segunda-feira, outubro 16, 2017

A epidemia da inovação - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 16/10
O mundo corporativo é a distopia perfeita. De um lado, um modo inequívoco de produção de riqueza que elevou a condição material de vida dos seres humanos a um nível jamais imaginável, do outro lado, um sistema que esmaga o sujeito obrigando-o a competir cotidianamente, sem descansar nunca. Se a perfeição da vida material é uma utopia contínua no mundo contemporâneo, essa mesma perfeição produz níveis elevadíssimos de mal estar, provavelmente garantindo um futuro de mais riqueza regada a desespero a cada dia. Ninguém aguenta mais, mas ninguém pode parar.

Dentro desse quadro, chama atenção a obsessão pela ideia de "inovação". Ela aparece em todos os níveis da vida, do corporativo as pressões psicológicas sobre os mais velhos e mais jovens, num nível epidêmico.

A ideia, profundamente inscrita no "DNA" (como gosta de dizer o mundo corporativo quando "reflete sobre identidades") da modernidade, tem raízes filosóficas claras em obras como a do inglês Francis Bacon (1561-1626), entre outros. Seu projeto de "atar a natureza" a fim de conseguir as respostas necessárias para a melhoria das condições materiais de vida "na natureza" numa futura "Nova Atlântida", associado aos avanços do saneamento básico de Londres ao longo do século 19, são fundamentos básicos dos ganhos técnicos e de gestão de problemas na modernidade. Da natureza ao esgoto, o projeto é o mesmo.

Na vida pessoal, essa epidemia da inovação aparece no modo nefasto como as pessoas buscam "se reinventar" a todo momento. Ela obriga as pessoas a se vem como start ups contínuas num mercado infinito de demandas que vão da saúde física permanente, a beleza sustentável as custas de obsessões, a espiritualidade a serviço da commoditização da alma, enfim, a uma insatisfação existencial contínua como "motivação" para o imperativo da inovação.

É evidente que a proposta é patológica no nível humano, inclusive porque, apesar dos reais avanços tecnológicos na engenharia médica, marchamos para o envelhecimento e a morte, e isso tem impactos definitivos, mesmo que a indústria da inovação, regada a moda da Singularity University, a bola da vez, venda a ideia de que seremos imortais.

A epidemia da inovação no plano psicológico corrói a capacidade, principalmente dos mais jovens, de lidar com o tédio, o fracasso e a as frustrações "normais" da vida, impondo-nos o imperativo do sucesso crescente, que nos assola das nossas camas, a vida profissional, a lida com filhos até o esgotamento de nossas capacidades intelectuais e afetivas.

Um fato evidente nesse processo é o que muitos chamariam de "pressão do capital". Essa pressão nos obriga a pensar em nós mesmos como uma commodity buscando "investimento" no mercado de um mundo em "movimento", em direção a multiplicação do próprio capital que se expande a medida em que habita a inovação como condição sine qua non de adaptação a ele.

No mundo corporativo, que gasta dinheiro com palestras circenses, a fim de fazer seus "colaboradores riem", assim como uma sessão de meditação em meio ao massacre cotidiano, a epidemia da inovação é um mercado em si mesma.

Neste mundo, o futuro é uma commodity em si mesmo, vendido pelas consultorias de futuro. Citando casos conhecidos como a implantação de fake memories (diante destas, fake news é conversa de crianças), esse mercado da inovação vende a ideia de que num mundo próximo, a indústria de implantação no cérebro de memórias falsas, mas "felizes", eliminará a depressão e toda uma série de quadros clínicos indesejáveis.

Para além do absurdo da ideia, de um ponto de vista meramente médico, a própria noção de uma humanidade vivendo continuamente num parque temático "cognitivo" assusta não pelo suposto avanço médico em si, mas pelo modo como as consultorias do futuro vendem a ideia como o máximo da felicidade e da saúde. É a condição definitiva de idiotas cognitivos, sonâmbulos que caminham pela vida como um pós-humano em processo de extinção. Os neandertais, do alto de sua sabedoria de espécie já extinta, chorariam de pena de nós.

Nobel é lembrete de que há limites para a vontade política - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 16/10

SÃO PAULO - Charles Darwin torna-se cada vez mais atual no conhecimento da aventura humana. Esqueça os postulados reducionistas e racistas que, já na virada do século 19 para o 20, tentaram adaptar achados do naturalista britânico.

É o mecanismo da aleatoriedade, da diversidade e da exposição múltipla aos riscos de um ambiente indômito, imprevisível e mutante que vai se encaixando nas melhores produções das ciências humanas nas últimas décadas. O Nobel ao economista Richard Thaler é um lembrete disso.

