domingo, janeiro 25, 2015

A política preocupa - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/01

A questão política, mais que a econômica, é a preocupação do novo ministro da Fazenda Joaquim Levy. Na economia, ele sabe o que tem que fazer para recuperar a credibilidade do país junto aos investidores, e disso sua passagem por Davos, no Fórum Econômico Mundial, é exemplo claro.

Já classificado como um típico "Homem de Davos"," Levy não poderia estar mais à vontade entre os que pensam como ele. Parecia feliz como pinto no lixo, na definição popular do grande Jamelão sobre como o então presidente americano Bill Clinton se sentiu quando visitou a Mangueira.

Davos é um lugar perfeito para técnicos como ele, que falam a língua ortodoxa dos investidores e praticam tudo o que dizem. Já trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), e nada mais natural que tenha recebido elogios da presidente Christine Lagarde.

Levy é um típico "servidor público"," dizem os que trabalharam com ele, e a única experiência no mundo privado foi no Bradesco, de onde saiu paia assumir a Fazenda depois que o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco, recusou o convite. Já atuara em governo petista, como Secretário do Tesouro na gestão de Antonio Palocci na Fazenda, e era um dos alvos preferidos do PT já naquela altura, 110 início do primeiro governo Lula.

A diferença é que a política econômica ortodoxa era conduzida por um petista de alta estirpe, e o presidente era Lula, que controlava politicamente o PT e os movimentos sociais. Desta vez, Levy é o responsável principal pela condução da economia, decidido a levá-la a caminhos ortodoxos conhecidos. Mas exatamente por esse comportamento previsível sua escolha deveria ter sido negociada, pelo menos na base aliada, para evitar o tiroteio de que ele tem sido vítima.

Como isso não aconteceu, e nem a presidente Dilma se dignou a tirar uma foto com a equipe econômica para explicitar seu aval, Levy vai lidando com as críticas políticas da maneira que sabe, ou seja, desajeitadamente. A cada declaração ou entrevista, tem que soltai" uma nota explicando melhor o que quis dizer (como 110 caso da recessão na economia) ou esclarecendo o que o "Financial Times" distorceu de suas declarações sobre os programas sociais, tema com o qual faz questão de ser cuidadoso, pois sabe a importância que tem no projeto petista.

Levy está incomodado com as críticas, particularmente com os ataques do PSDB. Afinal, esses são da sua grei. Até poucos dias antes da eleição, Levy fazia parte da assessoria econômica do candidato tucano Aécio Neves e muito provavelmente estaria na equipe de um ministério da Fazenda comandado por Armínio Fraga.

Por isso, Levy parece decepcionado com a atuação dos tucanos que, ao contrário de quando Lula assumiu, em 2003, não parecem dispostos a apoiar as medidas restritivas que o governo tem anunciado.

Levy diz que este não é momento para populismos, pois a situação é grave.

Quanto aos tiros que recebe da base aliada, Levy evita comentários, mas sempre que pode diz que não há alternativa. No ar, a advertência implícita é de que qualquer descuido pode levar o Brasil a ser rebaixado pelas agências de risco. Abril parece ser um mês decisivo para os destinos do país. Os técnicos consideram que, com o fim do período de chuvas, haverá uma ideia clara da situação dos reservatórios e da necessidade ou não de racionamento, cada dia mais provável.

Mas é em abril também que o novo Congresso votará as medidas de contenção lançadas pelo governo corno medidas provisórias, depois de eleger os novos presidentes da Câmara e do Senado. Na economia e na política, serão dias conturbados.

Levy se escora no entendimento que a presidente tem de que é preciso mudar o rumo da economia. E lembra que a palavra "mudança" orientou os debates da campanha presidencial. O que o povo nas ruas pediu, naquele junho histórico de 2013, foi um governo mais eficiente e não um governo maior, assegura Levy.

A seu lado, num almoço para investidores promovido pelo banco Itaú, estava o ministro da Fazenda da Colômbia Mauricio Cardenas, com um histórico de crescimento da economia nos últimos anos, e disposto a abrir o mercado para investimentos em infraestrutura no país. Sem mudanças, adverte Levy, o país não estará preparado para voltar a ser um dos importantes players 110 mundo atual, onde vários emergentes disputam os investimentos internacionais

Elogio à ambiguidade (o dom de iludir) - GUSTAVO FRANCO

O Estado de S. Paulo - 25/01

O grande acontecimento a desafiar explicações no início deste ano já tão repleto de temores chama-se Joaquim Levy.

Ninguém poderia antecipar que a presidente reeleita, sabidamente teimosa, irascível e centralizadora, além de (supostamente) adepta de teorias econômicas de pé quebrado, traria para o Ministério da Fazenda um Ph.D pela Universidade de Chicago, recrutado em um dos grandes bancos e de persuasão econômica contrária à sua. Parece um gabinete de coalizão, onde a Fazenda, o principal ministério, foi entregue à oposição, e sem contrapartida, um absurdo.

Enquanto Joaquim Levy circula no Fórum Econômico Mundial arrancando elogios e suspiros, inclusive de alívio - Christine Lagarde, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) o definiu, em tons românticos, como um "Davos Man" (como se tivesse nascido para aquilo) -, Dilma Rousseff foi à posse de Evo Morales e posou para uma foto com o braço erguido e punho cerrado, ela e outros líderes bolivarianos, sob a manchete (uma fala de Evo) "Aqui os Chicago Boys não mandam".

Não é possível imaginar sinais mais confusos. O que quer Dilma Rousseff?

Depois de duríssima campanha, infinitos debates, programas e exposições, onde todas as dúvidas deveriam ter sido eliminadas, verifica-se que não sabemos coisa alguma sobre o que quer a presidente reeleita.

Como confiar em líderes que fazem o contrário do que prometem?

Enquanto a perplexidade domina os corações do empresariado, em pouco mais de 20 dias de mandato, Joaquim Levy já melhorou as contas públicas em algo perto de R$ 40 bilhões, cerca de metade da estimativa de esforço fiscal necessário para alcançar a meta de superávit primário anunciada para 2015, e sem maior esforço. Não é uma meta ambiciosa (1,2% do Produto Interno Bruto), talvez mesmo dentro da zona de conforto, como é conveniente para quem precisa fazer previsões (orçamentos) e não quer falhar. Mas, em compensação, a equipe anterior deixou bombas escondidas em todos os cantos, ou seja, a herança maldita desses últimos anos de heterodoxia irresponsável era pior do que se imaginava.

Joaquim Levy prossegue arrumando a casa com surpreendente desenvoltura, plenamente atestada pela irritação que provoca nos apoiadores do ex-ministro Guido Mantega e do choque heterodoxo que impingiu ao Brasil nos últimos anos. É reconfortante ver agastados os amigos da inflação e acusando a presidente de "submissão ao mercado".

'Mercado'. Os amigos da inflação adoram implicar com o "mercado", pois assim imaginam antagonizar o "capital financeiro" e os bancos, quando na verdade estão tentando desautorizar "o que se diz por aí", ou a "rádio corredor", vozes que não se pode calar. Já estamos fartos de saber que o "mercado" é uma manifestação da opinião pública especializada, e uma expressão bem razoável do sentimento empresarial e das expectativas dos agentes econômicos numa economia de mercado moderna como o Brasil. E o mercado tomou horror de Guido Mantega e seus apoiadores, e por bons motivos.

A ideia de um antagonismo entre o "mercado" e o bem comum é uma das múltiplas arapucas retóricas de que se servem os marqueteiros para iludir. Foi com esse espírito que a presidente acusou a oposição de querer entregar o Banco Central aos bancos, do que resultaria subtrair comida da mesa do trabalhador.

Depois de vários aumentos nos juros, nos impostos, nas passagens de ônibus e na luz, não há como afastar o ilusionismo, bem capturado nesses versos de Caetano Veloso:

"Você diz a verdade

A verdade é seu dom de iludir

Como pode querer

Que a mulher vá viver sem mentir".

Antes que alguém se aborreça, não há uma questão de gênero aqui, trata-se de notar que no terreno eleitoral, como no do amor, a mentira pode ser, usando a observação de Quincas Borba, tão natural quanto a transpiração. Nesse terreno do emocional, onde prevalecem as ambiguidades, a manipulação de versões é quase um imperativo. Visto que talvez nem tudo seja falso, diz Fernando Pessoa, que nada nos cure do prazer de mentir.

Mas, dito isso, o que quer afinal Dilma Rousseff?

Só é possível refletir sobre o conforto proporcionado pela ambiguidade. É como se Dilma Rousseff vivesse uma variante da trama de Kagemusha, premiado filme homônimo de Akira Kurosawa de 1980.

O velho e respeitado líder guerreiro Shingen sabia que o poder do mito podia ser maior do que as habilidades reais de uma líder; ele já tinha chegado a essa categoria antes mesmo de encontrar seu destino, numa noite calma, quando foi discretamente ao campo de batalha ouvir uma misteriosa flauta e foi ferido mortalmente por um franco atirador. Enquanto agonizava, determinou que sua morte fosse mantida em segredo por três anos ao longo dos quais um sósia fingiria estar desempenhando suas funções, inclusive com mais pompa do que o habitual.

Mudança na direção. É claro que a ideia serve perfeitamente para um líder constrangido a reconhecer que fez tudo errado e teve de mudar a direção das coisas em seu segundo mandato. O esforço de iludir consiste em não reconhecer os erros, e assim, tornar-se uma sósia de si mesma, e manter oculta a original, a presidente heterodoxa e intervencionista que, todavia, não sabemos se continua viva.

Para evitar explicações embaraçosas, a sósia, na verdade uma figura heterônima, terá de se esforçar para permanecer todo o tempo que puder no terreno do simbólico, ou das abobrinhas, enquanto os técnicos tocam os assuntos da economia de forma completamente diferente do que antes. Como se nada tivesse acontecido.

Em algum momento posterior, com a economia andando bem, um roteirista experiente seria chamado para completar o enredo de forma positiva e engenhosa, a depender de se deslindar o mistério da economia. É cedo para especular. Só é claro que a ambiguidade é o melhor caminho, pois o silêncio contrito, acompanhado de um ar inteligente, diante de um interlocutor angustiado por uma resposta, é uma receita infalível para a consagração. Em silêncio, mesmo sem saber o que fazer, a liderança terá sempre o benefício de ver interpretações sobre suas ações que pressupõem uma inteligência muito maior do que a que realmente existe.

Não é preciso pensar muito, como indicam os versos de um outro heterônimo, Alberto Caeiro, o guardador de rebanhos:

"O que penso eu do mundo?

Sei lá o que penso do mundo!

Se eu adoecesse pensaria nisso".

sábado, janeiro 17, 2015

Ocidentalismo - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 17/01

Após os atentados em Paris, os ocidentalistas limparam a cena do crime, apagando as digitais do terror jihadista


Edward Said definiu o "orientalismo" como o empreendimento de construção de um Oriente (árabe-muçulmano) imaginário por intelectuais ocidentais. O Oriente dos orientalistas, originalmente exótico e indecifrável, converte-se ao longo do tempo na fonte do irracionalismo e do perigo. Hoje, ironicamente, o "orientalismo" ganha uma imagem espelhada no "ocidentalismo", que também é obra de intelectuais ocidentais. O Ocidente imaginário que eles descrevem configurou-se com o imperialismo e evoluiu na forma de uma máquina implacável de exploração econômica, opressão social e exclusão etno-religiosa. Esse Ocidente maligno, explicam-nos, é responsável por toda a violência do mundo, inclusive pelo terror jihadista.

