um antígeno marcando números estranhos. Sem entender, e angustiado você pede uma nota de zero a dez. Dificilmente o médico dirá um 5,91 ou qualquer número, não é por aí.

Os 5,91% da inflação pelo IPCA-2013 resultam de uma inflação nos serviços pouco inferior a 10% ao ano e de um congelamento branco de tarifas públicas. Péssimas notícias. 10% é muito e o País sabe bem que o congelamento de preços significa encomendar inflação no futuro, com a inevitável arrumação desses preços, sempre de forma amplificada e com as piores repercussões.

O congelamento é propositalmente dissimulado por movimentos que produzem uma inflação de cerca de 1% ao ano no conjunto desses itens, criando uma "inflação reprimida" que, na verdade, equivale à tentativa de aprisionar a inflação na sala de estar, o pior lugar para essa criatura peçonhenta, que vai espalhando sua sujeira pela casa, grafitando as paredes, tirando as coisas de seus lugares e ampliando a confusão.

Por isso, é uma tolice apelar à "desindexação" para justificar esse congelamento. É visível que as autoridades não sabem o que é desindexação, do contrário aceitariam o que lhes pede a Petrobrás para os preços de derivados do petróleo. Qual a lógica de o preço da gasolina, eletricidade e passagem de ônibus não andarem (sobretudo quando todos possuem agendas ampliadas de investimento), a tabela do imposto de renda sofrer correção de 4,5% e o salário mínimo crescer 6,78%?

A indexação (a prática da correção monetária) é assunto muito complicado, e muitos economistas de alentada reputação já meteram os pés pelas mãos nesse assunto. A ligação entre inflação e indexação provoca confusões históricas, como a tese do "caráter inercial" que postulava que a inflação existia por que existiu ontem, ou que a causa da inflação era a correção monetária. Como acima argumentado, era um julgamento tolo, ou excessivamente malicioso, sobre o caráter da inflação.

Obviamente, os planos de estabilização baseados nessas teses insanas todos fracassaram de forma flagrante e humilhante. Mas nem por isso desapareceu a tese de que a indexação era a causa da inflação e não a consequência, tampouco a ideia que falsear a correção monetária serve para moderar a inflação.

Desindexação não é "congelamento", pelo contrário, é liberdade para o sistema de preços cumprir o seu papel de vibrar e orientar as decisões econômicas, ou seja, está mais para a livre contratação de indexação, sobretudo no setor privado.

Nos preços públicos, onde não pode haver a livre negociação, trata-se de equilíbrio econômico financeiro de contratos supervisionados pelo poder público e de honestidade na aferição dos índices. Ao fraquejar nesses princípios, as autoridades introduzem um veneno na economia, que apenas o exame mais detalhado do índice de inflação logra capturar.

Os efeitos do veneno já são muito presentes na corrente sanguínea e a conclusão do hemograma é muito simples: a "Nova Matriz" é um fiasco histórico. Com a política fiscal frouxa, as leis da economia, das quais, infelizmente, não é possível fugir, impõem ao governo a escolha entre mais inflação ou mais juros.

Os argentinos preferiram "nenhum dos dois", e apostaram que uma maquiagem muito pesada em todos os números poderia enganar as leis da economia. É como alterar os valores do exame de sangue, acreditando que isso vai confundir o médico e também as doenças. O fracasso dessa tolice tem sido exposto em cores cada vez piores a cada dia.

No Brasil, estamos utilizando maquiagem, sobretudo nos números fiscais, mas a escolha mais importante foi a de permitir que o Banco Central cumpra seu dever, e portanto, optamos pelo "mais juros". A antipatia pública se volta para a ortodoxia da Autoridade Monetária e assim os políticos responsáveis pela desordem fiscal se afastam das consequências de seus atos. Um clássico, um truque velho e sem nenhum caráter.

Argentina, de volta para o passado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 26/01

Desvalorização forte do peso é o primeiro sinal de não há mais como remendar modelo econômico do país


EM BUENOS AIRES, diz-se que o verão de 2014 está com cara de anos 1980, "ochentoso", com apagões, preços tabelados, saques, inflação. Faltavam apenas uma desvalorização do peso e um tarifaço (alta de preços de serviços públicos).

A desvalorização não falta mais.

