sexta-feira, maio 10, 2019

Generais sob ataque - O IMBECIL OLAVO DE CARVALHO

REVISTA ISTO É

Generais sob ataque
Da Virgínia, Olavo de Carvalho age como o imbecil, que ele mesmo consagrou em sua obra: desprovido de qualquer freio moral, o filósofo parte para uma briga pública contra os militares e atrapalha o País



CUIDADO Que ninguém se engane: Olavo, apesar de aparentemente louco, tem método (Crédito: Vivi Zanatta/Folhapress)


Wilson Lima e Germano Oliveira10/05/19



No livro “O imbecil coletivo”, escrito pelo filósofo Olavo de Carvalho há mais de 20 anos, ele acusa os intelectuais brasileiros de terem se corrompido pela “intoxicação ideológica” com a qual “imbecilizaram” seus leitores. Nos últimos dias, ao ultrapassar todos os limites do radicalismo e da insanidade na escalada de ataques sórdidos aos militares, o escritor e guru do governo Bolsonaro demonstra que o imbecil é outro. Ele mesmo. Engana-se quem pensa, no entanto, que o Eremita da Virgínia (EUA), onde reside e dispara seus tuítes desaforados, recheados de desrespeitos, chutes abaixo da linha da cintura e palavras de baixo calão, não age com método. Contraditório na essência, como quem veio para confundir, mas firme em seus propósitos, o ex-astrólogo comanda como um maestro distante, ao menos desde a campanha eleitoral, a ala ideológica do bolsonarismo. Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao Planalto, seu séquito passou a ocupar postos estratégicos na Esplanada dos Ministérios, mas dois de seus apóstolos em especial justificam a astronômica influência que o ex-astrólogo exerce sobre o presidente da República: os filhos “02” e “03” do mandatário, Carlos e Eduardo Bolsonaro, respectivamente. Por intermédio deles, numa espécie de atalho afetivo, Olavo ocupa a mente e o coração daquele que foi eleito para comandar os destinos do País por 57 milhões de pessoas, com forte apoio do Exército, mas que, ao que parece, resolveu se deixar governar pelo exército de um homem só – o próprio Olavo.




Foi aliado ao mais aguerrido dos rebentos do presidente, o proverbial Carluxo, que o guru radicado em Richmond superou, na semana passada, as fronteiras da própria petulância – como se as diatribes perpetradas por ele até então já não fossem o bastante. Imbuído de uma volúpia devastadora, Olavo agiu sofregamente na clara tentativa de desmoralizar o núcleo de generais da Esplanada — e, o pior, livre e solto, desprovido de qualquer freio moral. Num dos mais baixos ataques já presenciados na história recente da República, classificou o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, de “bosta engomada” e referiu-se ao ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas como um “doente preso em cadeira de rodas”, numa alusão à doença degenerativa sofrida pelo general, hoje assessor do GSI. O ideólogo do governo parte do pressuposto — e por isso se movimenta com método — de que a defesa das instituições desempenhada pelos militares os transforma num “inimigo” a ser eliminado no decorrer de um processo – ou de uma “cruzada” – que o olavismo chama de “revolução cultural conservadora”. Ocorre que as consequências para o governo das, ao mesmo tempo, indigentes e desenfreadas agressões que visam a atingir o seu objetivo final são imprevisíveis.



A crucificação de Cruz

Senão vejamos. Santos Cruz foi alçado a alvo preferencial nos últimos dias. Tudo começou com uma operação típica de criação de fake news para alvejá-lo: uma frase do ministro sobre o uso das redes sociais por grupos ideologicamente extremados foi tirada de contexto. Espalhou-se então que ele desejaria censurá-los. Não era verdade. Foi quando Olavo entrou em cena sentando o dedo no teclado contra o general: “Controlar a internet, Santos Cruz? Controle a sua boca, seu merda”, disse Olavo por meio do twitter no domingo 5. “A internet ‘livre’ foi o que trouxe Bolsonaro até à Presidência e graças a ela podemos divulgar o trabalho que o governo vem fazendo! Numa democracia, respeitar as liberdades não significa ficar de quatro para a imprensa, mas sempre permitir que exista a liberdade das mídias!”, emendou Carlos Bolsonaro. Quando o general retrucou, Olavo desceu ainda mais baixo. “Santos Cruz, não me meça por você mesmo. Você, sem seu cargo e sua farda, é um nada. Eu, pelado e esmagado sob uma jamanta, sou ainda o autor de livros que serão lidos por muito tempo após a minha morte”.

ALTO COMANDO As Forças Armadas querem que Bolsonaro feche a boca do ideólogo-guru e filhos (Crédito:Twitter Gen. Villas Boas)

Sob fogo cerrado, na noite de domingo, o próprio general foi tirar satisfação com o presidente. A conversa com Bolsonaro foi tensa e durou 1h30. Santos Cruz, conhecido por não medir as palavras, ameaçou deixar o governo. As ofensas ao colega de farda irritaram de tal maneira a caserna, que provocou uma reação em cadeia de comandantes de todas as armas. Indignado, um integrante militar admitiu em caráter reservado à ISTOÉ que, se não estivesse pensando no País, “pois somos o ponto de moderação disso tudo”, ele “já teria largado essa confusão e ido embora”. ISTOÉ apurou que o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), foi outro que cogitou desertar caso os petardos não cessassem. A ira dos militares contra Olavo ficou explícita também em dois instantes distintos. O Clube Militar, entidade representativa das Forças Armadas, promoveu um ato de desagravo aos generais, afirmando que eles foram atingidos pela “incontinência verbal que, impune, prospera inexplicavelmente em distintas esferas de poder”. Se isso não fosse suficiente, o ex-comandante geral do Exército, general Eduardo Villas Bôas, também saiu em sua defesa. Nas redes sociais, Villas Bôas afirmou: “Mais uma vez o sr.

Olavo de Carvalho, a partir de seu vazio existencial, derrama seus ataques aos militares e às Forças Armadas, demonstrando total falta de princípios básicos de educação. Verdadeiro Trotski de direita”. Foi nesse momento que Olavo o classificou “de um doente preso a uma cadeira de rodas”. Não havia como se rebaixar ainda mais na escala da degradação moral.

ORDEM UNIDA O coronel Sergio Paulo Muniz Costa, do Clube Militar: revolta contra a coação aos militares (Crédito:Divulgação)

Em meio à nova crise desnecessária, entre inúmeras em menos de seis meses de governo, restaria saber de que lado da trincheira estaria o presidente da República. A decisão jamais deveria representar uma escolha de Sofia para Bolsonaro. Afinal, de um lado está quem hoje faz a diferença no governo — os militares. Do outro, a vanguarda do atraso. É Olavo quem está por trás da maioria das políticas equivocadas, para não dizer destrambelhadas, da atual gestão. Como, por exemplo, a doutrina da alienação do MEC — baseada em cortes injustificáveis de recursos de universidades, no sufocamento do livre pensar e nos ataques às ciências humanas —, e a própria deletéria agenda internacional, levada a cabo pelo chanceler Ernesto Araújo, ancorada no fantasma do marxismo cultural, tese mais do que presente nas aulas online de Olavo. Para não falar também dos insultos cotidianos à diversidade, sustentados por uma ideologia carola que remonta há quase dois séculos.

