segunda-feira, agosto 13, 2012

A filha do mensalão - GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da Repúbli­ca, Gilberto Carvalho, é uma figura muito importante para o Brasil. Os brasileiros gostam de sonhar com a purifi­cação de Dilma Rousseff, parindo teses quase diárias sobre a independência da presidente em relação a Lula. Toda hora alguém descobre que Dilma é diferente, que não transige com os métodos do padrinho, que não admite os contraban­dos éticos da ideologia companheira etc. Aí surge o ministro intocável para despertar esse povo crédulo de seus doces de­lírios. Gilberto Carvalho é a partícula de Deus do lulismo, a prova científica da matéria lulista em Dilma.

E, quando o Brasil se esquece desse fato, o próprio Gil­berto Carvalho se encarrega de lembrá-lo. Tudo ia muito bem para o governo Dilma no julgamento do mensalão, com a opinião pública olhando para os réus do valerioduto como se aquilo fosse uma história de época, um filme de Máfia sobre um passado que passou. Foi quando surgiu a voz sensata de Carvalho para avisar: “Quem aposta no desgaste do governo (com o julgamen­to do mensalão) vai se decepcionar!”. Pronto. Ali estava o bóson de Higgs do governo popular se entregando no inconfundível estilo petista - fazendo o pênalti e depois levantando os bra­ços para dizer: “Não fui eu”.

Os braços levantados do zaguei­ro Carvalho, com seus dez anos de palácio unificando os gabinetes de Lula e Dilma, falam mais que mil palavras. Mas ele fez questão de ser didático. Comparando a repercussão atual do julgamento com a do escândalo em 2005, ele lembrou: no que “baixou a poeira do debate político”, o povo apoiou “o processo”, reelegendo Lula em 2006 e elegendo Dilma em 2010. Estava mais do que na hora de alguém gritar que “o processo” de Lula e Dilma é o mesmo, inclusive na testada e aprovada capa­cidade de ganhar eleições e manter a popularidade alta apesar das trampolinagens.

A mensagem de Carvalho ao país é muito rica. Con­tém alta carga conceituai, mas pelo menos uma tradução bem simples pode ser feita: percam as esperanças de nos desmascarar, porque o eleitorado não está nem aí para os nossos esquemas parasitários.

O brado do ministro da Secretaria-Geral da Presidência foi ouvido, coincidentemente, depois da apresentação da defesa de José Dirceu no Supremo Tribunal Federal. O advogado do ex-ministro, acusado de ser chefe da qua­drilha, lembrou que Dilma, quando ouvida no processo, proferiu um nada-consta sobre Dirceu quanto a seu tráfico de influência nos bancos do mensalão. Um sutil gesto de solidariedade com o companheiro de armas que, no pre­sente momento, poderia soar comprometedor - se a plateia fizesse um pequeno esforço para lembrar que a venerável dama de ferro não veio de Marte.

Dilma veio, precisamente, do planeta Dirceu. Sua as­censão à Casa Civil foi articulada pelo próprio, no exato momento em que ele caía em desgraça com o estouro do escândalo. Dilma é, portanto, filha do mensalão. E fez ques­tão, em plena cerimônia de posse, de mostrar lealdade ao antecessor que afundava com as revelações sobre o valerio­duto. Só a opinião pública consegue separar a presidente do grupo em julgamento no Supremo - separação que nem ela mesma jamais fez.

Os quase 80% que aprovam Dilma Rousseff de olhos fechados (e bem fecha­dos) devem considerar mera coincidência as companhias que a afilhada de Dirceu cultiva em sua trajetória gerencial: Ereni- ce Guerra, os consultores Antonio Palocci e Fernando Pimentel (este ainda pendu­rado no governo graças à grande gesto- ra-amiga) e outros filhos do “processo” Lula-Dilma que ficaram pelo caminho, como Orlando Silva, Carlos Lupi e grande elenco parasitário - todos parentes políticos da grande família de mensaleiros e aloprados, com os quais a presidente, Deus a livre, não tem nada a ver.

Quem tiver dúvidas, preste atenção às palavras do minis­tro Carvalho encerrando o assunto: “A presidenta Dilma nos deu a orientação de seguirmos trabalhando rigorosamente, seguindo nossa tarefa de governo, numa atitude semelhante à que o presidente Lula já tomara em 2005”. Como se vê, o “processo”, “esquema” ou como se queira chamar esse caso de polícia com fantasia de revolução é exatamente o mesmo há dez anos. Marque o pênalti, seu juiz.

O amadurecimento da democracia brasileira - FERNANDO ABRUCIO

REVISTA ÉPOCA

A discussão, a investigação e o julgamento do mensalão revelam um amadurecimento da democracia. Parece contradição com a crise institucional e moral que muitos enxergam neste que já foi qualificado como o maior crime de corrupção de nossa história. Mas o enfrentamento do problema, com a possibilidade de debate amplo, inclusive por meio de escrutínio eleitoral, redundou agora num julgamento que permite a apresentação dos argumentos das partes de forma transparente. A maior novidade, portanto, não é o escândalo em si, mas a maneira como ele tem sido tratado pelas instituições políticas do país.

Nossa história, marcada por períodos autoritários ou oligárquicos, não é pródiga no combate à corrup­ção. Classificar o mensalão como o maior dos escân­dalos é uma ignorância histórica ou uma posição de ideologia partidária estreita. Com o que se gastou em obras públicas no regime militar, num período em que o poder político era opaco, é difícil que não tenha havido corrupção maior que a atual. Basta vi­sitar a Transamazônica, quase uma estrada fantasma. Quantos bilhões foram gastos por lá? O total deixaria PC Farias e Marcos Valério ruborizados...

A novidade é a capacidade das instituições brasi­leiras de iluminar e descobrir irregularidades, rou­balheiras e afins. O mensalão foi primeiramente denunciado na imprensa. Três CPIs trataram, de um modo ou de outro, do caso. A Polícia Federal e o Ministério Público também atuaram. Ao final, o Supremo Tribunal Federal (STF) levou sete anos para encerrar a investigação, num processo que en­volveu uma gama enorme de ações. Tente relembrar uma história de corrupção que tenha passado por um processo tão complexo, com um espaço mais que razoável para o contraditório e o debate.

Podem ter havido erros investigatórios, além de o argumento da acusação poder também ter fragilidades. O controle público é feito por seres humanos, por natureza sujeitos a falhas. Mas não se pode dizer que tudo tenha sido inventado. Os primeiros a negar isso são os próprios acusados, que, ao admitir finan­ciamento ilegal de campanha, revelam que recursos públicos foram usados para pagar partidos e políti­cos nas eleições municipais de 2004. Isso é um crime grave contra a democracia. Não começou com este episódio, mas é ele que está em questão.


O julgamento final caberá ao STF. Mas parte da­quilo que, em inglês, é chamado de accountability (algo como “responsabilização”) já foi alcançada. Não houve, em nenhum momento, censura à apre­sentação e à discussão dos fatos. Alguns poderão reclamar de abusos ou ilações em parte da mídia. O cientista político Fernando Filgueiras, da Universi­dade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou, em trabalho recente, que, ao mesmo tempo que os cida­dãos se tornam mais críticos em relação à corrupção, também têm aumentado sua percepção de que a imprensa muitas vezes é parcial em suas coberturas. Mas manter a liberdade ampla de opinião permitiu ao povo brasileiro construir sua visão sobre a vera­cidade e o significado do mensalão. Deixar o jogo da informação o mais livre pos­sível é sempre o melhor remédio.

A eficácia do processo ainda pode ser medida pelo grau de liberdade que teve o Ministério Público Federal. Não resisto a ci­tar a máxima lulista: nunca antes na história deste país um pre­sidente escolheu procuradores- gerais tão independentes para investigar o próprio grupo dirigente. Lula poderia ter feito diferente. Tinha até popularidade e, no segundo mandato, maioria política para optar por uma outra linha. Mas não o fez. Com exceção de um caso, selecionou nomes para o STF com autonomia sobre os quadros político-partidários. Não sei se muitos governantes das principais democracias seguiriam tal caminho.

O mensalão já foi objeto de debate e escrutínio eleitoral, principalmente em 2006, algo que se repe­tiu em menor medida em 2010. Muitos dirão que as urnas comprovaram que o povo acha que nada acon­teceu - ou nada de importante. Tenho uma leitura diferente. A maioria dos envolvidos no episódio foi castigada pelas urnas. O que fez o eleitorado manter o lulismo forte não foi apenas seu sucesso econômico e social. No mesmo momento em que os petistas e aliados eram pegos com a boca na botija, também se descobriu que o valerioduto fora inventado pelos tucanos mineiros. Isso reduziu o impacto do discurso moralista e mostrou que nenhuma das forças políticas relevantes do país era formada por santos. Outras questões foram mais decisivas na hora do voto.

Uma das maiores falhas do processo foi descolar os dois mensalões do ponto de vista judicial. Do mesmo modo que os envolvidos no caso envolvendo petistas e aliados serão julgados pelo STF, isso deveria se re­petir com o congênere tucano. Mas o balanço geral é extremamente positivo. Confusões e controvérsias decerto ocorreram e ocorrerão, mas num grau que não afetou o amadurecimento da democracia brasileira. A decisão dos ministros do STF é a peça fi­nal da história. Ela não poderá ser julgada de forma maniqueísta - boa se todos forem amplamente condenados ou ruim se isso não acontecer. É provável que o veredito fique no meio do caminho. Quanto aos capítulos da novela já apresentados, diz- se muito, de um lado, que a fala do procurador Gurgel foi cristalina e certeira, enquanto, de outro lado, muitos apontam a fragilidade das provas, sobretudo a ausência de materialidade contra alguns (como José Dirceu) ou o uso de instrumentos testemunhais mal elaborados e retirados de seu contexto. O melhor de tudo é poder presenciar que o contraditório está ga­rantido de forma transparente e ampla, comprovando que o Brasil avançou muito em sua trajetória. É assim que se constrói a accountability democrática, num país que quase nunca a teve.

Ministros e medalhas - LYA LUFT

REVISTA VEJA


Estes são dias de competição, superação, decepções e premiações, na Olimpíada esportiva, mas também no enfrentamento entre justiça e impunidade no triste processo chamado mensalão que nos aflige. Ainda longe do final, quero, aqui do meu ponto de vista, conceder uma medalha de ouro ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, com o respeito, a admiração e o reconhecimento de uma brasileira preocupada. Medalha pela serenidade, compostura, precisão, tecnicidade jurídica, evidências tantas vezes comprovadas, citadas em dia e página. Pela coragem, que não há de ser pouca. Pela possibilidade de que prevaleça a justiça, punindo-se culpados e absolvendo-se inocentes.

Sou filha de professor de direito e diretor de faculdade de direito até sua prematura morte. A Senhora Justiça era personagem em nosso cotidiano: lá estava na escrivaninha dele uma estatueta de prata da referida dama vendada, em uma das mãos a balança, na outra a espada. Andam meio esquecidas por aqui, ela e suas parceiras Decência, Integridade, Bravura. O resultado da luta aqui travada agora, porém, pode curar feridas, e abrir caminhos para a renovação neste país.

