quarta-feira, maio 15, 2019

Dano colateral - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

BLOG MÃO VISÍVEL 

O paladino do Centrão, deputado Paulinho da Força, afirmou buscar apoio entre os demais membros do ilustre grupo para “desidratar” o projeto de reforma de Previdência, argumentando que a economia decorrente ajudaria o presidente Jair Bolsonaro a se reeleger em 2022. À parte a discussão do seu objetivo, os meios que o nobre deputado pensa utilizar são absolutamente desastrosos.

A começar porque, apesar do número associado à reforma – na casa de R$ 1 trilhão –soar alto nos ouvidos de qualquer um, seu impacto sobre a capacidade de gasto do governo, em particular os que possam servir de carro-chefe em eventual campanha para reeleição, é muito menor do que o valor prenuncia.

Atendendo a pedidos, a equipe econômica divulgou quadro mais detalhado do impacto esperado da reforma sobre os gastos previdenciários, não apenas por tipo, mas também por ano (https://tinyurl.com/y2cps4ax). Estes dados podem ser então usados para traçar um cenário da evolução das contas públicas alternativo ao apresentado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme tabela abaixo.

Despesas projetadas pela LDO 2019

2020
2021
2022

R$ bilhões
% PIB
R$ bilhões
% PIB
R$ bilhões
% PIB
Despesa primária total
1.476,0
18,7
1.518,5
17,9
1.578,8
17,4
  Benefícios previdenciários
679,5
8,6
733,0
8,7
788,9
8,7
  Pessoal e encargos sociais
338,1
4,3
350,4
4,1
363,3
4,0
  Outras despesas obrigatórias
204,9
2,6
190,9
2,3
199,9
2,2
  Despesas sujeitas à programação financeira
253,5
3,2
244,2
2,9
226,7
2,5
    Obrigatórias com controle de fluxo
139,5
1,8
139,5
1,6
139,5
1,5
    Emendas impositivas
14,2
0,2
14,7
0,2
15,3
0,2
    Discricionárias
99,8
1,3
90,0
1,1
71,9
0,8

Há alguns pontos a se destacar. Notem que, por construção, respeita-se a norma constitucional impondo que o gasto total só cresça de acordo com a inflação, ou seja, mantendo seu valor real constante. Todavia, como o PIB cresce mais do que a inflação (ou assim esperamos), a despesa total, medida como proporção do PIB, cai a cada ano: de 18,7% do PIB previsto para o ano que vem para 17,4% do PIB em 2022.

Apesar disto, a despesa associada a benefícios previdenciários, a maior do orçamento, segue crescendo relativamente ao PIB.

Assim, para manter o gasto total em linha com o requerimento constitucional, as demais despesas têm que cair. Todavia, o governo federal controla fração pequena do que gasta: não pode reduzir as despesas com pessoal e encargos e enfrenta dificuldades com as demais despesas obrigatórias, bem como com emendas impositivas, que, como sugere o nome, não estão sujeitas a cortes.

Restam, portanto, as despesas ditas “discricionárias” (que incluem todo investimento federal), cujo valor cairia de R$ 99,8 bilhões em 2020 (1,3% do PIB ou 7% da despesa total) para R$ 71,9 bilhões em 2022 (0,8% do PIB, ou 5% da despesa total. No ano passado, destaque-se, tais despesas montavam a R$ 116,7 bilhões (1,7% do PIB, ou 9% do total).

A LDO, portanto, só projeta a despesa total em linha com o “teto de gastos” porque impõe redução draconiana da despesa discricionária, possivelmente inviabilizando o funcionamento do governo em 2021, ou, com sorte, 2022.

Considere agora a próxima tabela, detalhando os efeitos do projeto da reforma da previdência sobre as despesas federais de 2020 a 2022. O impacto total atingiria, em caso de aprovação integral da reforma, de R$ 15,6 bilhões (0,2% do PIB) no ano que vem, até R$ 68,2 bilhões (0,8% do PIB) em 2022.

Impacto da reforma previdenciária

2020
2021
2022

R$ bilhões
% PIB
R$ bilhões
% PIB
R$ bilhões
% PIB
Redução de benefícios previdenciários
6,3
0,1
21,9
0,3
33,5
0,4
Redução de pessoal e encargos
10,0
0,1
14,0
0,2
17,4
0,2
Redução de BPC/LOAS
-0,7
0,0
-0,2
0,0
0,4
0,0
Redução de abono salarial
0,0
0,0
8,3
0,1
16,9
0,2
Redução total de gastos primários
15,6
0,2
44,0
0,5
68,2
0,8

Como ficaria então a evolução de cada despesa federal, supondo que a trajetória de dispêndio total permanecesse inalterada com relação à LDO e que, portanto, todas as economias do projeto pudessem ser destinadas às despesas discricionárias? A tabela seguinte ilustra esta possibilidade, revelando modesta redução dos benefícios previdenciários neste período, de 8,5% para 8,3% do PIB, bem como no que se aplica a pessoal e encargos e às demais despesas obrigatórias.

Despesas projetadas pela LDO 2019 ajustadas à reforma da previdência

2020
2021
2022

R$ bilhões
% PIB
R$ bilhões
% PIB
R$ bilhões
% PIB
Despesa primária total
1.476,0
18,7
1.518,5
17,9
1.578,8
17,4
  Benefícios previdenciários
673,2
8,5
711,1
8,4
755,4
8,3
  Pessoal e encargos sociais
328,1
4,2
336,4
4,0
345,9
3,8
  Outras despesas obrigatórias
205,6
2,6
182,8
2,2
182,6
2,0
  Despesas sujeitas à programação financeira
269,1
3,4
288,2
3,4
294,9
3,2
    Obrigatórias com controle de fluxo
139,5
1,8
139,5
1,6
139,5
1,5
    Emendas impositivas
14,2
0,2
14,7
0,2
15,3
0,2
    Discricionárias
115,4
1,5
134,0
1,6
140,1
1,5

Sob tal suposição, as despesas discricionárias permaneceriam ao redor de 1,5% do PIB (em torno de 8-9% da despesa total) em todo horizonte até a próxima eleição, levemente abaixo dos valores registrados em 2018.

