sexta-feira, maio 02, 2014

‘Vive la France’ - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE

O GLOBO - 02/04

Brasil enfrenta o estrangulamento econômico provocado por políticas desajustadas que soltaram as rédeas da inflação


Por que o livro de um jovem economista francês provocou tamanho rebuliço na imprensa e nos centros globais de poder? Como Thomas Piketty e seu “Capital no Século XXI” conseguiram seduzir Obama e a comunidade internacional, fazendo do livro um dos mais citados no Google, esgotando a tiragem da Amazon? Economistas laureados dos dois lados do espectro ideológico, gente da estatura do clássico Robert Solow e do keynesiano Paul Krugman, escreveram fartas e elogiosas resenhas sobre a obra de Piketty. De onde vem a inusitada exaltação, inimaginável no Brasil dividido que não enxerga mérito em argumentos contrários à visão de quem os contesta? O próprio autor fornece a resposta. Para os amantes da literatura do século XIX, para os leitores de Balzac e Zola, ficando apenas com os naturalistas franceses conterrâneos de Piketty, o interesse não é surpresa. Afinal, há tema mais engagé e empolgante, assunto que arrebata o leitor e que o arrasta pelas entranhas, do que o maniqueísmo atrelado a uma boa discussão sobre a desigualdade da riqueza?

A miséria dos trabalhadores das minas francesas retratada em “Germinal”, a luta ingrata do homem de classe média pela glória e pela fama, imortalizada no Lucien Chardon de “Ilusões perdidas”. O desespero de milhões de desempregados no mundo pós-crise, os jovens desalentados, aqueles que jamais tornar-se-ão os futuros Tim Cook da Apple. A desconstrução do american dream, minuciosamente documentada nos dados levantados por Piketty e seus coautores, eis a fórmula do sucesso, assim é que se faz um best-seller de economia. Um best-seller realista, na melhor tradição literária do século XIX, livro que fala do quadro de baixo crescimento global resultante da crise, quadro esse que conosco permanecerá. Obra que aborda sem rodeios o tema das grandes fortunas construídas no período de maior euforia dos mercados, estoque que não é desgastado pela economia global modorrenta, muito pelo contrário.

A tese central de Piketty é simples: quando a remuneração da riqueza (do “capital”) excede o crescimento econômico, a desigualdade aumenta, os ricos ficam mais ricos, a classe média e os menos abastados ficam para trás. Na melhor das hipóteses, permanecem estagnados. A descoberta parece óbvia e é isso que tanto a favorece. Como outras grandes descobertas, sua força reside precisamente em não ter sido vista antes, embora estivesse em ampla evidência. É a obviedade no melhor sentido do termo, aquela que tem profundidade. Infelizmente, aqui nas nossas bandas do Sul, a força do argumento foi ignorada pelos opinativos de sempre para que se pudesse desmantelá-lo de forma superficial. Não, a recomendação de instituir um imposto sobre o capital que a tantos deixou de cabelo em pé não é o ponto alto do livro, está longe de ser a maior contribuição da obra de Piketty.

Interessante mesmo é a regularidade empírica por ele desvelada, essa de que, quando as economias crescem pouco, os mais abastados é que se saem bem. Corolário disso é que, tudo mais constante, a remuneração da riqueza é tanto maior quanto menor for a inflação, quanto mais achatados forem os salários. Afinal, não há inflação sem pressão salarial, a conhecida espiral salários-preços. Quando há deflação, o efeito das quedas de preço sobre a riqueza é ainda mais forte. Pensem no Japão, cuja evolução do estoque de riqueza mais do que compensa a falta de crescimento das últimas décadas.

A deflação, ou a perspectiva de uma inflação persistentemente baixa, assombra o mundo. O debate macroeconômico nos EUA, na Europa, no Japão, no Reino Unido, está, em maior ou menor grau, influenciado por isso. A inflação é um bicho esquisito. Quando é baixa demais, aumenta a desigualdade num torvelinho vicioso; quando alta demais, também. Enquanto o mundo se engalfinha com o aumento da desigualdade associado à falta de crescimento e à estagnação dos salários, o Brasil enfrenta o estrangulamento econômico provocado por políticas desajustadas que soltaram as rédeas da inflação. O dilema brasileiro pode parecer o oposto do desafio mundial, mas leva ao mesmo lugar: o aumento da disparidade da renda — no caso, proveniente da corrosão dos rendimentos da classe média pela alta excessiva dos preços.

No Brasil, dizem que “a inflação é o âmago do debate”. Frase brilhante não fosse ela a expressão da mais rasteira obviedade. A inflação é sempre o âmago do debate, não só no Brasil. Os contornos do debate brasileiro são apenas diferentes, nem mais, nem menos importantes por isso. Que a inflação brasileira é resultado de políticas mal concebidas e de estratégias torpes não se discute. Ou melhor, discute-se à exaustão, o que dá no mesmo. Como debelá-la, salientando para a população em geral que esse é o desafio para reduzir a desigualdade e dar novo impulso ao processo de inclusão social, eis a tarefa dos presidenciáveis, esses que, até agora, preferem apenas apontar o dedo. O maniqueísmo é mais fácil, além de render boas manchetes para os jornais.

O livro instigante de Thomas Piketty prenuncia o advento de sociedades movidas, sobretudo, pelas fortunas herdadas, a débâcle da meritocracia. Escreve Balzac em “Ilusões perdidas”: "Por isso, quanto mais medíocre é alguém, mais depressa sobe; pode resignar-se a tudo, bajular as paixõezinhas baixas (...)”.

É o retrato desse Brasil brasileiro, tão século XIX.

O avestruz num mundo em transformação - PEDRO DA MOTTA VEIGA E SANDRA POLÓNIA RIOS

O Estado de S.Paulo - 02/05

As tendências que ganham força no quadro econômico e político internacional apontam para um cenário muito diverso da bonança que tanto beneficiou o Brasil na primeira década do século. Independentemente dos contornos precisos que o cenário global adquirirá nos próximos anos, as margens de manobra de um país com as características do Brasil serão, daqui até pelo menos o fim dos anos 10, muito mais estreitas do que as vigentes no período anterior à eclosão da crise.

Já há a percepção difusa da emergência de um mundo marcado por mais riscos do que oportunidades para o Brasil. As preocupações com o "isolamento" internacional da economia brasileira e as críticas ao atrelamento das posições brasileiras em negociações comerciais às preferências argentinas são expressões dessa percepção. Mas, em geral, a percepção de riscos e ameaças é genérica e com frequência "transborda" para visões quase apocalípticas do futuro que nos espera num mundo mais hostil.