Leo Correa




“Praticamente todas as crises que nós vivemos desde que o presidente Bolsonaro assumiu têm a participação do Olavo de Carvalho
” General Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército

Infelizmente, porém, o presidente parece ter pego o bonde errado da história. Por mais que tente escamotear, não é difícil descobrir por quem o coração de Jair Bolsonaro bate mais forte e acelerado. As recentes atitudes do presidente consagram o olavismo como o cânone principal do governo. Por exemplo, o mandatário não moveu uma palha para defender seus auxiliares tratados piores do que esterco humano pelo filósofo. Ao contrário, em almoço com militares, quando muitos esperavam algum sinal de admoestação, Bolsonaro sugeriu que todos permanecessem em obsequioso silêncio. “Olavo é dono do seu nariz”, limitou-se a dizer. As razões do alinhamento quase que automático, pelo jeito, decorrem da gratidão do presidente pelo que considera uma primordial contribuição de Olavo na campanha eleitoral de 2018. Em mensagem postada no twitter na terça-feira 7, Bolsonaro atribuiu ao escritor o “trabalho contra a ideologia insana” dos governos anteriores. “Olavo tornou-se um ícone. Sua obra em muito contribuiu para que eu chegasse ao governo, sem o qual o PT teria retornado ao poder”. Assim, sem cargo ou estrelas no peito, o imbecil da Virgínia reina quase que soberano sobre todos os escalões do poder – e atrapalha o País. Até quando?

“Vivemos em uma pororoca” - BOLÍVAR LAMOUNIER

REVISTA EXAME, edição 1185


Para o analista político Bolívar Lamounier, o Brasil precisa inovar radicalmente em áreas como educação para romper um ciclo de crescimento medíocre

Por José Roberto Caetano, Eduardo F. Filho



Um dos analistas políticos mais respeitados do país, o sociólogo Bolívar Lamounier teme que o governo do presidente Jair Bolsonaro seja fraco demais para empreender mudanças radicais no cenário brasileiro. “Se Bolsonaro continuar do jeito que está, sem ousadia, vamos perder mais dez anos.” Um dos principais focos de sua preocupação é a educação, que exigiria uma profunda revolução. Bolívar avalia que tudo poderia estar bem pior, caso o PT continuasse no poder, e ressalta como pontos fortes da nova administração o plano econômico e a segurança, mas não poupa o governo atual. “Estamos sujeitos a uma sucessão de pororocas, de forças desorganizadas se debatendo uma contra a outra”, diz. Lamounier recebeu a reportagem de EXAME em sua casa, na zona oeste de São Paulo, para a entrevista a seguir.

Qual é a avaliação do senhor sobre o andamento do governo Jair Bolsonaro?
O governo Bolsonaro é um problema, mas, comparado ao que seria com o PT no poder por mais oito anos, ele se transforma na solução. O governo está no rumo certo quanto à reforma da Previdência. Está acertando também na questão das medidas de segurança do ministro Sergio Moro. Agora, no resto deixa muito a desejar. O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fala demais e nem sempre de forma adequada. Mas, na minha opinião, a falha mais grave de todas é na educação. No Brasil, a educação tem de ser uma prioridade. Mas, quando digo prioridade, eu estou falando de colocar ideias totalmente novas. Não é de uma reforma que o sistema educacional necessita, é de uma verdadeira revolução. É preciso virar a educação de cabeça para baixo.

O senhor acredita que o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, fará uma reformulação na pasta?
Nenhum dos dois ministros, nem o novo nem o antigo, tem a mais remota ideia do que é a educação. Isso é uma coisa estranha, porque é uma área em que o Brasil tem excelentes quadros. Temos vários especialistas, como Claudio Moura Castro e Simon Schwartzman, vários. Se os ministros ouvissem, pelo menos, os especialistas de fora, já ajudaria bastante. Mas eles são fracos, influenciados pelos evangélicos e pelo guru da Virgínia [Olavo de Carvalho]. Então, essa é uma área parada e, até agora, sem nenhuma perspectiva de melhorar. Mesmo que a reforma da Previdência passe, daqui a três anos teremos de fazer outra com uma perspectiva pior. Há um número decrescente de jovens, com um nível educacional muito pior do que o de dez anos atrás, sustentando uma quantidade crescente de idosos. Essa juventude não está preparada para uma revolução tecnológica, de que o Brasil nem passa perto, e terá dificuldade para arrumar emprego.

Como o senhor acha que podemos mudar esse rumo?
Precisamos fazer reformas drásticas e rápidas se quisermos chegar daqui a 15 ou 20 anos a um nível aceitável. Viramos a oitava economia do mundo pela simples incorporação de mão de obra à economia. Era gente que vinha do campo para a indústria e para o setor de serviços com um nível muito baixo de produtividade. Hoje, nossa renda média anual por habitante é de 11 500 dólares, o que é absolutamente medíocre. É a metade da renda de Portugal. Para alcançar o nível dos portugueses, com a economia crescendo de 2% a 2,5% ao ano, levaríamos 35 anos. E estamos há dois anos com um crescimento de pouco mais de 1%. Esse é o cenário de um país em um nível de conflito, de desorganização, absolutamente intolerável.

A equipe liberal do governo não poderia nos mover a um caminho um pouco melhor do que esse?
Sem dúvida. Tenho uma visão pessimista do governo, mas o fato de termos adotado uma linha liberal ajuda muito. Agora, o governo precisa ter um discurso mais coerente. Eles têm de conversar mais entre si. O secretário da Receita diz que haverá um megaimposto, aí vem o presidente e diz que não vai ter imposto e, em seguida, aparece o presidente da Câmara dizendo que imposto nenhum passa. Como que ficamos? Ninguém sabe.

O que o senhor achou do anúncio do ministro da Educação de reduzir os gastos com os cursos de ciências humanas?
Em abstrato, eu concordaria com ele. O Japão fez isso. Mas, no momento em que o governo está pastando para aprovar medidas no Congresso, isso é uma receita para tirar a esquerda da preguiça e trazê-la ao grevismo. O governo dá pretexto para colocar um fato conflituoso num cenário em que precisamos baixar a bola, negociar e aprovar as coisas. Não podia haver hora pior para falar em corte desses gastos.

Mas precisa cortar gastos em algum lugar…
Por que também não reduzir o número de cursos de direito? Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil, existem mais de 1,2 milhão de advogados no país, fazendo do Brasil um dos países que mais têm advogados no mundo. Vamos tirar gastos das áreas que já estão excessivamente supridas e levar para aquelas que não estão e que são prioritárias. No episódio das ciências humanas, há uma provocação ideológica descabida que só vai desencadear uma reação contrária. Eles vão reativar a esquerda dinossáurica deste país.

O debate público está muito dominado pela agenda de costumes?
A última coisa em que um governo fraco com uma agenda pesada deveria se meter é na pauta de costumes. Ela é da sociedade. Na melhor das hipóteses, se você tiver bons partidos e um bom Congresso, faz um plebiscito e muda alguma coisa. Na situação em que estamos, com dificuldade para aprovar uma minirreforma da Previdência, o governo não pode se meter em agenda de costumes. É um negócio conflituoso. São os valores das pessoas. Qualquer coisa falada acaba ofendendo alguém. É sexo, aborto, tudo isso é nitroglicerina. É um governo que não tem cacife para governar, que não tem coordenação e que não discute nada internamente porque não sabe o que o outro pensa, pois ouve vozes contraditórias a todo o tempo.

Como avalia a ala militar no governo?
Os militares têm a cabeça muito mais no lugar do que os civis. Eles se comportam com seriedade. Agora, quando se colocam 15 generais no Executivo, dá a impressão que este é um governo militarizado. Não é verdade, mas é essa a imagem que se tem do Brasil no exterior atualmente.