A inflação argentina foi de 28% no ano passado. Antes da desvalorização deste mês, estimava-se que seria de uns 35% neste 2014.

Os argentinos, como de costume, querem se livrar de seus pesos, que valem cada vez menos. Para quem tem algum dinheiro, isso significa comprar bens, até carros, e dólares. Não podem aplicar a juros? A inflação é maior que a taxa de juros. Poupar quer dizer perder dinheiro. A taxa real de juros é negativa.

Desde outubro de 2011, o governo vinha impondo cada vez mais restrições à compra e à saída de dólares. Restrições recentes, como impedir compras pela internet além de um valor ridiculamente baixo, ajudaram a detonar o pânico da semana passada. Apenas ajudaram.

É evidente a escassez de dólares. As reservas internacionais do país caem rapidamente. Reservas são um estoque de dinheiro em moeda forte ("dólares" e equivalentes financeiros), um colchão de segurança para pagar contas no exterior caso a entrada de dólares seque (ou que as saídas sejam bem maiores do que as entradas), grosso modo.

Governo e empresas argentinos pagam suas dívidas externas, os argentinos gastam mais em turismo e o comércio exterior rende menos desde a crise de 2008. Crescem menos os preços e as quantidades exportadas pelos argentinos, que importam mais, mas não só devido à crise. Faltam dólares.

A Argentina não pode "pegar dinheiro lá fora", financiar suas dívidas no mercado internacional, que não pode frequentar desde o calote da dívida, em 2001-2002.

O país ficou caro por causa da inflação alta. Parte da produção exportável foi desorganizada por intervenções desastrosas do governo na economia.

A inflação é alta e crescente em particular porque o governo passou a ter deficit depois de 2008, conta financiada loucamente pelo banco central. De modo simplificado, mas vá lá, para ser breve, o BC deles imprime dinheiro para bancar o governo.

Entre os motivos da alta do gasto público estão aumentos salari- ais, despesas sociais e o fato de o governo bancar, subsidiar, parte dos preços de energia e transporte público. Os subsídios passaram de quase zero em 2005 para mais de 4% do PIB em 2013.

Perda de reservas, procura excessiva de dólares, suscita medos de desvalorização da moeda e desvalorização, o que realimenta a inflação, o que cria expectativa de mais desvalorização. Etc.

Até 2007, segurar o preço do dólar era um modo de tentar segurar a inflação. Mas isso arrebenta a competitividade argentina (dólar barato, produto argentino caro).

Com menos dólares, de qualquer modo, a estratégia foi para o brejo. Desvalorizar é um início de mudança, mas, se vier mais inflação, de nada adianta. A Argentina terá de enfrentar alguma recessão (juro mais alto, menos gasto público, contenção de salários, alta de tarifas).

Mesmo depois do verão quente e "ochentoso", a coisa vai continuar quente e "ochentosa".

O veneno do atraso político - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO - 26/01

É como injeção na veia: ao drenar o sangue e espalhar o remédio pelo corpo, o efeito no paciente é imediato. No Brasil o atraso político tem a força da injeção na veia: seu efeito imediato é frear o progresso social e econômico. A diferença é que o remédio busca curar o paciente, o atraso político persegue o oposto: manter a população doente e dominada para garantir privilégios da elite política atrasada.

Tem sido assim desde sempre, nas Regiões Norte e Nordeste do País. Mas essa equação perversa começou a mudar. Gradual e lentamente, é verdade, mas sem recuos, desde o final dos anos 90, quando levar educação para todas as crianças virou política de Estado.

Por isso os resultados da inédita pesquisa de desemprego do IBGE, divulgada há dias, trouxe boas surpresas. Até agora não havia no País números confiáveis sobre desemprego com tal abrangência: mais de 200 mil domicílios em 3.500 municípios (64% do País). A velha Pesquisa Mensal de Emprego (PME) - agora substituída pela trimestral Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad) Contínua -colhia informações em apenas seis regiões metropolitanas, duas delas no Nordeste (Salvador e Recife), nada no interior e zero na Região Norte. Daí a diferença: no mesmo período pesquisado, a taxa de desemprego na PME foi de 6,2% e na Pnad, de 74%.