Os ocidentalistas negam a existência de uma história não-ocidental. Na hora dos atentados do 11 de setembro de 2001, espalharam a fábula de que a Al Qaeda foi parida na maternidade da CIA. Diante dos atentados em Paris, limparam a cena do crime, apagando as digitais das organizações jihadistas. Os nomes da Al Qaeda no Iêmen e do Estado Islâmico não aparecem nas suas análises das carnificinas, atribuídas a pobres diabos oprimidos pelo Ocidente: "alguns radicais" (Frei Betto) ou meros "lobos solitários" (Arlene Clemesha) que não passam de "maconheiros cabeludos" (Tariq Ali).

Os ocidentalistas organizam sua narrativa em torno da verossimilhança e do silogismo, investindo na carência de informação histórica da opinião pública. Nas versões que difundem, a culpa pelos atentados recai sobre a guerra suja de George W. Bush (Ali), mesmo se a jihad começou antes dela, ou sobre o colonialismo francês na Argélia (Clemesha), mesmo se os jihadistas qualificam os nacionalistas argelinos como infiéis e blasfemos. A regra de ouro é descartar todos os fatos que não cabem no molde do "ocidentalismo". Uma "moral dos fins", típica de ideólogos, justifica a manipulação, a distorção e a pura mentira, que desempenham a função de "meios" incontornáveis.

Os ocidentalistas são cultores do relativismo moral: defendem o princípio "ocidental" da liberdade de expressão para si mesmos, mas juntam suas vozes às dos fundamentalistas religiosos para acusar o Ocidente de libertinagem. No Corão, inexiste a proibição da figuração de Maomé. Amparado apenas no cânone islâmico que proíbe o culto a seres humanos, o veto não passa de uma interpretação abusiva de elites político-religiosas consagradas ao controle social. Contudo, segundo os ocidentalistas, o "Charlie Hebdo" estava "provocando os muçulmanos com blasfêmias ao profeta" (Ali), numa "atitude muito ofensiva" (Clemesha). O atentado jihadista deve, portanto, ser entendido como "uma resposta a algo que ofendia milhares de fiéis muçulmanos" (Frei Betto). Na versão deles, os terroristas fizeram justiça, reagindo à inação dos governos ocidentais acumpliciados com os detratores do Islã.

Os ocidentalistas não se preocupam com a consistência argumentativa. Eles dizem que os terroristas alvejaram o "Charlie Hebdo" como reação às charges do profeta, mas calam sobre o ato de terror complementar, no mercado kosher. Depois dos cartunistas, os jihadistas foram atrás dos judeus, comprovando que não lhes interessa o que você faz, mas o que você é. Entretanto, o "ocidentalismo" nunca distingue motivos de pretextos, inspirando-se nos editoriais de jornais governistas controlados por Estados autoritários para persistir nas invectivas contra os cartunistas.

Os ocidentalistas são parasitas intelectuais das correntes minoritárias de intolerância, xenofobia e islamofobia do Ocidente. O primeiro-ministro Manuel Valls declarou que "a França está em guerra contra o terrorismo e o jihadismo, não contra o Islã e os muçulmanos". Angela Merkel disse que "o Islã é parte da Alemanha". A sorte do "ocidentalismo" é que existem Marine Le Pen e o Pegida.

sexta-feira, janeiro 16, 2015

A corrupção continua - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/01

A denúncia dos procuradores da Operação Lava-Jato sobre indícios de que a corrupção não foi estancada na Petrobras, mesmo depois de todas as prisões e de todas as investigações que estão sendo feitas, é a mais grave que poderia surgir a esta altura dos acontecimentos, e justificaria a demissão sumária de toda a diretoria atual da estatal, a começar pela presidente da empresa, Graça Foster.

Não importa o argumento do ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, de que não há nenhuma acusação contra a atual presidente da Petrobras ou diretores, pois a responsabilidade dos dirigentes da estatal é muito clara. E, se eles são incapazes de controlar os desvios já denunciados e comprovados, não podem continuar onde estão.

Outra coisa é a bobagem dita pelo advogado de Nestor Cerveró, que quis comparar a situação de seu cliente com a de Graça, que também transferiu seus bens a familiares. A prisão preventiva é medida cautelar necessária para conter o arroubo de Cerveró em se livrar dos bens. Mas Graça não está sequer sendo investigada, portanto, não há nenhum impedimento legal para que ela aliene seus bens - o que não impede o Ministério Público, havendo indícios de improbidade administrativa, de pedir ao Judiciário a anulação das alienações, notadamente as doações.

O termo "estancado" usado pelos procuradores parece ser uma resposta direta à presidente Dilma, que, em setembro do ano passado, depois de definir como "estarrecedor" esquema criminoso da Petrobras, saiu-se com esta: "Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso garantir que todas, vamos dizer assim, as sangrias que eventualmente pudessem existir estão estancadas" Foi a primeira vez em que ela admitiu que poderia ter havido "sangrias" na Petrobras. E arrematou a declaração com uma confissão surpreendente para quem há 12 anos atua na área, tendo sido presidente do Conselho de Administração da Petrobras: "Eu não tinha a menor ideia de que isso ocorria dentro da empresa"

Em artigo em um site especializado em Direito, o "Migalhas" Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, analisa a responsabilidade do controlador de uma empresa estatal como a Petrobras, de economia mista. Cita o artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas, que define que o controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, dos quais o dispositivo no seu parágrafo Io dá alguns exemplos, entre tantas situações que podem ocorrer:

"a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional" O professor enquadra nesse item o porto em Cuba e a compra da refinaria de Pasadena.

"e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia geral"

Os dirigentes das empresas e os membros de seu Conselho de Administração têm também o dever de diligência, ressalta o professor, pelo qual o administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.

A própria palavra "diligência" diz ele, mostra que o papel do administrador é ativo, e não passivo. "Ele não pode ficar sentado atrás da sua mesa esperando tomar conhecimento do que acontece na sociedade que gere e exercer a sua função na medida em que cheguem papéis para a sua assinatura. Principalmente no que diz respeito ao conselheiro de Administração, essa diligência envolve estar sempre atento. E não somente isso: ele deve sair atrás de informações, e não apenas aguardar que elas cheguem. Para tanto, ele tem todos os poderes necessários"

Para deixar clara a responsabilidade dos dirigentes e conselheiros de uma empresa de economia mista, Verçosa pergunta aos diretores e conselheiros: "Cadê os relatórios críticos e sua discordância expressa em relação ao grande baile da Ilha Fiscal? (...) Onde estão os seus votos divergentes, seus pareceres contrários, sua inconformidade, afinal de contas?"."

O malefício da dúvida - DORA KRAMER

O Estado de S. Paulo - 16/01


Ao justificar o pedido de prisão preventiva de Nestor Cerveró, o Ministério Público Federal fez uma alegação que aparentemente vai muito além das circunstâncias específicas envolvendo o ex-diretor da área internacional da Petrobrás.

Digo aparentemente porque a afirmação de que o esquema de corrupção na estatal não foi estancado, registrada em documentos da Procuradoria, carece de esclarecimento. Da forma como foi noticiada soa dúbia.

Isso para analisar o tema com boa vontade, partindo do pressuposto de que seja impossível as atividades criminosas terem continuado mesmo depois de a empresa passar a viver sob regime de intensa investigação.

A documentação aponta a inexistência de "indicativos" suficientes para que se conclua com segurança que foram fechados os dutos pelos quais eram desviados recursos da Petrobrás. "Pelo contrário, há indícios de pagamentos de propinas efetuados por empresas a diretores mesmo em 2014."

Quais diretores? Até quando em 2014? O fato de não ter sido estancado quer dizer que o esquema continua funcionando? Aí o tempo do verbo não é um detalhe, é essencial. Uma coisa é a prisão preventiva de Cerveró por atos relativos às denúncias que pesam contra ele. Outra coisa é a referência à continuidade da ocorrência de ilícitos.

Lançam suspeição sobre a atual diretoria da empresa e autorizam a desconfiança de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não fazia mera ilação quando sugeriu o afastamento imediato da cúpula da Petrobrás. Deixa mal a comandante da companhia, Graça Foster, e pior a presidente Dilma Rousseff.

O texto dos procuradores contrasta com a declaração de Dilma feita no dia 8 de setembro do ano passado: "Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso garantir que todas as, digamos assim sangrias que eventualmente pudessem existir estão estancadas", disse ela pisando em ovos na ponta dos pés, como se vê pela escolha das palavras.

Note-se também que a presidente usou o mesmo verbo, "estancar", e no presente do afirmativo. Agora o Ministério Público o utiliza no presente, mas na forma negativa. É possível que tenha havido algum mal-entendido. Mas também pode ser que não. Urgente, portanto, que a Procuradoria esclareça se as palavras escritas correspondem aos fatos sugeridos.

Penúria vip. Se, como alega a defesa, Nestor Cerveró está em dificuldade financeira, o que fazia ele na primeira classe no voo que o trouxe de Londres quando foi preso ao desembarcar no Brasil?

Trinta anos. Desde aquele dia 15 de janeiro de 1985, em que a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral pôs fim ao ciclo de governantes militares, até hoje o Brasil mudou muito com a democracia.

Evoluiu institucionalmente, mas ficou parado no tempo nas práticas políticas. São anos e anos patinando em infrutíferas tentativas de nos modernizar. Mas a ironia do destino que agora nos remete àquela data diz respeito ao partido que está entrando em seu quarto período do poder e 30 anos atrás se recusou a votar no candidato de oposição ao regime alegando que ele não representava as mudanças necessárias ao País. Era igualmente conservador.

Pois esse mesmo partido, o PT, quando assume a Presidência da República transforma-se no maior avalista dos velhos vícios e, no lugar de usar sua força popular para conferir nobreza à atividade base dos regimes democráticos, preferiu mergulhar nas profundezas do atraso com todos os benefícios, malefícios e consequências daí decorrentes.

Olhando em retrospectiva: de que valeu o gesto contra Tancredo? Contra o sentimento que mobilizava o Brasil?

Teorias em tempos de barbárie - FERNANDO GABEIRA

O ESTADO DE S.PAULO - 16/01

Num balanço de 2014 acentuei a presença da barbárie como um traço decisivo. Mal começa o ano, de volta ao trabalho na rua, surge o atentado contra a revista Charlie Hebdo. Ainda bem que o trabalho estava concluído. Sabia que ia mergulhar no mundo dos debates, interpretações, e precisava do máximo de esforço para entender o que se passa, para além da indignação.

É um desses momentos de grande intensidade. Você vai à sala, ruminando argumentos, e quando volta ao quarto da TV já se deixa levar por outro tema.

Autoridades e os âncoras de TV acentuavam a cada instante que era preciso dissociar a violência do islamismo. Lembrei-me do tempo de menino: cuidado com o bicho-papão. O bicho-papão nesta aventura associativa é parecer racista ou islamofóbico. Minha intuição, no entanto, caminha no sentido contrário do politicamente correto.

Quando critiquei Estados islâmicos num encontro de escritores, um colega da Etiópia disse que estava sendo injusto com o Islã. Mas uma religião, quando se funde com o Estado, resulta, fatalmente, em repressão.

Prometi estudar o Islã, mas naquele momento o sufismo tinha mais apelo para mim. Mantive a intuição para um dia transformá-la em argumento, com base na análise do texto.

No auge de minhas incertezas, diante dos conselhos na TV, encontrei no noticiário uma voz mais preparada que eu: o presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi. Ele fala de dentro do islamismo e reconhece que a religião está infestada de interpretações que semeiam a violência. E propõe uma revolução religiosa para conciliar o islamismo e a pluralidade democrática. Observo que, na História secular, houve debate semelhante sobre o marxismo. O texto é correto, o equívoco está nas interpretações.

Mas textos que se abrem a interpretações autoritárias e sanguinolentas não deveriam ser examinados criticamente?

