segunda-feira, março 23, 2020

Não tem mágica, só ciência e solidariedade em tempos de coronavírus - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 23/03

Pessoas se dividem entre heróis e bandidos em momentos trágicos como esse que passamos

Como fazer o discernimento entre a paranoia, a responsabilidade e a irresponsabilidade nos dias que nos esperam?

Essa pergunta marcará a diferença entre adultos e imaturos nos próximos meses. Estamos vivendo a maior catástrofe global desde a Segunda Guerra Mundial. Mas o coronavírus tem, até então, letalidade limitada. Idosos e pacientes com doenças crônicas são grupo de risco. Isso todo mundo já deve saber.

O risco está, acima de tudo, no campo do sistema social de saúde, que corre o risco de ficar sobrecarregado, dos impactos econômicos e das consequências políticas. Tudo isso junto matará mais gente ainda. Do ponto de vista da sua vida, isso tem um significado: cancele tudo. Faça tudo que der a distância. E saiba que todos estamos com medo juntos.

O objetivo global é atrasar o avanço do vírus. É uma corrida contra a velocidade do contágio. Não tem mágica, só ciência e solidariedade. São as ferramentas que temos nas mãos. Nada além disso. Silenciem os que odeiam tudo e todos, e deixem os outros falarem.
Ricardo Cammarota

O paranoico compra todo o álcool em gel dos supermercados. O responsável compra o suficiente, sabendo que o futuro é um tanto incerto, mas parte dele está aberto a nossas pequenas ações invisíveis.

Como diziam Adam Smith no século 18 e Thomas Sowell mais recentemente, há um conhecimento disperso pela população que ninguém consegue sistematizar, mas que organiza todas as decisões no front da vida real.

E esse front é, no final do dia, sempre moral. E não há múltiplas narrativas nesse caso.

Alias, quando dramas morais de fato se impõem, nunca há múltiplas narrativas. Só covardia ou coragem, egoísmo ou solidariedade, ignorância ou conhecimento, incompetência ou competência. Estamos no terreno da moral das virtudes. E a moral nunca é original.

Que os paranoicos nos ouçam: ninguém no Brasil (e no mundo) vai poder se salvar sozinho. Desta vez não existem carros blindados nem muros. A epidemia tem a violência do destino trágico dos gregos
—é cega, “escolhe” suas vítimas ao acaso e é implacável em sua crueldade.

Há líderes religiosos dos três tipos. O paranoico fala em pragas bíblicas. O responsável faz culto a distância e conclama “suas ovelhas” ao cuidado, à ciência e à solidariedade. O irresponsável sai em manifestações políticas contra a democracia, dizendo que Jesus ama o presidente da República.

Esta última questão merece um comentário pontual a ser feito. O presidente Bolsonaro (este resto que o PT nos deixou como herança) deu sua maior demonstração, até o momento, de delinquência.

Aqueles que no último domingo, dia 15 de março, ainda diziam que o vírus é coisa de comunista ou fake news são exemplos crassos de irresponsabilidade. Bolsonaro não parece capaz de reunir as condições mínimas para liderar o país através dessa crise. É irresponsável, pouco inteligente e cheio de ódio.

Que os outros líderes políticos deste país se mostrem superiores a esse incapaz. E lembrem que, em momentos trágicos como o que passamos (e aqui digo trágico no sentido grego citado acima, e não como algo banal), as pessoas se dividem em heróis e bandidos.

Que mesmo o crime organizado, neste momento, se una, em silêncio, à população e aos agentes responsáveis dos governos para salvar o maior número possível de vidas. Líderes políticos marcam a sua carreira em momentos como estes. Os medíocres, os covardes e os irresponsáveis pagarão o preço de seus vícios.

A tragédia grega nos ensina que a virtude brota do solo do desespero. Estamos atravessando um daqueles momentos históricos em que a vida é mais social do que nunca.

Como foi dito recentemente no parlamento português, “cancelem tudo e fiquem em casa”. Cancelem festas, casamentos, batizados, enterros. Cancelem viagens, reuniões presenciais. Que fechem os bares (não seja um bêbado idiota), as baladas (não seja um jovem idiota) os restaurantes, as escolas.

Que as redes sociais mostrem que elas não dão voz somente aos imbecis, como disse Umberto Eco, em um momento de raiva. Que elas sirvam como ferramenta para a vida continuar no limite do possível. Que a solidão, a tristeza, as perdas econômicas e o tédio sejam minimizados. Porque essa epidemia vai passar.

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.