quinta-feira, novembro 14, 2013

Maior desânimo, alguma fé - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 14/11

Mais propriedade privada, inclusive da terra, mais salário, mais renda pessoal, mais consumo interno e menos poupança



De um ouvinte da CBN, por e-mail, depois de acompanhar reportagens sobre, por exemplo, os gastos crescentes com seguro desemprego em um momento de quase pleno emprego:

“Meu nome é Marcos, sou comerciante e gostaria de uma oportunidade para desabafar o meu sofrimento com relação à lei trabalhista no Brasil. Sou uma pessoa que procura o melhor para o bem-estar de todos e o mais correto possível.

“Atualmente, tenho dois comércios e em ambos trabalho com funcionários devidamente registrados.

“Não faço nada que prejudique meus colaboradores, tudo que eles têm de direito, é tudo devidamente pago.

“Trato-os com respeito e incentivos, mas, quando comentem infrações, são devidamente punidos.

“O meu desabafo é o seguinte: apesar de estar tudo correto perante a lei trabalhista, enfrento diversos problemas com relação aos colaboradores, eles sempre estão me testando. Mesmo sempre estando sob consulta da lei, eles sempre arranjam algo para se beneficiar e se escorar nos braços do FGTS e do Seguro-Desemprego.

“Na maioria dos casos, após 6 meses de registro, o colaborador se acomoda na esperança de se beneficiar dos recursos que o governo oferece. Concordo que a parte mais fraca deve ser protegida pela lei, mas, nos tempos atuais, estes benefícios emperram a evolução do brasileiro. O colaborador se acomoda por estar amparado pelo benefício.

“Acho que o governo deveria se atentar para a formação de profissionais e não sustentar gente que se acomoda nas custas do FGTS e do Seguro-Desemprego. Concordo que o FGTS e o Seguro-Desemprego ajudam os mais desfavorecidos, mas este sistema está levando nosso povo à acomodação.

“Do meu ponto de vista, o povo carente precisa de ajuda para a sobrevivência, mas também precisa de uma certa pressão pra levá-lo para o progresso próprio. Espero que este desabafo seja analisado e publicado por um especialista, para que o futuro do nosso povo seja mais produtivo e competitivo diante o mundo que não para de evoluir.”

Está publicado. Voltaremos ao tema.

À chinesa

Papel “decisivo” é certamente mais forte do que papel “básico”. Logo, o governo chinês do presidente Xi Jinping decidiu implementar as reformas na direção de mais capitalismo privado. Tal foi a conclusão de todos que leram, na última terça, o comunicado da reunião plenária do Comitê Central do Partido Comunista. Simplesmente disseram que o Partido continua mandando, mas o livre mercado passa a ter um “papel decisivo”.

Vinte anos atrás, também introduzindo uma série de reformas, os dirigentes da época atribuíam ao mercado uma função apenas “básica”.

Foi também em 1993 que os chineses inventaram uma pérola, a “economia socialista de mercado”. Não propriamente a coisa, mas a expressão, introduzida na Constituição como uma resposta às críticas de esquerda. Estas acusavam a direção do Partido Comunista e do governo de se desviarem dos ideais socialistas para cair na economia de mercado, aberta aos capitais privados nacionais e estrangeiros.

Sim, há na China uma economia de livre mercado, disse o grupo dirigente, então liderado por Jiang Zemin, mas sob controle do Partido e com o objetivo de construir... o socialismo. Daí a contradição em termos, socialismo de mercado, mas quem se importava com essas, digamos, sutilezas?

O fato é que o período do governo de Zemin foi de forte desestatização. Foram fechadas nada menos que 125 mil companhias estatais, com a eliminação de 35 milhões de empregos.

Ocorre que sobraram outras 130 mil estatais, com ainda mais empregados do que os postos eliminados. Seria isso socialismo de mercado? Na verdade, a descrição mais adequada seria capitalismo de Estado, na economia, com uma ditadura, na política. Manda o partido e as estatais dominam setores chaves, como o financeiro, por exemplo. Mas há todo um setor privado em torno disso.

Pois agora o Comitê Central decidiu que é o momento de uma nova onda de reformas. Está todo mundo entendendo que se trata de mais mercado e menos Estado. Os atuais dirigentes falam em reformas modernizadoras e distribuição a todos dos benefícios do progresso recente.