Aí entra um novo debate, em que o politicamente correto fortalece o radicalismo islâmico. Numa democracia ocidental não há textos proibidos para a crítica. Ou seja, a blasfêmia não é um crime, mas o exercício do direito de expressão.

O Charlie Hebdo foi criticado por alguns por ser provocador da ira religiosa. O que, no fundo, querem dizer os críticos é tirar a religião do raio de alcance da liberdade de crítica.

Os radicais islâmicos aproveitam a atmosfera de debate para mostrar que os muçulmanos, lá, não estão em casa. Mas o que querem, afinal? Que a França abra mão de algumas de suas liberdades para que se sintam em casa? Nesse caso, os franceses é que sairão da própria casa, construída com valores inegociáveis.

É inegável que os muçulmanos se arriscam para combater o extremismo islâmico e perdem muito mais vidas que o Ocidente nos ataques terroristas. Muitas comunidades muçulmanas colaboram com os EUA no combate ao terrorismo. E pode estar nessa colaboração a forma mais eloquente de dissociar o Islã da violência. Mas quando se trata de liberdade de expressão no sentido que envolve também a crítica religiosa, a resposta costuma ser a pena de morte.

A fatwa decretada contra Salman Rushdie por autoridades religiosas iranianas é uma prova disso. Agora mesmo, na Arábia Saudita, o blogueiro Ralf Badawi foi condenado a mil chibatadas.

Na França vive-se um momento singular. A presença muçulmana não é discutida apenas no Charlie Hebdo, mas tema de romances e ensaios que de alguma forma refletem o dilema central: integrar a comunidade muçulmana no pluralismo ocidental ou islamizar o país?

A imprensa americana (New York Times, CNN) opta por não divulgar material ofensivo às religiões. Mas a verdade é que, à sua maneira, o Charlie Hebdo vai no sentido de buscar no texto as raízes do violência desvairada. Chérif Kouachi disse que queria morrer como mártir porque o martírio era uma glória. O Charlie Hebdo compreende bem a conexão do texto religioso com a sucessão de atentados. Um dos desenhos publicados mostrava Maomé na porta do paraíso e a frase: parem de lançar bombas porque estamos em falta de virgens.

Ouvi muitos analistas falando em tratar o tema com oportunidades econômicas. Não vejo como Said e Chérif, e pessoas como eles, se ajustariam à sociedade com um emprego de caixa de supermercado.

O movimento de jovens que se envolvem numa aventura político-religiosa tem crescido e transcende a própria comunidade muçulmana. É uma batalha cultural que se desenrola e o politicamente correto pode ser um embaraço se não compreender que é preciso desenvolver cada vez mais a cooperação dos serviços de inteligência, usar os melhores recursos humanos e tecnológicos para prender e neutralizar os terroristas.

É difícil prender quem vê o martírio como uma glória. A tendência é que morra resistindo, como morreram os irmãos Kouachi.

Estamos num jogo mais pesado ainda do que viveu a geração pós-guerra às voltas com a luta contra o colonialismo. Sartre e a esquerda, na qual me incluo, na época viam com compreensão benevolente os ataques terroristas da FLN na Argélia.

Camus resistiu e se isolou na condenação do terrorismo. Na Suécia, chegou até a simplificar seu argumento: minha mãe mora na Argélia e pode ser morta num atentado.

Ao debater a peça Os Justos, após o 11 de Setembro, usei o exemplo dos personagens desse texto de Camus para enfatizar a singularidade de nossa época. Os terroristas adiaram a execução do arquiduque Francisco Ferdinando porque havia crianças na carruagem. Os terroristas de hoje afirmam que matam crianças sem hesitar porque as crianças muçulmanas são mortas também. Mais do que no tempo de Camus, as mães estão ameaçadas, por esse mesmo argumento.

Dilma propôs diálogo com o Exército Islâmico, na ONU. É a mais radical no campo do politicamente correto. Envolto em seus fantasmas ideológicos, o governo está pra lá de Marrakesh. Lembra um personagem de Glauber Rocha que dizia mais ou menos assim: estou tão perdido que não sei mais quem é o inimigo.

Em terra de cego... - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 16/01

Vamos fazer uma aposta? Com a equipe que montou no Palácio do Planalto e com o círculo íntimo que tem para conversar, tomar decisões e tourear o Congresso, a presidente Dilma Rousseff vai acabar caindo nas mãos de gente muito mais experiente e esperta. Tipo Gilberto Kassab.

Como corintianos, palmeirenses e santistas estão carecas de saber, Dilma não gosta de política e gosta menos ainda de políticos. No primeiro mandato, essa fragilidade virou força, a deficiência transformou-se em trunfo muito bem trabalhado pelos marqueteiros e pela marquetagem da "faxina".

Se ela não gosta, deveria se cercar de quem sabe fazer e faz com gosto. Não é exatamente isso que está acontecendo ou, pelo menos, não é assim que os próprios políticos - sobretudo os aliados e os "aliados" - estão vendo e sentindo.

Vamos lá. A Casa Civil é o coração da administração federal, o coração das articulações políticas, ou ambas. Bem, quem der um passeio na Câmara, no Senado e na Esplanada dos Ministérios - inclusive, talvez principalmente, pelos gabinetes do PT - vai encontrar um manancial de críticas ao atual chefe da Casa Civil e virtual presidenciável Mercadante.

Homem sério? Sim. Um tanto aloprado? Quando julgou necessário. Mas articulador político?! Ok, mas Dilma tem um articulador político oficial, o ministro de Relações Institucionais... Como é mesmo o nome dele? Ah, sim! Pepe Vargas, médico e petista de quatro costados que nunca se destacou como líder na Câmara, nem líder no Senado, nem interlocutor de ponta de ninguém. Aliás, com todo respeito, nem mesmo como deputado.

Tudo bem que Dilma já se deu ao luxo de ter as também neófitas Gleisi Hoffmann na Casa Civil e Ideli Salvatti nas Relações Institucionais. Mas, convenhamos, os tempos eram outros. Ela acabava de ser eleita, tinha a aura de primeira mulher presidente da República e exalava o frescor e despertava a esperança dos governantes recém-empossados. Ainda podia fazer o que bem entendesse.

Não é o que ocorre agora, com a economia como está, o eleitorado dividido ao meio e já escaldado, políticos insatisfeitos, a Petrobrás jorrando denúncias sobre o PT, os aliados e o próprio governo. O jogo está muito mais complexo, muito mais difícil. Aliás, o jogo ou a guerra?

Voltamos aí a Gilberto Kassab, aquele que pode estar à esquerda, ao centro ou à direita, pode tentar ser vice do tucano Geraldo Alckmin e ministro da petista Dilma - simultaneamente! - e tem como hobby criar partidos. O de ocasião é um tal PL, que visa recolher os náufragos e enjoados dos navios tanto governistas quanto oposicionistas.

Significa que Dilma conta com um aliado que não só lhe foi leal durante a campanha, apesar de uma pressão infernal para apoiar Aécio Neves, que poderá ser de enorme utilidade ao cobrir as lacunas, apagar incêndios, abrir portas.

Mercadante, segundo Marta Suplicy, é um "arrogante e autoritário", capaz de muitas "trapalhadas". Pepe Vargas é o oposto: não tem poderes, armas, estofo e personalidade para confrontar ou, ao contrário, acalmar os nervosinhos do Congresso. A postos, para eventualidades, lá está ele, Kassab.

Quando Eduardo Campos estava vai-não-vai, seu afilhado Fernando Bezerra era ministro e estava doido para ficar no cargo e convencer Campos a desistir da candidatura à Presidência e manter a aliança com Lula e o PT. Sabe como Bezerra desistiu? Ele telefonou para Mercadante, esperando uma palavra de apoio, um gesto qualquer. Como Mercadante reagiu? Chutou o pau da barraca: "Olha, se quiser sair, saia logo. Senão, nós é que vamos tirá-lo".

Bezerra saiu do governo, Campos virou candidato, Marina Silva ganhou um partido, Dilma quase perdeu a eleição. E, reeleita, ganhou o PSB contra ela.

Ah, se fosse Kassab a atender aquele telefonema...


A melhor defesa - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 16/01

Preocupação do Planalto ao montar Ministério é se armar para batalha dos desdobramentos do petrolão


Chocados com a mediocridade do Ministério nomeado pela presidente Dilma, analistas políticos vêm tentando discernir a lógica que teria presidido escalação tão peculiar. As racionalizações mais convincentes são as que vinculam a escolha dos ministros à preocupação do Planalto com os desdobramentos do escândalo da Petrobras.

O Ministério teria sido cuidadosamente escolhido de forma a assegurar apoio parlamentar adequado para impedir que as ondas de choque do petrolao atinjam a Presidência. A ideia seria construir uma bancada governista suficientemente sólida para inviabilizar a instalação de uma nova CPI da Petrobras e, se necessário, sustar qualquer tentativa de instauração de um processo de impeachment.

Tal esquema de segurança parlamentar, concebido pela Casa Civil da Presidência, teria, inclusive, contemplado alguma redundância nos recursos políticos mobilizáveis. Desconfiado da extensão do apoio com que poderá contar no PMDB, o governo mostrou-se especialmente generoso com os demais partidos da base governista, na tentativa de se tornar menos dependente do seu maior aliado. Houve também um reposicionamento em relação ao próprio PT. Foram privilegiadas facções mais à esquerda do partido, que o Planalto reputa mais confiáveis e menos vulneráveis aos desdobramentos do petrolão.

Como bem notou Rosângela Bittar (no “Valor” de 7 de janeiro), na montagem desse esquema de segurança parlamentar, os ministros teriam sido escalados tendo em conta não só sua filiação partidária, mas também, e especialmente, sua inserção nas grandes bancadas de interesses especiais que perpassam os vários partidos.

É isso que explicaria, por exemplo, a surpreendente escalação, a pouco mais de um ano do início das Olimpíadas, de um ministro do Esporte que se permitiu declarar que nada entendia do ramo. Sua nomeação se deveria menos a seu partido, o PRB, do que a sua vinculação à bancada evangélica. Da mesma forma, a ministra Kátia Abreu, a cuja posse o PMDB não compareceu, teria sido escolhida por sua proeminência na bancada ruralista. E assim por diante.

Seja como for, parece mais do que claro que, com raras exceções — entre as quais merece destaque o ministro da Fazenda —, a escolha dos novos ministros passou longe da ideia de uma equipe de qualidade, capaz de assegurar um bom governo. Por enquanto, pelo menos, a preocupação maior do Planalto é se armar para a batalha política que deverá advir dos desdobramentos do petrolão.

O problema é que a manutenção dessa mobilização, com adiamento do bom governo, não será sem custos. Adiar o bom governo, num quadro em que a correção de rumo da política econômica já deverá implicar imposição de um período relativamente longo de sacrifícios à população, não parece ser uma decisão sábia.

É exatamente quando os recursos se tornam mais escassos que ministros competentes podem fazer mais diferença. Frentes desnecessárias de desgaste, decorrentes de mero desempenho deficiente de ministros mal escolhidos, exigirão do governo convicção redobrada para manter o rumo da política econômica até que seus frutos possam ser colhidos.

O pior é que o Planalto nem mesmo sabe por quanto tempo terá de manter essa custosa mobilização defensiva de recursos políticos. É bem verdade que fevereiro será um mês crucial. Haverá eleições para as mesas das duas casas do Congresso. E o governo ainda nutre um fio de esperança de impedir que a presidência da Câmara permaneça com o PMDB. Logo em seguida, a tão aguardada lista de políticos envolvidos no escândalo da Petrobras deverá ser, afinal, divulgada.