Vale dizer, a aprovação total da reforma manteria o aperto do governo virtualmente nos mesmos níveis observados no ano passado. Paulinho da Força poderia dormir tranquilo, porque a reforma não “encheria” os cofres do governo, nem permitiria enormes gastos com programas e projetos que assegurassem a reeleição do presidente; apenas impediria o colapso do governo federal em 2022, ou a necessidade de revogar o teto de gastos até lá.

Obviamente, se o objetivo for provocar o colapso do governo, “desidratar” em muito a proposta de reforma seria, aí sim, um método bastante eficiente, de resto gerando efeitos colaterais severos para todos os que precisam de serviços e do investimento públicos. Mas quem se importa?

Janaina Paschoal pede que Bolsonaro pare de ouvir filhos e Olavo - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR 15/05

Em nota publicada nas redes sociais, a deputada Janaina Paschoal atacou FHC e aqueles que já falam em impeachment de Bolsonaro após menos de 5 meses de governo, e também aproveitou para pedir união aos que votaram no presidente, apelando para que ele pare de ouvir Olavo e seus filhos, que costumam gerar mais cizânia do que união. Eis o texto na íntegra:
Muito curioso, quando eu pedi o impeachment de Dilma Roussef, com base em crimes graves, fartamente demonstrados, FHC saiu em defesa da ex-Presidente, diminuiu minha denúncia, mesmo confessando não ter lido… depois, serviu como testemunha de defesa de Lula em vários processos.
Agora, no nascedouro do governo Bolsonaro, ele diz aos sindicalistas, que o impeachment pode ser inevitável. E ainda tem quem diga que FHC era o líder da oposição ao PT!? FHC é o mais letrado dos petistas!
Acreditem, as manifestações de hoje não têm nada a ver com cortes na educação, nem com reforma da previdência. Os infiltrados usariam qualquer desculpa para criar o factoide da insatisfação, com o fim de derrubar Bolsonaro. Peço, encarecidamente, àqueles que ajudaram a elegê-lo que parem de brigar entre si. É isso que eles querem. É assim que se fortalecem. Parem de brigar internamente! A briga com os verdadeiros opositores (que estão unidos) está só começando!
Afastem as teorias da conspiração da mente… Não houve um único grupo (ou pessoa) responsável pela vitória de Bolsonaro. Houve um povo cansado que se uniu e abraçou nossa única alternativa naquele momento. Caiam na real!
Peço a Bolsonaro que pare de ouvir Olavo. Ele tem uma obra incrível, mas a obra não se confunde com o autor. Peço a Bolsonaro que pare de ouvir os próprios filhos. Siga amando seus filhos, mas os afaste, por favor.
Muitos querem derrubar Bolsonaro, mas não somos nós! Nós enfrentamos todos os riscos para dar uma chance ao país. Bolsonaro, reflita! Eu nunca menti para o Sr! O Sr sabe!
Enquanto isso, o próprio Carlos Bolsonaro tuitou falando em possível queda do pai:
A questão que surge é: a postura de Carlos e sua militância virtual ajuda ou atrapalha o governo de seu pai? Eis o ponto. Muitos vêm alertando que esse clima de guerra propagado pelo próprio bolsonarismo vai dificultar o governo de Bolsonaro, e aumentar o grupo dos que falam em impeachment.
Os bolsonaristas, com alguma razão, dirão que é um golpe do establishment contra as mudanças propostas pelo presidente com o apoio do “povo”. Mas os críticos honestos poderão argumentar que era previsível ou mesmo inevitável esse resultado se a estratégia escolhida fosse o confronto direto com o Congresso.
Contar apenas com a “pressão popular” (na verdade, militância virtual) para vencer a própria democracia, com todas as suas imperfeições e com esse centrão fisiológico, mas eleito, era um sonho ingênuo e perigoso, pois populista e autoritário. Renan Santos, do MBL, gravou um vídeo com boa análise sobre essa guerra de Bolsonaro, apontando para o eventual fracasso dessa tática dos “templários”:
Diante das derrotas do governo na Câmara, William Waack gravou um comentário sobre esse embate, sem analisar o mérito, mas concluindo que dificilmente Bolsonaro sairá vencedor dessa batalha:
O resumo da ópera (bufa) é que os bolsonaristas, ainda que com boas intenções, acharam ser possível dobrar o Congresso “podre” com a pressão “popular” (militância virtual), desprezando não só o fato de que deputados e senadores da “velha política” foram eleitos de forma legítima e representam parcela do povo, como a força do Parlamento. Queriam uma espécie de déspota esclarecido, mas isso não vai vingar – nem deveria. As mudanças em nosso país serão graduais, reformistas, não por meio de uma revolução “redentora”.
Em suma, a campanha jacobina do próprio bolsonarismo foi criando resistências não só no centrão fisiológico e no establishment, como nos círculos liberais e conservadores, já que muitos ficaram assustados com o grau de autoritarismo e intolerância dos bolsonaristas, em especial dos próprios filhos do presidente e de seu guru. Quem tem alimentado a narrativa de impeachament, portanto, é justamente a turma que acha que está salvando o presidente e o Brasil. Quem planta vento colhe tempestade, e quem alimenta corvos terá os olhos arrancados. Não foi por falta de aviso…
Rodrigo Constantino

"Os obstáculos que Bolsonaro vai enfrentar para privatizar os Correios" - OLAVO SOARES

GAZETA DO POVO - PR - 15/05

Olavo Soares Brasília


O anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que foi iniciado um estudo sobre a privatização dos Correios abriu caminho para mais um tópico que, assim como a reforma da Previdência e outras medidas de grande impacto no campo econômico, deverá gerar longos embates entre governo e oposição e também motivar ruídos no campo bolsonarista.