Escorre ironia na louvação, da parte da esquerda, aos poderosos disparos de Thaler contra pressupostos ultra-racionalistas de modelos prediletos da economia. A saraivada a que ele se soma atinge também, e no coração, as doutrinas de engenharia social, como o marxismo, que tantos cadáveres e destroços produziram.

Não há "vontade política" capaz de dobrar certas regularidades humanas que nos ajudaram a chegar até aqui. O acaso —não a luta de classes, a genialidade de uns poucos ou qualquer outra engrenagem escondida— é o que movimenta a história.

O sucesso e o fracasso dos agrupamentos humanos são efêmeros, a pensar-se no longo curso do tempo, e reversíveis. Se há algo próximo de uma receita para o progresso, ela está distante dos planos cerebrais que procuram domesticar a complexidade das interações individuais e ambientais a fim de conduzir ao futuro.

O capitalismo, que não foi planejado por ninguém, talvez seja o formato adaptativo mais bem sucedido porque, exercido com razoável grau de liberdade, favorece a diversidade das iniciativas e a exposição a grande espectro de "escolhas" do acaso.

Parte da humanidade, bem sucedida nessa franca abertura ao risco, foi capaz de erigir gigantescos mecanismos de seguro contra os efeitos colaterais da sua opção. Aventurar-se aqui, afinal, é aceitar uma alta cifra de fracassos para um pequeno mas valioso número de sucessos.

O Nobel de Economia de 2017 - LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Valor Econômico - 16/10

Nesta coluna vou deixar de lado o foco principal das minhas reflexões dos últimos meses - a defesa de que vivemos uma recuperação cíclica clássica iniciada no segundo semestre do ano passado - para discorrer sobre a importância do prêmio Nobel de economia deste ano. Como sabem os leitores do Valor, o prêmio foi para o economista americano Richard Thaler, professor da Universidade de Chicago.

O trabalho do professor Thaler, sobre o comportamento do que se convencionou chamar de Homo Econômicus, está inserido na chamada Escola de "behavioral economics". Seu foco principal é o de estudar o comportamento do indivíduo real nas suas decisões no âmbito de uma economia de mercado. Este grupo de economistas começou a questionar, a partir dos anos oitenta do século passado, a figura do "homo economicus" ultra racional como definido no arcabouço teórico da escola chamada de Neoclássica. Para este grupo, dominante no pensamento econômico por várias décadas, a decisão individual tinha sempre um caráter racional na busca de maximizar seu bem-estar econômico. Junto com a racionalidade das empresas na busca da maximização de seus lucros, formavam os pontos centrais dos modelos econômicos que explicavam o funcionamento das economias de mercado.

No início de sua caminhada intelectual os economistas que questionavam a premissa racional do comportamento do cidadão e das empresas foram tratados com desdém pela nata dos economistas americanos. Afinal, se eles estivessem certos em suas críticas toda uma teoria construída a partir da racionalidade do indivíduo teria que ser revista. Por outro lado, durante mais de vinte anos o arcabouço teórico dominante vinha conseguindo explicar, com grande êxito, a evolução conjuntural das maiores economias de mercado. Por que estariam errados perguntavam?

A resposta a esta questão veio com a crise do chamado sub prime, no final da primeira década do novo século nos Estados Unidos. Mais uma vez a chamada racionalidade do agente econômico - seja ele consumidor, investidor ou banqueiro - ficou ridicularizada de um dia a outro. A melhor forma de constatar o ridículo do conceito do Homo Economicus racional que prevalecia então pode ser vista e sentida no filme The Big Short.

Com a frustração provocada pela desmoralização de parte importante da teoria econômica dominante à época, iniciou-se uma busca desesperada por uma nova referência para entender o que havia acontecido e, mais importante, sobre o que fazer para se enfrentar a crise gravíssima que atingiu a maior economia do mundo. A sombra do grande economista John Maynard Keynes, que havia sido enterrada intelectualmente pelo movimento Neo Clássico nos anos 60 do século XX, surgiu das trevas e passou a ser novamente uma referência. Em suas ideias sobre como se evitar depressão econômica, os desesperados membros da equipe do governo americano que estava de saída foram buscar elementos de ação totalmente fora dos padrões de Wall Street.

Da mesma forma o governo Obama, que assumiu o comando dos Estados Unidos no olho do furacão da crise econômica e bancária, bebeu da mesma fonte. Um livro, já fora de circulação nos meios acadêmicos - "Stabilizing an Unstable Economy" -, de autoria de Hyman Minsky, um keynesiano assumido, passou a ser uma referência na terrível tempestade que se seguiu.