Mas a batalha do petrolão estará apenas começando. O Planalto poderá continuar a ser assombrado pela ameaça de impeachment por boa parte do segundo mandato. E, a depender do que acabar aflorando, o aparatoso baluarte político concebido pela Casa Civil pode afinal ruir como um castelo de cartas.

Um bom governo, tripulado por ministros de primeira linha, era a melhor defesa contra o impeachment com que a presidente Dilma poderia ter contado.


A volta de quem não foi - NELSON MOTTA

O GLOBO - 16/01

Quatro anos depois... só rindo mesmo, da crônica e do cronista. Até Lula deve estar achando graça



Na primeira posse de Dilma celebrei na crônica “Enfim, sós” a alegria e o alívio de não ter uma presidente que vivesse esbravejando nos palanques e dividindo o país entre ricos e pobres, entre as elites e o povo, e culpando os adversários políticos por todos os males do Brasil. Que bom seria não ter que ouvir a presidente repetir que o Brasil começou no dia em que ela tomou o poder e que os que a antecederam só lhe deixaram uma herança maldita.

Que prazer seria ter uma presidente que não se orgulhasse de sua grossura e ignorância e nem debochasse dos que estudaram mais que ela, que lesse jornais e até livros! Que não acusasse todos que não a apoiam de preconceito contra pobre, nordestino e operário. Ou contra mulheres de classe média de origem búlgara.

Na crônica, estava animado com uma presidente que não dizia que o mensalão era uma farsa da imprensa golpista. E que não faria nomeações partidárias para o Supremo Tribunal Federal. Que alívio seria não ver todo dia as páginas dos jornais e as telas de televisão ocupadas pela presidente dando opiniões sobre todos os assuntos, mesmo os que ignora.

Quatro anos depois... só rindo mesmo, da crônica e do cronista, de todos que acreditaram nisso. Até Lula deve estar achando graça.

Hoje, a maioria dos petistas, e até boa parte da oposição, que evidentemente não ousam dizê-lo em público, estão com saudades de Lula. Até como adversário, com suas bravatas e fanfarronices e sua leniência moral com os companheiros, com suas calúnias e difamações dos adversários e sua inteligência política a serviço da demagogia. Pelo menos ele jamais teria Guido Mantega como ministro da Fazenda nem tentaria impor suas ideias econômicas a quem sabe muito mais do que ele.

Lula nunca tentaria baixar os juros e as tarifas de energia elétrica no grito e na “vontade política", com suas consequências desastrosas, demitiria toda a diretoria da Petrobras, e seria esperto o bastante para, na atual conjuntura, jogar ao mar os companheiros que deram defeito e tentar se metamorfosear em paladino da moralidade.

É, acho que estou precisando de umas férias. Até a volta.

Você é realmente Charlie? - RAFINHA BASTOS

FOLHA DE SP - 16/01

Onde você estava quando eu tentava falar sobre liberdade de expressão, mas era tachado de arrogante, prepotente e babaca? Eu senti falta de você


"Je suis Charlie". Você é Charlie? É mesmo? Então me diga uma coisa: onde estava você quando eu tive meu DVD "A Arte do Insulto" censurado, em 2012? E quando perdi processos judiciais? Quando 300 pessoas picharam frases de ódio e destruíram a porta do meu bar, onde você estava?

Onde você estava quando eu perdi papéis no cinema? E quando eu deixei de ter programas na televisão? O que você era quando eu tentava falar sobre liberdade de expressão, mas era tachado de arrogante, prepotente e babaca? Onde você estava? Eu senti falta de você.

Agora que você se manifestou em prol da liberdade de expressão, deixa eu te contar uma coisa. O que eu vivi foi um momento muito confuso. Quatro piadas minhas foram colocadas fora de contexto e isso quase afundou a minha carreira. Tudo isso ocorreu por um simples motivo: eu não pedi desculpas.

E sabe por que eu não me desculpei? Porque acredito que o humorista deve ser livre para arriscar, questionar e provocar. Se eu pedisse desculpas por cada tentativa, em dois meses eu estaria domesticado. Nunca mais eu te surpreenderia. Diria somente aquilo que você queria ouvir. Eu seria querido, amado e totalmente infeliz.

Naquela época --em 2011--, ninguém estava disposto a conversar comigo sobre a tal liberdade de expressão. Todos só queriam saber quanto dinheiro eu estava perdendo, o que eu achava do "CQC", se eu convidaria a cantora Wanessa Camargo para ir ao meu programa e blá-blá-blá. Cheguei a ir ao "Roda Viva", da TV Cultura, para debater o tema e até lá a conversa se resumiu a essas curiosidades bobas. Foi desesperador.

Quase quatro anos depois, colegas franceses do jornal satírico "Charlie Hebdo" são cruelmente assassinados dentro da Redação do semanário. Eles acreditavam que eram livres para provocar.

Agora estou vendo você com essa camiseta com os dizeres "Je suis Charlie" (eu sou Charlie, em francês). Que legal. Você chegou tarde, mas ainda chegou a tempo. Se eu tivesse levado um tiro na cabeça, talvez você tivesse aparecido antes, mas, tudo bem, o que importa é que você veio.

Saiba que durante um bom tempo o que eu mais ouvi foi: "Rafinha, o problema das piadas que te deram dor de cabeça é que elas não foram engraçadas. Simples".

Primeiro: É um crime analisar um texto feito para o palco com base em uma transcrição no papel. É como ler o roteiro de um filme pornográfico. Na reportagem tendenciosa do jornal, a sua leitura não vai reconhecer "timing", muito menos a ironia do humorista.

Segundo: As piadas ruins e boas nascem absolutamente do mesmo lugar. Nascem da experimentação. Do risco. Para chegar a uma piada boa é obrigatório passar por algumas ruins. Esse é o processo.

Um comediante com medo de errar é como um jogador de futebol com medo de chutar a bola. É o fim.

Para os cartunistas do "Charlie Hebdo" a palavra "medo" não fazia parte do vocabulário. Foram provocadores que não deixaram nem que o risco da morte os calasse. Foram loucos que lutaram pela liberdade de expressão até as últimas consequências.

Suas mortes provocaram uma discussão mundial e permitiram que algumas pessoas entendessem melhor o que eu venho tentando dizer há, pelo menos, quatro anos.

Seja bem-vindo de volta. Eu estava com saudades.

A busca pela impunidade no petrolão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/01

Mesmo depois de iniciada a Lava-Jato, o esquema de propinas na Petrobras continuou a operar, sinal de que as investigações não eram levadas a sério


Depois que o então deputado Roberto Jefferson, do PTB fluminense, denunciou o mensalão em entrevista à “Folha de S.Paulo”, não se acreditou que o escândalo pudesse ter algum desdobramento concreto. Pois o governo Lula tinha na retaguarda ampla base parlamentar — como Dilma —, pronta para barrar qualquer ameaça no Congresso.

Mas uma CPI avançou, a dos Correios, fatos se sucederam, e a Câmara cassou os mandatos de Jefferson, também mensaleiro, e do principal acusado naquela “organização criminosa” montada a fim de transferir dinheiro público — mas não só — para azeitar aquela mesma base no Congresso, o ex-ministro-chefe da casa Civil José Dirceu. Transcorria 2005. Dois anos depois, o Supremo Tribunal aceitaria denúncia do Ministério Público contra os mensaleiros. No final, Dirceu e companheiros foram condenados à prisão, entre outros, mesmo destino de Jefferson.

Mas a ideia de que escândalos de corrupção na área federal podem dar em nada parece persistir. Ao menos é o que dão, ou davam, a entender implicados no petrolão, um caso de contornos iguais ao mensalão, porém de cifras bem maiores.

Nas justificativas do Ministério Público Federal do Paraná para pedir a prisão preventiva do ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, afinal concedida, é dito que o esquema montado com a finalidade de dragar dinheiro da estatal — para políticos, partidos e funcionários da empresa — continuou a funcionar mesmo depois de ser lançada a Operação Lava-Jato, em 2014, responsável por desbaratá-lo.

Registra-se, ainda, que o ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa, outro da engrenagem do esquema, hoje em prisão domiciliar, continuou a receber propinas até 2014, apesar de ter deixado a estatal em 2012. A organização criminosa do petrolão contava, portanto, com mais gente dentro da Petrobras — de fato —, e não parecia muito preocupada com Polícia, Justiça e MP.

Porém, na dúvida, Cerveró — que continuou a negar seu envolvimento no petrolão — tomou providências para passar a familiares patrimônio imobiliário e dinheiro, motivo pelo qual terminou detido ao chegar ao Rio, de primeira classe, vindo de Londes.

Na outra importante vertente do escândalo, as empreiteiras, das quais há também executivos em prisão preventiva, repetem-se tentativas de se escapar de punições. Inclusive com ameaças. Em sua última edição, “Veja” reproduziu trechos de manuscritos de Ricardo Ribeiro Pessoa, da empreiteira UTC, um dos que estão sob custódia da PF. Neles, há registro de supostos temores do PT pelo fato de as empresas do esquema terem contribuído para a campanha de Dilma. Existem sinais de que elas também atuam, em Brasília, junto à Controladoria Geral da República e ao Tribunal de Contas da União. Mas o retrospecto do mensalão não lhes é favorável. E ainda falta muito a se saber sobre este escândalo.

Vai piorar antes de melhorar - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 16/01

Governos baixam medidas de 'ajustes' negados até a eleição; no curto prazo, investimento deve cair


A CAIXA VAI aumentar a taxa de juros que cobra de quem quer comprar casas. Não é grande coisa, não deixa de ser providência correta e, por si só, não deve ter grande impacto na procura de financiamentos. Mas pega mal. O cidadão comum entende facilmente que a casa própria vai custar mais.

Mais relevante é que a Caixa vai pisar no freio das concessões de empréstimos porque não tem mais dinheiro e o governo prometeu não fazer mais dívida a fim de financiar os bancos públicos. Em suma, trata-se de mais medidas corretas, mas estelionatos eleitorais, do "ajuste" que não viria, no caso do governo federal, ao "ajuste hídrico" de Geraldo "não vai faltar água" Alckmin.

Os "ajustes que não viriam" devem derrubar o investimento, ao menos no curto prazo.

O financiamento imobiliário até que vinha muito bem. Para pessoas físicas, o total de dinheiro emprestado crescia ao ritmo espantoso de 27% ao ano até novembro, dado mais recente. Fica longe do ritmo ainda mais inviável de 55% do final de Lula 2. O total de dinheiro emprestado, "estoque de crédito", a taxas de mercado porém encolhe, em termos reais.

Os aumentos dos juros nos bancos públicos devem derrubar ainda mais o investimento (formação bruta de capital fixo, FBCF, novas instalações produtivas, equipamentos etc.). Em 2014, até o terceiro trimestre, a FBCF caía 7,4% em relação a 2013. Caía mesmo com as taxas de juros de vovó para neto que o BNDES cobrava das grandes empresas amigas do nacional-empresismo. Em novembro, a taxa para financiar investimento era de 7,2% ao ano. Descontada a inflação, de 0,6% ao ano: o governo dá dinheiro.

O investimento não deve padecer apenas de juros mais altos. O governo pretende cobrar imposto sobre instrumentos de captação de recursos (letras rurais e imobiliárias), o que vai encarecer investimento. A desvalorização do real encare- ce máquinas e equipamentos importados.

Há ainda salseiro provocado pela revelação da bandalheira da Petrobras, entre outros desarranjos que o governo provocou na empresa. A petroleira já anunciou que vai investir menos. Sem crédito, não terá como tomar mais empréstimos e, enfim, não há como investir tanto mais estando tão endividada e com o preço do petróleo no chão. O crédito lá de fora tem se tornado mais escasso para empresas brasileiras, inclusive por causa do rolo da Petrobras.