Não é para tanto, mas o que vem por aí é, de fato, preocupante. Senão vejamos.

Não se esperem mais da China os bônus gerados por espantosas taxas de crescimento e pela disparada dos preços de commodities. A China em transição para um modelo de crescimento baseado mais no consumo doméstico do que em investimentos e exportações continuará a demandar as commodities exportadas pelo Brasil - provavelmente mais as agropecuárias que as minerais -, mas crescerá menos e não produzirá o choque externo positivo que nos proporcionou na primeira década do século.

Mesmo com taxas anuais que serão uma fração (minoritária) daquelas observadas há menos de dez anos, o crescimento da China continuará a ser uma estrela de primeira grandeza num mundo marcado pelo baixo crescimento. Este já está contratado para os próximos anos na União Europeia e seria irrealista esperar uma vigorosa recuperação dos EUA no curto prazo.

De seu lado, o vigoroso crescimento dos emergentes esbarrou em limites estruturais e em obstáculos políticos. Nesse processo, percebeu-se que o tal crescimento vigoroso dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi um fenômeno principalmente chinês. À exceção da China, o principal desafio dos Brics é a volta ao crescimento sustentado nos próximos anos, o que supõe o enfrentamento de uma agenda de reformas domésticas econômica e politicamente complicada. Difícil imaginar que esses países (exceção feita à China, mais uma vez) venham a dar, nos próximos anos, contribuição muito relevante para o crescimento global.

Não bastassem essas evoluções, as negociações comerciais preferenciais - quase um anátema para a política externa brasileira, quando não se trata de Mercosul e congêneres - voltaram à agenda dos principais atores da economia internacional. A China tece gradualmente sua rede de acordos, principalmente na Ásia e na América do Sul, mas a principal novidade, aqui, é a negociação dos acordos ditos megarregionais - o TPP, envolvendo os EUA e diversos países da Ásia-Pacífico; e o TTIP, envolvendo EUA e União Europeia.

Como o foco principal dessas negociações são regras e disciplinas aplicáveis a um grande número de temas, há a preocupação - não de todo injustificada, mas certamente exagerada - de que países que não participam das negociações estarão virtualmente excluídos dos grandes mercados do mundo.

Ainda que a conclusão desses acordos possa ser mais difícil do que fazem crer seus patrocinadores, há um forte movimento na direção da convergência de regras comerciais, que moldará crescentemente os fluxos de comércio de bens e serviços. Essa convergência tem motivações econômicas, mas também segue lógica geopolítica, que vem ganhando peso depois da intervenção russa na Ucrânia.

Diante dessas evoluções, o governo brasileiro tem adotado a postura do avestruz e torce para que alguma "força maior" detenha as mudanças em curso no mundo. O Brasil não aproveitou o período de bonança para se preparar para tempos mais difíceis. Ante o novo cenário, o País estará diante da alternativa de (mais uma vez) se proteger de um mundo pouco amigável com políticas de isolamento ou de adotar políticas ativas de revisão e modernização de suas relações econômicas internacionais.

China, uma nova corrida do ouro - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE S. PAULO - 02/05

A empresa que não obtiver participação importante no mercado chinês terá dificuldade para sobreviver


A China está entrando em nova fase em sua já longa marcha em direção a se tornar a maior economia do planeta Terra. Do ponto de vista meramente estatístico, isso deve ocorrer neste ano, se usarmos a metodologia do PPP para o cálculo do PIB, como estima projeto coordenado pelo Banco Mundial.

Mas ter o PIB maior do que o dos Estados Unidos não esconde o fato de que a China ainda é um país subdesenvolvido, para usar uma expressão que praticamente caiu em desuso.

O que mais surpreende nessa caminhada de um país paupérrimo --submetido ao regime político desumano e irracional sob o comando de Mao Tse-tung, apenas superado nesses quesitos pelos anos Stálin na Rússia-- em direção a um estágio superior de desenvolvimento econômico e social é a eficiência de seu planejamento estatal.

Nesses 30 anos de experiência de uma sociedade dirigida com mãos de ferro pelo Estado, mas com uma economia com tintas cada vez mais fortes de capitalismo, a vida do chinês comum mudou e mudou muito.

Sou testemunha ocular dessas mudanças, pois estive na China por duas vezes no início das reformas de Deng Xiaoping e voltei várias vezes nos últimos três anos.

Um exemplo incrível foi o desaparecimento das bicicletas das ruas de Pequim e sua substituição por modernos automóveis que circulam nos oito anéis, com mais de 800 quilômetros de extensão, que envol- vem a cidade.

Outra mostra visível --e que choca quem conheceu a velha China dos trajes azuis e iguais de algodão vagabundo de 30 anos atrás-- são os hábitos de consumo da juventude chinesa na parte do país que está integrada à economia de mercado. São 500 milhões de cidadãos que vivem hoje no que os economistas chamam de economia formal, com emprego e salários em expansão.

Em 2012, os salários cresceram em média 8% em termos reais e foram criados mais de 13 milhões de empregos formais, acelerando o caminho para criar o maior mercado consumidor do mundo por volta do fim desta década.

E é justamente esse fato que chamei, na abertura desta coluna, de a nova corrida do ouro para o capitalismo mundial. Nos próximos anos, a China será de longe o maior centro de consumo do mundo. Por volta de 2021, os números chineses vão moldar uma nova rodada da globalização da economia mundial.

Para ser verdadeiramente global, com todas as suas vantagens do ponto de vista da produtividade e rentabilidade, a empresa transnacional de hoje terá que ter uma participação importante na China. Aquelas que não conseguirem chegar a essa situação vão ter muitas dificuldades para sobreviver.

Dou um exemplo dessa afirmação: as montadoras de automóveis. Em 2021 o mercado chinês de veículos será no mínimo 70% maior do que o americano e quase o dobro do europeu. Nessa situação, sem uma parcela desse mercado, as empresas globais de automóveis terão que amortizar seus investimentos, em inovações e novos produtos, em um volume bem menor de produção.

Por uma simples conta de dividir, o leitor pode concluir que seus custos serão maiores do que seus competidores com acesso ao mercado chinês e, portanto, ficarão em situação mais frágil do ponto de vista econômico e financeiro.

Outro exemplo é o da indústria de telecomunicações e internet. Os gigantes Huawei e a Alibaba já dominam os mercados mundiais em termos de venda a valor adicionado.

Essa nova arma nas mãos dos planejadores chineses certamente vai ajudar nos próximos anos a transformar a China em um país extremamente poderoso. Certamente vamos assistir a mudanças importantes na forma como as multinacionais têm acesso ao mercado consumidor na China, em associação com capitais estatais ou privados chineses.