A figura dos agentes econômicos racionais nas suas decisões econômicas foi colocada de lado e uma busca intelectual para substituí-lo, com alguém de carne e osso, começou. E foram os teóricos do "behavioral economics" que saíram na frente em suas pesquisas. Na busca comum de uma solução para resolver esta questão, o grupo de economistas dividiu-se em duas alas: uma delas mantinha a racionalidade estrutural do indivíduo, mas introduzia o conceito que haveria apenas um certo desvio nesta racionalidade. Portanto era fundamental modelar, com os instrumentos que a matemática disponibiliza ao pesquisador, e mensurar este desvio de racionalidade, recolocando o agente racional no modelo neoclássico.

Mas o grupo mais radical, na sua crítica ao agente econômico clássico, defendia que não seria possível separar o pedaço racional da parcela humana do Homo Econômicus. E para defender sua posição passou a escrever sobre os casos mais graves de irracionalidade que estavam presentes em ações usuais de certos grupos de cidadãos. Destruir a tese da racionalidade, mostrando a irracionalidade de padrões de comportamento considerados racionais pelo senso comum dos economistas, foi a arma escolhida por eles. Nesta batalha o professor Thaler foi um dos mais ativos elementos de seu grupo.

E o que prega como saída para este dilema do agente econômico humano e, portanto, cheio de defeitos tanto ao nível individual como coletivo? Acompanhar as economias de mercado com os instrumentos neoclássicos, mas sem cair na tentação de que tudo funciona sem descontinuidade. Portanto: estar atento a movimentos de euforia pois a probabilidade de que os sentimentos desestabilizadores ocorram em momentos como este é muito grande.

Vale aqui o pensamento de um velho dirigente do Fed no pós-guerra, quando a economia americana viveu um boom muito forte por um período longo: "No auge da festa é sempre saudável esconder em algum lugar o pote de "punch". Aliás, se o governo da presidente Dilma, em 2011 tivesse escondido o "pote de caipirinha" que embebedava a todos, ainda estaria no poder.

Uma aposta no ajuste do Brasil - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/10

Domar a dívida pública é um dos objetivos centrais da equipe responsável pelas finanças oficiais. O trabalho é complicado, mas há esperança de sucesso


Quando se trata de crescimento econômico, o Brasil perde para a maioria dos países emergentes, mas ganha com folga no confronto das maiores dívidas públicas. Domar essa dívida é um dos objetivos centrais da equipe responsável pelas finanças oficiais. O trabalho é complicado, mas há esperança de sucesso, de acordo com especialistas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Pelas projeções, o ajuste das contas avançará nos próximos anos. Em 2021 o déficit primário do setor público será zerado e, mais que isso, o saldo voltará a ser positivo. Apesar dessa vitória, o endividamento ainda crescerá por algum tempo e em 2022 chegará a 96,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Essa proporção pode parecer assustadora, especialmente quando comparada com a situação prevista para o conjunto dos países emergentes, com dívida média estimada para aquele ano em 55% do PIB. Mas o número calculado para o Brasil envolve um considerável otimismo.

A projeção depende de algumas hipóteses nada triviais. Admite-se, em primeiro lugar, um esforço de ajuste continuado até o fim de 2018 e nos três primeiros anos, pelo menos, do próximo governo. As estimativas dependem, além do mais, da aprovação, sem muita demora, de uma razoável reforma da Previdência. Enfim, a tarefa deverá, segundo o conjunto de pressupostos, ser facilitada, embora moderadamente, por um crescimento econômico mais rápido que o deste ano. A expansão deverá, nesse quadro, ficar em torno de 2% ao ano, 0,5 ponto acima do ritmo estimado para 2018.

As hipóteses do Fundo coincidem, segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a importância atribuída pelo governo a dois fatores – a aprovação da reforma da Previdência e a continuidade do ajuste. Além disso, o ministro tem mencionado a hipótese de um crescimento do PIB mais veloz que o calculado pelos técnicos do FMI, possivelmente na faixa de 2,5% a 3%. O Banco Central já chegou, nas estimativas para 2018, ao patamar de 2,5%.

O esforço de ajuste apontado nas contas do Fundo é considerável, embora os menos pacientes possam julgar o avanço muito lento. O déficit primário do setor público chegou a 2,5% do PIB em 2016. Os economistas da instituição estimam um resultado igual para este ano. O declínio deverá começar no próximo ano, mas o déficit só será eliminado em 2021. Nesse ano, o cenário inclui um superávit primário de 0,2% do PIB. Será um respiro, mas muito limitado.