O senhor não vê o Brasil prosperar num futuro próximo. Qual foi nosso erro?
O grande problema do Brasil, ao contrário do que se dizia ao criticar as “elites”, é a ausência de uma elite. Elite não é a cúpula da administração pública, da burocracia estatal ou dos militares. Elites são lideranças fora do Estado capazes de se contrapor a ele. Nossa elite é minúscula, em termos reais, fraca, desorganizada e mal informada. Após um longo período de crescimento baseado na exportação de commodities e produtos básicos para a China, a indústria enfraqueceu. Ficou mais atrasada tecnologicamente. O exterior avançou extraordinariamente. Então, até chegarmos ao ponto de equilíbrio e passarmos a ter alguma elite, nós estamos falando de décadas. Ou seja, o Brasil, da maneira que se encontra, está fadado a um abismo.

Qual é o balanço da eleição de 2018?
Foi uma pororoca de duas forças desorganizadas. De um lado, estava Bolsonaro. Do outro, o mito do ex-presidente Lula. Sem Lula, Fernando Haddad não teria nem dois votos. Eram duas figuras carismáticas se enfrentando, tendo votações inacreditavelmente altas, porque não temos nem partidos nem elites. Somos hoje um país sem espinha dorsal. O Brasil não sairá dessa armadilha se não fizer uma reforma política drástica. Não é uma reforminha, precisamos de outro sistema. Estamos sujeitos a uma sucessão de pororocas, de forças desorganizadas se debatendo uma contra a outra. Vivemos em uma pororoca.

O senhor vê o governo passar mais três anos e meio no quadro atual?
A continuidade depende de dois fatores. O governo precisa ter, no mínimo, êxito na economia, passando a Previdência. Se um pouco do capital internacional, mesmo com as dificuldades, vier para a infraestrutura, esse será um fator de estabilidade. O outro é que ninguém tem força para dar um golpe em ninguém.

O senhor parece muito pessimista…
Sou moderadamente otimista, porque acho que, com mais oito anos de PT, o jeito seria arranjar um passaporte e mudar para Portugal. Se nem quando o país crescia a 7% ao ano, no fim do governo Lula, não conseguiram fazer nada, não seria agora que fariam. Mas precisamos botar na mesa uma discussão séria para os próximos 20 anos e, dessa maneira, ajudar o governo a se nortear, senão a coisa vai ficar feia. Vamos ficar perdidos durante um bom tempo, de pororoca em pororoca. Se Bolsonaro continuar do jeito que está, sem ousadia, vamos perder mais dez anos.

Até tu, BNDES? - J.R. GUZZO

REVISTA EXAME, Edição 1185

O banco a serviço da pátria é apenas a corrupção do PT vestida de gravata, com cartaz na Unicamp e conhecedora de menus em restaurantes de Nova York

Durante os treze anos e meio dos governos de Lula e Dilma Rousseff o BNDES funcionou como uma sociedade de ladrões. Ah, não diga ─ e daí? Alguma coisa localizada a menos de 5.000 quilômetros do Palácio do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e dos seus puxadinhos deixou de ser roubada por gente do governo durante esse período? Uma ou outra, é verdade, pois não dá para roubar tudo, de todos, em todos os lugares e ao mesmo tempo. É fato provado e contra-provado, em todo caso, que muito pouco escapou do arrastão ─ e, assim sendo, qual a novidade de que o BNDES tenha sido um dos “pontos” do crime em escala nacional nos governos petistas? (Assim como traficantes de droga têm “pontos”, ladrões do erário público também contam com os seus; é um fato sabido.) A rigor, não há novidade nenhuma. Mas o BNDES, pelo menos, tinha pose de coisa séria, com o seu “corpo técnico”, suas regras de compliance, suas obras de arte nas paredes da sede etc.; deveria disfarçar melhor a ladroagem desvairada que rolou ali durante mais de dez anos seguidos. Só que, no fim das contas, o que se vê é que o banco de desenvolvimento social sagrado para os economistas de esquerda foi tão grosseiro nas atividades gerais da corrupção quanto a maioria dos seus pares.

Até tu, BNDES? Sim, até tu. No embalo Lula-Dilma, o pessoal esqueceu de prestar atenção às exigências mínimas de decoro na roubalheira ─ algo a se prever, francamente, numa repartição pública de 2.000 funcionários, cheia de gente com mestrado em universidade, elogiada por um Prêmio Nobel de Economia (foi só Joseph Stiglitz, é verdade, mas o homem é Premio Nobel assim mesmo) e produtora regular de monografias incompreensíveis em qualquer língua. Em resumo: o banco a serviço da pátria é apenas a corrupção do PT vestida de gravata, com cartaz na Unicamp e conhecedora de menus em restaurantes de Nova York. Seu alto comando não é diferente de um Antônio Palocci, um Sérgio Cabral, um Geddel Vieira Lima e tantas outras estrelas inesquecíveis que o Brasil deve ao gênio político do ex-presidente Lula. É certo que existe, do ponto de vista legal, uma diferença fundamental entre essa turma e o ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho: ele até agora não foi condenado na Justiça. Está indiciado em diversos inquéritos criminais na Polícia Federal, foi proibido de exercer qualquer cargo público por seis anos e sofre um bloqueio em seus bens pessoais superior a 600 milhões de reais, mas continua livre da cadeia. Fora isso, Coutinho não parece ter nada em seu favor.

Basicamente, o problema de Coutinho é o seguinte: ele emprestou dinheiro público a gente que jamais teve a intenção de pagar um único centavo da dívida assumida, como qualquer criança com 10 anos de idade poderia prever. Só de Cuba, Venezuela e Moçambique, tomou um calote superior a 2,3 bilhões de reais. Deu dinheiro brasileiro, que o BNDES tem obrigação de utilizar em desenvolvimento no Brasil, para governos estrangeiros que estão entre os mais vigaristas do planeta, como os citados acima. Gostava de emprestar, com juros mínimos e prazos máximos, a países com grau 7 de risco, o extremo do extremo. (Pior que isso não fica; não existe o grau 8.) Deu empréstimo a quem Lula mandou que desse ─ segundo o ministro Paulo Guedes, financiou 300.000 caminhões para motoristas sem fretes, sem clientes e sem dinheiro para recauchutar um pneu. Deu dinheiro para Marcelo Odebrecht ─ sim, Marcelo Odebrecht. Precisa dizer mais alguma coisa? Sua coleção também inclui Eike Batista, o Friboi, a incomparável Sete Brasil ─ só ela, sozinha, levou 10 bilhões de reais. Tudo com “o aval do Jurídico”, é claro.

Seu desempenho na CPI que apura a “caixa preta” do BNDES foi uma coisa triste. Em pânico diante das perguntas, repetia, automaticamente, “não lembro”, “não sei”, “não posso dizer”. Pois é. CPIs, no Brasil, não costumam dar em nada. Caixas-pretas, ao contrário, tem o dom divino de continuar pretas para sempre. Homem de sorte, esse Coutinho.

Um Rasputin tropical - NELSON MOTTA

O GLOBO - 10/05

Os Bolsonaros chamam Olavo de Carvalho de ícone, como se isso fosse alguma coisa. Ícone de quê? Para quem? Desde quando? Há ícones de tudo, do bem ou do mal.


É estranho que um grande mestre, morando há 15 anos nos Estados Unidos, nunca tenha dado aulas em nenhuma grande, média ou pequena universidade americana, onde tantos brasileiros lecionam. Seu forte são os cursos à distancia para brazucas, uma espécie de madrassa digital que forma fanáticos por suas ideias.