As restrições ao investimentos estrangeiro vão ser mais rígidas, e as empresas chinesas do setor automotivo vão passar por um violento processo de consolidação. Como resultado, vamos ter o aparecimento de ao menos dois ou três gigantes, com a produção anual de pelo menos 5 milhões de veículos.

Pelo menos para os analistas que, como eu, não acreditam no colapso do chamado modelo chinês na próxima década.

Um debate instigante - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE

O Estado de S.Paulo - 02/04

Não se trata do velho marxismo travestido de sei-lá-o-quê como acusam os opinativos de plantão, muitos dos quais nem sequer leram Capital no Século XXI de Thomas Piketty. O livro que explodiu na imprensa recebeu as mais formidáveis resenhas de gente renomada de vários matizes ideológicos - quando me refiro a gente renomada, falo de economistas vencedores do Nobel - e se tornou um dos maiores sucessos de venda na Amazon. Uma compilação extraordinária de dados, impostos sobre a riqueza que abrangem mais de três séculos. Compilação que desvelou regularidades empíricas capazes de transformar a maneira como pensamos sobre desigualdade e distribuição de renda.

A taxação sobre o capital sugerida por Piketty no final do livro, o foco enraivecido dos que não prestaram atenção na força dos argumentos contidos nos 75% restantes da obra, não é o principal. Sim, é uma proposta política atraente para certos líderes mundiais, suscita reações inflamadas dos conservadores de sempre. Mas não é o âmago do debate. A descoberta instigante, o ponto que pode transformar o modo como hoje se pensam as políticas públicas e o ensino de economia é a constatação tão rica, tão simples: quando as economias crescem pouco, os ricos, em particular, os mais abastados entre os mais abastados, são os que se saem bem. Tem mais: o mundo sempre foi assim, desde o século 18 e ao longo de todo o século 19 com uma breve interrupção durante a Grande Depressão no século 20 e outra mais longa no pós-guerra, no período compreendido entre 1945 e meados dos anos 1970.

A Grande Depressão e as duas guerras mundiais foram épocas de grande destruição de riqueza. Por isso, argumenta Piketty, passamos por um período em que, ao contrário dos séculos e décadas anteriores, a remuneração da riqueza não superou o crescimento econômico e, sim, o contrário. Ocorre que, hoje, com o aumento brutal do desemprego no mundo, o desalento dos jovens, o achatamento dos salários e a perspectiva de que o crescimento não volte a ser o que foi na primeira década do século 21. Estamos retornando ao padrão histórico em que os ricos ficam mais ricos e a classe média e os mais pobres vão ficando para trás. É o retorno do velho capitalismo patrimonial que inspirou o naturalismo francês, o retrato dos mineiros destituídos de Émile Zola em seu extraordinário Germinal, o sofrimento do homem de classe média encarnado pelo Lucien Chardon de Balzac em Ilusões Perdidas.

E não é só isso. As sementes da teoria econômica moderna, dos modelos de crescimento que se desenvolveram a partir dos trabalhos de Robert Solow à revolução das expectativas racionais de Robert Lucas, Thomas Sargent, Edmund Phelps, entre outros, nasceram no período do pós-guerra, o auge da ascensão da classe média nos EUA. Não é à toa que, por tanto tempo, a desigualdade e a distribuição de renda tornaram-se temas secundários no estudo de economia. Piketty acaba de nos mostrar o equívoco. O período do pós-guerra foi uma exceção; a regra não é o crescimento econômico superar a remuneração da riqueza e, sim, o contrário. O fato inquietante que a obra revela é que já estamos vivendo a inversão dessas variáveis: a remuneração da riqueza já voltou a subir mais rapidamente do que o crescimento, sobretudo nos países desenvolvidos. O resultado tem sido o aumento da desigualdade e o encolhimento da classe média, como é hoje nos EUA. Como crescimento baixo vem acompanhado de inflação baixa, o corolário disso é que salários e preços achatados perpetuam a dinâmica da desigualdade, que parece ter se reinstalado no mundo.

No Brasil, sabemos que inflação alta como a atual corrói a renda da classe média e dos mais pobres, contribuindo para o aumento da desigualdade. O que o livro de Piketty sugere é que uma inflação baixa demais tem o mesmo efeito nefasto sobre a disparidade de renda. Se isso não é digno de nota para alguns pensadores e formadores de opinião, difícil é saber o que mais seria.

Defeitos do discurso - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 02/05

A presidente Dilma, no discurso que fez para o 1º de maio, usou o espaço concedido a quem exerce o cargo para fazer campanha política. E sofismou. Disse que, se não tivesse baixado o preço energia, ele teria subido mais. É o oposto: porque ela reduziu as tarifas, quando o custo estava subindo, as empresas estão quebradas e sendo socorridas pelo Tesouro.

Dos defeitos do discurso, o mais constrangedor para o próprio governo é a repetição da estratégia usada pelos militares, de confundir crítica à sua administração com desamor ao Brasil; é investir contra quem pede apuração da corrupção na Petrobras com ataque à companhia, em si, fundada há 60 anos. A empresa não pertence ao PT. A história e a importância da petrolífera não estão em discussão. Esse deliberado contorcionismo dos fatos é que agrava o uso do horário disposto para a Presidência da República como se fosse um palanque.

Dilma disse que está sendo feito uso político da inflação. Quem está usando? Quem fala com preocupação do problema ou o governo, que represa preços que terão que ser corrigidos mais adiante? Ela disse que o país vive há 11 anos o mais longo período de inflação controlada. Ora, qualquer pessoa sabe no país que a hiperinflação foi vencida há 20 anos. Na entrada do governo Lula, o medo de perder a estabilidade elevou a taxa.

Apenas o recuo em relação à proposta econômica do PT é que manteve a inflação controlada. Ainda assim, os índices têm permanecido no governo Dilma no teto da meta.

O que ameaça a estabilidade é a insistência no uso da contabilidade criativa, que faz com que não se possa usar pelo valor de face vários números divulgados pelo Ministério da Fazenda. O problema avançou pela área de energia produzindo o esdrúxulo empréstimo à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, usado para esconder o tamanho exato do socorro às empresas elétricas.

Ela sabe que há um problema com a dupla indexação do salário mínimo porque o debate se trava inclusive dentro da sua equipe econômica. A fórmula de correção é pela inflação e pelo crescimento de dois anos antes. Se a inflação estivesse baixa, e o crescimento, alto, seria uma correção mais sustentável; mas no governo da presidente Dilma ocorreu o oposto: a inflação é alta e o crescimento é baixo. O problema do salário mínimo subindo em termos reais num cenário assim não é das empresas, mas das contas públicas. Ele impacta principalmente a Previdência. Ela sabe disso, porque desse assunto se fala no governo, mas no discurso em cadeia nacional ela diz que há ataque ao trabalhador e aos seus ganhos salariais.