O resultado primário é calculado sem a conta dos juros. Quando o serviço da dívida é incluído no balanço, obtém-se o chamado resultado nominal – no caso brasileiro, o buraco fiscal completo. Pelas projeções, o déficit nominal, estimado em 9,2% do PIB para este ano, ainda chegará a 9,3% em 2018. Depois diminuirá até 7,6% em 2021 e 7,3% em 2022, quarto ano de mandato do próximo governo.

Com esses detalhes é mais fácil entender por que a dívida bruta continuará aumentando, nesses anos, como porcentagem do PIB. Também no caso do resultado nominal a posição brasileira é bem pior que a da maioria dos emergentes. O déficit estimado para a média dos países emergentes e em desenvolvimento em 2022 é de 3,7% do PIB.

Projeções para prazos médios ou longos são normalmente sujeitas a riscos enormes, como desastres naturais, turbulências políticas, terrorismo e guerras.

Não é preciso pensar em nada tão extremo no caso do Brasil. O cuidado com os fundamentos da economia está longe de ser uma preocupação comum de muitos políticos ou partidos e isso inclui parte do Executivo. O cronograma das necessidades do País, como a reforma da Previdência, é muito menos importante para a maioria dos parlamentares que o de seus interesses, como indica seu comportamento habitual.

Além disso, muitos provavelmente se disporiam a repetir ou a apoiar a repetição dos desmandos causadores do desastre recente. Enfim, quantos hesitariam diante de uma jogada de efeito eleitoral, mesmo diante do risco de jogar o País de novo no atoleiro? Quando se consideram essas questões, o aparente pessimismo das projeções do FMI se converte quase num otimismo de Pollyana. Sem o confessar, o governo deve saber disso.

O refúgio da esquerda - DENIS LERRER ROSENFIELD

O Estado de S.Paulo - 16/10

A queda do Muro de Berlim foi uma linha divisória. O sonho esquerdista esvanecera, expondo o pesadelo que tinha engendrado. Talvez nenhum país mostre melhor o sucesso do capitalismo e o fracasso do socialismo. Enquanto a Alemanha Ocidental era uma amostra de um Estado de bem-estar social, com todas as liberdades garantidas, a Alemanha Oriental, dita democrática e socialista, obrigava seus cidadãos a compartilharem a penúria, sufocando todas as liberdades. Não eram propriamente cidadãos, mas súditos do Estado.

Podemos também comparar, a modo de exemplo, a próspera e capitalista Coreia do Sul, Estado democrático, com a totalitária e socialista Coreia do Norte, que vive da opressão de seus súditos, da fome, e aterroriza o planeta com suas armas nucleares. Ou se pense, ao nosso lado, na ditadura de Maduro e em seu apoio em Cuba e no PT, no Brasil. Esses parecem não ter nada aprendido com a História, embora, talvez como galhofa, queiram reivindicá-la.

Note-se que nem lhe sobrou a defesa dos pobres e do então dito proletariado, pois os Estados que mais conquistaram direitos sociais são os capitalistas, seja em suas vertentes social-democrata (países nórdicos), trabalhista (Grã-Bretanha) ou democrata-cristã (Itália e Alemanha). Aliás, neste último país o consenso era de tal ordem que a alternância entre os partidos cristãos e social-democrata em nada alterou, se não implementou, os ganhos sociais por todos reconhecidos. À esquerda não restou nem o social, salvo em sua face social-democrata, tida por direita pelos comunistas, socialistas e, entre nós, petistas.

Fracassada, a questão colocada à esquerda foi: onde refugiar-se? Parece não ter tido outra opção senão refugiar-se nos costumes, nos valores sociais ou em políticas ditas progressistas, que só mascaram seu próprio afã de uma nova hegemonia política. O politicamente correto é, nesse sentido, uma expressão dessa sua nova máscara, mais palatável para quem ignora ou compartilha todos os crimes perpetrados pela esquerda no poder. Entre nós, em experiência recentíssima, observamos o PT levar o País praticamente à bancarrota, não fosse, para evitar o pior, o impeachment da ex-presidente Dilma. Nem as conquistas sociais foram mantidas, com o desemprego avassalador e a inflação corroendo os salários dos mais desfavorecidos.

A esquerda fracassada procura, agora, reinventar-se. Escolheu para cavalo de batalha os que ela considera “conservadores”, em particular mira o MBL, por ter-se insurgido contra duas exposições, uma no Santander, em Porto Alegre, com imagens de zoofilia e pedofilia, e a outra no MAM, com mostra de um homem nu sendo tocado por uma criança. Para tentar capturar a classe média usa palavras como censura, arte e ditadura, numa sequência de bobagens capaz de atormentar qualquer pessoa sensata.