Agora, à Olimpíada esportiva: admirável a organização britânica. Solenidade e bom humor discreto e elegante. Belíssima a abertura, e motivo de orgulho nosso a ex-ministra Marina Silva ser uma das personalidades mundiais ligadas à paz e à preservação da natureza a segurar a bandeira desse evento. (Infelizes comentários de nossas autoridades nem merecem ser aqui citados: não gasto bom papel com tema ruim.) Esperemos que na Olimpíada esportiva do Brasil, em quatro anos, a organização seja parecida, dispensados os comentários e atitudes desastrosas que nos tornariam pequenos aos olhos do mundo.

Nosso país não está se saindo muito bem até agora: é de espantar que nossos atletas consigam medalhas de bronze e alguma de ouro. Enquanto escrevo, uma segunda dourada aparece, um atleta não muito badalado, que superou as nossas falhas com suas virtudes: transbordando decência, disciplina, humildade e uma enorme bravura. Agradecendo, pediu ao Brasil mais oportunidades e estímulo, mais cuidado com os jovens atletas, coisas que não recebem nos duros anos de sua preparação: muitos e excelentes centros de treinamento, preparadores bem pagos, ótimo atendimento médico, os melhores psicólogos que os ajudem a enfrentar, além do sobre-humano esforço físico, o forte desgaste emocional. Quase não vi atletas estrangeiros deprimidos ao obter um bronze, conscientes de estarem entre os três melhores do mundo em sua categoria, mas muitos dos nossos ficaram abatidos recebendo a mesma medalha: talvez a gente só os incentive a valorizar o máximo. Como o pai que não admite que seus filhos não sejam em tudo os primeiros.

O que o Brasil tem conseguido nesta Olimpíada é muito se comparado ao pouco que oferecemos. Nossos adversários vêm de países que, mesmo pobres alguns, os tratam como príncipes. Não vemos atletas estrangeiros procurando oportunidades no Brasil, mas os nossos muitas vezes precisam sair daqui para buscar condições de trabalho, reconhecimento, crescimento e sucesso. Assim, muitos jovens intelectuais, cientistas, universitários, acabam indo embora, pois aqui não encontram estímulo nem trabalho à sua altura. Ou são aplaudidos no momento do sucesso, da descoberta, da medalha, e depois esquecidos. A busca da excelência em todos os campos da atividade humana, desde a dignidade básica até a educação, a saúde, a segurança, oportunidades — hoje incluindo os esportes —, não tem sido prioridade nossa.

Voltando aos ministros do Supremo: neles está nossa esperança de que esses que por anos a fio “macularam nossa pátria” sejam punidos, se provada a sua culpa. Poderemos então respirar com peito mais desafogado e receber, como povo e como indivíduos, uma verdadeira medalha de ouro. O fardo que carregamos, nós que nos informamos, nos preocupamos, e lutamos pelo bem do Brasil, tem sido pesado demais.

A revolta dos mequetrefes - RUTH AQUINO

REVISTA ÉPOCA

É revoltante a perseguição do Brasil a seus 81 senadores. Durante a vida toda, servindo a nação, eles receberam sem problema dois salários extras por ano, o 142 e o 15e. Nos valores atuais, R$ 53.400. Jamais pagaram algum imposto em cima desse valor. Zero. E, agora, vem a Receita Federal e decide cobrar deles o imposto devido nos últimos cinco anos, com multas e juros. Como se eles fossem uns mequetrefes. O Leão deu um prazo de 20 dias para Suas Excelências enviarem cópias de contracheques e comprovantes de rendimentos anuais.

Os senadores deveriam aderir à onda das greves. Virou moda servidor público partir para o confronto com a presi­dente Dilma e, por tabela, infernizar a população na ma, nas universidades, nos hospitais e nos aeroportos. Não importa quanto ganhem. Não importa que tenham recebido aumentos nos últimos anos acima da inflação. Aumentos maiores que os da população, engarrafada pelo poder dos sindicatos.

Uma greve dos senadores teria a vantagem de nem ser percebida, porque não faria a menor diferença para a vida de ninguém. Ou alguém acha que o país sofre durante os meses de recesso em que pagamos aos senadores para que eles não façam nada? Eles não fazem nada, e nós sofremos menos ainda.

Cada senador terá de devolver R$64.700, fora juros e multas, referentes aos anos de 2007 a 2011. Uma fortuna! Principalmente se calcularmos a merreca mensal que eles recebem de subsídio e verbas extras. Sete deles também ganham aposentadoria de ex- governador. Um é o presidente do Senado, José Sarney, em seu terceiro mandato - que dá exemplo ao não revelar quanto ganha.

Embora sua zelosa assessoria de imprensa se recuse a divulgar, calcula-se que, somando tudo, deve rondar os R$ 80 mil a remuneração mensal do maranhense que adotou o Amapá. Sarney recebe R$ 26.723,12 como senador, mais as aposentadorias de ex-governador do Maranhão e de servidor do Tribunal de Justiça, além das verbas extras, chamadas inexplicavelmente de “indenizatórias”. Se Sarney ganhar menos (e não mais), ÉPOCA receberá uma carta de Fernan­do Cesar Mesquita, da Secretaria Especial de Comunicação Social do Senado. Esperamos que ele nos informe o exato valor, discriminado, em nome da clareza.

Pelo menos outros seis senadores ganham, como Sarney, aposentadoria de ex-governador. Ela varia de R$ 11 mil a R$ 24 mil. São eles: Epitácio Cafeteira (PTB-MA), José Agripino
Maia (DEM-RN), Valdir Raupp (PMDB-RO), Ivo Cassol (PP-RO), Jorge Viana (PT-AC) e Pedro Simon (PMDB-RS). Merecem ser citados por seu empreendedorismo.

Às vésperas de sair da vida pública com uma vingança na manga (deixar Renan Calheiros em seu lugar), Sarney se diz feliz porque a Receita cobrou imposto apenas em cima dos últimos cinco anos: “Se fosse de todos os meus mandatos, não seria uma facada, seria um tiro. Nem se vendesse a Ilha de Curupu, que não é mais minha, daria para pagar”. Em 1970, Sarney se tornou senador pela primeira vez.

Os senadores se insurgiram contra a cobrança retroativa. Os políticos estão inquietos com essa mania de remexer o passado em nome da moralização e da transparência. Tanto esfor­ço para não ser tratado como homem comum, zé-ninguém, mequetrefe. E, de repente, todas as regalias são ameaçadas, e o “toma muito lá dá muito cá” passa a ser crime. Até os pares cassam mandato. Imagine ter de enfrentar a Justiça de verdade e, pior ainda, o ministro Joaquim Barbosa fa­zendo perguntas capciosas ao vivo, na televisão, de supetão, fora do roteiro, sem nada combinado? Por que o Brasil resolveu se tornar um país menos ava­calhado e mais sério?

Essa facada da Receita Federal não fi­cará assim não. Se a estratégia dos réus do mensalão é jogar a culpa no próximo, no subordinado ou no morto, os senadores também não assumem culpa de nada. Dizem que o erro foi do Senado, e não deles. Exigem uma negociação coletiva.

O líder do PSDB, o senador Álvaro Dias (PR), não se conforma em retirar do próprio bolso um dinheiro que, a seu ver, é devido pela instituição. “O erro foi do Senado, e nós é que vamos pagar a conta?”, pergunta Dias, escan­dalizado. Provavelmente, Dias quer que a dívida dos 81 senadores com a Receita seja retirada dos cofres públicos, de nosso bolso.

Nenhuma dessas raposas políticas sabia que teria de pagar Imposto de Renda sobre o 142 e o 152 salários. Eles achavam que isso era só ajuda de custo. Porque a vida deles custa mui­to. Não bastam auxílio-moradia, auxílio-passagem, auxílio- telefone, auxílio-combustível, auxílio-assessor, auxílio-correio, auxílio-refeição. Precisamos fazer um mutirão, uma vaquinha para ajudar os senadores amotinados. Caso contrário, eles podem fazer greve. Já pensou? Nem vou dormir.

Cria supera o criador - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 13/08

Esta série de derrotas do futebol brasileiro, como sábado para o México na disputa do ouro olímpico, leva Roberto DaMatta a ponderar:
— O Brasil ficou, no passado, grande demais no futebol. O estrondoso sucesso levou o resto do mundo a não só admirar nossa arte de jogar, mas também a copiá-la. Agora, em muitos casos, a cria supera o criador.

Segue...
Para o antropólogo, que tem estudado o futebol, este fenômeno, onde tem vez que a cópia fica melhor do que o original, é comum:
— Veja a indústria automobilística. A Ásia aprendeu com os americanos a fazer carros. Hoje, muitas vezes, eles sabem fazer melhor.

Mas...
O próprio DaMatta espera que em 2014 esta teoria esteja errada na Copa do Mundo.
Ah, bom!

Sobrou para Thiago

Aliás, na derrota do Brasil para o México, locutores franceses criticaram a atuação do Thiago Silva, contratado pelo Paris Saint Germain por 42 milhões de euros (mais de 100 milhões de reais).
A contratação virou polêmica na terra de François Hollande.

Até...O presidente Hollande considerou o valor excessivo e renovou promessa de aumentar a taxação sobre grandes salários.
Imagina na Copa
Ontem, em Foz do Iguaçu, com vários voos atrasados e com turistas reclamando, uma aeromoça da Gol vira-se para outra e diz:
— Eu vou engravidar na Copa para ficar longe desta confusão...

PEQUENOS E PERIGOSOS VIZINHOS
A Barra da Tijuca não é só refúgio dos emergentes. Das formigas também. Quem passa pelos canteiros da Avenida das Américas tem que tomar um pouco de cuidado. É que há 13 formigueiros gigantes, veja só, no trecho entre a Cidade das Artes e o Shopping Downtown. São os quartéis de um batalhão de formigas saúva (atta cephalotes), cuja mordida é dolorosa, mas sem veneno. As cascudas também são conhecidas como cortadeiras, por causa da capacidade de cortar folhas. Aliás, com esses pedacinhos do verde, elas produzem um fungo, o único alimento delas, que entre outros nomes é chamado de ambrosia. Além de grande cultivadora, a saúva é considerada uma das mais eficientes pragas agrícolas. Para evitar qualquer tipo de problemas com o batalhão, a Secretaria de Conservação do Rio, em parceria com a Fundação Parques e Jardins, inicia esta semana uma operação para retirar os formigueiros •

Princesinha do mar
Única filha do compositor Braguinha (1907/2006), Maria Cecília Braga está escrevendo um livro de memórias sobre o pai, autor de sucessos como "Chiquita bacana’,’ "Touradas em Madri" "As pastorinhas” e "Princesinha do mar’!
O nome do livro é "A casa branca da Tijuca’,’ referência a uma residência que a família viveu na Zona Norte e que existe até hoje.

Aliás,
Embora em "Princesinha do mar’ celebre Copacabana, Braguinha só se mudou para lá em 1974. Antes ele dizia, veja só, para Maria Cecília:
— Filha moça não se cria em Copacabana.