O debate eleitoral que vai se travar até as urnas vai, evidentemente, mostrar os problemas criados pelo governo. A candidata vai se defender e já se sabe agora com que malabarismos e estratégia. Não haverá uma conversa sincera. Se houvesse, a presidente diria que é preciso fazer um ajuste em várias áreas de seu governo, no qual há uma corrida para tapar os furos que estão fazendo água.

O governo não cumpre as metas fiscais, maquia os números; não garante o preço da energia mais baixo porque o anúncio da benesse foi uma falácia; nunca levou a inflação para o centro da meta; suas projeções de crescimento não se realizaram. Para cada problema que se agrava, arquiteta-se um truque para escondê-lo até as eleições.

A política de transferência de renda aos extremamente pobres tem o mérito no foco aos que mais precisam. Veio sendo construída e aperfeiçoada a cada administração. Deveria ser apresentada como um direito do cidadão, mas vira populista quando é apresentada como uma doação do seu governo. Como todo o dinheiro que distribui sai dos bolsos dos cidadãos, é a sociedade brasileira que tem escolhido combater a pobreza. Não é benemerência; é decisão do país e direito dos mais pobres.

Esperar que o governo reconheça seus erros, fraquezas e defeitos em período eleitoral é inútil. Portanto, o que a presidente Dilma tem feito em todos os seus pronunciamentos é apresentar a defesa — e o ataque como defesa — no discurso construído pelos marqueteiros. A torcida é para que a próxima administração, seja dela ou não, corrija os rumos o mais cedo possível.

Nau dos insensatos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 02/05
As intervenções pontuais do governo em setores da economia têm provocado consequências maléficas em outros, como, por exemplo, na questão elétrica. Ou na redução forçada dos juros, que acabou sendo revertida pela realidade, e hoje temos juros mais altos do que antes, para tentar controlar a inflação crescente.
Querendo reduzir compulsoriamente a tarifa de energia, o governo praticamente obrigou as empresas a aceitar uma renovação de contratos em novas bases, provocando prejuízos e impedindo que investimentos necessários fossem feitos.

As tarifas acabaram não caindo como o prometido em um pronunciamento propagandístico na televisão, e o governo está com um problema para o Tesouro enfrentar, que pode chegar a R$ 50 bilhões segundo algumas estimativas. O desequilíbrio financeiro em consequência da Medida Provisória 579, de 2012, já obrigou o governo a colocar R$ 18 bilhões no setor, para financiar a redução arbitrária da tarifa, afetando as contas públicas.

O malabarismo para financiar outros R$ 11 bilhões está provocando uma crise na Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE), com diretores pedindo demissão por não concordarem com essa contabilidade criativa, o que pode obrigar o Tesouro a garantir de alguma maneira esse empréstimo, anulando a tentativa de não aumentar o rombo nas contas públicas.

Depois desse imbróglio todo, ainda restará para o próximo governo um tarifaço e o perigo de um apagão. Caminhamos para uma situação semelhantes à ocorrida em 1998, com sinais trocados. Naquele ano de reeleição, o governo Fernando Henrique Cardoso adiou o mais que pôde a desvalorização do Real, que acabou vindo em janeiro de 1999, no primeiro mês do segundo mandato.

Agora, o governo tenta adiar um programa de racionamento de energia para não sofrer eleitoralmente, mas todos os especialistas advertem que se nada for feito o racionamento virá, com mais força, já em novembro deste ano, um mês depois de fechadas as urnas, seja quem for o eleito.

Uma herança maldita que Dilma pode estar deixando para si mesma, assim como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, retarda uma campanha de racionalização do uso da água em São Paulo, para não ter prejuízos nas urnas. Corremos o risco de ter, fechadas as urnas, apagão de energia e água.

Tudo isso para dizer que soluções atípicas, como as que a presidente Dilma anunciou em cadeia nacional de rádio e televisão na véspera do Dia do Trabalho, não significam medidas racionais para o bem da população, e acabam produzindo efeitos contrários.

Mesmo a carga positiva que essas medidas populistas possam trazer para uma candidatura em risco é duvidosa. O aumento de 10% para os integrantes do Bolsa Família não fará com que mais beneficiários do plano votem em Dilma, a grande maioria já deve estar com ela. Mas fortalece a percepção do restante da população de que o programa social é utilizado como arma eleitoral, e aumenta o rombo nas contas públicas.

Prometer que a tabela do Imposto de Renda será reajustada no próximo ano no mesmo dia em que terminava o prazo para a declaração do IR deste ano parece uma burla ao cidadão comum. Além de o reajuste anunciado ser inferior à inflação, não parece lógico que o governo tome uma decisão dessas em ano eleitoral, para valer em um mandato que pode não ser o seu.

A garantia de continuar, além de 2015, com uma política de reajuste do salário mínimo com ganhos reais é uma vantagem para a candidatura governista, que os oposicionistas só equipararão caso a campanha eleitoral entre numa corrida demagógica que vencerá aquele que prometer mais coisas impossíveis de cumprir. Essa política, aliás, está sendo questionada no Supremo tribunal Federal.

O que se desenha ao final é um quadro de irresponsabilidade fiscal que se agrava com o populismo eleitoral. Como as medidas anteriores, essas também terão consequências indiretas em vários outros setores, provocando a alta da inflação futura e a necessidade de aumentar os juros mais ainda, neutralizando os benefícios que porventura trouxessem aos trabalhadores do Brasil. E assim a nau dos insensatos navega em águas turbulentas.

Perna curta - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE S.P - 02/05

BRASÍLIA - O pronunciamento de Dilma Rousseff para o Primeiro de Maio, a dois dias da convenção de dilmistas e lulistas, que ocorre hoje em São Paulo, foi um risco político com requintes de crueldade.

A mesma Dilma que aumentou o IOF para viagens internacionais bem no início das férias agora anuncia a correção de 4,5% na tabela do IR na fonte no último dia para a entrega das declarações deste ano. O Leão lambia os beiços enquanto os brasileiros ouviam a presidente anunciar um saco de bondades --para o ano que vem e o próximo governo.

Alguém acredita que Dilma possa ganhar um só voto da classe média e da massa de contribuintes com essa jogada marqueteira?

Na outra ponta, a presidente anunciou um aumento de 10% no Bolsa Família, que atinge em torno de 36 milhões de pessoas de um universo de eleitores já naturalmente de Dilma, ou melhor, de Lula.