Chamado pelo general Villas Bôas de “Trotski de direita” (que é equivalente ao clássico “É um Rimbaud. Mas sem o talento”, de Hélio Pellegrino), está mais para um Rasputin tropical. Com sua vasta cabeleira argentée, cigarro no canto da boca e ternos saídos dos anos 70, vaidoso, debochado e desbocado, tem domínio absoluto sobre a família real, que o idolatra, embora não demonstre mínimos conhecimentos políticos, filosóficos e sociológicos para compará-los com as pregações olavistas. Há algo de religioso no culto que prestam ao evangelho ultraconservador do mestre.

Olavo começou a ficar famoso quando vendeu mais de 300 mil cópias do livro “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, com críticas devastadoras ao PT, à esquerda, ao coletivismo e ao globalismo, e logo conquistava mais de 500 mil seguidores nas redes sociais, se tornando dono das cabeças da família Bolsonaro, a ponto de entrar em guerra com a elite militar que apoia o capitão.

Apesar de sua desastrosa indicação do patusco Vélez para ministro da Educação, defenestrado por total incompetência, Olavo continua com seu prestígio inabalado, dando munição para o Mito e seus minimitos atacarem os generais moderados que tentam dar algum equilíbrio e racionalidade ao governo.

Olavão deve se divertir com a idolatria dos ignorantes e com o poder que lhe dão, pela incapacidade de contestá-lo intelectualmente e pela fé cega no mestre.

Se fosse ficção, seria um incrível personagem numa grande tragicomédia fantástica latino-americana, pena que é real.


O salto de produtividade do setor agrícola - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 10/05

As principais instituições encarregadas de prever as safras começaram o ano com projeções de queda de crescimento. O fator adverso foram as más condições climáticas, especialmente a falta de chuvas na temporada da semeadura de primavera.

Mas, ao contrário do que aconteceu com o resto do PIB, cujas previsões começaram o ano bombando e agora despencaram, as novas projeções da agricultura são altamente promissoras. A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), por exemplo, estima que a safra de grãos desta temporada alcance 236,7 milhões de toneladas, 4% superior à do ano anterior. Enquanto isso, o IBGE aponta 231,5 milhões de toneladas, crescimento de 2,2%.

Para efeito do PIB, o resultado será mais modesto pelo efeito preço. PIB é renda; renda e preço mais baixos implicam impacto negativo no PIB. Feitos os cálculos em dólares com os preços dos dois principais produtos agrícolas, nos cinco primeiros meses do ano, a soja perdeu 11,8% e o milho, 9,5%.

O fator mais impressionante na notável evolução do agronegócio no Brasil dos últimos anos não é o aumento da produção, mas o rendimento físico, ou seja, o aumento da produtividade por área plantada. Entre as safras de 2003/04 e as de 2018/19, a produção de grãos no Brasil aumentou 98,7%, enquanto a área plantada aumentou apenas 32,5%. A produtividade assim medida avançou 94,7%.

Como no futebol, em que não é apenas quem empurra a bola para dentro do gol que produz a vitória, também na área agrícola há muitos fatores que contribuem para o avanço da produtividade.

Aí é preciso levar em conta o impressionante aumento do mercado externo de consumo, especialmente na Ásia e, em particular, na China. Não houvesse a explosão das classes médias asiáticas e a busca por alimentos de qualidade, o agronegócio no Brasil provavelmente teria ficado relativamente estagnado. Outros produtores mundiais também tiraram proveito da renovada gênesis asiática, mas nenhum deles como o Brasil. E aí entram os fatores positivos próprios, a começar pela alta disponibilidade de terras.

Houve os resultados de tantos institutos de estudo e pesquisa que puxaram pela modernização. E houve o largo emprego de tecnologia de ponta que abrange enorme campo de atividades, desde as novas técnicas de preparo e manejo do solo, o largo emprego de sementes geneticamente modificadas até o uso de equipamentos de última geração, como tratores e colheitadeiras de condução automática e o emprego de drones para o controle de pragas ou da adubação correta. De uns anos para cá, boa parte das novas áreas de plantio proveio de simples incorporação de pastagens degradadas – e não de desmatamento.

No entanto, o que mais mudou foi a cabeça do produtor. Até há alguns anos, o agricultor brasileiro era um chorão inveterado. Queixava-se das condições do tempo, do governo que o ignorava, do preço alto demais dos insumos, da falta de crédito e da baixa qualidade da mão de obra. Mas, à parte o poder de lobby, que aumentou muito, ele se modernizou, tomou conhecimento das novas tecnologias à sua disposição e passou a empregá-las. Tratou de enfrentar as agruras de sempre não mais com lamúrias, mas como problemas a resolver. Essa mudança de atitude não tem preço e passou a dar frutos, nem sempre imediatamente reconhecidos. A esperança é que essa atitude modernizadora também se estenda para empresários de outros setores.

Infelizmente, não é esse estado de espírito que comanda a maior parte das lideranças industriais do País que seguem compensando a baixa competitividade das empresas com pressões junto do governo por mais pacotes de bondades de curto prazo.


No limite, lá nos finalmentes - CÉSAR FELÍCIO

Valor Econômico - 10/05

Bolsonaro e Congresso conversam, com o revólver à mesa


O mais ilustre admirador de Olavo de Carvalho gosta do fio da navalha. Ao assinar o decreto que permite o rearmamento da sociedade, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que foi "no limite da lei". "Não inventamos nada e nem passamos por cima da lei. O que a lei abriu de oportunidade para nós, fomos lá no limite. Lá nos finalmentes".

Em ocasião muito anterior, Bolsonaro afirmou que, no que depender dele, oferecerá aos trabalhadores regras que "beiram a informalidade". É um presidente na fronteira, no limiar da irresponsabilidade. Mas que não cruza a linha divisória.

Ao longo dos seus 28 anos como deputado, que lhes deixaram o cheiro impregnado no paletó, como disse na cerimônia de anteontem, Bolsonaro se acostumou a nunca compor. Também nunca rompeu: a quebra da institucionalidade foi um arroubo da juventude, quando chegou a ser acusado, em matéria da revista "Veja" de 1987, de ter desenhado croquis para a instalação de bombas na adutora do Guandu. Ao ser absolvido pelo Superior Tribunal Militar, no ano seguinte, já estava virtualmente fora do Exército, em campanha bem sucedida para vereador.

Olavo de Carvalho não foi importante para Bolsonaro ganhar a eleição, ao contrário do que o presidente diz. O aiatolá da Virgínia e seus jagunços digitais são importantes agora, para Bolsonaro testar seus limites frente aos que podem tutelá-lo ou àqueles que tem a atribuição constitucional de controlar o Executivo.

Retratar Olavo de Carvalho como o Rasputin dos tempos atuais talvez não seja a melhor analogia. Rasputin era um charlatão que seduziu a família do czar, era visto como um enviado de Deus, e a partir daí passou a exercer influência na corte. A comparação será válida caso o olavismo se volte, com o mesmo placet régio que desfruta hoje, contra determinados personagens a quem não interessa ao presidente desestabilizar, ao menos por enquanto, como Paulo Guedes e Sergio Moro. Há método no modo bolsonarista de agir, e não desnorteio.

O presidente sabe que conduz um governo de minoria parlamentar e usa as redes sociais como quem coloca um revólver sobre a mesa. Não há sinais de que pretenda dispará-lo contra o Legislativo, porque sabe que o outro lado também está armado. A maneira como a elite política aniquilou Dilma Rousseff ainda é uma lembrança viva na mente de todos em Brasília.