Girafa no carnaval
Martinho da Vila está escrevendo o seu terceiro livro infantil a quatro mãos com o poeta angolano Manoel Rui, que é autor da letra do Hino Nacional de Angola.
"Alegria e girafa” será lançado, simultaneamente, no Brasil e em Angola pela editora Lazuli.

Segue...
Trata-se da história inspirada na filha caçula de Martinho, de nome Alegria, que tinha muita curiosidade de conhecer uma girafa e foi para Angola.
No livro, a menina decide trazer o animal para brincar o carnaval carioca.

Barbie baiana
A nova Barbie da coleção “Dolls of the world 2012” chega ao mercado em setembro fazendo uma homenagem ao Brasil.
A boneca (foto), uma das prediletas das brasileirinhas, integra uma linha que representa a cultura em vários países.

Frustrado
O julgamento do mensalão deixou frustrado o delegado Luiz Flávio Zampronha, da Polícia Federal.
Zampronha avalia que a Procuradoria Geral da República não aproveitou como deveria seu relatório, com o caminho percorrido pelo dinheiro usado no esquema. Está convencido de que não foi desatenção, mas escolha da acusação.

Parceria da pesada
Maurício de Souza e Thalita Rebouças se encontraram outro dia.
O pai da Turma da Mônica e a campeã da literatura juvenil planejam lançar um livro juntos.

Violão histórico
O Instituto Moreira Sales irá abrigar e cuidar de todo o acervo de Baden Powell (1937/2000), inclusive seus violões que precisam ser tocados para não estragar.
Um acordo de comodato foi celebrado entre os herdeiros do famoso violinista brasileiro e o IMS.

Troca de endereço
Maria Gadu, a cantora, acaba de comprar um casarão em São Conrado.

Gois no Rio 2016
Faltam 1.453 dias para as Olimpíadas no Rio. Como diz o versinho de Assis Valente: "Chegou a hora de essa gente bronzeada mostrar seu valor”

Desatar o nó Brasil - CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA

Revista Veja 


Demorou a cair a ficha. Mas, finalmente, caiu. Uma reportagem desta edição de VEJA revela os próximos passos do governo de Dilma Rousseff para fazer as pazes com as leis econômicas — algo tão necessário quanto é para engenheiros, arquitetos e projetistas de aviões estar em harmonia com a lei da gravidade. O editor Otávio Cabral obteve o cronograma das providências que o Palácio do Planalto vai tomar nas próximas semanas. Elas são o resultado da constatação lógica que só o governo não tinha enxergado: esgotou-se o modelo de concessão de crédito barato subsidiado pelos impostos dos brasileiros que trabalham e secundado por intervenções estatais para segurar o preço dos combustíveis e controlar artificialmente a inflação. A presidente Dilma, que antes de agir ouviu um grupo seleto de grandes empresários, optou por dar uma guinada e partir para outro caminho, que, em suas próprias palavras, tem como objetivo “desatar o nó Brasil”.

Pelo que conseguiu apurar o editor Otávio Cabral de fontes no Palácio do Planalto e no Ministério da Fazenda, o governo Dilma vai privatizar estradas, ferrovias, portos, aeroportos e cortar impostos que hoje fazem do Brasil o país das distorções. O Brasil produz a energia mais barata do planeta e a fornece pelo preço mais alto na outra ponta. Suas empresas pagam salários baixos em comparação com as de nações mais desenvolvidas, mas têm a folha de pagamento mais cara. “Pelo que vi e ouvi sobre as mudanças, o governo entendeu que seu peso sobre os ombros da livre-iniciativa é o grande problema da economia brasileira”, diz Cabral. O editor de VEJA notou, no entanto, que ainda há certo temor de falar a palavra “privatização”, que foi demonizada sob Lula e por Dilma durante a campanha presidencial de 2010. O Palácio do Planalto fala em concessões à iniciativa privada, mas, na prática, são privatizações. As empresas privadas que ganharem as concessões poderão aplicar o dinheiro arrecadado na operação nas próprias rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. É um grande passo na direção certa. Para obter no Congresso a aprovação definitiva das mudanças, a presidente Dilma Rousseff vai enfrentar resistências óbvias de setores de seu partido, o PT, e de outras forças reacionárias, em geral à esquerda do espectro político. Está aí uma batalha para a qual a presidente vai precisar do apoio da opinião pública. O de VEJA fica desde já hipotecado.

Votos, pacotes & segredos - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 13/08

Nesta próxima fase do julgamento não existe meio-termo sob o ponto de vista político. Se o STF decidir pela condenação, ainda que dispense os réus da cadeia, o estrago estará feito
Quem acompanha o cronograma do julgamento do mensalão e da agenda da presidente Dilma Rousseff nota algumas coincidências. No mesmo dia em que o os ministros do Supremo Tribunal Federal devem começar a apresentar seus votos, Dilma lança no Planalto o pacote de incentivo à indústria. E para piorar — ou facilitar — as coisas para o PT, tudo indica que o horário eleitoral de rádio e tevê começará na mesma semana em que o país saberá se os réus da Ação Penal 470, ou parte deles, serão condenados. 
Ou seja, nesta primeira fase, de condenação e/ou inocência, não existe meio-termo sob o ponto de vista político, especialmente, para um partido que disputa eleições municipais. Se os ministros decidirem pela condenação, ainda que dispensem os réus de passar um período na cadeia, o estrago eleitoral estará feito. Daí, a preocupação do partido. 
Por essas e outras, quem compara as agendas de Dilma e do STF tem certeza de que não há coincidências entre pacotes e votos dos ministros. Tudo a partir de agora será pensado para evitar que o governo se contamine por essa fase do julgamento e, assim, ajude a segurar as pontas para o PT nas campanhas pelo país afora. 

Por falar em segurar as pontas...Os petistas sabem que, julgamentos à parte, é a economia o grande indutor das campanhas do partido, seja agora, seja em 2014. Portanto, se Dilma conseguir ultrapassar essa fase de crise e seus pacotes colocarem o país para andar, não será o mensalão que vai tirar dela a primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. O fundamental, avalia o PT, é não deixar criar um clima de descontrole do país, como ocorre com as greves. Se elas não cessarem logo, novos problemas virão. E as paralisações estão em fase terminal, apesar da entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega, soar como um balde de água fria na cabeça dos grevistas. 
Na entrevista aos Diários Associados, Mantega deixa explícito que não virá o sonhado aumento para todos os setores. E quem não acredita no ministro, é bom ficar de olho no Orçamento da União de 2013, a ser enviado ao Congresso em 31 de agosto. Quem trabalha nessa lei garante que não estará embutido ali uma folga de caixa para cobrir o que os sindicatos classificam como defasagem salarial. A prioridade do governo é o setor privado como indutor de investimentos, e é por aí que o governo pretende mostrar algum fôlego e dar a sensação de que atitude que o eleitor tanto gosta. 

Por falar em sensação...A aposta do governo é a de que só o setor privado pode hoje dar ao eleitor brasileiro a percepção de atitude que a campanha de Dilma mostrou na tevê em 2010. Alguém se lembra do mapa do Brasil e das setas que levavam o telespectador a encontrar Lula ou a sua candidata com o chapéu de mestre de obra em algum ponto do país? A sensação ali, lembram os governistas, era de controle, trabalho e obras em andamento. Hoje, o preço da gasolina está à beira de aumento, as greves tomam conta do setor público e a indústria ainda não mostrou a que veio. Ou o governo retoma aquele clima de ação ou o eleitor corre o risco de ir buscá-lo em outra freguesia. 

Por falar em freguesia...Quem está de olho nas campanhas não perde a oportunidade de se perguntar qual o segredo de Celso Russomano, candidato do PRB a prefeito de São Paulo. Desde que ele se lançou na disputa, em junho, os políticos tradicionais dizem que ele está com os dias contados no segundo lugar nas pesquisas de intenções de voto. Entretanto, lá se vão quase dois meses sem que ele se mova dessa posição. Ok, sabemos que Russomano terá só 2 minutos e 11 segundos em cada bloco na tevê, enquanto José Serra, Fernando Haddad e Gabriel Chalita terão mais tempo. Portanto, a tendência é desidratar.
Mas, o recado do momento é claro: o eleitor paulistano busca uma alternativa ao PT e ao PSDB. Por enquanto, o voto em Russomano é considerado um protesto. Afinal, ele é, entre os candidatos, o mais conhecido, pilotou um programa na tevê e lá vai. Está patente que o eleitor quer quem cuide dos problemas do dia a dia e não de teses e de brigas internas partidárias. Se os candidatos dos grandes partidos não aproveitarem o horário eleitoral para passar ao eleitor a segurança de que estão ali para resolver problemas, os grandes partidos podem se surpreender. Fernando Henrique Cardoso, aliás, já tratou disso em reuniões com os tucanos. Da nossa parte, cabe acompanhar essa campanha da mesma forma que se observa os votos dos ministros no STF e os lançamentos de Dilma. 

Foi bom, mas acabou - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O ESTADÃO - 13/08