Alguém acredita que Dilma possa ganhar um só voto a mais dos beneficiários do programa a partir do pronunciamento na TV?

Bem, então o capital adorou o discurso, certo? Pelo contrário, só viu mais gastos e mais inflação.

Assessores palacianos julgam o pronunciamento capaz de estancar a queda na popularidade e nas intenções de voto, vendendo Dilma como "boazinha" diante de Aécio e Campos, "malvados" prontos para sacar medidas impopulares.

Parece pouca areia para o caminhão de críticas à presidente, ao seu governo e ao seu partido. E, além disso, o histórico de pronunciamentos de Dilma é meio constrangedor.

Num, ela meteu o dedo na cara dos bancos privados, jactando-se da queda dos juros. Mas... os juros voltaram a subir e já são maiores do que quando ela assumiu.

Noutro, capitalizou politicamente a redução na conta de luz. Mas... a conta já voltou a subir e vem aí aumento impostos para cobrir medidas estabanadas no setor elétrico.

Esperteza costuma ter perna curta.

Lula lá de novo? - JOÃO MELLÃO NETO

O Estado de S.Paulo - 02/05

Na Inglaterra, o Poder Judiciário não tem a força coercitiva que tem por aqui, no Brasil. Ele é exercido pela Câmara dos Lordes e sua autoridade é lastreada nos usos e costumes então em vigor. Dá certo, entre outros motivos, porque sempre deu certo. Existe, ali, um arranjo que, tal qual um cipreste, demandou centenas de anos para crescer e se desenvolver. Para derrubá-lo, não basta um vendaval ou mesmo uma ventania. E quanto à força dos usos e costumes, há de sempre ser lembrado que eles não cresceram ao léu. Pode-se afirmar, com total convicção, que é muita pretensão a nossa desejar virar o mundo do avesso, ignorando toda a experiência, os ajustes e o processo de tentativas e erros obtidos em milênios de civilização.

Na história humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca pela revolução. As grandes revoluções, como a francesa e a russa, sempre foram muito eficientes na derrubada das instituições que já existiam, mas nunca souberam como colocar outras, melhores, em seu lugar.

Sir Isaac Newton, quando indagado sobre como conseguira formular a Teoria da Física Mecânica, respondia que nada fizera demais, apenas ficara de pé sobre os ombros de gigantes. E quantos foram os gigantes que o precederam? Uma longa fila, a partir de Sócrates, Platão, Aristóteles, Arquimedes e tantos outros mais a perder de vista, cada um tendo contribuído com o seu quinhão.

Os usos e costumes, assim, prestam uma reverência ao passado. São o que Lord Dahrendorf, alemão de nascença, comparou a fios de alta tensão. Eles são, aparentemente, inofensivos. A ponto de os próprios pássaros neles pousarem. Mas basta que alguém se aventure a neles tocar para que eles descarreguem uma violenta carga de energia, no mais das vezes, fatal. No caso inglês de que tratamos agora, o Direito costumeiro tem se revelado de grande eficácia na distribuição de justiça, ao contrário do nosso Direito, de base positivista. O recente julgamento do "mensalão" pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que poucos e raros foram os condenados, é um eloquente exemplo desse fenômeno.

Esta introdução toda, no entanto, é para comentar as recentes declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio e Televisão de Portugal (RTP). Para quem não se recorda, ele disse, com todas as letras, que o julgamento do "mensalão" teve "praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão jurídica". Nesse seu esforço para desqualificar o processo, louve-se nele a sua sempre sofrível tentativa de valer-se da aritmética. De mais a mais, com que régua o ex-presidente teria estabelecido tal resultado? Realmente, 80 + 20 = 100. Da mesma forma que 100 - 20 = 80.

Assim sendo, dada a exatidão dos cálculos, como foi que ele chegou lá? Não me consta que ele tenha tamanho conhecimento em aritmética. Tampouco conhecimento jurídico - vide as recorrentes afrontas à lei protagonizadas por aqueles que, por mais que ele jure de pés juntos que não, eram gente da sua confiança.

Lula, enquanto presidente, sempre divertiu a Nação com as suas impropriedades e enormidades. Tudo nele era perdoado em razão de seu passado humilde. Quem não se lembra da "épica" explicação dada por ele, num evento na África, de como a poluição produzida por um país afetava os demais países por causa do fato de a "Terra ser redonda e girar", fazendo com que todos fossem obrigados a passar por baixo daquela poluição?

Hoje, tudo isso não conta mais. Quando o seu nome desponta entre os mais cotados para vir a substituir Dilma Rousseff, porém, fica a pergunta: ele de novo?

Este "ele de novo" está eivado de significados. Um deles é o de prorrogar a permanência desta turma no poder por, no mínimo, mais quatro anos - isso está, evidentemente, acima da capacidade de resistência da Nação. Mais um "mensalão" ninguém aguenta. Fora todas as outras atrocidades que certamente continuariam a ser cometidas contra nosso bom senso e nossos bolsos. Uma mistura que inclui incompetência, letargia e escândalos de corrupção. A conta a ser quitada vai muito além das fronteiras de nossa imaginação. E certamente da habilidade aritmética do nosso ex-presidente.

A "mais valia" governista assustaria até os mais ferrenhos marxistas. Atualmente ela se encontra em quase 40% de todas as riquezas produzidas no País. Com mais quatro anos de governo "lulopetista", sabe lá Deus onde vai parar.

Mas a possibilidade de uma eventual troca de candidatura, da nossa atual presidente pela de Lula, é real. E será ainda mais se a sua "análise aritmética" concluir que as chances de Dilma Rousseff sair derrotada pelas urnas aumentaram. Lula certamente seria um candidato menos derrotável. Não creio que o PT morra de amores por Dilma, o problema maior seria como convencer a população de que fora, mais uma vez, "apunhalado pelas costas" por um de seus companheiros. Do contrário, por que haveria de substituí-la? Não tinha sido ela a grande "gerenta" responsável pelo suposto sucesso do seu governo?

Assim sendo, vamos, com todo respeito, propor a Lula um pacto de cavalheiros. Faltam ainda alguns meses para o sufrágio de outubro. A tendência apontada nas pesquisas é de que haverá um bolo geral. Ninguém pode apontar, desde já, quem se sairá melhor nesse enfrentamento.