As empreiteiras estão enroladas, algumas pensam em recuperação judicial. A desordem na Petrobras causa imenso tumulto: as empresas dependentes da petroleira estão demitindo, não pagam pessoal e fornecedores. Uma baderna em um setor que pesa muito no investimento total. Melancia do bolo, o governo vai ter de cortar seus investimentos também.

Para que o investimento não apanhasse de novo neste ano, seria preciso uma recuperação apoteótica e operística da confiança, no curto prazo inviável, pois todo o mundo ainda espera para ver no que vai dar o "plano real" do ministro da Fazenda. Uma desvalorização mais acentuada do real, que deve vir, vai reordenar preços e rentabilidades, o que deve ajudar a recuperação econômica, mas não tão cedo.

A travessia vai ser difícil.

Fraqueza na economia - CELSO MING

O ESTADÃO - 16/01

Comportamento do emprego e ritmo de crescimento do PIB têm relação entre si, mas são movimentos que podem divergir; Agora, por exemplo, o Brasil vive situação de quase pleno-emprego, num quadro de lamentável crescimento econômico.


O crescimento econômico (avanço do PIB) é uma obsessão recente dos responsáveis pela política econômica em todo o mundo. Desde David Ricardo (início do século 19), a Economia Política tratava preponderantemente das condições do fator Trabalho e não do avanço da renda nacional (avanço do PIB). Era preciso dar o que fazer para a população que abandonava a atividade rural e migrava para as cidades.

Até o mais celebrado economista do século 20, John Maynard Keynes, mesmo na maior depressão conhecida (a dos anos 30), não olhava especialmente para o crescimento econômico. Olhava para o emprego. Sua grande obra intitula-se Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.



O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), criado em 1913, está obrigado por lei a regular o volume de moeda na economia tendo em vista não só o controle da inflação, mas, também, o nível adequado do emprego – e não propriamente o da atividade econômica.

Comportamento do emprego e ritmo de crescimento do PIB têm relação entre si, mas são movimentos que podem divergir. Agora, por exemplo, o Brasil vive situação de quase pleno-emprego (desocupação de apenas 4,8% em novembro), num quadro de lamentável crescimento econômico. Em 2014, o avanço do PIB deverá ficar em torno de zero e, em 2015, dificilmente chegará a 1%.

Nesta quinta-feira, o Banco Central divulgou seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), um medidor mais ágil do ritmo do PIB, uma vez que o IBGE só o divulga de quatro em quatro meses e, ainda assim, 100 dias depois de fechado o trimestre. O que se viu pelo IBC-Br foi um crescimento em novembro de 0,04% em relação ao mês anterior (veja o gráfico). Foi algo mais do que o esperado, mas, ainda assim, de longe insuficiente para garantir um nível sustentável de recuperação.

Apesar da melhora dos índices de confiança na política econômica do governo, as perspectivas de avanço do PIB brasileiro são irrisórias. A média dos prognósticos mais recentes de cerca de 100 instituições aferidas semanalmente pela Pesquisa Focus, do Banco Central, aponta um avanço do PIB de apenas 0,4% para 2015.

Atividade fraca não equivale a emprego fraco, como ficou dito. É verdade que a indústria está dispensando mão de obra. Em 2014, a indústria paulista demitiu 128,5 mil empregados, o equivalente a 4,9% de sua mão de obra. É o pior desempenho desde 2006. (Veja o Confira.) Como os atuais tempos de ajuste no Brasil não oferecem boas perspectivas para o avanço da atividade econômica, é provável que as demissões da indústria continuem.

Mas não dá para extrapolar esse movimento da indústria para o resto da economia porque o setor que mais emprega (o de serviços) não mostra encolhimento parecido. O comportamento do mercado varejista, embora em desaceleração, continua bem mais forte do que o da indústria e isso é indicação de que a atividade econômica ainda está fortemente influenciada pelas transferências de renda do governo.

CONFIRA:


Aí está a variação do emprego industrial no Estado de São Paulo.

Bomba cambial
Nesta quinta, o Banco Nacional da Suíça (BNS, banco central) suspendeu a intervenção no câmbio, movimento inesperado que provocou a valorização do franco suíço em nada menos que 18% em relação ao euro num único dia. A decisão mostra que o BNS não conseguiu evitar a grande procura por francos e deixou que o mercado a regulasse. A principal consequência é a forte perda de competitividade da indústria (e do turismo) em relação ao resto da Europa e dos Estados Unidos.

Pauta para o Brasil ser mais competitivo - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 16/01

Estudo da Confederação Nacional da Indústria que compara o Brasil com 14 nações com as quais concorre diretamente mostra que o país se mantém no penúltimo lugar

O novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior, Armando Monteiro, já esteve à frente de uma das principais entidades empresariais do país: a Confederação Nacional da Indústria. E é de responsabilidade da CNI um dos estudos que melhor retratam a situação do setor no país, comparando a competitividade do Brasil com a de 14 outras nações com as quais concorre mais diretamente. A conclusão do estudo dá bem uma ideia do desafio que Monteiro tem pela frente, para que o Brasil volte a ter uma participação mais expressiva no comércio internacional.

Considerando oito itens, entre os quais custo da mão de obra, peso dos impostos e ambiente macroeconômico, a CNI elabora um indicador de competitividade. Na quarta edição desse estudo, o Brasil permaneceu na penúltima colocação, superando apenas a Argentina. À frente do Brasil estão Canadá, Colômbia, México, Polônia, Turquia, Índia, Rússia, África do Sul, Chile, China, Espanha, Austrália e Coreia do Sul.

Há três anos, o Brasil se mantém no nada honroso penúltimo lugar, embora tenha melhorado em alguns itens. No ambiente microeconômico, passou de décimo terceiro para décimo primeiro lugar; no fator que avalia a disponibilidade e o custo da mão de obra, subiu de sétimo em 2013 para quarto lugar em 2014; e no peso dos impostos saiu da décima quarta para décima terceira posição.

No entanto, piorou na infraestrutura (de 13ª para a 14ª posição) e no ambiente macroeconômico (de 10º para o 12º lugar), permanecendo em último lugar na disponibilidade e custo de capital, em face da elevação das taxas de juros.

Embora a mão de obra esteja mais disponível e custando relativamente menos, a competitividade da economia brasileira fica comprometida pela baixa produtividade dos trabalhadores, que, nessa lista, só está acima da que se observa na Índia e na China.

Chama a atenção o fato de o país ter retrocedido nos processos de liberação alfandegária, na capacidade logística, no cumprimento de prazos e na rastreabilidade das mercadorias. Englobando todos esses subitens, o Brasil caiu da 8ª para a 13ª posição.

No caso do peso dos impostos, não se pode dizer que houve propriamente uma melhora, pois o que ocorreu foi uma piora expressiva da Espanha, onde o conjunto de impostos pagos pelas empresas aumentou de 38,7% para 58,2%. E assim o Brasil passou para o13º posto e a Espanha, 14º, uma troca de posições.

Como se observa nos resultados desse estudo, a economia brasileira não depende apenas de iniciativas de política econômica para ganhar competitividade. Muito pode ser feito na qualificação da mão de obra, na infraestrutura de transportes e na agilização de processos burocráticos. Uma pauta que está ao alcance do Ministério do Desenvolvimento. E para ser posta em prática com rapidez.

Devagar, quase parando - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 16/01

Uma das inverdades mais repetidas pela presidente Dilma Rousseff, o mito de um Brasil em crescimento num mundo em recessão, continua sendo desmentida por números oficiais. A estagnação da economia foi mais uma vez confirmada pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), usado por especialistas do setor privado como prévia do Produto Interno Bruto (PIB). Esse índice cresceu 0,04% de outubro para novembro, quase nada, e ficou 0,49% abaixo do nível de um ano antes, na série depurada de efeitos sazonais. Encolheu 0,12% no ano e diminuiu 0,01% nos 12 meses até novembro. Com esse quadro se reforça, de novo, a estimativa de crescimento econômico muito próximo de zero em 2014. Os dados conhecidos, ainda incompletos, confirmam a avaliação de um fecho desastroso para o primeiro mandato da presidente reeleita - um final de ópera dramática para uma comédia de erros.

O enfraquecimento da indústria e o corte de empregos industriais tornam o cenário especialmente sombrio. No mundo avançado, o fenômeno rotulado como desindustrialização é explicável principalmente por dois fatores: 1) a transferência de fábricas para economias onde a mão de obra é mais barata e as políticas ambientais, menos severas; e 2) a expansão de um setor de serviços moderno, produtivo e em boa parte vinculado ao desenvolvimento de novas tecnologias. Embora diferentes, os dois fenômenos afetam de maneira semelhante a composição estatística do PIB nos países desenvolvidos. O caso brasileiro é outro.

No Brasil, a palavra desindustrialização designa, principalmente, o enfraquecimento da atividade fabril. A indústria foi, durante muitas décadas, o foco principal de modernização da economia - pela diversificação da oferta de produtos, pela mudança tecnológica e por seus efeitos na dinâmica social e na conformação institucional do País. Os maiores ganhos de produtividade, nos últimos 30 anos, ocorreram na agropecuária, mas esse avanço consistiu, essencialmente, na absorção de padrões industriais pelas atividades do campo.

A agropecuária se mantém produtiva e com bom desempenho pelos padrões internacionais, mas a indústria, principalmente a de transformação, perdeu competitividade, exceto em alguns segmentos, como o aeronáutico. A perda de poder de competição reflete essencialmente as deficiências e erros da política econômica e as limitações impostas pelo ambiente de negócios. Mais de meio milhão de estudantes com nota zero na prova de redação, no último Exame Nacional do Ensino Médio, são parte do cenário.

Números oficiais mostram também a peculiar desindustrialização brasileira. A produção industrial diminuiu 0,4% de outubro para novembro e ficou 5,8% abaixo do valor de novembro de 2013. Além disso, encolheu 3,2% tanto em 12 meses quanto no acumulado de janeiro a novembro. Nos três anos anteriores o desempenho do setor já havia sido muito ruim.

O déficit comercial de US$ 3,93 bilhões no ano, o primeiro depois da série de superávits iniciada em 2001, resultou do fracasso da indústria no comércio internacional. Em 2014, o superávit do agronegócio foi insuficiente para compensar o mau desempenho da maior parte do setor industrial.

Um dos efeitos do enfraquecimento da indústria foi o corte de pessoal, com deterioração da qualidade média do emprego. A maior parte das vagas abertas nos últimos anos foi associada a ocupações de baixa tecnologia e escassa produtividade.

A divulgação do IBC-Br de novembro coincidiu com a publicação, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de mais uma pesquisa de emprego industrial. Em novembro, o contingente empregado na indústria foi 0,4% menor que em outubro e 4,7% inferior ao de um ano antes. No setor, o número de assalariados diminuiu 3,1% no ano e 3% em 12 meses.

A presidente talvez continue alardeando a criação de postos de trabalho. Uma informação mais completa acrescentaria: postos abaixo de medíocres, com baixa produtividade e salários muito modestos. Será essa a economia de seus sonhos?

Filhos do inferno - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 16/01

Quando já parece ter feito mais que o suficiente para horrorizar pessoas de todo o mundo, o extremismo islâmico consegue superar novos limiares de abjeção.


As gravações em que fanáticos do Estado Islâmico (EI) preparavam-se para decapitar soldados sírios ou reféns ocidentais correram pelas emissoras de TV em toda parte --e voltam a chamar a atenção poucos dias depois do odioso atentado contra o "Charlie Hebdo".

Chamam a atenção novamente, mas com um acréscimo pavoroso. Divulgam-se agora (como sempre, a autenticidade dos vídeos não está comprovada) cenas em que a execução não mais está entregue às mãos de adultos sanguinários.