Comecei a escrever nesta página em 1997, quando o real já estava na praça, mas ainda longe da consolidação. O mundo apresentava uma situação contrária à de hoje: os países desenvolvidos, depois da queda do muro de Berlim, engatavam um período de forte crescimento. Já os emergentes, Brasil incluído, passavam por sucessivas crises, mas, olhando bem, já dava para perceber que estavam em andamento decisivas reformas estruturais. 
De lá para cá, ao longo de mais de 570 colunas, acredito ter ajudado o leitor a acompanhar as mudanças ocorridas aqui e no mundo. 
O Brasil foi bem. Quando se olha para trás, é impressionante a sequência de reformas macro e microeconômicas que consolidaram a estabilidade e assentaram as bases para a volta do crescimento. 
No macro: regime de metas de inflação com BC independente (1999) responsabilidade fiscal e superávit primário (leis de 1998/2000) câmbio flutuante (1999) negociação e acerto da dívida dos estados. Pode-se incluir aqui a privatização em setores chaves, telecomunicações, mineração, siderurgia, transportes, bancos e energia elétrica. Cabem também os dois grandes programas de ajuste do sistema bancário, um para o setor privado, outro para o público, com a privatização de bancos estaduais. 
Também foi crucial a quebra do monopólio da Petrobras (por emenda constitucional de 1997). Isso abriu a exploração de petróleo ao capital privado, nacional e estrangeiro, trouxe os investimentos que resultaram na descoberta do pré-sal. 
Na área de gestão pública, tivemos uma reforma administrativa e a criação das agências reguladoras. E uma reforma no INSS, com a introdução do fator previdenciário em 1999. Para facilitar a vida econômica de pessoas e empresas, foi criado o Simples. Introduziu-se a regra de suspensão temporária do contrato de trabalho, importante flexibilização da legislação trabalhista. 
Isso tudo foi na era FHC. O primeiro governo Lula, com Antonio Palocci na Fazenda, manteve a base da política macroeconômica e avançou muito na agenda micro, com a criação, por exemplo, da conta bancária e poupança simplificadas, a portabilidade do crédito e o regime do Supersimples. 
Mudanças na legislação permitiram a volta e a expansão do financiamento imobiliário e a criação do crédito consignado. 
Isso e mais o boom da economia mundial, com abundância de financiamento externo barato, levou ao crescimento vertiginoso do crédito concedido a pessoas e empresas. Passou de 20% do PIB no início do século para os atuais 50%. Ainda na era Lula: a nova Lei das SAs (2007) e regras aperfeiçoando a área de seguros. Mais a aprovação, em 2004, da contribuição previdenciária de funcionários púbicos aposentados. 
No governo Dilma, a aprovação, no Congresso, da lei do cadastro positivo de crédito foi um retorno às reformas micro. A presidente também obteve a votação da lei que cria o fundo de previdência complementar dos funcionários públicos, concluindo, oito anos depois, a reforma iniciada com Lula. 
E voltou às privatizações, com a concessão de três aeroportos. 
Enquanto essas mudanças internas se consolidavam, o mundo ajudou e muito. Do início deste século até a crise financeira de 2008, a economia global experimentou um período de forte crescimento. Consolidou-se o fenômeno China, cuja voracidade por commodities, alimentos, minérios, petróleo e tanta coisa mais abriu enorme espaço para os países emergentes exportadores. 
O agronegócio brasileiro foi simplesmente um prodígio. Tornou-se grande produtor e exportador mundial. Nesta safra, o Brasil passa os EUA na produção de soja e na produtividade. Não foi por acaso, nem obra da natureza, mas da inovação, tecnologia e eficiência de empreendedores que se espalharam pelo país todo. 
Acrescente aí os minérios - e as exportações brasileiras saltaram de US$ 55 bilhões/ano, na virada do século, para os US$ 255 bi de hoje. Só para a China, a exportação subiu de praticamente zero para US$ 44 bilhões. 
Isso e mais os investimentos externos que entraram para aproveitar o novo Brasil, uma potência de US$ 2,5 trilhões, provocaram uma mudança estrutural dramática: uma economia que sempre sofreu com a falta de dólares tornou-se credora internacional nessa moeda. As reservas do Banco Central já passam dos US$ 350 bilhões, para uma dívida externa pública em torno dos US$ 80 bi. 
O reajuste real do salário mínimo, política iniciada logo após o Real, e os programas sociais de transferência de renda completaram o quadro, ao reduzir a pobreza, a desigualdade e favorecer a expansão das classes D. 
Uma história de êxito. Parece, porém, que o efeito dessas mudanças já se esgotou. Por exemplo: o crédito não tem como dobrar de novo nos próximos anos. Pode continuar crescendo, mas em ritmo, digamos, normal, não chinês. E por falar nisso, o mundo já não ajuda como no passado. 
Do jeito que está, em anos normais, o Brasil cresce algo como 4,5% ao ano, com inflação na casa dos 5%. Comparado com as décadas perdias, está bom. Mas é menos do que fazem os demais emergentes importantes, que conseguem crescer mais com menos inflação. 
O Brasil consome muito e investe pouco, eis um problemaço. Ao longo desses anos de estabilização, a carga tributária cresceu praticamente todos os anos, para financiar gastos crescentes com programas, custeio, pessoal e previdência. E juros. Assim, temos um governo que deve muito, arrecada muito, gasta muito, mas muito pouco em investimentos. O setor privado é limitado pela carga tributária, juros altos, péssima infraestrutura, custos de produção elevados e um ambiente de negócios hostil, o tal custo Brasil. 
E aí está a agenda: o país precisa de um surto de investimentos privados, em todos os setores, o que depende da redução expressiva do custo Brasil. 
Mas isso é assunto para outro colunista. 
Esta é a minha última coluna aqui. Adorei esses anos de Estadão, jornal onde praticamente comecei minha carreira e com o qual tenho tantas afinidades. 
Abraços a todos.

Deitar e rolar - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 13/08


RIO DE JANEIRO - Seis meses depois de uma fratura em quatro partes e de uma cirurgia de cinco horas -da qual saiu com um ombro enriquecido por uma prótese de co balto e titânio-, o braço esquerdo reaprende a fazer movimentos de cuja complexidade nunca suspeitara. Já tem extensão, flexão, rotação externa e força muscular para, por exemplo, bater palmas no teatro, usar garfo e faca para cortar o bife, repuxar o queixo para fazer a barba e espremer o finzinho do tubo de pasta de dente.

Importante: já consegue até corresponder ao abraço de uma amiga, enlaçando-a pela cintura enquanto a estreita com o outro braço. Mas coçar as costas, calçar as meias, dar nó nos cadarços, cortar as unhas dos pés ou devolver ao lugar as calças que ameaçam cair já é outra história -são práticas que exigem preparação psicológica e indômita vontade de vencer.

Certos gestos que, no começo, eram quase impossíveis têm gosto de vitória quando voltam a ser executados. Como abrir e dobrar o jornal, ensaboar a axila direita ou puxar e afixar o cinto do carona no carro. Claro que ainda levará tempo para que o dono do braço -eu- consiga realizar uma das grandes proezas do ser humano: levantar a mala sobre a cabeça e acomodá-la naquele compartimento do avião.

Enquanto isso, nada supera a felicidade de poder voltar a dormir apoiado sobre o ombro esquerdo. Equivale a recuperar 33,33% de posições na cama, até então limitadas a dormir de barriga para cima ou sobre o ombro direito. A felicidade só será completa, no entanto, quando o cidadão puder fazer isso com a antiga agilidade e destreza -quando, com todo respeito, voltar a deitar e rolar.

Enfim, quando ele próprio recuperar tal liberdade de movimentos que o faça se esquecer de como, um dia, esses movimentos lhe pareceram tão inalcançáveis e maravilhosos.

Hora de decisão - PAULO GUEDES

O GLOBO - 13/08
É hora de decisão para Dilma Rousseff. Em meio à escalada de greves do funcionalismo público, a presidente afirma que sua prioridade é "assegurar empregos para aquela parte da população que é a mais frágil, que não tem direito à estabilidade, que sofre porque pode estar desempregada".
As pressões dos sindicatos por reajustes salariais astronômicos são descabidas. Os salários dos servidores públicos federais já foram reajustados bem acima da inflação nos últimos anos. Houve mesmo uma expressiva transferência de renda da população contribuinte para o funcionalismo público federal, o que causou uma ampliação sistemática de gastos públicos em consumo corrente - com despesas de pessoal -, em detrimento dos investimentos públicos em infraestrutura.
Com empregos garantidos, salários e aposentadorias mais altos que no setor privado, os servidores públicos simplesmente ignoram a guerra mundial por empregos. Suas greves são ameaças de desestabilização dos orçamentos públicos, de desorganização das cadeias produtivas e de recrudescimento das expectativas inflacionárias.
"Queremos todos os brasileiros empregados", explicou Dilma, enquanto seu governo continua examinando a desoneração das folhas de pagamentos das empresas por meio da redução de encargos sociais e trabalhistas que incidem sobre o custo da mão de obra. Esses encargos são armas de destruição em massa das oportunidades de emprego no Brasil. Sua redução pode criar milhões de empregos formais na economia, custos mais baixos para as empresas e maiores salários para os trabalhadores.
Dilma anuncia também, em busca da reaceleração do crescimento econômico, um programa de concessões nas áreas de infraestrutura para disparar investimentos privados em portos, rodovias, aeroportos e ferrovias. Outra medida sob exame seria redução de impostos para derrubar o preço da energia elétrica. Os impostos praticamente duplicam o custo de nossa energia e tiram competitividade de nosso parque industrial. Transformam uma das mais baratas matrizes energéticas, à base de usinas hidrelétricas, na energia mais cara do mundo. Uma renúncia fiscal pode baixar substancialmente o preço da energia. De olho no crescimento futuro, esta é mais uma razão para a presidente resistir ao cerco de sindicalistas.

O portão - JOSÉ DE SOUZA MARTINS


O Estado de S.Paulo - 13/08


Muita história passou por aquele portão. Portão é lugar de passagem, de entrada e de saída, obra que define o de dentro e o de fora, limiar de dois mundos opostos. A porta e, por extensão, o portão têm um lugar mais importante do que se imagina na cultura brasileira. Há neles o poder simbólico dos limites. Roger Bastide, que foi um dos fundadores da USP, já tratou da porta barroca em artigo primoroso. Trato aqui do portão, que tem em comum com a porta certa sacralidade, bíblica e litúrgica, aliás.

Entre nós os portões foram tardios e diferentes das porteiras, estas voltadas para distinguir o privado do que é público. Aqueles para diferenciar o que é devassado do que é íntimo, na extensão das funções mágicas e protetivas da porta. Difundiram-se aqui já no fim do século 19, quando as novas habitações urbanas eram recuadas para o interior do terreno, abrindo o vestíbulo de um jardim entre a rua e a casa.

Entre nós, os portões tiveram a sua glória na arte do ferro, como complemento dos gradis das mansões, dos solares e dos palacetes. A demolição dessas habitações senhoriais, substituídas por edifícios que estão longe do encanto de suas predecessoras, no geral, levou para o ferro-velho e para a fornalha das fundições verdadeiras obras de arte.

Mas houve gente de bom senso que deles cuidou. Destaco aquele lindíssimo e monumental portão de ferro da Rua Dom Luiz Lasagna nº 300, no bairro do Ipiranga. Foi ali colocado em 1896, quando o Dr. José Vicente de Azevedo ergueu uma de suas muitas obras pias, o Asilo de Meninas Órfãs Desamparadas "Nossa Senhora Auxiliadora". A memória impecável de Manuel Antônio Vicente de Azevedo Franceschini, seu neto, nascido no bairro, em 1924, tem o registro desse e de outros fatos relacionados com aquele edifício, em cuja capela foi batizado. O portão adornara antes o Solar do Marquês de Três Rios, no bairro da Luz.

Foi forjado na fundição de A. Sydow, no mesmo bairro, de onde saíram tantos adornos da Belle Époque paulista. O solar fora construído, em 1850, no campo em que havia desde o século 18 o Mosteiro da Luz e o Jardim Botânico, atual Jardim da Luz, que ainda tem árvores dessa época. Cenário da Avenida Tiradentes, que nos começos do século 20 seria uma das ruas de palacetes elegantes de São Paulo. O solar fora construído por Fidêncio Nepomuceno Prates, cuja viúva se casaria com Joaquim Egídio de Souza Aranha, o Marquês, grande fazendeiro de café e senhor de escravos, em Campinas. Ali se hospedaram a Princesa Isabel e a família, em 1884. Foi da Cia. São Paulo Hotel, de 1891 a 1893, adquirindo-o o governo de São Paulo, em 1894, para nele instalar a Escola Politécnica. Nessa época, o portão foi comprado e levado para o Ipiranga. Por ele passaram nobres e pobres. Longe das antigas grandezas, continua solene e belo.