Também tende a ser mais uma prova sobre o verdadeiro caráter liberal do governo Bolsonaro, viés que é personificado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e atacado, em algumas ocasiões, pelo próprio presidente da República.

Além disso, o debate também esbarrará no universo judicial, já que tem ligação com uma contenda instalada no Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado e ainda não resolvida.

Tema divide Congresso da mesma forma que a reforma da Previdência
No Congresso Nacional, ao menos em um momento inicial, a discussão sobre a privatização dos Correios deve dividir a casa do mesmo modo do que faz a reforma da Previdência: parlamentares de siglas como PT e PSOL se posicionarão de modo contrário, enquanto a base aliada do governo Bolsonaro e deputados e senadores do campo liberal militarão a favor.

O PT comanda a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios, com o deputado federal Leonardo Monteiro (MG). O grupo, que reúne 210 deputados federais e três senadores, tem no combate à privatização uma das suas principais agendas. “Vamos continuar trabalhando na Frente pelo diálogo, em defesa da estatal e seus trabalhadores e na construção de alternativas por um Correios público e de qualidade”, afirmou Monteiro, no ato de lançamento da frente.

Também como no caso da reforma da Previdência, em que a atuação de grupos de servidores públicos se mostra como uma das maiores forças contrárias, os funcionários dos Correios prometem intensificar a luta contra uma eventual privatização. Os sindicatos da categoria já iniciaram mobilização sobre o tema e, no próximo mês, estudam deflagrar uma greve.

Um dos atos previstos para a articulação dos funcionários é o diálogo com clientes dos Correios, tanto nas lojas da empresa quanto na entrega de cartas e encomendas, como explicou a presidente da regional do Distrito Federal da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), Amanda Corsino.

“Nós queremos mostrar à população que a privatização dos Correios será um problema não apenas para os funcionários da empresa, e sim para o país como um todo”, apontou Corsino. Segundo ela, os principais efeitos negativos que uma eventual privatização traria seria o encarecimento dos produtos e uma diminuição de serviços em localidades mais remotas – hoje os Correios estão presentes em todos os municípios do país.

Na mão oposta, o Partido Novo deve figurar entre os defensores da venda da estatal. A sigla tem agenda privatizante e a venda de empresas públicas figurou entre as principais propostas do presidenciável do Novo em 2018, João Amoêdo.

A deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP) relata que um dos motivos que a leva a considerar como positiva uma eventual venda dos Correios está nos casos de corrupção que atingiram a estatal nos últimos anos. O mensalão, principal controvérsia do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se público após o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) se sentir acuado por acusações que pairavam sobre um diretor da estatal, indicado sob sua influência.

Ventura aponta, entretanto, que a privatização isolada dos Correios não resolverá os problemas relacionados à estatal. Para a deputada, a abertura do mercado é uma etapa essencial: “O que nós devemos evitar é sair de um monopólio estatal para cair em um monopólio público”, diz.

A parlamentar também afirma que a questão da prestação de serviços em cidades menores poderia ser resolvida com a adoção de modelos híbridos da atuação dos Correios, que eventualmente poderiam manter uma fração sob comando estatal.

Em relação à expectativa para a discussão da privatização no Congresso, a deputada disse se preocupar com a atuação de grupos que deteriam interesses “não republicanos” no momento de se contrariar à proposta. “Vão dizer que quem vai pagar a conta é o mais pobre, que alguns específicos vão enriquecer com isso. Não há problema em alguém enriquecer. O problema é se manter uma situação em que todos pagam a conta, especialmente os mais pobres”, disse.

Como no passado
Se a intenção do governo de privatizar os Correios for mesmo levada à frente, o Congresso poderá ter um ambiente semelhante ao vivido durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando estatais de grande porte, como Vale e Telebras, foram privatizadas.

À época, a oposição – capitaneada pelo PT – também promoveu mobilizações de grande expressão e pautou o argumento de que as operações prejudicariam a população pobre. O governo, entretanto, triunfou e conseguiu executar a agenda.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso integrava o PT, identifica semelhanças entre as iniciativas das gestões distintas.

“Tanto naquela época quanto hoje, existe um discurso de tentar emplacar a ideia de que as estatais não funcionam, de que elas só trazem prejuízos ao Brasil. Isso não é verdade. Nós tínhamos uma empresa de telefonia que produzia tecnologia de ponta. Hoje os Correios são uma empresa admirada. O plano do governo, com isso e com a reforma da Previdência, é tentar vender confiança para o mercado internacional”, aponta.

Fogo amigo
À parte os opositores, o governo terá que superar barreiras internas para levar adiante o projeto de vender os Correios.

São obstáculos tanto de ordem técnica como também na esfera política. Os problemas na execução são materializados pela dificuldade que, até o momento, o governo tem tido na tentativa de realizar privatizações. A meta de se arrecadar R$ 20 bilhões com a venda de estatais em 2019 se mostra cada vez mais distante. E as negociações que já estão em curso são, principalmente, projetos iniciados pela gestão de Michel Temer.

Outro empecilho vem por parte do ministro Marcos Pontes, titular da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Ele declarou que não gostaria de ver privatizadas as empresas que estão sob sua alçada – como os Correios.

No último dia 21, o presidente da estatal, General Juarez Cunha, escreveu em seu perfil no Twitter uma declaração que também sugere, no mínimo, cautela na ideia de se privatizar a empresa: “Sobre privatização, o Ministro Marcos Pontes defende que a decisão deve ser baseada em fatos, números e um plano de negócios bem estruturado, que leve em conta as necessidades estratégicas do País, o retorno para o governo e principalmente a garantia dos direitos dos servidores”.

Líder do PSL na Câmara, o deputado federal Delegado Waldir (GO) minimiza os obstáculos internos. Segundo ele, o debate sobre privatizações foi colocado por Bolsonaro durante o período eleitoral e, portanto, o tema foi referendado pela população. “Nosso ministro [Paulo Guedes] é privatista, as pessoas nos locais estratégicos também são, têm a mesma visão. Esse projeto está implícito dentro das ações que vínhamos divulgando quando ganhamos a Presidência”, apontou.