Um garoto --terá seus 11 anos-- é quem empunha a pistola com que fuzila dois prisioneiros. A primeira reação do espectador é de incredulidade: ainda há candidez e beleza nos traços daquela criança.

A expressão do rosto, todavia, não ilude. Com segurança implacável, a arma é apontada para os supostos espiões russos; a exemplo de outras produções da Al-Hayat, ramo midiático do EI, o momento da execução não é mostrado.

Será tudo uma farsa, destinada a intimidar os corações mais sensíveis da opinião pública? Não se deve descartar a hipótese. Mas não é incomum, lamentavelmente, que fanáticos e assassinos recrutem crianças para suas tarefas.

Pode-se lembrar o caso da Frente Revolucionária Unida em Serra Leoa, à qual meninas serviram como combatentes e escravas sexuais, nos anos 1990. No Sudão do Sul, prossegue o recrutamento de meninos em campos de refugiados.

Por que ir tão longe, pode-se pensar, quando nas favelas brasileiras o tráfico de drogas alista, à vista de todos, adolescentes para que, de metralhadora em punho, exaltem a falência do Estado?

A resposta não é fácil. Talvez porque estejamos habituados à presença de menores armados cometendo crimes nas ruas do país, mas não à gratuidade do assassinato cometido por cegueira, por fanatismo religioso, num ritual a frio.

A diferença é real. Será idêntico, entretanto, o que há ainda de tocante e delicado nos rostos de cada criança instrumentalizada pelo crime e pelo extremismo. Algoz e vítima se integram numa mesma pessoa, nem sequer formada, mas já pronta para a morte.

De volta para casa - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SSP - 16/01


Parte do PSB intensificou a pressão para que o partido reate as relações com o governo Dilma Rousseff, do qual se afastou em 2013, quando decidiu lançar a candidatura de Eduardo Campos à Presidência. O grupo que pretende rever o rompimento com o PT é capitaneado pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PE), que já conversou sobre a reaproximação com Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Jaques Wagner (Defesa) e deve sentar-se ainda com Ricardo Berzoini (Comunicações).

Gravidade 

Pessebistas defendem uma articulação a "médio prazo" para levar o partido de novo ao campo petista. "Essa não é a história do PSB. Nos últimos 15 anos, nossa postura foi de aproximação com o PT", afirma um outro dirigente da sigla.

Péra lá 

O grupo ainda precisa convencer parte da ala pernambucana do partido, liderada pelo governador Paulo Câmara e pelo prefeito da capital, Geraldo Julio. Por ora, eles defendem a manutenção da independência.

Replay 

Um petista que acha que Lula não deve ser candidato em 2018 justifica que o ex-presidente só tem a perder num novo mandato: "Ele vai correr o risco de deixar de ser o Felipão que ganhou a Copa em 2002 para virar o que tomou 7 a 1?".

Cordão... 
Nas primeiras conversas que teve com caciques governistas no Congresso, Pepe Vargas (Relações Institucionais) reforçou orientação para barrar qualquer esforço de criação de uma nova CPI da Petrobras.

... sanitário 
A ordem é manter atenção total a movimentos da oposição e do PMDB e, principalmente, convencer o PT e aliados a adotar um discurso firme contra a abertura de outra comissão

Foi mal 
Juca Ferreira (Cultura) telefonou para Vargas para se desculpar ao saber que o cerimonial do ministério havia esquecido de citar o colega em sua posse.

Todo ouvidos 
Joaquim Levy vai a São Paulo na segunda-feira escutar empresários na sede da Fiesp. O ministro assumiu a Fazenda prometendo sanar a falta de diálogo com o setor produtivo.

Chão... 
Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Manoel Dias (Trabalho), Carlos Gabas (Previdência) e Nelson Barbosa (Planejamento) desembarcam em São Paulo no mesmo dia para tentar reduzir o mal-estar com as centrais sindicais pela mudança nos benefícios trabalhistas.

... de fábrica 
Os sindicalistas querem negociar a redução da carência de seis meses de trabalho imposta pelo governo para a concessão do seguro-desemprego.

Molécula 1 
Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia) indicou Hernan Chaimovich para presidir o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), no lugar de Glaucius Oliva.

Molécula 2
Doutor em Ciência da Biologia, professor titular do Instituto de Química da USP e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, Chaimovich vai comandar o órgão que integra o Ciência sem Fronteira, programa vitrine da pasta.

Supersincera 
De Livia Galdino, número dois de Jean Madeira (PRB) na Secretaria de Esporte de Geraldo Alckmin, durante a campanha de 2014: "O PSDB acabou com a luz no Brasil e, agora, vai acabar com a água também. O que será da gente?".

Feirão 
Um ano depois de comprar 94 carros novos para os deputados, a Assembleia paulista ainda tenta se desfazer dos antigos --que vão a leilão de novo nesta sexta. O lote foi avaliado em R$ 1,8 milhão, 40% a menos do que na primeira tentativa.

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

TIROTEIO

"O PT diz que Alckmin demorou a agir, mas só agora Haddad começa a pensar em como contribuir. Faltou competência ou vontade?"

DO VEREADOR MÁRIO COVAS NETO (PSDB-SP), sobre declaração de Fernando Haddad de que a prefeitura estuda introduzir multa para desperdício de água.

CONTRAPONTO

Estranho no ninho

Em 2003, o então presidente da ANA, Jerson Kelman --hoje chefe da Sabesp-- participou de uma reunião com Lula para discutir a transposição do São Francisco. Remanescente da gestão FHC, decidiu fazer uma crítica:

--A transposição só se justifica se estiver associada a um melhor uso dos recursos hídricos já disponíveis...

Depois de um silêncio constrangedor, ele cochichou para Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia:

--Com essa fala, encerrei minha carreira.

Ela devolveu, também cochichando.

--Você não conhece o Lula. É o contrário!

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“A atual presidente da Petrobras realizou operações semelhantes”
Nestor Cerveró, ao afirmar que Graça Foster também transferiu imóveis aos filhos


Exército ignora MPF e se sujeita a ação judicial

A relutância do Comando do Exército em cassar condecorações dos mensaleiros condenados por corrupção, como José Genoino, como determina o decreto 4.207/02, pode parar na Justiça. Milicos ignoraram a interpelação da procuradora da República Eliana Pires Rocha, cobrando explicações pelo fato de as condecorações dos mensaleiros não terem sido cassadas automaticamente, como determina a Lei.

Não é comigo

O prazo do Exército para responder ao ofício do MPF, encaminhado em 16 de dezembro, terminou ontem sem qualquer satisfação.

Colher de chá

A Procuradoria da República do DF explica haver uma tolerância antes de uma ação judicial, mas a procuradora é quem decidirá o prazo.

General com medo

O general Enzo Peri não cumpriu o decreto com medo de desagradar Dilma. E passou a bola ao substituto, general Eduardo Villas Bôas.

Risco calculado

Enzo Peri ignorou a interpelação encaminhada a ele, por isso o ex-comandante do Exército pode responder até por prevaricação.

Impeachment de Dilma soma 1.481.606 adesões

Apesar das manobras do site de abaixo-assinados Avaaz, controlado por petistas, pedido de impeachment de Dilma Rousseff da Presidência da República já totaliza 1.481.606 adesões. No Brasil, o Avaaz é chefiado pelo petista Pedro Abramovay, ex-secretário Antidrogas, e há denúncias de manipulações para inibir adesões. Outra proposta idêntica, no site Petição Pública, já reúne 57.404 assinaturas.

Há outras

Outros, como o change.org e o manifestolivre.com.br também já têm petições e abaixo-assinados contra Dilma.

...a granel

Os sites abaixo-assinado.org e o euconcordo.com também hospedam abaixo assinados pedindo o impeachment de Dilma.

Deu barato

A liberação do canabidiol é excelente para dezenas de pacientes, mas o noticiário exagerado mal disfarça a alegria da “torcida” pró-maconha.

Almoço

Presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard dividiu ontem a mesa de almoço no “Mosteiro”, no Rio, com ex-diretores, um lobista e Nelson Tanure, empresário de muitas facetas e ex-dono de estaleiro. De comida eles não falaram.

Ficou muda

No Fórum de Agronegócios em 2013, Kátia Abreu mirou o grupo Friboi e atacou a “concentração de recursos” do BNDES em grandes frigoríficos. Hoje ministra da Agricultura, não quis comentar o assunto.

Poder estatal

Reportagem do jornal Financial Times mostrou que o BNDES é sócio importante das maiores empresas “privadas” brasileiras, como Vale, Lojas Americanas e de quase todas as telefônicas e empreiteiras.

Dólar em falta

Na primeira semana de janeiro não se encontravam dólares à venda no Banco do Brasil. Um leitor procurou três agências, incluindo a sede em Brasília. Foi inútil. Foi aconselhado a procurar agências de câmbio.

Líder sem liderança

José Pimentel (PT-CE) deixará a liderança no Congresso para tentar ser vice-presidente do Senado. O PT quer trocar seu cargo, inútil (nem fala com Dilma), pela liderança do governo na Casa, hoje do PMDB.

Direto ao que importa

Dirigentes do PMDB estão focados nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado, daqui a duas semanas, como única solução para o partido manter sua influência no governo Dilma II.

TAP à venda

O governo português voltou a colocar a TAP à venda, e as brasileiras Avianca, Azul e GOL já manifestaram interesse. Novas condições foram impostas: o comprador não poderá vender suas ações por cinco anos e demissões devem ficar suspensas enquanto o Estado for acionista.

Ele acreditou

Ricardo Ferraço (PMDB-ES) acreditou que Renan Calheiros não queria continuar na presidência do Senado e se lançou candidato. Percebeu agora que lhe resta a chance de presidir uma boa comissão temática.

Pensando bem...

... se a roubalheira na Petrobras não parou, como diz o MPF, vale a pena a Polícia Federal verificar se o Mensalão também continua no Congresso.


PODER SEM PUDOR

Presentes inúteis

Advogado que atuou nos tribunais superiores de Brasília, Werner Becker era vereador de oposição em Porto Alegre, nos anos de chumbo, e vivia às turras com um arenista provocador, Jorge Goularte, um ex-sargento conhecido pela truculência. Certa vez, durante uma discussão no plenário, Goularte tentou ironizar o fato de Becker ser emérito apreciador de uísque:

- Vou oferecer ao senhor algo inútil: um copo de leite!

Werner Becker reagiu na bucha, arrancando gargalhadas gerais:

- E eu vou oferecer a você um livro!

quinta-feira, janeiro 15, 2015

Falta um - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 15/01

A prisão de Nestor Cerveró, ex-diretor da área Internacional da Petrobras indicado pelo PMDB, coloca na cadeia o segundo dos três ex-diretores da estatal envolvidos nos escândalos da empresa. Paulo Roberto Costa, ligado ao PP, já estava preso, e falta agora Renato Duque, indicado pelo ex-ministro José Dirceu para a Diretoria de Serviços da Petrobras. Umbilicalmente ligado ao PT, teve o que poderia se interpretar como um tratamento diferenciado, ao receber habeas corpus para se livrar da prisão.

Cerveró, antevendo uma condenação, transferiu bens para terceiros, buscando livrá-los do confisco, na tentativa de fazer letra morta dispositivos legais como os incisos I e II, alínea b, e parágrafo primeiro do artigo 91 do Código Penal, que dizem: "São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direto do lesado ou de terceiro de boa-fé: (..) b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. § 1*? Poderá ser decretada a perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior"

Esse artigo do Código Penal trata do confisco de bens auferidos pelo condenado com a prática do crime. Agiu bem, portanto, o Judiciário ao decretar a sua prisão preventiva, com fundamento no artigo 312, caput, do Código de Processo Penal, assim redigido: "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria"

O delegado Igor Romário de Paula, da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, afirma que Cerveró fez movimentações financeiras para conseguir dinheiro vivo, e que isso poderia indicar que o ex-diretor planejaria uma fuga, ou tentaria tornar seu patrimônio mais líquido, o que, dessa forma, o protegeria.