Clubes endividados - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 13/08


Salta aos olhos, há anos, o mau desempenho financeiro de boa parte dos clubes de futebol do país, endividados e geridos de modo amadorístico, quando não temerário.
Os problemas parecem ainda longe de ser resolvidos, reitera estudo realizado por dois técnicos do BNDES. O trabalho "A Gestão de Clubes de Futebol - Regulação, Modernização e Desafios para o Esporte Brasileiro" faz um diagnóstico preocupante.
Dados da empresa BDO RCS Auditores Independentes, especializada em gestão de futebol, indicam que o endividamento conjunto de 20 dos maiores clubes foi de R$ 2,04 bilhões, em 2007, a R$ 3,86 bilhões, em 2011 (aumento de 89%).
Cerca de metade dos compromissos se refere a tributos federais. O tema já suscitou a criação de um dispositivo para equacionar os débitos, por meio do recurso criticável a uma nova loteria, a Timemania, mas os resultados são pífios.
Diante desse cenário, os responsáveis pelo estudo propõem uma Lei de Responsabilidade Esportiva, inspirada na Lei de Responsabilidade Fiscal, que estipula limites de gastos e sanções para governantes perdulários. No caso esportivo, a norma obrigaria clubes a implementar mecanismos de gestão e controle para sanear suas contas.
A ideia foi em parte contemplada em leis propostas no governo Fernando Henrique Cardoso e sancionadas no de Luiz Inácio Lula da Silva. A principal é a lei 10.672/2003, que aumenta a transparência e prescreve sanções para dirigentes.
Ocorre que o texto foi posteriormente amainado, de modo a dificultar as punições. Ademais, são raras as condenações de cartolas.
Prevalece, na prática, o modelo arcaico de associações recreativas de bairro num mundo em que o esporte se tornou fatia bilionária da indústria do entretenimento.
O aspecto fundamental é transformar os clubes ou seus departamentos de futebol em empresas. É o que sugerem os autores do estudo. E é a isso que resiste a chamada "bancada da bola" no Congresso.
Em se tratando de atividade econômica, é justamente sob esse regime que o futebol deve ser administrado e fiscalizado. O esporte mais importante do país precisa contar com mais profissionalização, dentro e fora do campo.

O estímulo que nos falta - GUSTAVO CERBASI

Folha de S. Paulo - 13/08


Há alguns dias, em visita a uma academia da Força Aérea Brasileira, reparei em um cadete bem mais rechonchudo que os demais, que corria sôfrego e suado com um superior, em horário em que os demais se dedicavam a estudos. "Está pagando castigo, provavelmente por estar fora de forma", disse o oficial que me conduzia pela visita.

Comentei que deveria estar sofrendo, mas que, ao menos, ele tinha uma boa motivação para perder peso: ordens superiores, colegas em excepcional forma física, horário para cumprir seu desafio e um personal trainer que não largava de seu pé. Assim, qualquer um entraria em forma em pouco tempo.

Mudar hábitos é um desafio, mas se torna uma tarefa mais fácil quando somos estimulados pelo ambiente que nos rodeia. É desse estímulo que a classe média brasileira carece, quando o assunto é colocar as contas da família em ordem.

A educação financeira, que antes faltava, já está presente nos jornais, em cartilhas de bancos e nas escolas de nossos filhos.

Hoje, brasileiros estão conscientes dos erros que cometem ao comprar por impulso, ao sucumbir à sedução dos financiamentos e ao usar o caro limite do cheque especial. Querem mudar, mas não encontram estímulo para isso.

Diz o dito popular que, quando achamos que todos à nossa volta estão errados, é porque provavelmente os errados sejamos nós mesmos. Então, como abandonar o mau hábito das dívidas quando, segundo a Fecomercio/SP, 62,5% dos brasileiros estão endividados?

Como ter peso na consciência ao usar o cheque especial quando, em uma roda de chope, brinda-se a chegada do fim do mês e a entrada no vermelho, como se fosse um simples fato da vida?

Nos assuntos do dinheiro, maus hábitos estão mais do que disseminados, cegando-nos para a necessidade de mudança. Veja se algum desses comportamentos, bizarros do ponto de vista das finanças, não faz parte da sua vida:

a) Entrar no vermelho e ter no armário ou na despensa produtos adquiridos e não usados;

b) Pesquisar pelos financiamentos mais baratos, mas, por causa deles, entrar no cheque especial com frequência;

c) Comprar títulos de capitalização como se fossem investimento;

d) Comprar uma cota em consórcio como se estivesse investindo;

e) Acreditar na loteria como a solução para seus problemas;

f) Contratar um seguro para melhorar o relacionamento com o banco, e não para proteger a família;

g) Contratar um seguro de automóvel com cobertura mínima contra terceiros;

h) Emprestar o nome para parentes conseguirem crédito;

i) Assumir prestações sem ter certeza de que haverá salário para pagá-las.

São apenas alguns exemplos de práticas enraizadas na rotina das famílias brasileiras, que pesam no bolso da maioria e tornam inviáveis o consumo de lazer ou o planejamento da aposentadoria.

Para mudar esses hábitos, é preciso mais do que boa vontade. É preciso reconhecer que a maioria erra, e que ao tentarmos mudar seremos bombardeados por estímulos contrários a nossas intenções.

Como sair do vermelho com uma balada a menos no fim do mês, se seus amigos estarão todos na balada e, pior, também no vermelho? Melhor chorar junto do que sofrer mais -ao menos por algum tempo- para acabar com o problema?

O caminho é, como sempre enfatizo nesta coluna, conversar mais sobre dinheiro.

Se você tem um desafio a enfrentar e sabe que esse desafio pode ser também encarado por uma pessoa próxima, será mais fácil, para ambos, enfrentá-lo em dupla.

É nesse sentido que o debate sobre educação financeira constrói novas realidades em escolas, igrejas, condomínios e ambientes de trabalho. Mais do que disseminar a informação, o objetivo deve ser o de estimular transformações coletivas.

Aliás, se entre seus objetivos está também o de perder aquela barriguinha que tanto incomoda, que tal convocar alguns amigos para dividir com você a conta do personal trainer?

A imagem da Justiça em risco - RENATO JANINE RIBEIRO

Valor Econômico - 13/08


No começo do século XIX, um viajante percorria as montanhas da Itália. Os moradores eram pobres e analfabetos. Mas, quando ficavam sabendo que ele era inglês, abriam um sorriso e elogiavam seu país: meio século antes, a Inglaterra havia julgado um nobre que assassinara o mordomo. De fato, em 1760 o conde Ferrers fora condenado.

Para fazer justiça, a Inglaterra reconhecia ao réu direitos impensáveis nos demais países. Não o torturavam, ele tinha direito a defesa, um júri de seus pares o julgava. Assim, quando vinha a sentença - e a lei penal era rigorosíssima, prevendo a morte para centenas de crimes - ela era considerada justa.

Os dois parágrafos acima introduzem as duas narrativas que hoje circulam sobre o processo do mensalão, assim como apontam os riscos que corre o Supremo Tribunal Federal. Primeira narrativa: vão a julgamento membros da cúpula do partido que governa o país há dez anos. Se condenados, isso indicará - aos olhos da oposição - que se terá feito justiça. Segunda narrativa: o Supremo, pressionado por uma mídia sobretudo oposicionista, negou direitos básicos à defesa. Por isso, uma condenação será sinal de que se fez tudo, menos justiça. Ao recusar a 35 réus o julgamento pelo juiz natural, ao chegar à mesquinhez de proibir a defesa de usar o power point que facilitaria a exposição de seus argumentos, o STF pode ser visto como um órgão que vestiu a toga para matar, não para julgar.

Corre risco a imagem do Supremo Tribunal

Esse, o risco do julgamento em curso. Seja qual for o seu resultado, parte da sociedade entenderá que não se fez justiça. Pior, essa opinião será determinada por recortes políticos. Isso é grave. A sentença pode diminuir o respeito pelo Poder Judiciário. Se o Supremo não condenar a maioria dos réus, em especial Dirceu e Valério, a oposição dirá que o julgamento acabou em pizza. Mas, se condenar, a opinião favorável ao PT entenderá que os ministros julgaram politicamente, sem a coragem de seguir a verdade ou os autos.

O problema é que a oposição tornou esse um caso quase de vida ou morte. O PSDB se adaptou mal à mudança de agenda política que pôs em primeiro plano a inclusão social. Longe das eleições, a oposição acusa a Bolsa-Família de assistencialista; na campanha eleitoral, promete colocar mais dinheiro nela. Sua grande realização, a estabilidade monetária, já não é uma bandeira eleitoral; sua convicção maior, a da privatização, não traz votos novos. Daí que o mensalão se torne seu ponto maior de fé, mas tendo o defeito de ser uma crença que só convence os já convencidos.

Mais que isso. Mesmo a condenação de vários réus, caso ocorra, dificilmente prejudicará a imagem de Dilma Rousseff. Ela não associou seu destino ao deles. Faz questão de manter o governo afastado do processo. Duvido até que uma condenação perturbe o futuro do PT. Ele já pagou em 2005, quando Dirceu e Genoíno caíram do poder. Mas, nas eleições deste ano, não há um enfrentamento em regra da base governista e da oposição tradicional - digo tradicional porque, dois anos atrás, uma nova oposição surgiu, a dos verdes que deram a Marina vinte por cento dos votos, mas sumiram sem rastros: no maior colégio eleitoral do país, a cidade de São Paulo, sequer há um candidato verde a prefeito. Daí que um balanço destas eleições a partir da pergunta básica - quem venceu, governo ou oposição? - seja difícil.

Por isso, mesmo o cenário mais favorável à oposição e à classe média paulista, que se mobilizam pela condenação, apenas as reforçará em suas convicções. É improvável que as aproxime do poder ou que desestabilize o governo. E isso se terá feito a um custo nada trivial para o Supremo Tribunal.

A imagem da corte está em risco e, com ela, a do Poder Judiciário. A grande mídia mofa da defesa; os blogues de esquerda zombam da acusação. Chega a haver vozes, na oposição, contrárias ao princípio de defesa. Um leitor de jornal sintetizou perfeitamente essa crença ao reclamar: como esses homens, que violaram a lei, agora pedem a proteção da mesma lei? Não podia resumir melhor a mentalidade antidemocrática. Porque a violação da lei penal só pode ser determinada com total respeito à lei processual. Uma privação da liberdade só pode ser decretada respeitando-se os direitos humanos, a começar por dois que nos vieram dos ingleses, o devido processo legal e a presunção de inocência. Ninguém é legalmente culpado até ser condenado em processo justo. Por isso, o juiz do caso Nardoni deu à defesa tudo o que ela pediu, para depois não caber recurso. O Supremo não mostrou essa cautela.