O deputado também acredita que a percepção popular sobre o tema está se modificando. “O povo está cada vez mais ciente de que o governo precisa fazer caixa, que é necessário reduzir o tamanho do Estado para se investir no que é essencial”, declarou.

Na Justiça
Ainda será necessário que o governo acompanhe uma decisão do STF para executar a venda dos Correios.

No ano passado, a Corte abriu um debate sobre a necessidade de o Planalto ouvir o Congresso para empreender uma privatização. A discussão se iniciou após a gestão de Michel Temer decidir vender refinarias da Petrobras sem consultar o Legislativo.

A federação de funcionários da Caixa Econômica Federal (Fenafe) acionou o STF questionando o procedimento e o ministro Ricardo Lewandowski emitiu, em junho, uma liminar impedindo a comercialização das refinarias.

O tema deverá ser apreciado pela totalidade dos ministros do Supremo, mas ainda não há data para que o julgamento ocorra."

Bolsonaro, o bom, e as forças ocultas - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 15/05

Presidente quer evitar corte na educação, mexer no ir e fazer outras bondades

Não vai haver mudança na tabela do Imposto de Renda. Não vai haver controle do preço de diesel. Não vai haver redução de taxas de juros em bancos públicos. Não vai haver divisão de receita ordinária do governo federal com governadores e prefeitos. Etc.

Esse monte de "nãos" são promessas, anúncios e devaneios de Jair Bolsonaro furados pelos tiros do mínimo senso comum da economia. Haverá mais. O presidente quer agora evitar o corte na educação. É possível. Mas vai tirar dinheiro de onde? Dos submarinos da Marinha? Não se sabe, nem o assunto foi levado ao Ministério da Economia.

O presidente não sabe o que diz, mas talvez saiba o que faz. Como em uma rede social, "compartilha" aflições e promete bondades, o que não resolve problema algum, mas "posts" podem fazer espuma política. No limite, Bolsonaro pode dizer que forças ocultas atrapalharam seu governo, terceirizando a responsabilidade.

O presidente já até ensaiou a jogada, dizendo que "no fundo não gostaria de fazer a reforma da Previdência". Os militantes virtuais do bolsonarismo, por sua vez, acusam gente do governo de estelionato eleitoral, pois impediriam Bolsonaro de cumprir seu verdadeiro programa. Por ora, militares são o alvo. Amanhã, pode ser um economista.

O desvario é também mais um sintoma da tensão política causada pela disputa terminal por recursos públicos. No presente ritmo e sem "reformas", antes do final do governo Bolsonaro não haverá um tostão para gasto em obras ou, então, partes do governo vão parar de vez.

A greve da educação prevista para esta quarta-feira (15), as queixas de caminhoneiros, prefeitos, ruralistas ou de empresários do Minha Casa Minha Vida, as pontes que caem, o remédio que falta para transplantados, tudo é mais ou menos efeito da pindaíba final.

Sim, reajustar a tabela do Imposto de Renda e diminuir a carga de impostos são objetivo do ministro da Economia, Paulo Guedes. Assim também é a ideia de redividir a receita federal com estados e municípios, aos poucos e quando houver dinheiro. Porém, em uma perspectiva realista, tais projetos devem ficar para o programa de uma campanha da reeleição.

Nesta terça-feira (14), Guedes disse a obviedade necessária em audiência no Congresso: o reajuste da tabela do IR tira do governo dinheiro que não existe.

É possível que saiam remendos, até para fazer um agrado ao presidente? Talvez. Mas corrigir os valores da tabela pela inflação de um ano apareceria como um troco nos contracheques e provocaria talho considerável de despesa pública.

Sim, deve haver algum dinheiro extra para estados e municípios, mas a partir do ano que vem, a depender de certas condições, recursos que, no máximo, pagam contas atrasadas.

Parte do dinheiro do megaleilão do petróleo previsto para fins de outubro, uns R$ 20 bilhões da arrecadação estimada de uns R$ 100 bilhões, deve ficar com governos locais (um terço de tudo vai para a Petrobras). A partir do ano que vem, talvez o governo federal abra mão de parte de royalties e outros rendimentos da exploração do petróleo.

Receitas extraordinárias, como as de concessões e de privatizações, pois, podem tapar uns rombos críticos, tais como esses que ameaçam as universidades federais. São uma boia que evita o afogamento em 2020. Mas, mesmo com reforma da Previdência e a volta de algum crescimento (mais de 2%), a dureza não vai diminuir grande coisa até o fim deste governo.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

O socorro da União a Estados e municípios - MANSUETO ALMEIDA

Valor Econômico - 15/05

Qualquer tentativa de socorro aos Estados sem o controle da despesa com pessoal agravará mais a situação fiscal



Na história recente do Brasil, desde a década de 1980, os Estados e municípios foram socorridos diversas vezes pelo governo federal. Infelizmente, essa prática não nos levou a uma trajetória benigna de ajuste fiscal e nem possibilitou o crescimento do investimento público.

No período mais recente pós Plano Real, a reforma do sistema financeiro levou a uma primeira mudança importante para os Estados com o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária Proes (Medida Provisória 1.514/1996). Essa medida permitiu a concessão de financiamentos para saneamento financeiro e o refinanciamento da dívida dos Estados junto aos seus bancos estaduais com o compromisso de privatização desses bancos, uma medida importante para fechar uma fonte permanente de desequilíbrio fiscal nos Estados brasileiros.