A Pnad mostra persistência nas desigualdades regionais: na Região Sul só 4,3% das pessoas que trabalham estão desocupadas, enquanto no Norte a taxa sobe para 8,3% e no Nordeste mais que dobra, para 10%. Mas a boa surpresa é que, empiricamente, sem números a comprovar, a percepção que se tinha era pior. A pobreza escancarada no Maranhão, Alagoas e Piauí, as precárias palafitas do Recife e a violência selvagem na Amazônia formam, na imaginação humana, um retrato social muito pior. Espera-se que o IBGE divulgue numa segunda etapa a renda do trabalho (quantos ganham abaixo do salário mínimo?) detalhada por Estados para o retrato ganhar maior nitidez.

A vida do nordestino começou a melhorar na segunda metade da década de 1990 e não foi pela ação da Sudene e Sudam, do dinheiro público para a indústria da seca, dos incentivos fiscais nem dos programas clientelistas do tipo Vale Leite. Esse conjunto institucional funcionou durante décadas e só serviu para engordar o patrimônio das elites políticas. Na base do novo progresso estão, em primeiro lugar, o Plano Real, que tirou a tragédia da inflação da vida dos nordestinos sem dinheiro nem conta bancária para se defender; a prioridade na educação como política de Estado, que expandiu escolas pelo sertão; o programa Bolsa Família, que distribuiu renda para quem nada tinha é a exigir dos pais regularidade na frequência escolar dos filhos; a migração de empresas do Sul e do Sudeste em busca de salários mais baixos; a privatização de telefônicas e distribuidoras elétricas, que trouxe para a região outras empresas; e a abertura de fábricas de grandes multinacionais (Unilever, PepsiCo, Ambev) para explorar o potencial de consumo aberto pela ascensão social da classe pobre.

Criada em 1959 pelo economista paraibano Celso Furtado, a Sudene gerou desenvolvimento para o Nordeste até o golpe militar de 1964, que levou seu criador para o exílio. Aí entraram em cena as elites políticas locais, os coronéis, que mandavam e desmandavam. Com a volta de eleições livres eles foram sumindo, mas há os resistentes que dominam os eleitores pelos meios de comunicação (eles são donos de j ornais, rádios e emissoras de TV) e suas políticas enganadoras e clientelistas. Os mais representativos deles são José Sarney e família, há 56 anos dominando o Maranhão, e o ficha-suja Jader Barbalho, há 44 anos no Pará. A eles não interessa levar progresso econômico, educação ou qualquer outro meio que faça florescer a consciência política na população e os ameace.

Focos de corrupção e roubalheira, a Sudene e a Sudam foram extintas em 2001 e ressuscitadas por Lula em 2003, mas pouco operam. Uma CPI encerrada em 2001 apurou desvios de dinheiro e fraudes de RS 2,2 bilhões só na Sudene. É o retrato do atraso político.

Pisca alerta - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 26/01

O Brasil não é a Argentina, mas não dá para afirmar que as contas externas estejam em bom estado. Os números de 2013 divulgados sexta-feira pelo Banco Central (BC) apontam para o contrário.

O rombo em Transações Correntes, conta que engloba a balança comercial e de serviços mais as transferências (exclui o movimento de capitais), atingiu US$ 81,4 bilhões, ou 3,7% do PIB, 50% superior ao déficit de 2012. Desde 2001 não foi tão grande.

É mais do que apontavam as projeções mais recentes e substancialmente mais do que os US$ 65 bilhões (2,7% do PIB) que o BC projetara para o ano em janeiro de 2013.

Até o ano passado, a entrada de investimentos externos de longo prazo (Investimentos Estrangeiros Diretos - IEDs) cobria com folga o saldo negativo. Isso já não acontece mais.

O foco de mau desempenho é a balança comercial (exportações e importações), com superávit de apenas US$ 2,6 bilhões e, ainda assim, produzido por "exportações fictícias" de sete plataformas de petróleo que não saíram do País.

O forte déficit externo é, acima de tudo, resultado da atual política econômica que privilegiou o consumo e forçou as importações. Apenas a conta petróleo apontou saldo negativo de US$ 20,2 bilhões, que é o volume líquido de combustíveis importados. Do ponto de vista macroeconômico, isso corresponde a aumento da dependência da poupança externa, num momento em que os grandes bancos centrais começam a enxugar os mercados de moeda global.