A Inglaterra ganhou, executando o conde Ferrers "como um criminoso comum" (Linebaugh), porque ele teve toda a defesa. Condenado, pediu que lhe dessem a morte nobre, a decapitação. Seus pares, os lordes, mandaram que sofresse a morte vil, na forca de Tyburn. Pediu que o enforcassem com uma corda de seda, em vez da ordinária de cânhamo. Resposta negativa. Mas ele pôde se defender, antes disso. Se houver uma dúvida razoável a respeito, ninguém ganha. Assim, se parte razoável dos brasileiros não acreditar que a Justiça faz justiça, o custo para as instituições será alto. Esse, talvez o maior erro da oposição. Ao querer vencer a todo custo, esqueceu a lição da primeira democracia moderna: para que uma vitória seja respeitada, há primeiro que respeitar plenamente as regras do jogo. Curiosamente, quem se contenta com uma vitória modesta tem mais chances de ter o resultado acatado pelo outro lado. Mas quem transforma o processo judicial em luta política, e a luta política em guerra, perde o combate que realmente importa, o de ter o resultado respeitado.

Atos de ofício - MARCELO COELHO

Folha de S. Paulo - 13/08


Uma das ironias do processo do mensalão é que, para inocentar os acusados de corrupção passiva -a saber, os deputados "mensaleiros"-, a defesa goste de citar o que aconteceu no processo contra Fernando Collor.

Collor foi absolvido no Supremo, em 1994, porque não ficou comprovada a acusação de ter pedido ou recebido vantagens em função do seu poder de realizar atos relativos a seu cargo na Presidência. O que caracterizaria corrupção passiva.

O crime está no artigo 317 do Código Penal. Aqui vai o começo do artigo, ou, como se diz, o seu "caput".

"Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem."

Se interrompêssemos aqui nossa leitura da lei, a interpretação seria a seguinte. Basta o presidente ou o deputado receberem um presente de alguém (um carro Fiat, por exemplo, ou um envelope cheio de dinheiro), e está caracterizada a corrupção.

Mas não é assim. O texto da lei prossegue em dois parágrafos. Ambos mencionam a famosa figura do "ato de ofício". Ou seja, a perspectiva de alguma ação do presidente, do funcionário público, do parlamentar, em troca do presente que ele recebeu.

A questão jurídica é que não é suficiente receber um presente para ser corrupto: é preciso que o tal presente tenha sido dado porque o presenteado pode fazer algo em troca no seu cargo, como facilitar uma concorrência ou liberar verbas oficiais para o presenteador.

Lendo os dois parágrafos do artigo 317, tudo leva a crer que é preciso mesmo especificar o "ato de ofício" relacionado ao presente.

O primeiro parágrafo diz que a pena deve ser aumentada de um terço, se esse ato implicar infração do dever. O segundo parágrafo prevê uma pena mais leve, se o funcionário praticou ou deixou de praticar o "ato de ofício" por influência de outra pessoa.

De modo que, tanto no caso de aumento da pena, quanto no caso inverso, de diminuição da pena, a lei fala em "ato de ofício".

Não seria lógico imaginar que alguém seja condenado sem menção a nenhum ato de ofício, e receba com isso uma pena até maior do que a de outro funcionário cujo ato foi plenamente caracterizado.

Dois advogados, no julgamento do mensalão, já deram o exemplo: muitos dos ministros do Supremo ganham livros jurídicos de presente das editoras.

Seria o caso de considerá-los culpados de corrupção passiva só por isso? O mais razoável seria levantar a suspeita de corrupção só se, em algum processo, os ministros passassem a decidir favoravelmente às editoras que os presentearam.

Pois bem, os deputados mensaleiros votaram a favor do governo. Isso, para a defesa, não constitui "ato de ofício". Eles votavam a favor do governo porque faziam parte do bloco governista.

Receberam o dinheiro por outros motivos (dívidas de campanha), não para fazer o que fariam de qualquer modo. Nem está provado que votaram pelo governo só por que receberam dinheiro.

Com isso, argumenta a defesa, desmonta-se a tese do mensalão.

Fico pensando no caso do ministro do Supremo que ganha os tais hipotéticos livros da hipotética editora. Suponha-se que, depois disso, vote a favor da editora num julgamento do tribunal.

O ministro, acusado de corrupção passiva, poderia dizer: "Ah, mas eu votaria de qualquer modo a favor da editora, sempre foram essas as minhas convicções, faria o mesmo se eu não tivesse recebido presente nenhum".

"Votar não é ato de ofício", diria o magistrado ensandecido. "Votar não é ato de ofício", afirma a defesa dos deputados.

Do alto de sua absolvição, Fernando Collor sorriria diante do argumento.

Mas, claro, o mensalão foi "inventado para desmoralizar o PT". O PT, que tanto queria a condenação de Collor, torce agora por quem cita o processo que o absolveu. Aprova a linha de defesa dos deputados do PP, enquanto Lula e Haddad se confraternizam com Maluf.

Isso é que é não se desmoralizar. A política é assim mesmo, respondem os petistas. Esses atos fazem parte do ofício.

Chiníndia e produtividade, um solilóquio para Dilma - RAUL VELOSO


O Estado de S. Paulo - 13/08


Imagina uma conversa com a nossa presidente, restrita a números e análises do que está acontecendo na economia. Diria à presidente Dilma que, mesmo longe de estar completa, a arrumação da casa do ponto de vista fiscal permitiu redução expressiva da razão entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e transformação da dívida pública de origem externa em crédito. Liberou-se a economia e, com o aumento do crédito e da massa salarial, somados aos sempre crescentes gastos públicos com transferências a pessoas, acabamos criando um forte motor de geração de demanda pelo lado interno.

Lembraria, para tranquilidade da nossa presidente, que os produtores brasileiros estão bem preparados para responder ao forte crescimento da demanda externa por produtos intensivos em recursos naturais, em que somos campeões. Essa demanda tem sido puxada fortemente por China e Índia, carentes desses recursos e que, para nossa sorte, são os países onde o PIB mais cresce atualmente. Em contraste com a Europa, o Brasil tem administrado bem sua dívida pública e se vê, a princípio, diante de uma clara e firme perspectiva de crescimento para sua economia.

Rememoraria o neologismo Belíndia (Bélgica mais Índia), cunhado por Edmar Bacha, para destacar nossa extrema desigualdade social. Num gesto intelectualmente arriscado, permito-me sugerir Chiníndia, que visa a chamar a atenção para quem puxa a carruagem do nosso crescimento. E destacaria à presidente que, dadas as necessidades de alimentação e de matérias-primas industriais desse novo gigante - que cresce a taxas absurdas e cujo PIB conjunto já é maior do que o dos Estados Unidos -, temos hoje um caminho seguro para obter divisas, algo que até bem pouco era nossa maior agonia.

Presidente, em termos de agonia, o que pega hoje é a precaríssima infraestrutura de transportes, que muito perturba toda a economia. Por exemplo: custa mais caro trazer grãos do Centro-Oeste para os precários portos do Sul do que transportá-los dali para a Ásia. Assim, se não atacarmos esse problema do jeito certo, não haverá como transformar as citadas oportunidades em ganhos concretos para os brasileiros.

Como a senhora sabe, mesmo com transportes caóticos, temos uma forte vantagem comparativa: conseguimos aumentar significativamente a receita de exportações nos últimos anos e atrair uma verdadeira inundação de capitais externos, principalmente pelas oportunidades em commodities e no setor de serviços, no qual o competidor externo é mais fraco ou inexiste.

Presidente, a indústria de transformação, alvo de tanta preocupação de sua parte, é o patinho feio nessa história - a não ser nos segmentos totalmente protegidos da competição externa. É na indústria que se dá a avassaladora competição da Chiníndia, e onde os incentivos para investir são menores. Num país, como o Brasil, voltado para o consumo, o sucesso acima referido e as prioridades da Chiníndia têm como subproduto mais visível a tendência à apreciação cambial sistemática e tudo o que isso implica, especialmente o barateamento ainda maior dos produtos industriais importados, bom para quem compra, ruim para quem produz internamente.

Outro subproduto do nosso modelo de expansão do consumo é a escassez de recursos públicos para investimento.

Em suma, presidente, alto consumo implica forte demanda em cima de todos os setores da economia, mas não garante que esta seja atendida por produção interna em todos eles. Na indústria, é sempre mais barato trazer da Chiníndia, de quem temos de também comprar alguma coisa. Basta lembrar que eles poupam muito e buscam virar a maior potência industrial do mundo.

O governo de Vossa Excelência tem mantido o modelo de crescimento dos gastos correntes - que prejudica a poupança e o investimento públicos - e decidiu há pouco, além de medidas pontuais de proteção à indústria, depreciar artificialmente a taxa de câmbio, que, hoje, oscila em torno de R$ 2. Esse último aspecto implica travar a entrada de poupança externa adicional e o aumento da taxa de investimento, que serviram até bem pouco para aumentar o crescimento do PIB, algo que o governo Lula vinha abraçando desde 2003.

Nesse contexto, para a economia brasileira de fato bombar nos próximos anos, a saída é jogar toda a ênfase dos investimentos no setor de infraestrutura, especialmente via concessões privadas. O setor público não tem recursos e desaprendeu a planejar e investir. Depois, esse tipo de investimento aumenta a produtividade global do País, não apenas em commodities agrícolas e minerais, como nos demais setores, especialmente na indústria, que é quem tem pago a conta da importante sinergia Brasil-Chiníndia. Só assim o País cresce mais o seu PIB sem precisar aumentar muito a taxa de investimento.

Mas, presidente Dilma, tão importante quanto anunciar mais concessões é fazê-las com remuneração atrativa para o investidor privado sério. Caso contrário, os serviços nem crescem nem melhoram. E os ganhos de produtividade e do crescimento do PIB simplesmente não ocorrem.

Sensibilidade cultural - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 13/08


Antropólogos de boutique deveriam pegar um avião e ir para algumas regiões da África


Hoje em dia gostamos de inventar termos "científicos". Um deles é "sensibilidade cultural", e o usamos para criticar formas de "intolerância cultural" (ou insensibilidade cultural), ou seja, tratar mal pessoas com hábitos diferentes dos nossos ou negar o direito de se praticar coisas estranhas para nossa cultura. A forma mais radical de criticar esta intolerância é dizer que "todo outro é lindo".

Gosto mais da expressão "tolerância" quando era inocentemente aplicada a casas de mulheres que fazem sexo em troca de dinheiro, as chamadas "casas de tolerância". Tenho saudade do uso da palavra "tolerância" neste sentido. Hoje em dia, a expressão "tolerância" é comumente utilizada por fanáticos que querem afirmar que tudo que vem do "outro" é lindo e maravilhoso.

Polêmicas ao redor do uso do véu islâmico têm sacudido a Europa. Até a Olimpíada em Londres não escapa disso. Recusar o direito de se usar o véu (ou similares) seria falta de sensibilidade cultural ou falta de tolerância cultural.

A verdade é que esse negócio de tolerância ou sensibilidade cultural com o outro (da qual partilho) é invenção de ocidental rico. E às vezes, temo, a moçada que gosta de falar disso fica tomando vinho em suas casas em segurança e nada sabem do mundo em chamas por aí. "Outros" são triturados por muitos dos "outros" que teimamos em achar lindo. Só que estes "outros" triturados são invisíveis para olhos acostumados às vítimas "profissionais" da nossa época. A indústria das vítimas oficiais não assimila esses miseráveis de fato em suas campanhas de conscientização chique.

