quinta-feira, fevereiro 25, 2016

O cadáver abriu os olhos - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 25/02

SÃO PAULO - O governo Dilma Rousseff dava o impeachment como morto, dizia que só faltava enterrá-lo, e se assustou agora que o defunto, chacoalhado pelo marqueteiro João Santana, abriu os olhos e pediu um copo de água.

É perda de tempo tentar adivinhar o que vai acontecer nos próximos meses no país. Há muitos fios desencapados e a prisão do responsável pelas campanhas de Dilma e Lula, sobre o qual recaem suspeitas de ter recebido dinheiro desviado da Petrobras, é apenas o mais evidente.

A investigação da Lava Jato está longe do seu final. Em dezembro, Deltan Dallagnol, coordenador da operação, disse que só 30% do caso, "a ponta do iceberg", havia sido revelado. Há 40 delações assinadas e outras tantas em negociação.

Além disso, há dois fatores potencialmente desestabilizadores para o governo, imerso na baixa popularidade de Dilma (12% de ótimo e bom, segundo o último Datafolha) e numa das piores recessões da história (o desemprego deve atingir 11,5%).

O primeiro é a incapacidade demonstrada até aqui pelo Planalto de reconstruir sua base política no Congresso. O que acontecerá se o governo for derrotado na recriação da CPMF, medida impopular que a própria presidente afirma ser fundamental para o país sair da crise?

O segundo é o chamado cerco ao ex-presidente Lula, fragilizado pelas acusações de ter recebido favores pessoais de construtoras investigadas no escândalo da Petrobras. Se com Lula ativo já é difícil para a presidente ter paz no Congresso, sem ele a situação tende a ficar mais volátil.

Em seu favor, Dilma conta com a baixa temperatura das ruas, hoje anestesiadas, e, ironicamente, com a sustentação do inimigo Eduardo Cunha na presidência da Câmara. Desde que o governo conseguiu rotular o peemedebista como o "pai do impeachment", o processo se enrijeceu de tal forma que foi confundido com um cadáver. Mas o fato é que jamais deixou de respirar.

Crise e desgaste tiram eficácia de discurso de Lula e PT - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 25-02

Acompanhado pela sonoplastia de um panelaço em várias capitais, o programa do partido atestou a dificuldade dele e do seu maior líder de reagirem ao momento

O conhecido termo “dia para esquecer” se encaixa à perfeição a esta terça-feira para Lula e PT. A jornada aziaga começou cedo, com as manchetes dos jornais noticiando a decretação da prisão do marqueteiro João Santana, o preferido nas três últimas eleições presidenciais petistas, como resultado da 23ª fase da Lava-Jato, batizada, com a ironia de costume, de Acarajé. Relação direta ao fato de ter mirado, entre outros alvos, a baiana Odebrecht, suspeita de transferir no exterior, para Santana, também conterrâneo, alguns milhões de dólares suspeitos. Suposições da ligação dessas transferências com, pelo menos, a campanha de 2014 de reeleição de Dilma Roussef angustiam o PT.

A terça continuou tensa para o lulopetismo, até ir ao ar, antes do JN, o programa do partido. E em boa parte dos dez minutos do vídeo de propaganda ecoou em pelo menos 14 capitais o mais barulhento dos últimos panelaços. Foi reservado a Lula o espaço nobre da parte final do programa, e, quando ele foi ao ar, notou-se que o barulho subiu de decibéis.

O conteúdo do programa também não ajudou o carismático líder petista nem o partido. O PT tem feito um esforço de “unir os brasileiros” para, juntos, enfrentarem uma crise “que vem de fora”. Sintomaticamente, a marquetagem petista aposentou, ou quase isso, a cor vermelha, clássica dos partidos de esquerda, sempre brandida com orgulho (e agressividade) nas ruas. Passaram a surgir na TV bandeiras verdes, azuis, amarelas.

Mas não está fácil dar meia volta em um discurso já cristalizado, de tanto ter sido repetido anos a fio, do “nós contra eles”, do Brasil dos bons (o PT) e dos maus (a oposição).

O partido usa o horário eleitoral dito gratuito para se mostrar perplexo: “Por que tanto ódio?” O ódio destilado na política é sempre perigoso e indesejável. Mas se a cúpula do partido fizer um rápido exercício de autocrítica constatará que tem sido o PT que não guarda limites nas suas campanhas, ao investir contra candidatos adversários e seus apoiadores. Um caso recente é o que foi feito, sob inspiração do hoje trancafiado João Santana, no espaço da campanha de Dilma na TV, contra a adversária Marina Silva, por meio de ataques a Neca Setúbal, a “banqueira”, amiga e correligionária de Marina.

Lula, por sua vez, perdeu uma oportunidade para se defender, com explicações sobre as suspeitas que o rondam, a partir de alguns inquéritos em andamento. Preferiu ressaltar que os governos do PT foram os melhores, quando milhões saíram da pobreza etc. O problema é que isso ficou no passado, e o presente é dramático — inflação elevada, recessão profunda e desemprego em alta. Muitos que saíram da pobreza voltam para ela.

Em um ato falho, ao atacar a elite que “não quer dividir a poltrona do avião com o nosso povo”, Lula voltou a dividir o país entre “nós” e “eles”. Qual o discurso que vale? A crise e o desgaste dos escândalos superam a capacidade de Lula e do partido de reagirem.