Bolsonaro pode colocar o verniz ideológico que desejar em suas atitudes, tentar transformar as escolas e universidades em quartéis ou fiscalizar publicidade do Banco do Brasil durante o resto de seu governo, mas jamais conseguirá suprimir o fato de que comanda uma máquina pública falida, limitada na capacidade de induzir crescimento ou de conter as consequências sociais do ajuste que lhe é imposto fazer.

Para pagar as contas, lacração no Twitter não é suficiente. Ele precisa do Congresso para não naufragar. Como há disposição entre os parlamentares em aprovar alguma reforma da Previdência, há jogo, desde que Bolsonaro aprenda a ceder.

A quinta-feira terminou com os bolsonaristas na Câmara obstruindo a votação da medida provisória da reforma administrativa, naquele que seria o grande teste da base no Congresso. A aliança tática contra Moro entre o Centrão e a oposição na Comissão Especial que analisou o tema sugere a abertura de uma vertente perturbadora para o Executivo. Tudo isto em um dia que começou com um café da manhã de parlamentares com o coração do governo: o próprio presidente e Santos Cruz, Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni.

A semana irá virar com a corda esticada, o que aumenta o cacife de Rodrigo Maia como negociador. A julgar pelo retrospecto de Bolsonaro, o mais provável é que o presidente redobre a aposta na crispação. Haverá mais dança sobre o vulcão.

Quanto à guerra entre Olavo, seus seguidores e os generais, há um componente inequívoco de luta por espaço dentro do governo. Não à toa, coincide com o desenrolar da crise a demissão da militante Letícia Catelani de uma diretoria da Apex, por obra do novo comando da agência, nas mãos de um militar.

Era uma queda previsível, desde que o contra-almirante Sergio Segovia foi nomeado para a presidência do órgão, no dia 2 de maio, quinta-feira, em ato tornado público no dia seguinte, em edição extra do "Diário Oficial da União".

Naquele dia, Letícia escreveu em redes sociais que estava sendo alvo de "diversos ataques". O tiroteio de Olavo contra Santos Cruz, tido como o mentor da mudança, começou no sábado. Letícia perdeu o cargo na segunda-feira, dia 6, data em que o ex-comandante militar do Exército, general Eduardo Villas Bôas, saiu em defesa do ministro da Secretaria de Governo.

Enquanto foi diretora de Negócios da Apex, a empresária entrou em atrito com dois presidentes da agência, ambos defenestrados: Alecxandro Carreiro e Mario Vilalva.

Audácia
Sérgio Cabral Filho está condenado oito vezes na primeira instância, com penas que somam 197 anos. Acumula 29 denúncias por corrupção e lavagem de dinheiro. Nos últimos meses, em depoimentos ao juiz Marcelo Bretas, começou a confessar ter sido protagonista de esquemas de propina no Rio de Janeiro desde meados dos anos 90, quando se tornou presidente da Assembleia Legislativa. Buscou comprometer seus antecessores no governo do Rio de Janeiro, os seus sucessores, o cardeal, o prefeito da capital, seu antecessor e um vasto et cetera. Provoca um certo espanto portanto a publicação de um artigo seu no jornal "O Dia", em que se aventura a recomendar ao presidente Jair Bolsonaro a privatização da Petrobras.

"Em busca do tempo perdido, presidente, venda a Petrobras. Os bilhões de barris do Pré-Sal só serão usufruídos pelo povo brasileiro se forem explorados, no máximo, nos próximos dez anos. Há profissionais maravilhosos na Petrobras, de gabarito internacional. Todos serão absorvidos pelas empresas privadas". Ao apenado nunca lhe faltou audácia.


Voltem para os quartéis, soldados. Deu tudo errado! - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 10/05

Bolsonaro queria apenas a sua honorabilidade, não suas opiniões

Acabou a ilusão. A cada dia que os militares, da ativa ou da reserva, permanecem no governo Bolsonaro, as Forças Armadas, como instituição, se degradam. E se sujam com a lama ideológica em que se afunda a gestão. Em vez do amor à pátria, uma pistola 9mm; em vez do hino nacional, uma .45; em vez do patriotismo, o ódio —que alguns pretendem redentor— à democracia.

Meu ponto de vista é radical e não admite flertes de nenhuma natureza dos fardados com o poder político. Renuncie, general Hamilton Mourão! Sim, sei que o senhor foi eleito. Deixe que Rodrigo Maia (DEM-RJ) seja o primeiro na linha sucessória. Os loucos vão se aquietar um pouco. Afinal, o presidente o queria apenas como um espantalho para assustar civis.

Voltem, senhores, para os quartéis e seus clubes, e lá se dediquem aos afazeres tipicamente militares e à defesa da Constituição. É por isso que, nas democracias, nós, os civis, lhes damos o monopólio do “uso legítimo da violência”.

Vocês garantem os Poderes constituídos se estes forem ameaçados. Aliás, general Augusto Heleno, prefiro substituir a palavra “violência”, a que recorreu Max Weber na expressão acima, por “força”. Civiliza mais.

Não faz sentido, senhor Rêgo Barros, que um general da ativa seja porta-voz de um presidente. Renega o conteúdo de um livro que o senhor mesmo citou em tom elogioso numa das “lives” de Bolsonaro —aquelas que imitam a estética Al Qaeda.

Em “O Soldado e o Estado”, de Samuel Huntington, o “controle civil objetivo das Forças Armadas”, que o senhor diz defender, o impede de portar a voz de um político. Tanto pior quando esse político promove o achincalhe do ente a que o senhor pertence.

Retomem seus afazeres na vida civil, senhores militares da reserva, sem se descolar de seu zelo habitual pela ordem —não é isso? Bolsonaro queria apenas a sua honorabilidade, não suas opiniões, seu senso de dever, sua moralidade, seus compromissos com o que apropriadamente chamam “pátria”. Esses valores não são compatíveis com a gramática do poder em curso.

O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, um homem de caráter reto, está errado quando diz que Olavo de Carvalho, o prosélito de extrema direita, é um Trótski de sinal invertido. A ideia é sugerir que o autoproclamado filósofo trai ou agride a revolução que ajudou a promover. Trótski ainda fica melhor como o “profeta traído”, caracterizado por Isaac Deutscher.

Não houve revolução nenhuma. Carvalho é o verdadeiro bolsonarismo, nunca seu traidor. Errado, meu caro Villas Bôas, foi aquele seu tuíte intimidando o STF às vésperas da votação do habeas corpus a Lula. Atravessava-se o Rubicão.Hora de voltar. Deu errado.

Ainda é tempo de inverter o sentido da marcha da tropa e estacioná-la do lado de lá do rio que separa o poder civil do militar.

O constrangimento dos generais com o decreto do “liberou geral” das armas é evidente. Justamente eles: os que foram desarmar o Haiti; os que foram desarmar o Congo; os que foram desarmar o Rio —não é mesmo, Rêgo Barros? Agora se veem em meio a um delírio que tem como horizonte, acreditem!, a luta armada redentora entre os “bons” e os “maus”.

O que sente um militar decente, senhores, obrigado a endossar um decreto que vai aumentar o poder de fogo das milícias e do narcotráfico? Notem que não faço a pergunta a Sergio Moro porque só chamo ao debate quem tem o que dizer.

Alguém alimenta alguma dúvida razoável de que os petardos disparados por Carvalho —que Bolsonaro decidiu condecorar com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco— contam com a anuência do presidente? Sim, há loucura nesse método, para inverter o clichê. Mas isso significa que método é, ainda que destinado a dar errado. Dará, mas não sem grandes sortilégios.

Voltem a seus afazeres originais, senhores, longe da política! Se o governo Bolsonaro se afundar na própria indigência intelectual, é importante que estejam prontos a defender a Constituição. Mas prestem atenção a uma advertência ainda mais importante do que essa.