Esses defensores da sensibilidade cultural, antropólogos de boutique, deveriam pegar um avião, sair de Paris, Londres, Nova York e São Paulo, e viajar um pouco. Quem sabe ir para algumas regiões da África, como Sahel (área semiárida no continente), Mali ou norte da Nigéria, dominadas por salafistas muçulmanos fanáticos, e defender a sensibilidade cultural por lá. Queria ver como esses inteligentinhos iriam se virar com esses salafistas que não estão nem aí para suas modinhas culturais.

No Mali, domingo 29 de julho, salafistas pegaram um casal que teve um filho fora do casamento, enterraram os dois até o pescoço e mataram a pedradas. Eles já têm espancado cristãos, destruído seus mausoléus e também destruído locais históricos do próprio islamismo que para eles não seja o "islamismo correto". Qualquer um que não obedeça sua versão da "sharia", a lei islâmica, é castigado fisicamente.

Sabe-se muito bem que no Egito, cristãos coptas são espancados há muito tempo e não têm os mesmos direitos civis que os muçulmanos. Por que os inteligentinhos de plantão da sensibilidade cultural não montam uma agência especial de direitos humanos para os cristãos? Que tal propor um jogo de futebol entre muçulmanos e cristãos no Egito para ensinar a "sensibilidade cultural" à maioria muçulmana lá?

Recentemente ouvi relatos antropológicos interessantes acerca de um país importante do golfo Pérsico. País que já ocupou várias vezes a mídia internacional em destaque.

Lá, mulheres estrangeiras (filipinas, paquistanesas) que buscam trabalho são constantemente violentadas por seus patrões e espancadas pelas suas patroas. Muitas vezes mortas. Todo mundo sabe (o país é minúsculo), mas não importa, porque a população local tem mais direitos dos que os estrangeiros.

Quer um exemplo: você pode trabalhar lá a vida inteira e nunca terá direito de comprar uma propriedade para você. Seu passaporte fica retido na mão do seu empregador, e se ele não quiser te dar quando você pedir, se você não achar alguém da população natural local que interceda a seu favor, você poderá não conseguir sair do país. Se você bater num carro de um cidadão natural do país, você nunca terá razão.

Todo mundo sabe que em países desta região, tocar num muçulmano é considerado ilegal. Você poderá ser preso ou deportado se alguém reportar que você tocou um dos seres "sagrados" naturais da terra. Experimente converter um deles. Cadeia na certa. Que insensibilidade cultural, não?

Foi do Brasil - MELCHIADES FILHO

FOLHA DE SP - 13/08


BRASÍLIA - No quesito "embromation", Galvão Bueno ainda não tem concorrente. Está por surgir outro narrador de TV capaz de tornar compreensível e atraente qualquer evento de qualquer esporte. É admirada até nas coxias da Globo sua desenvoltura em driblar os acidentes das transmissões ao vivo e falar tranquilamente ao microfone enquanto uma babel de vozes lhe chega aos ouvidos pelo ponto.
Mas foi por outro atributo que Galvão se assenhorou da posição. No passado, era comum o narrador aparecer em estádios e estúdios sem saber do que iria tratar. O próprio Galvão chegou a errar as seleções de um jogo da Copa de 1974.
O vexame estimulou a leitura dos jornais e o estudo dos esportes. Mais preparado do que os colegas, Galvão passou a atropelá-los. A fama de pernóstico e egocêntrico nasceu daí. O telespectador, porém, adorou o macho alfa. À Globo restou pareá-lo com comentaristas tranquilões, de baixa combustão.
Na Olimpíada de Londres, da qual a Globo se viu excluída, não houve nada disso. Relegado ao papel de "amarrador do dia" no SporTV, excluído das mordomias e sem o controle do "vivo", Galvão sentiu o baque. Virou um resmungão. Teve um surto antológico no ar.
Pior: os Jogos mostraram-no desatualizado, alheio ao noticiário, quase um profissional comum, não raro superado pelos mais jovens.
Muitos vibraram com a queda do pedestal. O esporte não. Sem o mestre de cerimônias, o ás em atenuar derrotas e exaltar vitórias, a realidade bate à porta. A fragilidade do modelo esportivo do país, as falhas de treinamento, as tibiezas de atitude, a campanha aquém da esperada, tudo isso ficou mais visível.
Mais dia, menos dia, esse teste de estresse viria. É irônico que tenha ocorrido às vésperas do "ciclo patriótico", a Copa-14 e a Olimpíada do Rio-16, eventos para os quais Galvão programou seu adeus.

Efeitos da crise - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 13/08


Entre a linguagem da senhora presidente da República no final de 2011 e a atual, em relação à situação do Brasil em face da crise europeia, verifica-se sensível mudança, mas não é meu propósito apontar contradições entre o que se dizia então, da absoluta imunidade do Brasil aos efeitos da crise externa, e o que se reconhece agora; o triunfalismo de então cedeu espaço a apreciação menos arrogante na qualificação do quadro. Da primeira revelação das nossas dificuldades reais com a divulgação do fenômeno da desindustrialização de importante setor industrial à situação atual vai inegável distância.

Basta dizer que na primeira página de grande jornal se vê esta notícia: “Dados do Ministério do Trabalho apontam queda no ritmo de abertura de novas vagas no país. Foram geradas 858 mil no primeiro semestre, 407 mil a menos do que em igual período de 2011. Saldo entre admissões e demissões foi de 68 mil, recuo ao patamar de 2008, ano da quebra de bancos nos EUA”. E em duas páginas do seu caderno de economia, o assunto é objeto de análise variada, concluindo que “o impacto da crise econômica atinge até a construção civil”.

Não digo tratar-se de uma catástrofe, mas também não posso dizer se trate de situação irrelevante ou mesmo cômoda. Também não quero salientar o óbvio aludindo ao poder de multiplicação que o fato traz em si. Mas me parece que a senhora presidente reconhece que os pontos congestionados aumentam, enquanto as medidas adotadas continuam pontuais e tímidas, limitadas às áreas atingidas, como se o problema não demonstrasse sua crescente amplitude. Com efeito, até agora o caso vem sendo tratado sem a dimensão que ele passou a ter.

Há outro dado que pode parecer estranho ao problema, mas que tem relação com ele. É que a senhora presidente começa a ocupar-se de questões eleitorais em São Paulo e Belo Horizonte, do interesse de seu partido. Ora, isto é pouco compatível com o caráter nacional de sua investidura.

Ao demais, entrar nesse cipoal é fácil, mas sair dele pode custar muito e essas coisas mudam como as nuvens. Tenho evitado e pretendo continuar evitando esses assuntos, salvo quando o interesse nacional o envolva, por isso entendi de comentar o fato que, a meu juízo, não é apenas paroquial, especialmente em suas consequências.

Não resisto a registrar um fato que me parece expressivo. A Folha de S. Paulo, no alto da primeira página, edição de 26 de julho, estampa a visita da presidente brasileira ao primeiro-ministro David Cameron na Downing Street 10 e, imediatamente abaixo, esta notícia: “PIB britânico cai 0,7% e agrava o quadro recessivo. A dois dias do início da Olimpíada, o Reino Unido anunciou a maior contração de seu PIB, desde 2009.

A economia recuou 0,7% de abril a junho, em relação aos três meses anteriores, intensificando o quadro recessivo. Analistas não esperavam resultado tão ruim para a terceira maior economia europeia”, e a matéria prossegue em página posterior.

A despeito de um quadro nada confortável, “o maior recuo em três anos”, o chefe do governo britânico teve um comportamento de chefe de governo, sem lamúrias nem soluços, pois o PIB não tem vida própria, ele apenas reflete a situação real da economia do país em certo momento, como o termômetro marca a normalidade ou a febre da pessoa. Se a economia nacional está estagnada, o PIB não pode crescer. Precisar as causas e eleger as soluções, para superar a estagnação, este o problema.

Quando se viaja, sempre se aprende alguma coisa, mesmo quando menos se espera...

O alto gasto do Brasil com pensões - FABIO GIAMBIAGI

O GLOBO - 13/08


Jorge Luis Borges dizia que "a verdade não passa de uma sucessão de versões do que se julga que a verdade seja". Reza a sabedoria política que no Brasil seria suicida "mexer com as pensionistas", o que conduziria ao fracasso quaisquer tentativas de mexer com as pensões. Que tal, porém, analisar o que a "sucessão de versões" de fato seja? Na série de artigos que estou escrevendo mensalmente para O GLOBO sobre temas previdenciários, já abordei a necessidade de reformar o sistema, a política do salário mínimo, a adoção de regras mais duras para as futuras gerações, a regra de transição que deveria ser adotada ao mudar o sistema, a idade de aposentadoria, a diferenciação das mulheres e o número de anos de contribuição de quem se aposenta por idade. Chegou o momento de tratar das pensões.

Por que isto é importante? Pela combinação de duas evidências. Primeiro, quando se comparam os dados do Brasil com os do resto do mundo, o peso elevado dos gastos com Previdência do país chama a atenção, pelo fato de o país gastar com essa rubrica tanto como países com uma proporção muito maior de idosos do que a nossa. Segundo, a principal diferença entre o que o Brasil e os demais países gastam reside no gasto com pensões.

Cabe um esclarecimento inicial: ninguém está pensando em mudar as regras para quem já recebe o benefício da pensão. As pensões que estão sendo pagas são um direito adquirido de quem as recebe e o reconhecimento delas é parte do contrato social. O que está em discussão é que regras irão valer para quem vier a receber a pensão no futuro, em função do falecimento do beneficiário titular.

Todos os estudos sobre o tema indicam que o Brasil tem o sistema de pensões mais generoso do mundo. Não há paralelo de outro país que, simultaneamente, pague 100 % do benefício original, não exija carência mínima de convivência entre os cônjuges para o benefício ser concedido, estenda este indefinidamente até o falecimento do(a) pensionista e não restrinja a acumulação em caso de existência de um segundo benefício. O sistema brasileiro é tão generoso que, no limite, pode acontecer de um senhor de 80 anos casar com uma moça de 20, morrer um mês depois e a "coitada da viúva", sem ter feito um único pagamento para o sistema, herdar a pensão integral do marido por mais 60 ou 70 anos.

A rigor, porém, o problema principal, no que se refere ao valor da despesa, é o fato de a pensão ser igual ao benefício original. A pergunta que cabe fazer é: isto se justifica? Tenho defendido que a questão deveria ser revista. Vejamos por que. Pensemos no caso padrão de um casal de idosos que mora sob o mesmo teto sem os filhos, já crescidos.

Quando um dos membros do casal falece, algumas despesas dessa unidade familiar se conservam aproximadamente no mesmo valor (como o aluguel ou as contas de serviços públicos), mas muitas outras tendem a cair em torno de 50%, como os gastos com alimentação, vestuário, transporte, despesas pessoais, saúde e lazer. O membro restante do casal merece continuar a receber o benefício, mas não há motivos para que ele seja igual ao valor original. Conceitualmente, a pensão deveria evitar que o falecimento do titular cause uma deterioração do padrão de vida do cônjuge, sob a ótica financeira. Isso pode ser conseguido, porém, com uma regra mais restritiva que a atual e que defina o benefício como 50% ou 60% do benefício original. Isso diminuiria bastante o peso da despesa previdenciária do país nas próximas décadas, sem acarretar uma perda de bem-estar econômico ao cônjuge beneficiário, em relação ao padrão da época em que os dois componentes do casal viviam.