Foquemos a questão. O problema não está nas exposições em si, mas em crianças que se encontram face a face com situações de eroticidade precoce, incapazes que são, em sua idade, de juízos morais. Ficam expostas, vulneráveis. O que garante que uma criança que se acostume a tocar em homens nus não o faça com outro homem qualquer na rua ou que queira tocar seu órgão sexual? Seria a liberdade dos progressistas?

Que adultos apreciem tais tipos de eventos é meramente uma escolha pessoal, que deve, evidentemente, ser garantida. Se isso é “arte”, problema deles. Não há censura. Cada um escolhe suas visitas a exposições, assim como a forma que mais lhe parecer apropriada para desfrutar o sexo. Trata-se de uma questão individual de pessoas adultas no uso – ou desuso – de seu desejo e de sua razão. Outra coisa, muito diferente, é permitir ou obrigar uma criança a fazer o mesmo.

Na exposição do Santander, crianças eram levadas por escolas a visitar a exposição, como se se tratasse de algo pedagógico. Qual pedagogia? A da erotização das crianças? A de as impulsionar para relações sexuais precoces? A de considerar animais como objetos sexuais? Se isso for considerado liberdade, só pode ser em sua acepção muito particular de completa ausência de limites, conduzindo, depois, ao mais completo desregramento moral.

O que parece mais incomodar essa esquerda sem bússola, contudo, é o fato de estar perdendo a batalha pela opinião pública. Artistas desocupados ou que não têm o que dizer chegaram a falar em “ditadura”. Qual, aliás? A do Estado, que não se imiscuiu nesse assunto senão sob a forma de uma recomendação do Ministério Público para que a exposição em Porto Alegre fosse reaberta? O banco, sensatamente, teve juízo para não seguir essa “recomendação”. O que, na verdade, pretendem os prosadores da ditadura é que o Estado intervenha para defender as suas concepções. Pretendem implantar a ditadura do “progressismo” e do “politicamente correto”, enquanto formas compensatórias do fracasso de suas concepções esquerdistas.

O MBL, ao defender a ideia de que crianças não se submetam a essa ideologia, foi o seu alvo preferido. Não foi o Estado. Por quê? Pela simples e boa razão de que os autointitulados progressistas estão perdendo a luta pela conquista da opinião pública. Observe-se que não se trata de uma disputa entre sociedade e Estado, mas uma interna à própria sociedade. Um setor desta não suporta mais a “ditadura” do politicamente correto, que lhe é imposta goela abaixo. Decidiu dar um basta. E tem legitimidade para tal.

A onda dita conservadora no Brasil é uma reação a esses excessos e arbítrios. É como se não existisse a liberdade de escolha entre ser conservador, liberal ou “progressista”. Valeria somente esta última opção. Tudo o mais seria “ditadura”. Pretendem impor a sua hegemonia a uma sociedade que passou a rejeitá-los. Não podem mais suportar este outro fracasso. Estão desnorteados e vociferam. É a pobreza mesma do pensamento!

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

ODEBRECHT PODE TER TENTADO ‘COMBINAR’ DEPOIMENTOS

Repercute nos tribunais superiores a convocação de ex-executivos da Odebrecht, feita pelo presidente do grupo, Emílio Odebrecht, para supostamente “combinar depoimentos”. A convocação de executivos teria sido para “alinhar” de depoimentos de delação premiada, em razão da “divergência” entre declarações de Marcelo Odebrecht e de um ex-diretor da Odebrecht realizações, Paulo Melo. A divergência que poderia custar a anulação do acordo que favorece o filho de Emílio.

BATEU O DESESPERO
Marcelo Odebrecht é o único dos 77 ex-executivos sob acordo de delação premiada a permanecer preso por decisão do juiz Sérgio Moro.

A DIVERGÊNCIA
Marcelo diz que Melo, encarregado de pagar propinas a Lula, sabia dos detalhes da operação, mas o ex-executivo diz que era só portador.

PODE ISSO, JUSTIÇA?
“E pode combinar versões para evitar ‘racha’?”, perguntou um ministro de tribunal espantado com a “convocação” de Emílio, às claras.

CRÍTICOS SE APROVEITAM
A suposta “cominação de versões” na Odebrecht tem sido usada no STF e STJ por críticos do instituto da delação premiada na Lava Jato.