Adicionalmente, a Lei 9.496/1997 federalizou a maior parte das dívidas dos Estados, especialmente a dívida mobiliária, e renegociou o estoque dessa dívida. Estados e municípios perderam a prerrogativa de emitir títulos públicos e o limite para contratação de novas operações de créditos passou a ser determinado e monitorado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Essa lei refinanciou a dívida dos Estados por 30 anos à taxa de juros IGP-DI + 6% ao ano, ante 17% de juros reais que os Estados na época pagavam aos seus credores, e limitou o pagamento de juros mensal a, no máximo, 13% da Receita Líquida Real (RLR) dos Estados.

Essa renegociação dos Estados envolveu R$ 474 bilhões, em valores de 2017, e descontos de quase R$ 50 bilhões da dívida refinanciada. Se adicionarmos o montante da dívida dos municípios e outras dívidas renegociadas, o saldo total desse refinanciamento alcançou em valores da época 15% do PIB. Mas novos socorros e flexibilização de operações de crédito voltariam dez anos depois, apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000) ter proibido novas renegociações de dívidas e de ter endurecido as regras para concessão de crédito e garantias da União.

Em 2009, o Tesouro Nacional, atendendo a demanda dos Estados, alterou o espaço de endividamento dos governos subnacionais com mudanças no Plano de Ajuste Fiscal (PAF) e resoluções do Senado foram também alteradas para excepcionalizar diversas operações de crédito dos limites globais de contratação dos entes federais, com destaque para empréstimos para os investimentos da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Essas mudanças aumentaram, substancialmente, o espaço para o crescimento do endividamento dos Estados, inclusive dos mais endividados. De 2009 a 2012, foram autorizadas novas operações de crédito, no valor de R$ 143 bilhões, uma média de R$ 36 bilhões por ano, ante média de R$ 6 bilhões anual no biênio 2007-2008.

Uma segunda mudança pós-2009 foi a flexibilização das regras na concessão de garantias, a flexibilização da nota do Tesouro Nacional que reflete a capacidade de pagamento dos entes subnacionais, a CAPAG. Apenas Estados e municípios com notas "A" ou "B" podem contratar operações de empréstimos com garantia da União. No entanto, de 2011 a 2014, o Ministério da Fazenda permitiu que Estados com nota "C" e "D" contratassem novos empréstimos com garantias da União, sem que houvesse qualquer compromisso de ajuste fiscal. Nesse período, mais da metade das novas operações de crédito com garantias da União se deu por meio de perdão ("waivers") das notas dos entes subnacionais pelo Secretário do Tesouro e pelo ministro da Fazenda, uma prática que era regulamentada por uma portaria do Ministério da Fazenda, revogada apenas em 2017.

Uma terceira mudança importante na sequência de ajuda recente aos Estados pós-2009 foi a troca do indexador das dívidas renegociadas no âmbito da Lei 9.496/1997. Em 2014, o governo aprovou a Lei Complementar 148/2014, que alterou retroativamente o indexador dessas dívidas de IGP-DI+6% ao ano para IPCA+4% ao ano ou Selic, o que fosse menor. Essa troca de indexador representou uma redução de R$ 98 bilhões na dívida dos Estados e municípios.

Dois anos após essa mudança do indexador, o governo federal voltou a socorrer os Estados por meio da Lei Complementar 156/2016, com adesão de 19 Estados que tiveram uma ampliação de 20 anos no prazo para pagar a sua dívida junto à União, com o compromisso de limitar o crescimento da despesa com pessoal e de custeio à inflação por dois anos. Ressalte-se que, a princípio, esse tipo de renegociação era vedado pela LRF, mas a solidariedade com os Estados foi mais forte do que a letra fria da lei.

Essas duas últimas mudanças - indexador e alongamento da dívida - reduziram em cerca de 30% o serviço da dívida dos Estados, apesar da contratação de novas operações de crédito pós-2009. Com exceção dos quatro Estados mais endividados (SP, RJ, RS e MG), o serviço da dívida dos Estados passou a ser entre 5%-7% da sua RCL, valor muito abaixo do teto que havia sido estabelecido, em 1997, e muito inferior ao que vários Estados efetivamente pagaram de 2010 a 2015.

No entanto, a queda no serviço da dívida não melhorou a situação fiscal da grande maioria dos Estados, pois, de 2010 a 2016, a despesa de pessoal e custeio cresceu 10 pontos percentuais da RCL dos Estados. Ou seja, o benefício recente das várias renegociações da dívida dos Estados foi perdido pelo aumento substancial da despesa com pessoal e de custeio, em especial, aumento da despesa com pessoal ativo e inativo que, de 2010 a 2016, cresceu 6,5 pontos percentuais da RCL. Em 2017, mais da metade dos Estados gastaram com pessoal acima do limite de 60% da RCL estabelecido pela LRF.

O problema da grande maioria dos Estados não é o peso da dívida, mas sim o forte crescimento da despesa com pessoal que, em alguns estados, já supera 70% da RCL. Qualquer tentativa de socorro aos estados, sem o controle da despesa com pessoal, agravará ainda mais a situação fiscal. A única solução para os estados passa, necessariamente, pela reforma da previdência, maior controle nas contratações, mudanças no plano de carreira de servidores, maior controle do orçamento dos poderes independentes, redução das vinculações e redução da indexação das despesas.

Brasil à beira do abismo fiscal - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/05

Paulo Guedes foi ao Congresso dizer que o país está à beira do colapso fiscal, e o secretário de Fazenda falou em “arrocho” e “garrote”


O ministro Paulo Guedes foi com sua equipe ao Congresso dar uma coleção de más notícias. As palavras foram fortes. O ministro afirmou que o Brasil está à beira do abismo fiscal, e o secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, falou em “arrocho” e “garrote” nunca vistos na sociedade brasileira para o que vai acontecer em função do teto de gastos. Em Nova York, o deputado Rodrigo Maia avisou que o teto de gastos pode causar um “colapso social” no país.