A proposta é a seguinte: ele desiste de disputar o pleito e, em troca, nós lhe providenciaremos uma "super Bolsa Família". Não sei se seria o mais justo, mas certamente nos custaria bem menos do que a sua presença, e a de todos os seus aliados, no comando do País. Talvez se, na hora de escolher seus companheiros, tivesse ele invertido sua equação e feito um julgamento 80% jurídico e 20% político, seu fim pudesse ser um pouco mais digno...

Luz amarela - LUIZ GARCIA

O GLOBO - 02/05


Há crescente possibilidade de que a primeira mulher a presidir o país enfrente um segundo turno nas próximas eleições


Nos Estados Unidos, berço do sistema político que admiramos (pelo menos no que ele se propõe a ser: nem sempre no desempenho dos ocupantes do poder), a reeleição do inquilino da Casa Branca para um segundo mandato é certa, com raríssimas exceções.

Aqui, nem sempre. Como parece acontecer agora: a mais recente pesquisa de opinião mostra queda considerável no prestígio da presidente Dilma Rousseff. Pelo visto — melhor dizendo, pelo que ouviram os entrevistadores dos eleitores — há crescente possibilidade de que a primeira mulher a presidir o país enfrente um segundo turno nas próximas eleições presidenciais, em outubro. Entre fevereiro e abril, a intenção de voto em Dilma caiu de 43,7 para 37%. Não é veredicto definitivo. Apenas um sinal alarmante para os atuais ocupantes do poder.

Outras pesquisas serão necessárias para que se determine um dado essencial: foi queda momentânea — como pode acontecer, e há exemplos disso na história da República — ou estamos assistindo aos primeiros sinais de um desabamento sem retorno do prestígio popular da primeira mulher a comandar o país?

Se acontecer mesmo a transformação de uma possível desilusão eventual dos eleitores em queda fatal — e inédita — da confiança dos eleitores na eficiência de quem os governa, o PT tem pela frente decisão inédita: insiste numa recuperação do prestígio de Dilma ou parte para outra candidatura — que seria, inevitavelmente, do mais popular petista em seus quadros. Lula, é claro. O que não impede o que seria decisão tão dolorosa quanto arriscada: aos olhos de grande parte do eleitorado, Lula estaria, com todo o respeito, tapando um buraco cavado pelo próprio PT.

Se as pesquisas de opinião não mentem — ou refletem apenas um momento passageiro da reconhecidamente volúvel vontade da opinião pública — nunca se sabe ao certo. Pelo menos, até o momento em que as urnas dão o seu veredicto definitivo.

Mas como diz o jornal, acendeu-se uma luz amarela no caminho de Dilma e do PT. No trânsito, é uma recomendação de cautela. Na política, trata-se de uma advertência severa: cuidado, pessoal, vocês estão indo para o buraco!

País das maravilhas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 02/04
Dilma usa pronunciamento oficial como palanque para anunciar gastos, negar críticas e "partir para cima" de adversários na campanha

A presidente da República usou parte do tempo de pronunciamento em cadeia nacional para tratar dos interesses de Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência.

A ocasião era a mensagem relativa ao Dia do Trabalho. É aceitável que o governante recorra a discursos oficiais para defender suas políticas, o que seria ainda mais compreensível se não despendesse tantos recursos públicos em propaganda. Mas a presidente engajou-se no debate eleitoral.

Dilma Rousseff atacou adversários com palavras e atos, por exemplo com promessas realizáveis apenas se reeleita. "Anuncio ainda que assumo o compromisso de continuar a política de valorização do salário mínimo", discursou. Tal assunto diz respeito ao próximo governo e ao próximo Congresso.

A presidente-candidata não se limitou a avançar no governo que ainda será escolhido. Ao recorrer ao passado para lembrar a criação de empregos por "nós", referia-se também, é claro, aos governos Lula e, portanto, ao PT, partidarizando ainda mais o pronunciamento.

Dilma Rousseff disse ter "força para continuar na luta por reformas", entre elas a da política, a dos serviços públicos ou aquelas que permitam conter a corrupção, de escasso progresso sob sua gestão.

Nos poucos meses que lhe restam, não será possível avanço maior. Além de fazer promessas eleitorais, a presidente reagia à torrente de críticas e más notícias que desprestigiam sua administração, da Petrobras à inflação.

Às palavras de propaganda a presidente juntou atos como o anúncio do reajuste do Bolsa Família. Alardeou o reajuste da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, o que na prática evitaria aumento maior da tributação. No entanto, se tal reajuste equivaler aos que vêm sendo adotados, abaixo da inflação, o IR voltará a subir. O anúncio não terá passado, então, de truque publicitário.

O conjunto da peça propagandística veicula mensagem clara, mesmo que inadvertida. Reeleita, Dilma Rousseff daria seguimento a programas que desarranjam as bases do crescimento da economia.

A presidente parece dizer que não há desacertos. Seu tom foi de desqualificação genérica de críticas, de reafirmação assoberbada de que há "crescimento com estabilidade, controle rigoroso da inflação e administração correta das contas públicas". Isso num país no qual o crescimento é o menor em década e meia, de inflação que incomoda dois terços dos brasileiros e de redução continuada da poupança do governo para investir.

Ao empregar de modo indevido um instrumento de comunicação oficial, e de modo agressivo, a presidente em nada colaborou para atenuar o acirramento de ânimos e partidarizou de maneira exacerbada o que deveria ser um meio de esclarecimento e debate públicos.

Continua uma opção - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 02/05


A matriz de energia elétrica brasileira é uma das mais limpas do mundo, pois as fontes renováveis respondem por mais de 80% da geração de eletricidade. E nessa matriz de fontes renováveis se destacam as hidrelétricas.


Para reduzir os investimentos com aproveitamento máximo da base hidráulica, o país conseguiu construir muitas hidrelétricas com reservatórios de acumulação de água nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Tais barragens têm múltiplas funções, pois ajudam a regularizar a vazão dos rios, evitando inundações nos períodos de cheia e garantindo o abastecimento de água em estiagens prolongadas. Dependendo das características dos rios, tais barragens tornam os rios navegáveis, podendo inclusive transformá-los em hidrovias interligadas a outros modais de transporte, com aumento de eficiência, redução de custos e menos impactos ambientais para diferentes cadeias produtivas. Mais recentemente, os reservatórios passaram a ser utilizados também para projetos de piscicultura. O Brasil é exportador de carnes bovina, suína e de frango, mas é importador líquido da proteína animal mais saudável de todas, que é a dos pescados. A produção vem crescendo com base principalmente na criação de peixes e frutos do mar, embora haja também alguma recuperação na captura por conta da repressão à pesca predatória.