Há uma hipótese remota, bem remota, de que o arranjo dê certo. Nesse caso, será ainda mais necessário que os senhores estejam inteiramente dedicados à defesa dos Poderes constituídos. O risco às instituições democráticas seria ainda maior. Se há coisa que sei sobre as almas autoritárias é que o sucesso lhes assanha a sede de... autoritarismo.

Vocês decidirão, senhores, com quantos anos de opróbrio as Forças terão de arcar quando terminar essa loucura.


A comida esfria no Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 10/05

Situação ruim da indústria e do varejo de alimentos ilustra recaída da economia


O país fabrica e compra menos comida. Os maus resultados gerais docomércio e da indústria se devem em parte maior a uma pane nas vendas dos supermercados e ao que se pode chamar francamente de recessão na indústria de alimentos.

A degringolada firme começou depois da metade do ano passado, quando o país era ainda mais avacalhado pelo paradão caminhoneiro. A derrocada continua. O resfriado se disseminou por outros setores da economia.

Em agosto de 2018, as vendas do que o IBGE chama de “hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo” cresciam a 4,8% ao ano. Em março passado, cresciam a apenas 1,9%, dado mais recente, divulgado nesta quinta-feira (9). O povo ainda compra mais remédios, mas gasta menos no mercado. O aperto é evidente.

Comparado o primeiro trimestre deste ano com o de 2018, houve queda de 0,9% nas vendas de “hipermercados etc.”. No comércio em geral, ainda há alta de 0,3% (excluídas vendas de veículos e material
de construção).

O indicador da Associação Brasileira de Supermercados, obviamente menos amplo que o do IBGE, não vai tão mal, mas não vai nada bem: alta de apenas 0,4% nas vendas do trimestre.

Na semana passada, soube-se que a produção anual da indústria voltou ao vermelho, regredindo 0,1% em 12 meses, baixa que não se via desde agosto de 2017.

A indústria de alimentos já voltara a andar para trás em agosto de 2018. Em março, encolhia horríveis 5,7% (no acumulado de 12 meses). Não se quer dizer assim que:

1) os dados indicam que as pessoas passem fome em regra, embora muita gente esteja faminta, basta andar pela rua ou visitar alguns bairros periféricos de São Paulo para ver;

2) obviamente, vendas e produção de comida não explicam a pane da economia, o que seria uma bobice, mas são um sintoma doloroso.

Trata-se apenas de registrar que o resfriamento da economia é bem pronunciado nesses setores que têm o maior peso na indústria e no comércio de varejo restrito.

A recaída acompanha a desaceleração do crescimento da renda, a baixa da confiança econômica neste início do ano e a frustração do emprego formal, entre tantos outros indicadores, embora nem todos.

Curiosamente, o Indicador Ipea de Formação Bruta de Capital Fixo, por exemplo, não parece piorar, embora a despesa de capital suba apenas uma escadinha no fundo das profundas da recessão.

De resto, o dado do Ipea é apenas uma tentativa de antecipar o resultado oficial do investimento em máquinas, equipamentos e novas instalações produtivas.

Pelo número de março, divulgado nesta semana, o investimento não teria piorado em relação ao trimestre final de 2019. Economistas de bancões, porém, estimam que o investimento não cresceu nada ou caiu no primeiro trimestre.

No mercado de dinheiro grosso para empresas, houve queda feia no primeiro terço do ano, segundo balanço da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Nos bancos, embora o crescimento das concessões de crédito para empresas também venha desacelerando desde setembro do ano passado, o total de dinheiro novo emprestado ainda cresceu 5,2% no trimestre (ante o primeiro trimestre de 2018).

Como foi abril? Os primeiros indícios são de queda nas vendas do varejo. Os indicadores de situação financeira (juros na praça, dólar, Bolsa etc.) não melhoraram. Os de confiança também não. Bidu.


O Copom também no escuro - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 10/05

Espante-se quem quiser, mas o Banco Central (BC), assim como investidores, empresários e consumidores, também se detém diante da incerteza política e econômica. Também por isso a taxa básica de juros foi mais uma vez mantida em 6,50%. Assim deverá ficar até o futuro se tornar menos opaco e surgirem motivos claros para nova mudança da taxa, para cima ou para baixo. Até lá, a palavra de ordem continua sendo a cautela. Quanto menos onda, melhor. A decisão foi anunciada em nota no começo da noite de quarta-feira, depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). A importância agora atribuída à incerteza é a grande novidade embutida no último comunicado. Uma nota anterior, emitida em 6 de fevereiro, havia mencionado esse fator, mas com menor ênfase. A linguagem é um dos instrumentos mais importantes da política monetária. Uma palavra a mais ou a menos, quando se comparam dois informes, pode fazer muita diferença. Isso ocorreu de novo nesta quarta-feira.

Os próximos passos, havia informado o Copom no comunicado de fevereiro, continuariam dependendo “da evolução da economia, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação”. A nota de março trouxe dois elementos novos: seria preciso observar “o comportamento da economia brasileira (...) com menor grau de incerteza e livre dos efeitos dos diversos choques a que foi submetida no ano passado”.

O texto divulgado na última quarta-feira trouxe uma inversão da ordem e, mais que isso, uma ênfase nova: será preciso observar a economia “ao longo do tempo, livre dos efeitos remanescentes dos diversos choques a que foi submetida no ano passado e, em especial, com redução do grau de incerteza a que a economia brasileira continua exposta”. Destacada entre vírgulas, a expressão “em especial” acentua a importância do fator incerteza como entrave a mudanças, a curto prazo, na política monetária.

Três palavras convertidas em mantra ainda na presidência de Ilan Goldfajn aparecem no parágrafo seguinte: “O Copom avalia que cautela, serenidade e perseverança nas decisões de política monetária, inclusive diante de cenários voláteis, têm sido úteis na perseguição de seu objetivo precípuo de manter a trajetória da inflação em direção às metas”.

Recém-nomeado para presidir o BC, Roberto Campos Neto mencionou esse lema em pronunciamento público e deixou clara a intenção de segui-lo pelo menos na fase inicial de sua administração. As três palavras apareceram também nos comunicados de 6 de fevereiro e de 20 de março.

A incerteza reforça a argumentação, já apresentada em outros textos, a favor da manutenção da taxa básica, a Selic, em 6,50%. As projeções apontam inflação na meta ou perto dela neste ano e no próximo. Segundo o mercado, o cenário sem grandes problemas persistirá até 2022. Numa economia com baixo uso da capacidade instalada e alto desemprego, pressões inflacionárias maiores parecem pouco prováveis.

Há riscos externos e internos, mas nenhum parece impor mudanças urgentes na política monetária. Do lado interno, o Copom ressalta a importância da pauta de ajustes e reformas. Sem isso, a piora das expectativas poderá afetar os preços de ativos e desatar a inflação. O comitê vem repetindo essa advertência há meses.

Apesar da advertência repetida, o Copom tem mantido, de forma implícita, a expectativa de avanço nos ajustes e, de modo particular, na aprovação e na implantação de uma reforma da Previdência. A ênfase agora atribuída à incerteza parece acrescentar um toque de urgência à pauta fiscal. A nota do Copom, embora mais enfática, foi redigida com a cautela de sempre. Mas contém um claro recado político. O governo e seus aliados deveriam considerá-lo muito seriamente.

É difícil, diante desse comunicado, levar a sério a aposta de investidores e analistas numa redução da taxa Selic neste ano. Poderá ocorrer, mas isso dependerá de um quadro político e econômico bem mais claro e de pressões inflacionárias ainda contidas no caso de uma aceleração dos negócios. Qualquer previsão, hoje, é mero ensaio de adivinhação.