Afinal, eles são contra ou a favor da Emenda 95 que estabeleceu o teto no governo Temer? Eles defendem, mas avisam que vai doer muito. E que a solução será aprovar as reformas que o governo Bolsonaro apresentou e ainda apresentará. Guedes e todos os seus homens — a equipe é quase integralmente masculina — estavam na Comissão Mista do Orçamento para pedir liberdade para emissão de dívida. Mais precisamente, foram pedir licença para os créditos suplementares. Essa seria a única forma de descumprir com autorização a regra de ouro, disseram.

— A regra de ouro impede que se endivide para pagar despesa primária. Ela está certa. O endividamento tem que ser para investir. Mas estamos aqui para pedir R$ 248 bilhões de créditos suplementares para pagar aposentadorias do Regime Geral, Bolsa Família, Plano Safra, BPC. Isso mostra o drama social brasileiro. Estamos pedindo crédito para não quebrar a regra de ouro — afirmou o ministro.

Para entender toda a cena é preciso lembrar fatos da vida recente do país. Uma das acusações contra a presidente Dilma foi emitir crédito suplementar sem autorização prévia do Congresso. Ela alegou que foi para pagar esse mesmo tipo de despesa. Mas não teve perdão. O ministro Paulo Guedes, durante a campanha e na transição, dizia que iria zerar o déficit tão logo chegasse. No primeiro ano. Os velhos jornalistas de economia duvidaram — como esta aqui que vos escreve — mas ele dizia que dinheiro havia e ele venderia imóveis públicos e privatizaria tudo para reduzir a dívida.

A realidade ele mostrou ontem. O país ao fim do governo Bolsonaro estará no nono ano de déficit primário, em um cenário sem reformas. É verdade que a projeção é de que esse déficit será decrescente por causa de leis aprovadas nos governos dos últimos 30 anos — que ele tanto critica por serem “social-democratas”. A regra de ouro e a Lei de Responsabilidade Fiscal no governo Fernando Henrique, e o teto de gastos no governo Temer.

O ministro Guedes tem razão quando fala em abismo fiscal. O Brasil caiu no buraco fiscal em 2014 e desde então não conseguiu sair dele. Mesmo assim, o déficit cairá por essa imposição que o secretário de Fazenda chama de garrote e arrocho nunca vistos na sociedade brasileira, e que Rodrigo Maia diz que poderá levar a um colapso social. O resultado negativo cairá de R$ 139 bilhões este ano para R$ 31 bi em 2022. O teto, esse remédio extremo, ao ser acionado, impedirá que as despesas cresçam além da inflação. No último slide, no entanto, o secretário avisou que não vão contratar pessoal, mas vão aumentar os salários dos militares.

Quanto às privatizações e vendas de ativos, não temos notícia. Ou temos. Notícia de que empresas não serão privatizadas. O governo social-democrata de Fernando Henrique privatizou Vale, Telebras, grande parte do sistema Eletrobras, o resto da siderurgia e da petroquímica. O que será que o governo que se diz liberal venderá, além de algumas refinarias da Petrobras?

O crescimento esperado não veio neste começo do novo governo. O ministro diz agora que via com ceticismo essa possibilidade. O Banco Central na Ata do Copom de ontem avisou que o primeiro trimestre deve ter tido um PIB negativo, e que os indicadores estão aquém do esperado. O secretário de Fazenda disse que a previsão para este ano, que estava em 2,2%, vai ser reduzida no dia 22, quando as contas forem refeitas. Mas Guedes já contou qual é o novo número: 1,5%. E há estimativas piores, como a do Itaú, que cortou para 1%. Menos crescimento é igual a menos receitas e mais cortes.

Como solução para esse drama brasileiro, o ministro Paulo Guedes aponta para as reformas que ele ainda não apresentou. No mercado futuro de reformas tem o que ela chama de PEC do Pacto Federativo, que é a desvinculação geral do Orçamento, a reforma tributária, a abertura da economia. Tudo isso, segundo ele, vai “desentupir” os canais de investimento. Com os canais entupidos, o país discute a primeira reforma, a da Previdência.

Chute nos aliados - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 15/05

E se Bolsonaro quiser ser abandonado por todo mundo para governar 'com o povo'?


Os aliados de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral deviam ter desconfiado quando, assim que foi empossado, ele jogou no mar seu amigo, seguidor e devoto Magno Malta. Todos se lembram da importância de Magno Malta, então senador pelo Espírito Santo, na vida do candidato. Quando Bolsonaro levou a facada em Juiz de Fora, foi Magno Malta quem se debruçou sobre ele no leito do hospital, quase o asfixiando, e fez uma reza braba —digo, oração— pela sua recuperação. O país inteiro assistiu. Magno Malta olhou para o teto em busca de Deus e, com seus poderes de pastor evangélico e cantor de pagode gospel, só faltou ordenar a Bolsonaro: “Levanta-te e anda! Levanta-te e anda!”.

Seja como for, deu certo. Bolsonaro levantou-se, andou e, um ou dois dias depois da posse, chutou Magno Malta de volta para o limbo de onde ele nunca devera ter saído —sem mandato, por não ter sido reeleito senador por seu estado, e sem o ministério que esperava ganhar por sua devoção. Dura perda para quem, um dia, sonhara até ser o vice de Bolsonaro.

Para Bolsonaro, aliado de campanha é uma coisa e, no governo, outra. E isso vale para todos os escalões. Sergio Moro e Paulo Guedes, por exemplo, eram decisivos para elegê-lo, daí os epítetos de superministro para o primeiro e de Posto Ipiranga para o segundo. Na prática, Bolsonaro tem se dedicado, com sucesso, a sabotar um e outro, com declarações que atrapalham que realizem seus projetos. Bolsonaro não vê a hora em que eles, tristinhos, peçam demissão.

Bolsonaro parece trabalhar contra si próprio, ao deixar que o Congresso derrube seus decretos, o Judiciário lhe faça cara feia e os militares se magoem com os insultos que recebem. Mas só parece. O que ele quer é que todos saiam da sua frente para que, dizendo-se incompreendido, possa governar com os filhos e “com o povo”, através das redes sociais.