O Brasil tem bom volume de reservas externas, de US$ 375 bilhões, correspondentes a mais de um ano de importações. Podem ser usadas para cobertura de contas externas. São uma boa linha de defesa contra a evasão de moeda estrangeira. Mas, se o rombo externo não for revertido, podem ser pressionadas. Em 2014 não haverá as receitas em dólares com outro leilão de Libra.

Talvez seja um pouco cedo para admitir que as contas com o resto do mundo sigam se deteriorando. O BC aposta em direção contrária. Admite para 2014 um déficit em Transações Correntes mais baixo, de US$ 78 bilhões (3,5% do PIB), mas ainda excessivamente elevado.

As projeções do BC nessa área não são lá muito confiáveis. Em janeiro de 2013, por exemplo, previa um estouro só de US$ 65 bilhões. Errou por 25%. Se fosse chute a gol, a bola teria saído pela linha de fundo a mais de 7 metros da trave.

O governo confia em que a desvalorização cambial (alta do dólar) ajudará as exportações e conterá as importações. Dada a qualidade das contas externas, parecem inevitáveis novas esticadas dos preços da moeda estrangeira, com o impacto também inevitável sobre a inflação. Mas não dá para confiar muito na contenção do déficit comercial. As exportações de manufaturados não acontecem por atraso cambial, mas por falta de competitividade da indústria. E as importações de combustíveis, por onde há o principal vazamento comercial, não serão contidas enquanto os preços internos continuarem sendo represados pelo governo, como constou quinta-feira na própria Ata do Copom. As contas externas emitem sinal de alerta.

Imigração, uma boa ideia - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 26/01

A oferta de mão de obra qualificada de estrangeiros contribuiria para reduzir a desigualdade de renda


Nossa sociedade já se beneficiou muito de imigrantes. Boa parte do desenvolvimento do país das últimas décadas do século 19 até a primeira metade do século 20 contou com o aporte de trabalhadores estrangeiros que fizeram do Brasil sua terra.

Apesar de esses migrantes serem relativamente desqualificados para os padrões educacionais médios atuais do mercado de trabalho brasileiro, eram muito educados para os padrões do mercado brasileiro de trabalho à época.

Em 1900, 7,3% da população brasileira era de imigrantes. Hoje os imigrantes representam ridículo 0,3% da população. Adicionalmente, metade dos imigrantes tem idade média acima de 60 anos.

Diversos países têm se beneficiado muito do ingresso de novos trabalhadores por meio dos fluxos imigratórios. Por exemplo, a população imigrante na Suíça, na Nova Zelândia, na Austrália e no Canadá representa 22% aproximadamente da população total.

Em geral esses países se utilizam de programas educacionais para atrair novos imigrantes. Os jovens vão aos países com o objetivo de fazer um curso, muitas vezes de língua estrangeira, e acabam encontrando oportunidades para lá se estabelecerem.

O Brasil deveria criar programas para estimular a imigração de mão de obra qualificada. Além de contribuir para o crescimento do país, a maior oferta de mão de obra qualificada contribuirá para minorar o problema da elevada desigualdade de renda.

Inúmeros estudos nos últimos 30 anos, liderados pelos trabalhos pioneiros de Ricardo Paes de Barros no início dos anos 1990, documentaram que a elevada desigualdade educacional é o fator mais importante para descrever a desigualdade de renda em nossa sociedade.

A imigração de mão de obra qualificada elevando a oferta de trabalho qualificado contribui para reduzir a desigualdade de escolaridade e, portanto, melhorar a desigualdade de renda.

A maior oferta de trabalhadores qualificados reduzirá a renda desse tipo de trabalho e elevará a renda do trabalho desqualificado, contribuindo para reduzir a desigualdade de renda.

A grande dificuldade é criarmos mecanismos institucionais que permitam a absorção de trabalhadores estrangeiros com elevada qualificação. Diferentemente do que ocorreu no fluxo imigratório anterior, quando o maior nível de qualificação correspondia a profissionais de nível técnico, hoje maior qualificação significa profissionais de nível superior em profissões que requerem que o profissional seja credenciado localmente.

Médicos têm que ser aprova- dos no Revalida, advogados terão que fazer o exame da Ordem dos Advogados, engenheiros, obter a licença do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, e assim por diante.

A dificuldade é que a necessidade de credenciamento eleva muito o custo da imigração, desestimulando a vinda do profissional. Por outro lado, abrir mão completamente do credenciamento não parece ser legalmente possível e provavelmente não é desejável.