Sinais mistos no Congresso - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 10/05

A reforma da Previdência pode ser aprovada na Câmara ainda antes do recesso. Essa previsão é feita por quem entende o movimento do Congresso e essa esperança aumentou na equipe econômica depois do início da tramitação na Comissão Especial. Apesar disso, ontem foi um dia de derrota para o governo na Câmara, com a retirada do Coaf da área do ministro Sérgio Moro e o adiamento da votação da MP que reestrutura a administração do governo.

O que azedou muito o clima ontem na Comissão Especial que analisou a MP 870, da reforma administrativa, foi de novo a sucessão de ataques nas redes virtuais contra parlamentares que votaram pela volta do Coaf ao Ministério da Economia. O vereador Carlos Bolsonaro postou a lista dos que votaram a favor da retirada do órgão da pasta da Justiça, e isso foi a senha para o início de ofensas.

— A gente já não sabe se é o filho ou se é o pai que comanda isso, mas o fato é que eles acham que tudo se passa no mundo virtual. Não é apenas um governo sem articulação. Ontem era como se só fosse honesto quem quisesse manter o Coaf na mão do Moro. E isso é uma ofensa até para o Ministério da Economia. No resto do mundo, órgãos semelhantes ficam na área econômica. E aí? Onde está o erro? — disse um líder político.

No episódio, houve mais um detalhe que mostra como não há estratégia política, e foi isso que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou claro. Quando um parlamentar aliado pediu a leitura das MPs anteriores à 870, ele acabou impedindo que ela fosse votada. A MP é importante para o governo por tudo o mais que está nela, porque é o desenho da administração do governo Bolsonaro. Houve discussão também sobre a volta da Funai para a Justiça, mas no resto estaria aprovada a reforma como foi proposta. Agora, ficou mais incerta essa votação antes do prazo em 3 de junho.

Apesar dessa bateção de cabeça, e das sequelas da milícia digital, várias fontes com quem eu falei, no governo ou no Congresso, demonstraram a mesma confiança de que a reforma pode terminar de ser votada na Comissão e ir para o plenário no fim de junho ou começo de julho. Antes, portanto, do recesso.

No Ministério da Economia, a confiança vem do fato de que eles acham que conseguiram responder à maioria das questões que bloquearam reformas anteriores.

— Sempre falaram que era preciso combater as fraudes e cobrar as dívidas previdenciárias, pois nós mandamos para o Congresso a MP 871 que trata das fraudes e vamos cobrar as dívidas — explica um dos integrantes da equipe.

Essa MP 871 tira dos sindicatos rurais o poder de confirmar o tempo de contribuição para a aposentadoria do setor rural, e isso é até mais importante do que o aumento da cobrança do núcleo familiar que está na reforma. Em outro ponto que está sendo combatido, o BPC, a aposta feita na equipe econômica é que a mudança ficará, mas como opcional.

No Congresso o que se diz é que a reforma será desidratada na parte da transição, pela pressão das corporações. Isso reduzirá o total da economia, mas que deverá ficar acima de R$ 800 bilhões em dez anos. E desta forma conseguirá passar.

Ontem eu entrevistei no meu programa na Globonews a economista Solange Vieira, da Susep, que fez parte do grupo de formulação da proposta. Ela exibiu o mesmo otimismo que eu vi em outros integrantes da equipe econômica. Mas ela, a única mulher no grupo, defende que não haja diferenciação de idade de aposentadoria de homem e mulher. Perdeu a discussão internamente:

— Na equipe eu sou a pessoa que se sente mais à vontade, por ser mulher, de ser contra o tratamento diferenciado. A mulher quer condições iguais de trabalho, salário igual, ser respeitada em casa e no trabalho. Sobre a dupla jornada, é isso que está errado e não é a idade de aposentadoria. Não vejo motivo para a gente ter direito de se aposentar mais cedo.

De qualquer maneira, nos debates, de um lado e de outro, há quem defenda que haja mais vantagens ainda para a mulher. O problema da proposta é ser contraditória. No setor rural, homens e mulheres se aposentam com a mesma idade, pela reforma.

Vai ser ainda um caminho difícil até a aprovação. Esse otimismo que captei ontem pode desaparecer se o governo continuar envolvendo-se em brigas inúteis. Para ganhar a guerra é preciso escolher as batalhas. O governo Bolsonaro escolhe. As erradas.


Justiça social é ponto forte em favor da reforma - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 10/05

Apresentação destaca o papel da Previdência na concentração de renda, na crise da saúde e educação


Mais uma sessão do longo calendário de encontros com parlamentares para convencê-los da importância e dos termos da reforma da Previdência demonstrou algum aprendizado por parte do governo.

Ao contrário do que aconteceu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), houve um mínimo de precaução, quarta-feira, na Comissão Especial, para que o ministro da Economia, Paulo Guedes, não ficasse exposto a salvas contínuas de tiros da oposição.

Bastou que a situação conseguisse que as regras da sessão intercalassem perguntas de ambos os lados. Houve mais organização.

Destacou-se, ainda, o necessário cuidado com o didatismo. A questão da Previdência, discutida no Congresso desde o primeiro mandato de FH, de 1995 a 98, costuma ser rejeitada pelos políticos, pois tem relação direta com o padrão de vida da população.

É também um tema técnico, e nem todos conseguem entendê-lo. Disso aproveita-se a oposição para bombardear os projetos de reforma. Foi, portanto, uma decisão correta do governo escalar o secretário da Previdência, Rogério Marinho, para, antes dos debates, fazer uma apresentação com tabelas bem produzidas para alertar todos da gravidade da situação.

Marinho, político de fala mansa, deputado que não se reelegeu, tem a rica experiência de haver relatado a necessária reforma trabalhista aprovada pelo Congresso no governo Temer. Conhece a linguagem dos políticos.

Os parlamentares foram informados da equação demográfica que estrangula a Previdência e toda a contabilidade pública, porque, só na União, ela absorve mais da metade do Orçamento, numa tendência inexorável de expansão. O incontornável envelhecimento da população, fenômeno mundial, é demonstrado pela queda no número dos mais jovens, os que sustentam com suas contribuições o INSS: em 1980, havia a proporção de 14 pessoas em idade ativa (de 15 a 64 anos) para cada idoso (mais de 65); no ano que vem, serão apenas sete. O sistema está condenado.

Mereceu o devido destaque a grave injustiça social que a Previdência promove, sendo uma usina eficiente de concentração de renda: os funcionários do Legislativo federal têm uma aposentadoria média de R$ 29,1 mil; os do Judiciário, R$ 19 mil; do Ministério Público da União, R$ 18,2 mil; os do Executivo, R$ 8,8 mil; e os segurados do INSS, apenas R$ 1,3 mil. A proposta da reforma unifica os regimes previdenciários, acaba com isso.

Os gastos descontrolados da Previdência chegarão este ano a R$ 903 bilhões, em detrimento da saúde (R$ 122 bilhões) e educação (R$ 132 bilhões). É o que explica a falência da saúde pública e as carências no ensino básico em estados e municípios.

Deputados e senadores precisam entender que a penúria em seus estados tem relação com a crise previdenciária. Bem como a persistente concentração de renda no país.


FAROESTE - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S. Paulo - 10/05

Com tantos problemas no País, Bolsonaro só pensa em escancarar o porte de armas.