Resta ver se combinou com o povo.

Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Governo está perdido no meio de suas próprias cortinas de fumaça - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP - 15/05

Bolsonaro busca distrações absurdas para encobrir retrocessos e falta de rumo


O partido do presidente se empenhou. Enquanto monarquistas batiam boca com o movimento negro numa sessão alusiva à Lei Áurea, Eduardo Bolsonaro gravava tudo com o celular. O líder do PSL dançava, fazendo corações com as mãos, e o deputado da família real subia à tribuna para relativizar a escravidão e defender a princesa Isabel.

O governo Jair Bolsonaro se perde no meio de suas próprias cortinas de fumaça. O presidente e seus aliados insistem em buscar distrações absurdas para encobrir retrocessos reais e esconder o fato de que não conseguem levar adiante políticas públicas importantes para o país.

No momento em que bolsonaristas se curvavam à realeza só para irritar ativistas rivais, o ministro da Educação defendia o congelamento de despesas nas universidades e o presidente mantinha firme seu decreto que expandiu o porte de armas.

Sem enxergar o caminho pela frente, a turma do Palácio do Planalto bate de cara no muro. A equipe de Bolsonaro nem viu quando deputados articularam uma convocação relâmpago de Abraham Weintraub para explicar o bloqueio do orçamento das instituições de ensino superior. A ida do ministro à Câmara no dia do protesto contra a política educacional tende a desgastar o governo.

Nos últimos dias, o Congresso também se movimentou para modificar o ato de flexibilização das armas de fogo e trabalhou para retirar o Coaf das mãos de Sergio Moro.

Ao acumular derrotas, o bolsonarismo reclama que velhos políticos impedem o presidente de implantar o programa vitorioso nas urnas. Não consegue, porém, explicar um corte de gastos severo ou o sentido do decreto que formaliza o bangue-bangue. Também não conta aos eleitores que o governo mal se mexeu para defender a vontade de Moro.

Na última semana, Bolsonaro disse que alguns reveses são como “tsunamis”. Faltou dizer que, quando entra em brigas inúteis e leva o país por estradas perigosas, é ele quem provoca os terremotos que dão origem às ondas de devastação.

Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA)

Aceno populista ignora crise fiscal - CRISTIANO ROMERO

Valor Econômico - 15/05
Perda de receita com isenção tributária vai a R$ 306 bi neste ano


Ao determinar que o Ministério da Economia corrija pela inflação os valores da tabela do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou ignorar, mais uma vez, a gravidade das contas públicas. Para piorar, admitiu a possibilidade de elevar os limites de abatimento, da base de cálculo do mesmo imposto, os gastos das famílias com educação e saúde.

Nos dois casos, as mudanças resultarão em queda da arrecadação de tributos federais, no momento em que o governo tenta convencer a sociedade de que precisa tirar de seu bolso, ao longo de dez anos, R$ 1,1 trilhão para tentar salvar a Previdência Social e o regime de aposentadoria dos funcionários públicos federais. O aceno, de caráter populista, ignora o fato de que, desde 2014, o setor público (União, Estados e municípios) acumula déficits primários em suas contas, isto é, não consegue arrecadar o suficiente para cobrir as despesas correntes, excluídos os gastos com o serviço (juros) da dívida.

Não é coincidência o fato de que, desde 2014, a economia brasileira vive um pesadelo. Encolheu quase 8% no triênio 2014-2016 e cresceu apenas 1,1% tanto em 2017 quanto em 2018. Considerando-se que a população brasileira cresce, em mésio, pouco mais de 1% ao ano, a renda per capita teve queda real de quase 10% durante os três anos de recessão e, nos últimos dois anos, ficou estagnada.

Quando se esperava que o novo governo usasse o capital político conquistado na eleição de 2018 para, rapidamente, aprovar no Congresso a reforma da Previdência, medida fundamental para motivar o empresariado a tirar o pé do freio e colocar a economia para andar, o que se viu, até o momento, foi um presidente sem convicção da agenda econômica que o elegeu e sem força ou interesse para arbitrar disputas internas que têm provocado desgaste na relação com a sua própria base de apoio, no Poder Legislativo.

Por que a geração permanente de déficits primários pelo setor público impede a recuperação da atividade? Porque, se os gastos públicos crescem acima da arrecadação tributária, o governo é obrigado a endividar-se no mercado, por meio de emissão de títulos públicos, para levantar os recursos necessários. Obviamente, se não dispõe de dinheiro sequer para bancar a despesa primária, não o tem também para honrar o gasto com os juros da dívida pública. A consequência é o crescimento da dívida.

Como não há superávit primário há cinco anos, isto é, uma sobra de recursos depois de pagar as despesas, a dívida bruta do setor público não para de crescer, aproximando-se neste momento do equivalente a 80% do PIB, o dobro da média dos países emergentes, classe de economias à qual o Brasil pertence.

Essa situação cria enorme incerteza sobre horizontes cada vez mais curtos. Por quê? Porque, se nada for feito, a dívida atingirá níveis que farão os detentores de títulos públicos duvidar da capacidade do governo de honrar o pagamento desses papéis. O resultado será a elevação da taxa de juros a patamares cada vez mais altos. Isso ocorre porque, para continuar comprando os títulos e portanto seguir financiando o Tesouro Nacional, os investidores incorrerão em risco crescente, o que os levará a exigir prêmios mais elevados, ou seja, juros maiores.

É nesse contexto que entra a necessidade inequívoca de se reformar a Previdência. Se aprovadas, as mudanças não resolverão o problema fiscal de curto prazo. No entanto, alterações aprovadas agora indicariam que, no futuro próximo, o rombo da Previdência, que no ano passado somou quase R$ 300 bilhões, incluindo na conta os rombos provocados pelas aposentadorias dos trabalhadores do setor privado e do setor público, desapareceria.