Hidrelétricas com reservatórios também foram construídas nas regiões Norte e Nordeste, que têm regimes de chuva bem definidos durante o ano, o que torna a acumulação de água ainda mais necessária nessas regiões, pois usinas baseadas apenas na vazão natural dos rios tendem a gerar pouca energia no período de estiagem, obrigando a matriz elétrica a recorrer expressivamente a fontes substitutivas térmicas, mais poluentes e mais caras.

Com os reservatórios de acumulação de água reduzindo sua participação na matriz elétrica, o país passa a depender da transferência de energia entre as regiões, o que o leva a investir em longas linhas de transmissão, com perdas técnicas e riscos de acidentes. E a necessidade de fontes substitutas cresce a cada dia. Desse modo, a participação de fontes limpas e renováveis na matriz elétrica vai diminuindo. Economicamente, a necessidade de investimentos aumenta, gastando-se mais por cada megawatt adicionado à geração, com impacto negativo sobre toda a cadeia produtiva. Em vez de se produzir mais com menos, produz-se menos com mais.

Combater reservatórios de acumulação sob o pretexto de proteção ao ambiente é, portanto, uma contradição. O resultado final acaba sendo mais impacto ambiental e menos sustentabilidade. Sem dúvida que os aproveitamentos hídricos estão escasseando nas áreas em que o relevo favorece a formação de reservatórios sem que extensas áreas precisem ficar inundadas.

Na Amazônia, de fato, existe esse tipo de restrição. Porém, mesmo nessa região há lugares para futuras barragens com reservatórios. Tal possibilidade deveria ser avaliada seriamente.

Todos os brasileiros comprometidos - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 02/04

O pronunciamento feito pela presidente Dilma Rousseff na véspera do Dia do Trabalho deflagrou uma grande polêmica eleitoral, embora a campanha sequer tenha começado oficialmente. Ocorre que, ao convocar cadeia nacional de rádio e televisão para anunciar medidas esperadas e outras nem tanto, com benefícios para trabalhadores e também para o setor do eleitorado em que aparece mal nas pesquisas, a presidente acabou provocando reação indignada da oposição. Ontem mesmo, parlamentares oposicionistas anunciaram que denunciarão ao Tribunal Superior Eleitoral o que consideram campanha antecipada.

Os dois lados fazem o jogo eleitoreiro. O que a presidente Dilma Rousseff fez na quarta-feira foi apenas repetir o que todos os presidentes fazem historicamente na véspera do 1º de Maio. Anunciou o rotineiro reajuste gradativo do salário mínimo, o oportunista aumento do Bolsa Família e até a inesperada, mas sempre reclamada, correção da tabela do Imposto de Renda. É evidente que o anúncio foi preparado para atenuar a queda que a mandatária vem amargando nas pesquisas eleitorais, o que fica claro com o afago à classe média na questão do Imposto de Renda. Mas não chega a configurar um ilícito.

Mais preocupante foi a manifestação contraditória da presidente em relação ao episódio da Petrobras. Depois de se comprometer com uma apuração rigorosa dos malfeitos na estatal, disse que também não admitirá o que chama de campanha negativa de quem quer tirar proveito político, ferindo a imagem de uma empresa que o trabalhador brasileiro construiu com luta, suor e lágrimas. Ora, quem está prejudicando a imagem da Petrobras é exatamente o governo, que aparelhou politicamente a empresa e permitiu que gestores incompetentes ou mal-intencionados a empurrassem para maus negócios.

Recuperar a credibilidade da Petrobras é o desafio do governo. E isso certamente não será feito com ataques aos críticos, mas, sim, com correção das deformações e com a exposição transparente das práticas administrativas de quem comanda a maior estatal do país. Esse abacaxi não foi inventado pela oposição. Foi criado pelo próprio governo. Cabe-lhe, então, descascá-lo.

Como a presidente Dilma, todos os brasileiros comprometidos com o país querem ver a Petrobras forte, saudável e livre dos aproveitadores. Mas cabe a ela dar o exemplo, assumindo a responsabilidade no que lhe couber e sendo inflexível com eventuais malfeitores, para ficarmos na linguagem presidencial.

Não basta mudar de assunto. Nenhum pacote de bondades será suficiente para encobrir a corrupção.

Populismo corrosivo - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 02/04

Dois dias depois de uma pesquisa mostrar sua queda nas intenções de voto e a redução de sua popularidade, a presidente Dilma Rousseff anunciou em cadeia de rádio e de TV um aumento de 10% nos valores do Bolsa Família e uma correção de 4,5% da Tabela do Imposto de Renda. Além disso, prometeu manter a política de valorização do salário mínimo e acusou a oposição de defender o arrocho salarial. Horas antes desse pronunciamento, o Tesouro e o Banco Central (BC) haviam divulgado os últimos números das contas fiscais e confirmado as más condições das finanças públicas. A presidente parece ter ignorado essas notícias, assim como ignorou as condições de compra da Refinaria de Pasadena pela Petrobrás, em 2006, quando presidia o Conselho de Administração da empresa. Ou talvez nem tenha percebido a conexão entre seu pacote de bondades e a gestão do dinheiro público.

O sentido eleitoral - ou eleitoreiro - das medidas anunciadas pela presidente ficou evidente tanto para brasileiros quanto para observadores estrangeiros. O jornal britânico Financial Times classificou como populista o aumento de 10% dos benefícios do programa Bolsa Família e vinculou a decisão imediatamente à campanha da presidente pela reeleição. A elevação de 10%, lembrou o autor do texto, é bem superior à inflação acumulada em 12 meses. Não se trata, portanto, de mera correção.

Mas o ajuste de 4,5% na Tabela do Imposto de Renda, como sabe qualquer brasileiro, é insuficiente para compensar a inflação. A alta de preços ao consumidor acumulada em 12 meses tem ficado em torno de 6%. Mas o anúncio na véspera do feriado de 1.º de Maio e a referência à vantagem para os contribuintes assalariados têm também um claro objetivo eleitoral, até porque esse tipo de ajuste é normalmente divulgado mais perto do fim do ano.

Seria muito mais fácil levar a sério a fala da presidente se ela tivesse tido o cuidado de explicar como as novas medidas se enquadrarão na política fiscal. O aumento do Bolsa Família pode ser muito bom para milhões de pessoas. A correção da tabela do imposto, embora insuficiente, representará um pequeno alívio para o contribuinte. Mas essas iniciativas, assim como a valorização do salário mínimo, resultarão em novas pressões sobre as contas públicas, já em estado precário. Pouco mais de metade - 51% - do superávit primário do governo central no primeiro trimestre foi obtida com dividendos extraordinários e com receitas de concessões. Os dividendos contabilizados (R$ 5,89 bilhões) foram 667,6% maiores que os registrados entre janeiro e março de 2013 (R$ 767,4 milhões). A manobra para tornar menos feio o resultado fiscal é evidente.