GOVERNO NÃO PAGA GRATIFICAÇÃO E IRRITA TODA A PF
O governo Michel Temer está operando quase um milagre: unir todas as carreiras da Polícia Federal contra ele. Há mais de um mês, os ministérios da Fazenda, do Planejamento e a Casa Civil da Presidência não conseguem se acertar sobre o pagamento da gratificação de fronteira devida a delegados, agentes, papiloscopistas, escrivães, peritos e administrativos da PF que atuam em regiões fronteiriças.

TRABALHO DIFÍCIL
A gratificação de fronteira está prevista em lei há anos e objetiva estimular o trabalho dos policiais designados para um trabalho difícil.

CALOTE FEDERAL
Apesar da previsão legal, a gratificação de fronteira nunca foi paga aos policiais federais, deixando toda a corporação furiosa.

REGIÃO PERIGOSA
Nas fronteiras, os policiais combatem o tráfico de drogas e de armas em áreas perigosas e inóspitas, daí a necessidade da gratificação.

MÁFIA DAS FACULDADES
Um grande grupo educacional, com faculdades espalhadas em todo o Pais, está na mira do Ministério Público Federal, que investiga suposta fraude nas concessões de abertura de novos cursos superiores. Estará no olho do furacão a Secretaria de Regulação da Educação Superior.

DENÚNCIA ANDA
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara vai continuar nesta terça-feira (17) a discussão do relatório que pede o arquivamento da segunda denúncia do ex-PGR Rodrigo Janot contra Michel Temer.

A CONTA É NOSSA
Nos últimos anos, os gastos com manutenção dos imóveis funcionais da Câmara dos Deputados foram em média de R$ 9,5 milhões por ano; cerca de R$ 2,5 mil por deputado, por mês, segundo a própria Câmara.

CAIU NA REDE
O Rede, partido de Marina Silva, já levou do Fundo Partidário R$ 2,72 milhões este ano. O número de filiados, no entanto, é de cerca de 16 mil em todo o país. Na Câmara, são quatro deputados filiados à Rede.

CUSTO-BENEFÍCIO
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o partido com o menor número de filiados é o PCO (Partido da Causa Operária): cerca de 2,9 mil. O PCO já recebeu R$ 705 mil do Fundo Partidário este ano.

FALHA ÉPICA
Uma petição no site Change.org, plataforma especializada de abaixo-assinados, coletou apenas 7.924 nomes favoráveis ao que chama de “intervenção militar constitucional”. Está no ar desde julho de 2014.

RECORDISTA DO COTÃO
Entre 2009 e 2017, o deputado federal ainda no mandato que mais gastou com o “cotão parlamentar” foi Édio Lopes (PMDB-RR): R$ 3,87 milhões, dos quais R$ 1,16 milhão foi para pagar apenas passagens aéreas da Gol e da TAM. Os dados são da ONG OPS.

ATÉ O ENEM
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) este ano teve 6.731.256 inscrições confirmadas. O número é 22% menor que em 2016, quando teve mais de 8,7 milhões de inscritos. Custo de 2016: R$ 788 milhões.

PENSANDO BEM...
...a reforma política não reformou.

Pasadena não terminou - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/10

Mais de uma década já transcorreu desde a desastrosa aquisição e são escassas as chances de reparação dos danos provocados pela gestão irresponsável


Na quarta-feira passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu que a ex-presidente Dilma Rousseff e os demais integrantes do Conselho de Administração da Petrobrás – Antonio Palocci, Sergio Gabrielli, Claudio Haddad, Fabio Barbosa e Gleuber Vieira – foram responsáveis pela compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006. O tribunal decidiu que os ex-conselheiros devem responder pelo prejuízo decorrente da aquisição, estimado em US$ 580 milhões. Os seus bens, em conjunto com os dos membros da diretoria executiva da empresa, foram decretados indisponíveis, cautelarmente, pelo período de um ano.

Ao responsabilizar os autores de uma compra tão prejudicial e tentar ressarcir o prejuízo à Petrobrás, a decisão do TCU chega com imenso atraso. Mais de uma década já transcorreu desde a desastrosa aquisição e são escassas as chances de reparação dos danos provocados pela gestão irresponsável. Conforme declarou em seu voto o ministro Vital do Rêgo, “a diretoria executiva apreciou a aquisição de Pasadena em um dia e o Conselho de Administração aprovou uma negociação de milhões de dólares exatamente no dia seguinte”.

Segundo o relator, “não se tem dúvida de que o Conselho contribuiu para a prática de gestão de ato antieconômico no que se refere à aquisição da primeira metade da refinaria”. Na época da deliberação sobre a compra da refinaria de Pasadena, Dilma Rousseff era ministra da Casa Civil do governo Lula e comandava o Conselho de Administração da Petrobrás. Todos os integrantes do conselho seguiram o seu voto.