Alguém pode fazer o seguinte questionamento: por que, então, apesar da penúria das finanças públicas, as condições financeiras (juros, bolsa de valores e taxa de câmbio) ainda não se deterioraram? Isso não ocorreu até o momento porque, desde a queda da presidente Dilma Rousseff, em maio de 2016, governo e mercado fecharam acordo tácito, segundo o qual, a reforma da Previdência será aprovada. Como sempre faz o mercado, os feitos futuros da reforma foram "antecipados" nos preços dos ativos. Até quando? Não se sabe, mas em breve todos saberemos com a aprovação ou não da reforma.

Diante desse quadro, abrir mão de receitas tributárias agora não faz o menor sentido. Conceder mais benefícios fiscais a setores da sociedade é suicídio. Os governos no Brasil gastam mais com quem menos precisa. Aumentar esse desequilíbrio é uma afronta aos mais pobres. A Constituição de 1988 universalizou o direito dos brasileiros aos serviços públicos de saúde e educação. Sendo assim, não deveria ser permitida a transferência de recursos públicos do Estado para entes privados nessas áreas.

As perdas de receita com gastos (benefícios) tributários, por exemplo, chegaram aR$ 270,4 bilhões em 2017 - mais que o dobro dos R$ 124,3 bilhões de déficit primário do governo central naquele ano - e a R$ 283,4 bilhões em 2018. Neste ano, a conta crescerá novamente (ver gráfico). Do total, R$ 20 bilhões serão abatidos dos gastos da classe média com saúde e educação particulares, montante que faz bastante falta ao orçamento da saúde e da educação.

Crise em gestação - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/05

Recusa de Bolsonaro à negociação parlamentar baseada em programa se parece com início do governo Lula



Estamos assistindo, já há algum tempo, a um embate entre o Congresso e o governo Bolsonaro potencialmente gerador de crise institucional. O governo vem sofrendo seguidas derrotas parlamentares, e não parece equipado para essa disputa. Há um clima de desconfiança mútua difícil de ser desanuviado.

O sentimento generalizado entre os congressistas é de que, uma vez aprovada a reforma da Previdência, o governo Bolsonaro voltará a seus ataques ao Congresso. Eleito em nome de uma suposta “nova política”, Bolsonaro procura alardear distância do fisiologismo, logo ele, que durante 27 anos frequentou o baixo clero, a parte mais sem credibilidade de uma Câmara que veio se desgastando ao longo do tempo.

Parecia ir no caminho certo quando montou seu ministério alegadamente com base técnica, sem levar em conta pressões políticas. Logo se viu que as escolhas não tinham nada de técnicas, baseavam-se majoritariamente na ideologia radical por que parte de seu eleitorado ansiava, inclusive os filhos e ele próprio.

Sua recusa a uma negociação parlamentar baseada em programa de governo se parece muito com o começo do governo Lula. José Dirceu organizou as negociações com os partidos para formar o ministério, e foi desautorizado por Lula, que não queria a participação do PMDB.

Lula, que havia sido deputado constituinte, denunciava que o Congresso tinha pelo menos 300 picaretas, ou seja, mais da metade de seus integrantes.
O que parecia ser uma medida saneadora foi, na verdade, o embrião do mensalão, que desaguaria no petrolão. Lula, assim como Collor, assim como Dilma, queria o controle do Congresso, sem ter que dividir o poder. Collor e Dilma não tinham apoio partidário, nem sabiam lidar com os políticos.

Não por serem contra a barganha por baixo do pano, mas porque eram ambiciosos, Collor com ganância pelo dinheiro, Dilma pelo poder. Lula, pragmático, quando viu que não governaria sem o apoio do PMDB, e que os “picaretas” desejavam carne fresca, decidiu dar-lhes o que queriam, e montou um governo fisiológico pluripartidário.

Comprando o apoio parlamentar com a divisão do butim, Lula corrompeu o sistema partidário que estava pronto para ser corrompido, deixando a melhor parte para si e os seus, como ficou comprovado.

O mesmo acontece agora com Bolsonaro. Sua bandeira eleitoral, ao encontro do desejo de uma ampla gama de cidadãos, foi a renovação política, compreendida de diversas maneiras pelo eleitorado. Uma boa parte entendeu que derrotar o PT favoreceria uma nova política parlamentar, e acreditou na renovação do Congresso para alcançar um governo de centro-direita que a eleição negara.

Outros quiseram renovação em direção oposta, levando uma direita raivosa ao poder, com gosto de sangue na boca, literal e metaforicamente. Bolsonaro teve a habilidade política de circular por esses dois mundos, diametralmente opostos, prometendo-lhes o que aspiravam.

Por isso, sua aparente incoerência, ora defendendo a liberdade de expressão, ora a intervenção governamental nas escolas e universidades. Há vezes em que parece um liberal na economia, mas logo dá passos atrás, lembrando-se de sua história parlamentar estatista.

A retórica da violência que dominou sua atividade parlamentar, e a dos filhos, continua presente, encoberta às vezes por medidas sensatas. A presença dos militares no governo, num primeiro momento, pareceu a montagem de um esquema paralelo.

Viu-se, no entanto, que aqueles militares não estão ali para referendar movimentos golpistas, pretendem aproveitar a oportunidade para consolidar uma imagem democrática das Forças Armadas.

Foi assim, por exemplo, com a crise na Venezuela. A ala que defendia uma invasão, tendo os Estados Unidos como líder, foi controlada pelos generais. Mas não era isso que a ala radicalizada dos bolsonaristas queria.

Desde o início do governo a relação de Bolsonaro com o Congresso, especialmente a Câmara, tem sido errática, com o presidente atribuindo aos deputados interesses puramente fisiológicos, para em seguida aceitar criar mais dois ministérios, ou retirar a Coaf de Moro.

Qual o interesse dos políticos em tirar o Coaf do Ministério da Justiça? Por que políticos querem indicar outros políticos para novos ministérios? Qualquer resposta cheira a fisiologismo, e dá boas razões para que Bolsonaro jogue no Congresso a culpa por um fracasso.