O superávit primário - dinheiro para pagar juros da dívida - acumulado em três meses correspondeu a apenas 44% da meta fixada para o quadrimestre encerrado em abril. Essa meta só terá sido alcançada se o resultado de um único mês tiver sido suficiente para cobrir mais de metade do valor programado para quatro meses. Apesar disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, insiste em reafirmar a promessa de um superávit primário, neste ano, equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB) - número programado para todo o setor público.

Cada vez mais a presidente Dilma Rousseff parece afastar-se das limitações reais e incontornáveis da administração pública, para se concentrar estritamente nos objetivos eleitorais. Essa preocupação se acentuou nitidamente com a piora da avaliação de seu governo, a redução de seu prestígio pessoal e a campanha crescente, nos partidos aliados e até no PT, a favor do retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa campanha pode resultar em nada, mas claramente incomoda e pressiona a presidente.

Sua reação - aumentar os gastos para mobilizar apoio popular - pode ter sentido em prazo muito curto como manobra eleitoral. Mas a insistência nesse tipo de política, já mantida há muito tempo, produz, entre outras consequências, mais inflação e, portanto, mais corrosão dos benefícios transferidos aos mais pobres e dos salários recebidos pelos trabalhadores. Será mais um legado maldito para quem ocupar o Palácio do Planalto a partir de janeiro.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Petrobras não pode ser palco de ingerência e interferência política”
Eduardo Campos (PSB), afirmando que nossa maior estatal vive “o pior dos mundos”


DILMA NÃO ESTÁ DISPOSTA A CEDER CANDIDATURA A LULA

Podem tirar o cavalinho da chuva quem integra a numerosa bancada do “Volta, Lula”, no Congresso. Uma ex-ministra e dois ministros próximos avisam que a presidente Dilma adora governar, tomou gosto pelo exercício do poder, vai tentar a reeleição até o fim, e não está disposta a entregar a candidatura ao ex-presidente Lula. Ao contrário de deixá-la abatida, “Volta, Lula” parece desafiá-la a ir à luta, afirmam.

TROCO, SÓ DEPOIS

Na bancada do “Volta, Lula” estão quase todos os deputados do PT e vários de partidos aliados. Dilma tem anotados nome por nome.

CENTRO DO MUNDO

Em suas palestras, Lula se jacta de suas “três vitórias”. Nem cita Dilma como vencedora. No fundo, trata-a como um “poste”. Ela soube disso.

PALAVRA EMPENHADA

Dilma tem dito a amigos que não vê motivo para não acreditar em Lula, que jurou não ser candidato e prometeu ajudar na sua campanha.

DESDE CRIANCINHAS

Raposas políticas como Renan Calheiros e José Sarney, aproveitaram a fragilidade, aproximaram-se e viraram “amigos de infância” da presidente Dilma.

CARTEIROS ‘COMPANHEIROS’ GANHAM ATÉ R$ 19 MIL

“Nunca antes” na história mundial os carteiros ganharam tanto: trata-se de “cumpanhêros” concursados, que, por indicação petista viram “analistas” e diretores regionais, com salários entre R$ 14 mil e R$ 19 mil, como apurou a coluna. A estatal paga em média R$ 2,5 mil para carteiro com anos de experiência, mas apadrinhados saíram do serviço de entrega de cartas e encomendas para cargos de nível superior.

DECADÊNCIA

Enquanto cartas são entregues com atraso de até dois meses, cerca de 10 mil carteiros estão nos gabinetes, por meio de artifícios salariais.

VASSOURADA

O filme é velho: Lula quer “os braços do povo” para voltar. Dilma também. O último que tentou renunciaria meses depois.

ROTINA

O Twitter ferveu com o anúncio da “morte” de Fidel Castro, até que saiu a versão verdadeira: ele foi ao hospital para autópsia de rotina.

NOVO ABRIGO

Refugiado no Brasil, o oposicionista boliviano Roger Pinto Molina está morando no apartamento funcional do senador e amigo Sérgio Petecão (PSD-AC), em Brasília. “Ele não tem para onde ir”, afirma o acreano.

QUASE NA TESTA

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) sempre chama a atenção para os cabelos já um tanto abundantes, após implante. Até nem se importa com o apelido que ganhou dos amigos mais próximos: “Cabeleira”.

É A INFLAÇÃO

A Caixa vai subir o valor das apostas mínimas dos jogos da loteria. A Mega Sena custará R$ 2,50, alta de 25%. Quina vai para R$ 3,00, surpreendente alta de 33%. A Lotofácil fechou em R$ 1,50, subiu 20%.

EM PENSAR

Rifado pela cúpula nacional do PMDB, o ex-governador Íris Rezende (GO) tem dito a amigos que não moverá uma palha para eleger o correligionário e empresário Júnior Friboi ao governo de Goiás.

QUESTÃO DE TEMPO

Apesar das recusas de Íris Rezende, Júnior Friboi (PMDB) aposta que convencerá o correligionário a disputar o Senado em sua chapa, de olho em garantir uma boa transferência de votos ao governo de Goiás.

PERDEU A FOTO

Aspirante ao Planalto, Aécio Neves (PSDB) desmarcou participação no domingo (27) em futebol em uma favela de SP, com a presença do ex-jogador Bebeto, tudo organizado por Paulo Pereira, do Solidariedade.

PROPAGANDA ENGANOSA

Propaganda da Volkswagen no DF oferece “as últimas unidades” do modelo Fox “com IPVA grátis”. A publicidade malandra não informa que todo veículo zero km é isento do IPVA no DF, no ano da compra.

E AGORA, JOSÉ?

Presidente do PSD, Gilberto Kassab se reuniu privadamente com o ministro Guilherme Afif (Microempresa), o líder Moreira Mendes (RO) e Eduardo Sciarra (PR). Na pauta, aliança nacional nas eleições.

PERGUNTA ESQUECIDA

Lula também dirá que Dilma não é pessoa de “sua confiança”, como o fez em relação a Zé Dirceu, Genoino e Delúbio?


PODER SEM PUDOR

APARTE DE UM PERSEGUIDO

Eduardo Gomes estava em campanha presidencial, nos idos de 1945, quando foi protagonista de uma das mais famosas histórias de comício.

No palanque, o brigadeiro udenista faz um apelo:

- Brasileiros, precisamos trabalhar!

Figura folclórica em qualquer comício que se preze, um bebum de plantão logo protestou:

- Assim não dá! Hic! Já começou a perseguição!