É nesse sentido que vejo o programa Mais Médicos do Ministério da Saúde com um bom projeto-piloto de um programa para estimu- lar a imigração de mão de obra qualificada.

O profissional estrangeiro que se candidatar ao programa é hospedado por uma instituição pública de ensino superior. Sob a supervisão dessa instituição desempenha a atividade. A instituição hospedeira auxilia o profissional na adaptação ao país e supervisiona o profis- sional, como ocorre na residência médica.

O profissional tem tempo de se adaptar, aprender a língua e se preparar para a certificação. Após algum tempo, três anos, no caso do programa Mais Médicos, e tendo sido aprovado na certificação, seria absorvido no mercado de trabalho brasileiro com plenos direitos.

Nesse momento aparecerão divergências com o governo cubano.

Aumento do consumo não é demonstração de riqueza - BERNARDO SANTORO

GAZETA DO POVO - PR - 26/01

Um dos assuntos mais comentados da semana foi a discussão entre Diogo Mainardi e Luiza Trajano sobre a economia brasileira em geral e sobre a saúde do setor varejista brasileiro em especial. O jornalista expôs alguns motivos pelos quais a economia brasileira vai mal. A empresária argumentou que a economia brasileira vai bem ao comprovar o crescimento do setor varejista. A pergunta que fica é: a empresária tem razão e o Brasil está mais rico?

Quando um cidadão comum, como você, leitor, consome todo o dinheiro que ganhou em um mês, o extrato bancário do dia 30 deixa claro que não houve enriquecimento. Mas, quando sobram R$ 10 mil, o extrato bancário deixa claro que o cidadão, ao fim daquele mês, ficou mais rico. Pode ser ainda que a conta bancária esteja zerada porque o cidadão investiu em um imóvel ou em ações. Aquele dinheiro, o imóvel e as ações devem ser entendidos como poupança, e poupança – não o consumo – é o verdadeiro indicativo de que houve enriquecimento.

A grande função da poupança, para fins de crescimento exponencial da economia, é seu uso como investimento em avanços tecnológicos. Quanto mais avançado tecnologicamente um país, mais bens e serviços ele produz, e mais poupança é gerada.

O ciclo real de crescimento econômico funciona, então, através do seguinte paradigma: “produção – poupança – investimento – avanço tecnológico – aumento da produção”. Essa é a ordem lógica das coisas, e o consumo, sem estímulos externos ao mercado, aumenta com sustentabilidade na medida em que se aumenta a produção e a poupança.

A política econômica do governo petista, acentuada no período Dilma, superestimula o consumo na tentativa de acelerar o processo de crescimento econômico. Como é o avanço tecnológico que cria saltos de produtividade, e isso não ocorre no Brasil dados o precário nível educacional, a péssima infraestrutura e a baixa poupança interna, o resultado é um crescente endividamento das famílias e do próprio Estado brasileiro, cujo déficit de caixa já ultrapassa R$ 2 trilhões.

Sob uma perspectiva de longo prazo, portanto, essa política é uma tragédia, já que a poupança brasileira estará eternamente condenada a ser usada para o pagamento da dívida pública. Mas no curto prazo é uma excelente política eleitoral, pois o consumo superestimulado cria uma imensa sensação fictícia de bem-estar e enriquecimento para o povo. Além disso, favorece certos setores da economia ligados ao consumo, como o setor varejista, transferindo de fato a poupança nacional e o que se arrecada em títulos da dívida pública para empresários que se tornam, logicamente, defensores do governo.

O grande equívoco do jornalista Mainardi foi ter negligenciado a explicação do quadro econômico geral do Brasil para focar especificamente no setor varejista, um dos grandes vencedores da política de deterioração fiscal e econômica do governo, o que possibilitou à empresária a utilização de um expediente de retórica conhecido como “salto indutivo”, que é comprovar o sucesso de um caso particular para tentar iludir os ouvintes de que a ideia geral também é um sucesso.

O que a empresária com boa retórica esquece é que, quando o endividamento nacional chegar a um nível insustentável, nem mesmo o seu setor varejista crescerá mais. Esse modelo econômico precisa ser repensado imediatamente para que toda a economia brasileira, não só o varejo, possa se desenvolver com sustentabilidade.