A nova disposição, porém, deveria ser condicionada a duas regras complementares: a) o piso previdenciário continuaria a vigorar, ou seja, a pensão não poderia ser inferior ao citado piso de um salário mínimo; e b) o benefício seria ampliado em 20% a 25% por filho menor (até o limite de 100% do benefício). Esta prescrição é recomendada nos casos em que uma tragédia familiar (acidente, por exemplo) leva uma pessoa jovem, permitindo ao cônjuge sobrevivente ser apoiado pelo Estado no período em que deve arcar sozinho com a responsabilidade do crescimento dos filhos, até estes alcançarem a maioridade.

PTbras - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 13/08


Nunca antes na história deste país a mais importante empresa brasileira serviu tanto aos interesses do governo e de um partido. O petismo praticamente "privatizou" a Petrobras, colocando em segundo plano os interesses da empresa e do Brasil.
A Petrobras não cumpre metas de produção desde 2003 e, com isso, perdeu receita de R$ 50 bilhões. Os prejuízos com a importação de gasolina e diesel neste ano já somam R$ 2,9 bilhões, valor 239% superior ao do mesmo período de 2011 (R$ 648 milhões).
De quebra, os preços artificialmente baixos da gasolina vêm inviabilizando o etanol. As importações de gasolina aumentaram em 370% em relação ao mesmo período de 2011. Mas as incongruências não param aí: o custo da refinaria Abreu e Lima (Pernambuco) -projeto em "parceria" com a venezuelana PDVSA, que ainda não aportou nenhum recurso na obra- multiplicou-se por dez, de US$ 2,3 bilhões para US$ 20,1 bilhões.
As refinarias Premium I e II (Maranhão e Ceará), previstas para 2013 e 2015, foram adiadas para 2017. Também em decorrência de atrasos crônicos, o Comperj mantém encaixotados equipamentos sofisticados à espera do porto e da estrada que dariam apoio logístico à obra e que não existem.
A Petrobras comprou uma refinaria em Pasadena (EUA) por US$ 1,18 bilhão, em duas etapas, quando a ex-sócia adquiriu o ativo por US$ 42,5 milhões sete anos atrás. Trata-se de uma valorização de 2.700%.
O navio-petroleiro João Cândido voltou ao estaleiro Atlântico Sul por erros de projeto e entrou em operação com dois anos de atraso. Há dúvidas sobre as demais encomendas, visto que o sócio detentor da tecnologia -a coreana Samsung Heavy Industries- abandonou a parceria e não há substituto.
Desde o processo de capitalização em 2010, o comportamento das ações da Petrobras ficou abaixo do Ibovespa. Agora, a presidente da empresa, Graça Foster, parece estar disposta a enfrentar os malfeitos herdados pelo petismo do próprio petismo, em uma década de desapreço pela gestão profissional. No entanto uma gestão com os diagnósticos corretos não será capaz de inverter esse quadro de deterioração se não houver uma mudança de orientação do governo Dilma, que é o acionista controlador, em relação à Petrobras.
Garantir maior transparência dos atos e motivações que definem as decisões da empresa é uma das questões que se colocam. Outro bom começo seria combater o aparelhamento a que a companhia vem sendo submetida. Uma empresa estratégica e complexa como ela não pode funcionar como moeda de troca pelo apoio de partidos ao governismo.
O maior desafio é, portanto, acabar com a PTbras e trazer de volta para os brasileiros a Petrobras.

Nhô governo - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 13/08


SÃO PAULO - A politicagem, o populismo e o corporativismo deram-se os braços para condenar o sistema universitário federal a décadas de irrelevância e desperdício. É nefasta a combinação de uma greve prolongada e sem riscos -pois nem sequer o corte de ponto dos professores parados é efetivado- com a estapafúrdia regra de cotas aprovada no Congresso Nacional.
O espírito do tempo, uma maçaroca ligando o velho paternalismo estatista à agenda pós-moderna das "etnicidades", fará um novo estrago.
Se ao menos os nossos socialistas da universidade fossem como os chineses, buscariam reformar o sistema inspirando-se no que há de melhor no planeta: excelência, disputa global pelos melhores docentes e alunos, salários diferenciados conforme o peso acadêmico do professor, gestão profissional, parcela das aulas ministrada em inglês.
Se as lideranças universitárias federais prezassem a tão propalada autonomia, estariam decerto sublevadas agora -mas contra a estupidez de uma política nacional de cotas que massacra a autonomia acadêmica das instituições. E lutariam para romper os grilhões que atam a gestão de suas universidades à política partidária federal.
Autonomia de fato -e isso também vale para as instituições públicas paulistas- as melhores universidades brasileiras conhecerão quando diminuírem bastante sua dependência do financiamento estatal. Quando se dispuserem, por exemplo, a cobrar mensalidades das famílias que pagam R$ 25 mil por ano para manter os filhos em escolas do ensino básico.
Fundos de bolsas para custear o estudo de alunos carentes; estímulo para que profissionais doem dinheiro à instituição que os formou; incentivo ao financiamento desinteressado do ensino superior por grandes fortunas e empresas. Nada disso está em pauta na terra de nhô governo, provedor universal.

Voto, logo existo! - RAUL MARINO JR


O Estado de S.Paulo - 13/08



"A injustiça em qualquer 
lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar"

Martin Luther King

"Revolto-me, logo existo!" Essa é a frase famosa de indignação que Albert Camus estaria dizendo se fosse brasileiro... Até quando este povo permanecerá calado e abúlico diante dos escândalos que se sucedem diariamente, na Câmara dos Deputados, no Senado e nos logradouros onde se deveria praticar a justiça? Aproximam-se novas eleições e mesmo os brasileiros mais esclarecidos não sabem mais como votar, pois a maioria dos políticos está se dividindo em dois grupos: um com gente incapaz e outro com gente capaz de tudo!

Quem quiser tornar-se um profissional neste país deve, primeiro, passar por severos vestibulares e exames até se diplomar médico, advogado, engenheiro, etc., além de levar anos para ser reconhecido como um profissional confiável. Atualmente, ser político no Brasil é o único ofício para o qual não é necessária nenhuma preparação. O próprio Lenin já disse que "toda cozinheira deve aprender a governar o Estado". Quer-nos parecer que aqui já não estamos longe disso, é só observar as consequências no Planalto.

Temo por nossos filhos. A que belo exemplo estão eles agora assistindo. Em breve não desejarão mais estudar ou se esforçar, porque, a exemplo de Pindorama, fica mais fácil gozar as benesses do "jeitinho" brasileiro. Aqui, tiriricas são apenas mais uma erva daninha...

É claro que talvez sejam "apenas" 90% dos políticos que dão aos bons 10% a péssima reputação a que assistimos. O ex-senador Romeu Tuma, chefe de tantas polícias, já afirmou: "Se você tem asco da corrupção, não pode ser um asno na votação". Mas como, por meio de um simples voto, consertar esse estado de coisas?

Se não houver melhor seleção dos candidatos, seremos sempre a eterna carneirada forçada a votar no que nos impinge a traiçoeira televisão. Falo como pessoa do povo e, após tantos anos nefastos, vejo agora que um governo nunca poderá ser melhor ou pior do que o povo que o elegeu. Temos culpa nisso, sim! Se encontramos um asno ou uma tartaruga aboletados no alto de um poste, quem pensará que lá chegaram sozinhos? Por certo tiveram a nossa ajuda.

Para nós, caráter é aquilo que fazemos quando ninguém está olhando. Quem nos ensinará a escolher homens de caráter? Despreparados para o poder vão certamente utilizá-lo mal por falta de caráter.

Qualquer psiquiatra sabe que as doenças da afetividade, como a depressão, ou as da personalidade, como a esquizofrenia, podem ter controle farmacológico. As doenças do caráter - as personalidades psicopáticas -, porém, não têm solução médica. São incuráveis e vão desde a amoralidade até o crime, além de haver ainda outras variedades. Victor Hugo dizia que, "entre um governo que pratica o mal e o povo que o consente, há certa solidariedade vergonhosa", pois o que é mau na moral o é também na política.

Na Bíblia, em Provérbios, está escrito: "A capacidade levará um homem a altas posições, mas ele precisará ter caráter para nelas permanecer". Palavras de Deus. Haverá melhor testemunho? Onde estão nossas igrejas, as protestantes e as que não protestam, que cobram de nós nossas pequenas faltas e agora se calam ou mesmo se unem aos faltosos governamentais? Onde estão os fautores das leis, que, em lugar de os colocar em suas cadeias, a eles se unem em habeas corpus ignominiosos, provando que a Justiça é cega? O Brasil ainda não tem suficientes oftalmologistas para corrigir tanta cegueira!

O saudoso Roberto Campos, tantas vezes ministro e embaixador, sabiamente afirmava: "Nenhuma sociedade pode florescer, ou mesmo funcionar, se seu povo não se sente mais responsável por ela". Atentem bem: o voto de um filósofo ou de um teólogo, ou ainda de um grande jurista, vale tanto quanto o voto de um infeliz comprado com algumas esmolas e migalhas de uma Bolsa-Família!

Estarreço-me quando ouço o governo dizer das torturas que vêm sofrendo os "pobres" mensaleiros nas comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e, ao mesmo tempo, ver os maiores responsáveis por essa tragédia macunaímica crescendo nas pesquisas de voto. Lembram-se de Mario de Andrade, o criador de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter?

Existirão leis, sim, mas não quem as proteja! Existirão muitos políticos "honestos", sim, geralmente aqueles que depois de comprados sempre permanecerão comprados. A verdade é que querem calar-nos, a nós, pobres eleitores, e também à mídia - como calaram já um dos maiores e honesto jornalista deste país, somente porque dizia "isto é uma vergonha"..., o que certamente incomodava muitos. Calaram também prefeitos, policiais e testemunhas, fazendo-nos crer que foram crimes comuns.

Só nos resta mesmo invocar o Evangelho: "Mestre, mande seus seguidores calarem a boca!". Respondeu Jesus: "Eu afirmo a vocês que se eles se calarem até as pedras gritarão!" (Lucas 19:40). Agora, pergunto: somos cidadãos ou somos pedras que se calam?

O filósofo Santayana já havia vaticinado três tipos de governo: "O que faz acontecer, o que assiste a acontecer e o que nem sabe o que acontece". Qual deles escolheremos?

Avizinha-se nova campanha eleitoral e alguns inconformados já dizem: "Penso, logo voto nulo!". São os que pensam que pensam... Há 2 mil anos o povo já preferia Barrabás. Preocupo-me que, de novo, vão crucificar a verdade - e novamente em benefício da mentira.

Acorda, Brasil! Só nos restará corrigir e lamentar a nossa sina: "Voto mal, logo existo!".