A prisão teve como fundamento "negócios que ele fez posteriormente à saída do Brasil, que financeiramente eram inviáveis e indicavam a tentativa de liquidar o patrimônio para enviar ao exterior ou aplicar em outros negócios" Esses negócios foram detectados em dezembro do ano passado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão ligado ao Ministério da Fazenda) quando ele já estava em Londres; o Coaf alertou a Polícia Federal sobre a solicitação de Cerveró de resgate de uma operação ligada à previdência privada que inicialmente tinha valor de R$ 600 mil, mas que no momento registrava prejuízo de R$ 200 mil.

A investigação da Lava-Jato tem outros pontos estranháveis além da liberdade de Renato Duque, e todos ligados ao PT.

Além de Duque ser o único dos ex-diretores não presos, outro ponto que causa estranheza é que, segundo as delações premiadas, seriam três os negociadores dos partidos políticos dentro da Petrobras. Pelo PT, agia João Vaccari, tesoureiro do partido; pelo PMDB, Fernando Baiano; pelo PP, Adarico Negromonte, irmão do ex-ministro Mario Negromonte. Baiano e Negromonte foram presos, mas nada aconteceu até agora com Vaccari.

Finalmente, estranha-se a ausência da Odebrecht, de todas as empreiteiras a mais ligada ao ex-presidente Lula, e uma das maiores do país, na relação das que têm seus diretores presos no Paraná. Esses fatos podem indicar uma tentativa de blindagem para que as investigações não cheguem aos principais responsáveis pelo petrolão - ou, como circula à boca pequena, um cuidado especial da Polícia Federal, do Ministério Público e do juiz Sérgio Moro no recolhimento de provas para o envolvimento de autoridades maiores. Uma investigação especial estaria sendo feita sobre a Odebrecht.


O povo não é bobo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 15/01

Os que estão no governo querem mesmo é censura prévia ou, como se diz por aí, controle social da mídia


“Sim, eu sei o que fazem os editores, eles separam o joio do trigo e publicam o joio". A frase clássica de Adlai Stevenson, político americano do Pós-Guerra, pode ser utilizada com variadas intenções. Trata-se, claro, de uma divertida crítica à qualidade da imprensa. Por aí, as verdadeiras notícias estariam na lata de lixo das redações e, lógico, a sociedade ficaria sempre mal informada.

Mesmo quando não admitem, políticos de todas as tendências concordam com Stevenson. Os que estão no governo, então, acham que a frase é perfeita e justifica medidas corretivas. Não é censura, dizem, apenas encontrar meios para melhorar a qualidade da imprensa.

Conversa. O que querem mesmo é censura prévia ou, como se diz por aí, controle social da mídia.

Jornalistas estão o tempo todo decidindo, primeiro, o que se vai apurar, segundo, o que se vai publicar e, terceiro, como se vai apresentar a notícia.

Tudo considerado, caímos na mais antiga questão da profissão: o que é notícia? Há várias respostas clássicas produzidas por jornalistas:

— Se o cachorro morde o homem, não é notícia, se o homem morde o cachorro, é;

— Notícia é tudo aquilo que alguém não quer ver publicado, o resto é propaganda;

— Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados (Millôr Fernandes);

Examinamos essas teses em coluna aqui publicada em 22/12/2011, com o título “O povo não é bobo". Também pode ser encontrada no arquivo de www.sardenberg.com.br.

A questão hoje é anterior: quem decide o que é notícia? Os patrões, os donos dos jornais, rádios, TVs e sites — diz o pessoal que quer introduzir a censura prévia, perdão, o controle social.

Sim, há veículos nos quais as redações são instruídas a publicar apenas o que os patrões consideram a notícia correta. Exemplo? Todos os veículos cujo patrão é o governo — a conhecida imprensa chapa-branca.

Somos contra a censura prévia e/ou “controle social" — o leitor já terá notado — mas se a regra for introduzida, a aplicação tem que começar pelos veículos do governo. Estes publicam um enorme joio, as versões oficiais: ninguém rouba nada, não há mensalões nem petrolão, tudo funciona e, se não funciona, é por causa da seca, do azar, do mundo, da oposição ou da imprensa do contra.

Ainda tem aí uma baita farsa. O verdadeiro patrão é o povo, que paga os impostos e assim financia a chapa-branca. Mas os políticos, governantes de plantão, usurpam o papel de patrões e controlam essa mídia no interesse dos respectivos partidos. Sim, foram eleitos, e por isso representam a população. Mas, numa democracia, não podem esquecer que tiveram o voto de parte dos eleitores, havendo, pois, uma outra parte que merece respeito — e informação não partidária.

A saída — segundo uma velha tese — é colocar os veículos do governo sob controle de um comitê com representantes dos diversos partidos, em número proporcional aos votos por eles conseguidos.

Esqueçam. Não funciona. Um veículo público assim dirigido vai noticiar não uma, mas várias versões oficiais, o joio do governo e o da oposição. Duplo desperdício de dinheiro do povo.

Há quem recomende a proibição legal: governos, federal, estaduais ou municipais, não poderiam editar veículos de informação geral — de suposta informação geral, no caso. A TV pública, por exemplo, divulgaria apenas programas educativos, cursos e informação efetivamente pública, como campanhas para combater a dengue, chamada para vacinação, previsão do tempo, instruções para agricultores e assim por diante.

Seria mais barata e mais útil.

Outros sugerem que os veículos do governo sejam, afinal, dirigidos como os da imprensa privada de qualidade — aquela cujos jornalistas são guiados por um código formal ou informal, com o objetivo de apurar e publicar o que é notícia ou opinião relevante.

Na prática, é difícil conseguir tal isenção no setor público. Além disso, se a TV pública vai fazer a mesma coisa que a TV privada faz, por que gastar dinheiro do contribuinte com a primeira?

O que retorna a questão: como garantir que os jornalistas escolham o trigo? Ou como a lei pode garantir a qualidade da imprensa?

Não pode. A lei tem que garantir a liberdade da imprensa e, sim, dos jornalistas. A qualidade — ou, a notícia de interesse, publicada de forma correta, isenta e independente —, isso depende do público, do leitor, ouvinte, telespectador e internauta.

O povo não é bobo, sabe onde buscar a informação. Olhem as audiências. É eloquente a audiência zero dos noticiários das TVs púbicas. É evidente a baixa credibilidade dos veículos que só divulgam a voz do dono, seja o governo ou a empresa privada.

O tema seguinte é: como distinguir e quem pode distinguir entre ofensa e crítica? Na próxima.

Professor aloprado - DORA KRAMER

O Estado de S. Paulo - 15/01

É a velha, batida, mas imprescindível lição que político bom no ramo não dispensa: a esperteza quando é muita vira bicho e come o dono. Há outras duas a completar uma trinca de ouro: só bobo briga e segredo é a alma do negócio.

No afã de pôr em prática um plano para enfraquecer o PMDB a fim de retirar oxigênio do partido, reformular o perfil da aliança, reforçar partidos até então periféricos e alimentar a criação de novas legendas, o governo violou as três regras.

Os articuladores do Planalto só faltaram anunciar no Diário Oficial suas pretensões, tão atabalhoados e explícitos foram os gestos para alijar o principal aliado. A presidente Dilma Rousseff cuidou da arrumação na área econômica e deixou a política a cargo do chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

Jogou o PMDB para a periferia ministerial, concentrou no Palácio o poder decisório político e de interlocução com o Congresso com pessoas da estrita confiança presidencial, mas sem a necessária experiência nem o indispensável trânsito no Parlamento.

A prova na incompetência está na queimada na largada. O PMDB captou de início o plano. E, ao perceber, se uniu. O movimento para enfraquecer, fortaleceu como se viu na manifestação da executiva do partido em prol das candidaturas às presidências da Câmara e do Senado. O recado foi direto: quaisquer hostilidades dirigidas aos candidatos, notadamente ao deputado Eduardo Cunha, serão interpretadas como agressões ao conjunto dos pemedebistas.

Em miúdos, disse o seguinte: "Mexeu com ele, mexeu conosco". A declaração de guerra de quem pode estar prestes a renovar a posse do comando de um dos Poderes da República não seria necessária se entre os arquitetos palacianos não vigorasse a enganosa tese de que os líderes do PMDB são provincianos a serem passivamente passados para trás em troca de migalhas de fisiologismo.

Pois se a ideia era enfraquecer, os fatos mostram que o Planalto até agora só conseguiu fortalecer o partido. Por exemplo, a manobra trouxe de volta à cena o ex-deputado Geddel Vieira Lima, oposicionista até então atuando só nos bastidores e desde ontem autorizado a dar em nome do partido declarações tais como "o PMDB vai olhar com lupa" as atitudes do governo a partir do momento em que assumir o comando do Congresso.

A manifestação da executiva quer dizer também que os ministros do PMDB, mesmo os nomeados à revelia da direção, não fiquem à vontade para atuar em prol dos interesses do governo quando esses contrariarem os do partido, pelo simples fato de que não se respeitou a regra do segredo como a alma do negócio.

Gilberto Kassab e Valdemar Costa Neto, patrocinadores de novas legendas a serem criadas com o objetivo de aliciar parlamentares da oposição e do PMDB, podem até ser braços armados pelo Planalto. Mas, diante de urdidura tão explícita, é de se perguntar se raposas desse jaez estariam dispostas a brigar com os presidentes da Câmara e do Senado para prestar serviço ao Planalto.

Talvez prometam, mas provavelmente não entreguem a mercadoria.

Inglórios. Antigamente a chefia da Casa Civil era um trampolim para o sucesso. Na administração do PT passou a ser uma máquina de moer carne. À exceção de Dilma Rousseff, todos os que chegaram ao posto cobertos de glórias saíram moídos de lá.

Dos soberbos aos discretos: José Dirceu, Antônio Palocci, Erenice Guerra e Gleisi Hoffmann deram-se mal.

Cerveró. Com a queda, um a um, dos personagens do escândalo da Petrobrás, outros galos cantariam na hipótese de uma nova CPI sobre a estatal.

O preço do erro - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/01

É incrível, mas houve quem comemorasse a alta de 6,41% da inflação em 2014, mesmo com o PIB perto de zero. Esse é um resultado muito ruim e não é toda a verdade, porque parte dos reajustes ficou para 2015. Há uma grande batalha neste ano para inverter a tendência da inflação. Em janeiro, o número deve ficar em torno de 1%, o que deve levar o dado em 12 meses para perto de 7%.

No ano passado, o índice ficou acima do teto da meta por cinco meses; no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff foram 15 meses. Esse resultado é preocupante porque a economia cresceu muito pouco e terminou 2014 estagnada. Há muitas pressões de preço este ano, e uma delas, como todos sabem, é das tarifas de energia. O governo terá que enfrentar o problema acumulado para alcançar o "realismo tarifário".

Durante a campanha, Dilma acusou os adversários de estarem preparando um tarifaço. Pois é. O jornal "Valor Econômico" disse o preço da energia pode subir 40%, o ministro Eduardo Braga disse que não chegará a tanto. O especialista Paulo Steele, da consultoria TR Soluções, ouvido em meu blog, calcula que na média nacional será 28%, mas em alguns estados, como Rio Grande do Sul, pode chegar a 55%.