A compra da refinaria de Pasadena foi feita em duas etapas. Na primeira, realizada em 2006, a Petrobrás pagou US$ 359,2 milhões à Astra Oil por metade dos ativos da refinaria. Depois, em menos de um ano, foi negociada a aquisição dos 50% remanescentes. O ministro Vital do Rêgo lembrou que “os fatos aqui narrados não se configuram em prejuízos advindos de um risco negocial, inerente à tomada de decisão pelo administrador, mas sim em desídia, na medida em que os responsáveis não se valeram do devido cuidado para garantir decisões refletidas e informadas”.

Em 2014, quando veio à tona o prejuízo causado com a compra da refinaria, a então presidente Dilma Rousseff disse ao Estado que apoiou a aquisição porque recebeu “informações incompletas” de um parecer “técnica e juridicamente falho”. Dilma Rousseff referia-se ao “resumo executivo” sobre o negócio Pasadena elaborado pela diretoria internacional da Petrobrás, que, na época, era comandada por Nestor Cerveró.

Como é lógico, a desculpa apresentada por Dilma Rousseff não serviu para eximir sua responsabilidade. Antes, foi a confissão de sua culpa, ao admitir expressamente que havia atuado com negligência, imprudência e imperícia. Depois da declaração de Dilma Rousseff ao Estado, o que cabia às autoridades era investigar se houve dolo nesse negócio que, sob o pretexto de expandir a capacidade de refino da Petrobrás no exterior, causou tanto prejuízo à empresa. A autoria já estava reconhecida pela presidente do Conselho.

É estranho, portanto, que, depois de todo esse tempo transcorrido, a única voz a se manifestar sobre a compra da refinaria de Pasadena seja a de um tribunal que não integra o Poder Judiciário. Como se sabe, o TCU é um órgão auxiliar do Congresso Nacional. Tem-se a impressão de que o Ministério Público e a Polícia Federal não consideram o caso relevante. Em julho deste ano, o Estado revelou que o inquérito da Operação Lava Jato a respeito da refinaria de Pasadena ainda não havia sido concluído. O caso era mais um de um conjunto de 244 investigações abertas em Curitiba e que estavam à espera de um desfecho.

Depois de tudo o que já foi revelado sobre a compra da refinaria de Pasadena, nada explica que o caso não seja apreciado pelo Poder Judiciário. Produzir o escândalo não é suficiente para realizar a justiça. É preciso fazer o trabalho até o final.

Equívoco tributário - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 16/10

Os contribuintes tiveram confirmada uma vitória importante com a publicação, neste mês, do acórdão do julgamento do Supremo Tribunal Federal que derrubou uma esdrúxula cobrança de tributos federais —PIS e Cofins— sobre valores de mercadorias já majorados pelo ICMS, imposto estadual.

Após longa batalha contra o fisco, restabeleceu-se nesse caso o princípio da não cumulatividade da taxação, ignorado por sucessivas administrações ávidas por arrecadar nas últimas décadas.

Ganham, em particular, as empresas oprimidas por regras draconianas e complexas, que resultam em permanente controvérsia e insegurança jurídica.

Quanto ao erário federal, a perda de receita não é pequena —estima-se que possa chegar a R$ 20 bilhões anuais e a exorbitantes R$ 250 bilhões se houver obrigação de devolução retroativa.

É improvável que o STF se decida pela interpretação mais ampla, contudo. Imagina-se que haja modulação, ainda por ser realizada, para limitar o impacto da decisão a ações que estavam em andamento até a data do julgamento, sem prejuízo da mudança para todos daqui para frente.

O STF deve dosar a conta com parcimônia e olhos no futuro. Mesmo que a cobrança tenha se revelado errada por anos, a penúria orçamentária não permite multibilionários acertos com o passado.

Da parte do governo, aventa-se uma providência equivocada para cobrir a perda de arrecadação —a majoração de alíquotas de PIS e Cofins, duas contribuições sociais incidentes sobre o faturamento das empresas (na prática, sobre a venda de produtos e serviços).

Em vez de mais um remendo a perpetuar as distorções do sistema tributário nacional, o Executivo faria melhor se aproveitasse a oportunidade para iniciar uma reforma com o propósito de harmonizar as regras brasileiras com as melhores práticas internacionais.

Além de simplificar, mostra-se fundamental alterar o padrão de incidência dos impostos. Hoje, metade da receita nacional advém da taxação do consumo, muito acima do padrão verificado em nações mais desenvolvidas.