Parece obsessão e é mesmo: com tantos problemas gravíssimos no Brasil, econômicos, fiscais, sociais, éticos, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em ampliar a posse e agora escancarar o porte de armas a níveis nunca antes vistos ou imaginados. Assim, causa a euforia dos armamentistas e o pânico dos que são contra.

Pode-se deduzir que Bolsonaro dedicou os dois primeiros projetos realmente dele à flexibilização da posse e do porte de armas por uma questão político-eleitoral. Ele estaria dando satisfação a seus eleitores e mantendo a “bancada da bala” nutrida e unida a seu favor. Mas não é só.

Por trás dos decretos, está a paixão incontida do presidente por armas, uma paixão que ele transferiu de pai para filho e transformou em política de governo num país onde tiroteios, balas perdidas e mortes de policiais, criminosos, cidadãos e cidadãs comuns são parte da paisagem. Multiplicar as armas em circulação vai reduzir esse banho de sangue? Se até policiais justificadamente armados morrem nos confrontos a tiros, por que os leigos estarão mais protegidos?

O anúncio do novo decreto de Bolsonaro foi um tanto atípico, curioso: ele fez solenidade no Planalto para a assinatura e anúncio, deixou vazar uma ou outra medida e guardou a grande surpresa (ou o grande susto) para o dia seguinte, com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU).

São tantos os absurdos que cada jornal pôde escolher sua manchete, cada telejornal abordou um ângulo, cada coluna deu um enfoque diferente. Foi uma farra de novidades a serem anunciadas, digeridas e, por muitos, repelidas. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse um tanto constrangido que a medida é “em função das eleições”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou estudos sobre a constitucionalidade. Partidos e entidades começam a entrar na justiça. Aparentemente, só os bolsonaristas de raiz, além de quem faz das armas um negócio e tanto, estão soltando fogos. Enquanto não soltam tiros.

Armas que sempre foram de uso restrito das Forças Armadas vão passar a circular por aí em mãos de leigos. Quem mora em área rural está liberado para portar um revólver no coldre. Usuários de aviões sentarão lado a lado de pessoas armadas. Crianças e adolescentes não precisarão mais de autorização judicial para aprenderem a atirar, basta os pais deixarem – ou melhor, incentivarem.

Na solenidade do Planalto, Bolsonaro produziu uma foto histórica, cercado de políticos de terno e gravata, fazendo gestos que simbolizam armas. Pou! Fogo! Mas, mesmo nesse meio, o presidente se limitou a anunciar que o decreto facilitaria o porte de armas para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e praças das Forças Armadas. Que nada!

No dia seguinte, a edição do DOU trazia uma lista de 20 categorias liberadas para saírem em ruas, avenidas, locais públicos em geral, com suas armas fartamente carregadas. O atual limite de 50 cartuchos deu um salto estonteante para mil.

Não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de portar armas todos os políticos com mandato no País, advogados indiscriminadamente, caminhoneiros autônomos, habitantes de áreas rurais acima de 25 anos, até jornalistas que atuem na área policial. Em 2018, os brasileiros com porte de armas somavam 36,7 mil. Agora, vão disparar para perto de 20 milhões. Um grande, imenso e incerto faroeste. E com 13 milhões de desempregados.

Com seus decretos, armas, cartuchos e Olavos, o presidente só mantém o que já tem: sua tropa na internet. Ele precisa olhar para o que está perdendo e ampliar sua agenda. Ou melhor: conectar a agenda e o governo com a realidade.

Bolsonaro não escancara o porte de armas por questão política, mas por obsessão

O didatismo do ministro - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 10/05

Paulo Guedes foi bastante didático sobre os riscos que o País corre se o Congresso não aprovar a reforma da Previdência.


Em audiência na Comissão Especial da Câmara que analisa a proposta de reforma da Previdência, na quarta-feira passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi bastante didático ao expor os riscos que o País corre se o Congresso não aprová-la. Durante cerca de oito horas, Guedes e o secretário especial da Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, tentaram explicar aos parlamentares que o rombo da Previdência, em resumo, “é um buraco fiscal que ameaça engolir o Brasil e precisa ser atacado” – e, caso não haja reforma, ou se a proposta for muito desidratada, há sério risco de não haver dinheiro para o pagamento das aposentadorias num futuro próximo.

Ou seja, daqui em diante, ninguém que tenha ouvido o ministro Guedes pode alegar ignorância a respeito do que está em jogo: votar contra a reforma ou impor mudanças que a tornem branda demais significa votar contra o Brasil. Não à toa, até mesmo o eleitorado do País, naturalmente refratário a mudanças que representem endurecimento das regras para as aposentadorias, já demonstra ter compreendido o imperativo da reforma.

Uma pesquisa realizada pelo Ibope para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 59% dos brasileiros consideram necessário modificar o sistema das aposentadorias. Além disso, 71% entendem que as regras da Previdência devem ser iguais para todos – e 68% consideram que o conjunto da população é prejudicado sempre que um grupo específico ganha privilégios no sistema previdenciário.

Um dos aspectos mais duros da reforma, o estabelecimento de uma idade mínima, tem o apoio de 72% dos entrevistados, um aumento significativo em relação aos 65% verificados em 2015. No geral, portanto, parece haver uma base sólida na opinião pública sobre a qual é possível construir o consenso em torno da aprovação da reforma no Congresso.

O problema, como mostra essa mesma pesquisa, é o desconhecimento da proposta em si. Entre os entrevistados, apenas 36% dizem conhecer pelo menos os principais pontos do texto encaminhado pelo governo ao Congresso – e destes, 51% se dizem contrários ao que propõe o projeto.

Na Câmara, o ministro Paulo Guedes aludiu ao problema do desconhecimento sobre a proposta de reforma. “Temos esse problema de comunicação”, disse Guedes, salientando que, enquanto a base governista é novata e desmobilizada, “a oposição é aguerrida, sabe bater, criar coisas e se isentar de problemas”. Assim, “até o governo contar a verdade dele, o tempo está passando”, acrescentou o ministro, que fez um apelo aos deputados: “Contamos com a serenidade dos senhores”.

O próprio ministro reconheceu, contudo, que há adversários da reforma da Previdência mesmo dentro do governo. “Acho que tem gente do governo que pode até ficar feliz” se a reforma for desidratada, disse Paulo Guedes, sem citar nomes. Afinal, até mesmo o presidente Jair Bolsonaro já deu declarações sugerindo que a reforma encaminhada por seu próprio governo pode e deve ser abrandada – atitude coerente com uma carreira política marcada por franca hostilidade em relação a qualquer endurecimento das regras das aposentadorias.

Ciente do exército bem organizado de inimigos da reforma, o ministro Paulo Guedes e seu auxiliar Rogério Marinho foram à Câmara munidos de números incontestáveis a respeito do problema previdenciário a ser enfrentado: mostraram aos deputados que os 15% mais ricos acumulam 47% da renda previdenciária; que o número de contribuintes por aposentado caiu de 14, há 40 anos, para 7 hoje, e em breve serão apenas pouco mais de 2; e que os gastos previdenciários, que representam metade dos gastos federais, são sete vezes maiores do que os da educação, quatro vezes os da saúde e três vezes a soma dos gastos de saúde, educação e segurança pública. Ou seja, “o sistema já está condenado à quebra”, disse o ministro Guedes, e isso pode levar o País à bancarrota.

Nenhuma dessas informações é passível de controvérsias. São fatos aritmeticamente sustentados. O ministro Paulo Guedes fez bem em expor serenamente esses números aos senhores deputados, para que compreendam a dimensão do problema. Assim, se escolherem o caminho da oposição irresponsável, eles o farão sabendo perfeitamente o que isso significará para o País.