A atual equipe econômica não pode ser acusada por estes problemas, porque ela está corrigindo erros e eliminando os "jeitinhos" dados na economia e que minavam a confiança na sua solidez. Houve "pedaladas" fiscais e de preços: ou seja, custos e correções foram jogados para os exercícios futuros, para construir falsos números.

O fato é que a taxa de 6,41%, apesar de ser alta, não reflete totalmente as pressões sobre a inflação de 2014. Além da energia, a gasolina foi mantida em valores artificiais durante o primeiro governo. A alta do dólar vem sendo contida pelo programa de swaps do Banco Central. Mesmo assim, a moeda americana subiu bastante e já afeta os índices.

Para janeiro, a projeção do mercado é uma inflação em torno de 1%, por causa da alta do preço da energia e também do reajuste das passagens de ônibus. Com isso, o IPCA acumulado em 12 meses romperá novamente o teto, podendo chegar perto de 7%, de acordo com algumas projeções.

A inflação brasileira está muito acima da média de países desenvolvidos e de outros países emergentes, sejam da América Latina ou da Ásia. O risco mundial hoje é outro, de deflação, como se vê na Europa, no Japão e nos Estados Unidos. Exceto Argentina e Venezuela, os outros países da região têm desempenho melhor do que o Brasil.

Em seis capitais, o índice de 2014 ficou acima do teto. No Rio de Janeiro, chegou a 7,6%. Em Goiânia, 7,2%. A taxa mais baixa foi a de Salvador, com variação de 5,76%, ainda distante da meta, que é 4,5%. Os alimentos subiram 8%, as despesas pessoas, 8,39%, e os gastos com educação aumentaram 8,45%. O grupo saúde e cuidados pessoais aumentou 6,97%.

A melhor notícia para a inflação deste ano vem de fora. O derretimento do preço do petróleo no mercado internacional. Em situações normais, o preço da gasolina despencaria no Brasil - como está caindo em outros países - mas aqui, se cair, será pouco porque o governo deve aumentar a Cide, e a Petrobras precisa recuperar o que perdeu em anos anteriores, quando vendeu gasolina abaixo do preço que teve que pagar.

Os novos ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central terão um duro trabalho pela frente para corrigir os problemas que se acumularam na economia. A boa notícia é que eles estão determinados a enfrentar e corrigir distorções, mudar as escolhas e buscar uma inflação mais baixa e maior crescimento. Não conseguirão isso da noite para o dia. É fácil fazer o errado; o certo leva mais tempo.


O Brasil muito mal na economia regional - ROBERTO MACEDO

O ESTADO DE S.PAULO - 15/01

A Comissão Econômica da América Latina (Cepal), da ONU, divulgou no mês passado o seu Balanço Preliminar das Economias da América Latina e Caribe - 2014 (em espanhol e resumo em português). Nos últimos anos esse balanço mostrou contínua deterioração da economia brasileira nesse contexto regional. O de 2014 novamente deixa ainda mais clara essa percepção.

É muito importante que esse documento receba maior divulgação, pois por muito tempo aqui se difundiu no público em geral uma imagem muito enganosa da economia brasileira, particularmente na propaganda eleitoral da presidente Dilma Rousseff em 2014. Ela e seus marqueteiros insistiram então numa visão da economia que exagerava poucos aspectos positivos e pintava muitos negativos como favoráveis.

Quanto ao baixo crescimento do PIB, o governo Dilma escolheu como bode expiatório a crise que, com suas sequelas, assolou a economia mundial a partir de 2008. Mas essa economia já está em recuperação há tempos. E o que os relatórios da Cepal vêm mostrando é que muitos países da América Latina (AL) e do Caribe têm desempenho bem melhor que o do Brasil, embora enfrentando as mesmas circunstâncias internacionais. O que há mesmo é uma crise econômica "made in Brazil" e resultante de uma política econômica equivocada.

O balanço de 2014 da Cepal mostra que a economia mundial cresceu à taxa média de 1,8% entre 2007 e 2010, quando a crise econômica teve maior força. Mas seguiram-se taxas médias de 2,8% (2011), 2,3% (2012), 2,4% (2013) e previsões de 2,6% (2014) e 3,1% (2015), evidenciando sua recuperação. Neste último biênio, prevê-se que o Brasil cresça 0,2% e 1%, respectivamente. Ora, com taxas tão abaixo da média internacional, no curso que tomou de política econômica o governo brasileiro foi reprovado.

Passando a outros contrastes, essa taxa de crescimento do nosso PIB em 2014, de 0,2%, está abaixo das previstas para 29 entre 34 países das duas regiões! Com tal desempenho e sua população crescendo mais que o PIB, nosso país deverá ser um dos cinco a mostrar redução do PIB por habitante. Ou seja, na média, em lugar de aumentar a renda, seu povo empobreceu no ano passado!

Quanto à inflação medida por preços ao consumidor, o Brasil também destoa, pois entre 33 países das duas regiões só 5 têm previsões de taxas anuais em 2014 maiores que a do Brasil!

Nas contas públicas, um gráfico do relatório mostra, como proporção do PIB, números da dívida pública bruta e do resultado anual para 19 países da AL, conforme previsões para 2014. O Brasil tem a maior dívida e seu déficit só é menor que o de três países!

E é campeão de taxa de juros do crédito ao consumidor! Também se prevê que aqui a expansão do crédito interno tenha ocorrido à taxa de 8,7% em 2014, taxa essa superada em 14 países da AL.

Algo de que o governo federal sempre se vangloriou é a baixa taxa de desemprego medida nas seis regiões metropolitanas mais importantes do País. De fato, as previsões dessa taxa em 2014 colocam o Brasil no grupo de cinco países com taxas inferiores a 5% da população economicamente ativa, de pessoas ocupadas ou à procura de trabalho. Mas quando se mira a taxa de emprego, a da população empregada como proporção daquela em idade de trabalho, num levantamento relativo a 2013, alcançando 22 países, o Brasil aparece como um dos quatro países com menor taxa!

Como se explica uma baixa taxa de desemprego ao lado de uma também menor taxa de emprego? Acontece que a taxa com que a população participa da força de trabalho, seja trabalhando ou procurando trabalho, está também entre as mais baixas, o que não é uma notícia boa. Assim, a baixa taxa de desemprego no Brasil esconde um problema por resolver, esse da baixa participação na força de trabalho. Inclusive de muitos jovens que nem trabalham nem estudam, a chamada geração nem-nem. Coisas boas muitos não fazem ou farão.

O fraco crescimento do PIB sintetiza os males da economia brasileira. O que fazer? Quem acompanha meus textos sabe que sempre defendi medidas para estabilizar a economia diante de seus desequilíbrios, como o mau estado das contas governamentais e uma inflação alta.

Mas estabilizar a economia não basta para fazê-la crescer. Isso se dá com investimentos para ampliar sua capacidade produtiva e gerar renda para trabalhadores e fornecedores envolvidos nessa ampliação, o que multiplica os bons efeitos do que foi investido. Os investimentos também incorporam novas tecnologias, que ampliam a produtividade dos fatores produtivos, a qual, no caso do trabalho, também pode crescer mediante educação e treinamento profissional.

Quanto a investimentos, seria fundamental que o governo fizesse a sua parte, mas aí também se sai mal na foto da Cepal. Nas previsões para 2014 sobre investimentos de governos centrais - o federal, no caso brasileiro -, de 29 governos nas duas regiões o nosso está entre os três com menores taxas de investimento público como proporção do PIB!

Com sua gastança noutras áreas, incluídos juros da dívida pública num valor próximo do triplo do que gasta com investimentos, e passando por um indispensável ajuste de suas contas, nosso governo federal revela enorme carência de recursos para investir, o que vale também para os estaduais e municipais. Nessas condições a saída, na qual há tempos insisto, é desenvolver um audacioso programa de concessões de serviços públicos e parcerias público-privadas. Também colocaria na lista um programa de desestatizações, que abordarei noutro artigo, mas adianto que incluirá algumas atividades hoje exercidas pela Petrobrás.

O Enem e a Pátria educadora - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 15/01

Os números do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2014 mostram a importância do slogan escolhido pela presidente Dilma Rousseff para seu segundo mandato - "Brasil, Pátria Educadora" - e, ao mesmo tempo, são reveladores do fracasso de seu primeiro mandato no campo da educação.

Ao todo, 8,7 milhões de alunos da última série do ensino médio inscreveram-se no Enem de 2014, mas só 6,2 milhões compareceram às provas. Em matemática, a média foi de 476,6 pontos, ante 514,1 pontos na prova de 2013 - queda de 7,3%. Em redação, a situação foi ainda pior. Na prova de 2013, a média foi de 521,2 pontos e, em 2014, de 470,8 pontos (menos da metade da nota máxima), com queda de 9,7%.

Além disso, 529.374 alunos - ou 8,54% dos participantes do Enem - tiveram nota zero em redação, cujo tema tratou da ética na publicidade infantil. Entregaram a prova em branco 280.903 estudantes. São, em grande parte, analfabetos funcionais, que não conseguiram sequer entender o enunciado da prova. Dos 6,2 milhões de participantes, só 250 conseguiram obter a pontuação máxima. Na prova de 2013, cujo tema dizia respeito às restrições impostas pela lei seca, 106.742 receberam nota zero.

Em Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Linguagens e Códigos, as médias foram um pouco superiores às registradas em 2013. As variações foram de 2,3%, 5,4% e 3,9%, respectivamente. No quadro geral, considerando as cinco provas aplicadas, a média de 2014 foi de 499 pontos, ante 504,3 pontos na prova anterior - uma queda de 1%.

Na prática, os números do Enem - que serão utilizados para ingresso no ensino superior - apontam as deficiências dos alunos da 3.ª série do ensino médio em capacidade de leitura e escrita e no domínio de técnicas matemáticas elementares. Mostram ainda que, além de não saber escrever e compreender o que leem e de conhecer pouco mais do que as quatro operações aritméticas, os estudantes chegam ao fim do ensino básico sem dominar conceitos fundamentais de ciência e sem saber aplicar o que aprendem na resolução de problemas práticos da vida cotidiana. "Não dá para fugir ou camuflar", disse o ministro da Educação, Cid Gomes, depois de reconhecer que a qualidade da rede de ensino público está "aquém do desejável".

Apesar de retratar um quadro trágico, os resultados do Enem não são novidade. A perda de qualidade da educação brasileira já atingiu todos os níveis de ensino, como comprovam mecanismos nacionais de avaliação e rankings comparativos dos organismos multilaterais. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que é coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, tanto em leitura e linguagem quanto em matemática e em ciências o Brasil tem ficado no batalhão dos piores classificados entre mais de 65 países.

Como consequência, o Brasil não produz o capital humano necessário à redução da pobreza e ao crescimento econômico. Permanece, assim, muito abaixo dos padrões necessários a uma economia competitiva e capaz de conquistar espaços no mercado mundial. Nossos principais competidores no comércio internacional têm padrões educacionais muito melhores.

Nos últimos anos, o governo da presidente Dilma deixou-se levar pela ilusão de que esse quadro poderia ser revertido com aumento dos recursos para o setor educacional, graças aos royalties do petróleo e aos ganhos do pré-sal. Mas o que a educação precisa é de gestão competente e de um conjunto integrado de ações que envolvam planejamento, metas realistas, prêmios para os melhores professores, remuneração atraente e melhor avaliação de resultados. A escolha do slogan "Brasil, Pátria Educadora", feita por Dilma para marcar seu segundo mandato, não significa necessariamente que ela conseguirá promover essas ações. Mas é uma forma indireta de reconhecer a maneira inepta com que administrou o setor em seu primeiro mandato, quando teve três ministros da Educação, dos quais só um era especialista na área.