Não por acaso, tudo o que se produz no país, especialmente itens industriais, chega ao mercado com preços mais altos que os de competidores do restante do mundo.

O país precisa caminhar para uma tributação mais justa e progressiva, ou seja, que tenha mais ênfase na renda do trabalho e do patrimônio. Em contrapartida, há que reduzir a tributação embutida nos preços, mais onerosa para a população carente. A agenda, difícil, pode ser realizada em etapas, mas que seja iniciada o quanto antes.

Políticos togados - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 16/10

Depois de tudo o que já foi revelado, nada explica que o caso não seja apreciado pelo Judiciário


A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) divulgou um vídeo destinado, segundo suas palavras, a servir de “manifesto em defesa da Justiça Federal e do Poder Judiciário”. Nele, diz-se que “a Justiça Federal batalha por todos”, isto é, “por todos aqueles que sentem hoje o gosto de pizza da impunidade, que sentem o desprezo, o cansaço de ver tanta injustiça, por todos que ainda não desistiram de acreditar que as coisas ainda vão melhorar, por todos os que se esforçam em gritar pela mudança”.

No tom e no conteúdo da mensagem, está claro que se trata de uma iniciativa de cunho político, que vai além de simples reação às críticas em relação aos exageros de magistrados e procuradores que lidam com casos de corrupção. Essas críticas foram apenas pretexto para a afirmação explícita de uma plataforma partidária, como se juízes precisassem arregimentar apoio popular para continuar seu trabalho.

Nem é preciso lembrar que a Constituição diz que aos juízes é vedado “dedicar-se à atividade político-partidária”, conforme se lê no artigo 95, parágrafo único, inciso III. Isso significa tanto que os magistrados não podem se filiar a partidos como é desejável também que se mantenham o mais longe possível das controvérsias políticas, pois espera-se que sejam imparciais, sem se deixar levar pelas paixões naturalmente suscitadas nesses casos. Sem muito esforço, entretanto, é possível identificar uma forte pretensão de militância política na mensagem da Ajufe, que, assim como suas congêneres, já se notabiliza por controvertida atuação sindical.

O vídeo diz que a Justiça Federal trabalha “pelo verde, pelo amarelo, pelo vermelho, pelo azul”, isto é, “ela não enxerga cores, mas vê, na lágrima contida de cada um, a chance de se fazer justiça”. Trocando em miúdos, a Ajufe parece sugerir que o partido da Justiça Federal só aceita entre seus filiados aqueles magistrados que se dispõem a “fazer justiça”, pois é isso o que supostamente esperam seus “eleitores”. Entende-se daí que os magistrados devem se empenhar para punir os acusados de corrupção, pois, do contrário, frustrarão aqueles que, desencantados da política, depositam suas esperanças na Justiça. Tal empenho pode, muito facilmente, transformar-se em arbítrio. É por isso que, nas repúblicas consolidadas, juiz não faz justiça; aplica a lei.

O presidente da Ajufe, Roberto Veloso, justificou a iniciativa dizendo que a independência do Judiciário “é um dos pilares do combate à corrupção” e que “seu enfraquecimento interessa somente aos que tramam contra os interesses da democracia”. Explica-se, assim, o tom de desafio da mensagem, endereçada a todos aqueles que, na visão da associação e de diversos setores do Judiciário, se empenham em minar os esforços da luta contra a corrupção – entre os quais, segundo esses militantes, se encontram não só aqueles que supostamente querem aprovar leis para minar a Lava Jato, mas também aqueles que ousam fazer reparos ao açodamento de procuradores da República e à extravagância de algumas decisões judiciais.

Assim, o vídeo informa que a Justiça Federal “enxerga aqueles que sempre se julgaram superiores a ela, aqueles que tentam tapar seus ouvidos, calar sua voz, amarrar seus braços, aqueles que mentem, distorcem a realidade, aqueles que não acreditam do que ela é capaz”.

O tom ameaçador não é próprio de quem tem por função julgar de maneira serena e imparcial. Ao dizer que a Justiça Federal “é cega, mas não foge à luta”, a associação de magistrados entende que é papel dos juízes confrontar, como numa guerra, quem chegue às barras dos tribunais. Ora, se é assim, para que juízes? Bastariam os promotores para determinar quem é culpado ou não.

Para uma parte do Judiciário, portanto, os políticos – pois é claro que é a eles que o vídeo se dirige especialmente – são todos culpados por definição, restando aos juízes apenas estabelecer a pena. E, segundo a mensagem, “todos devemos apoio” à Justiça Federal – ou seja, quem disso discordar é o inimigo.