Ou seja, mais propriedade privada, inclusive da terra, mais salário, mais renda pessoal, mais consumo interno, e menos poupança e exportação. Não é fácil operar essa mudança, especialmente quando é preciso fazer uma coisa e dizer outra.

Mas parece que eles são mestres nessa arte.

A China promete mudança - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 14/11

Como tanta coisa na China, as declarações oficiais ou as não declarações apenas eventualmente guardam proporção ao que de fato acontece, antes ou depois.

Na semana passada, o plenário do Partido Comunista Chinês realizou quatro dias de reunião com seus principais líderes com o objetivo de criar uma agenda nova de longo prazo para acelerar o desenvolvimento do país. Em princípio, o encontro deverá ter dado ao presidente Xi Jinping poderes para colocar em marcha grandes reformas e dar maior importância às razões de mercado nas decisões sobre política econômica.

O comunicado final foi pouco esclarecedor sobre o que está sendo pretendido e o que poderá de fato ser levado adiante. Em todo o caso, quem conhece melhor como as coisas funcionam na China sugere que é preciso esperar. É a prática, bem mais do que discursos e notas oficiais, que vai mostrar a natureza e a profundidade das reformas pretendidas.

Não faltaram proclamações contra o excesso de burocracia, mas, paradoxalmente, a decisão destinada a agilizar o processo de decisão e de racionalizar as providências de política econômica foi a criação de mais duas instituições burocráticas: o Comitê de Segurança Nacional e o Pequeno Comitê de Coordenação das Reformas. As primeiras reações na China e no restante do mundo foram de reserva e de alguma decepção com essa falta de substância.

Nos seus pronunciamentos, o presidente Xi prometeu "explorar novos caminhos e gerar novas ideias". Avisou também que reduzirá as restrições às propriedades rurais e deixará os bancos mais livres para cobrar juros no crédito.

Aparentemente, as pressões maiores provêm do campo. Mais de 400 milhões de chineses não têm acesso aos benefícios das populações urbanas porque não podem deixar os locais onde nasceram. Esta foi uma decisão tomada ainda nos tempos do presidente Mao para reduzir as migrações internas em direção às cidades. Continua rigidamente observada. A resolução tomada agora pretende uma abertura ordenada dessas restrições. Isso exige esforço enorme em investimentos, em infraestrutura e em serviços públicos, especialmente educação, saúde e transportes, num cenário em que as condições do meio ambiente estão seriamente deterioradas.

Uma das maiores vantagens da China moderna é também uma de suas maiores limitações. A poupança nacional corresponde a alguma coisa em torno de 50% do PIB. Ou seja, o chinês não gasta metade de sua renda, incluídos aí os resultados das empresas estatais. A inclusão de mais gente ao mercado de trabalho e de consumo deverá reduzir o ímpeto exportador, porque parte do dinamismo mercantil terá de ser redirecionado para o mercado interno.

Ainda que falte entender melhor o que essas mudanças significam, parece inevitável que a China será obrigada a aumentar suas linhas de abastecimento de matérias-primas, petróleo e alimentos. Ou seja, a guinada que se inicia por lá pode ser benéfica aos interesses da economia do Brasil que é grande exportador de commodities.

Esperar sentado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP  - 14/11

Mudança à vista viria dos juros americanos; no mais, cenário é de lerdeza no Brasil, na Europa e nos EUA


O QUE ESTÁ acontecendo? Nada.

É o que a gente diria se não fosse o risco de ser submetida a vexames pelo imponderável de almeida, o acaso: talvez o risco de um "crash" da Bolsa de Nova York num dia de céu azul, de um maluco explodir alguma parte dos Estados Unidos, de Israel despejar bombas no Irã, essas coisas incertas e outras ocultas e que ainda não foram espionadas.

No entanto, as engrenagens maiores da economia do mundo estão rodando devagar, quase parando, se não estão cheias de areia e engripando. Quase todo mundo está à espera do que vai ser da política econômica americana, aquela história já tediosa mas no fundo perigosa da redução do despejo de dinheiro na economia dos Estados Unidos.

O aperto monetário americano virá, daqui a algum momento do ano que vem. O fato de não se saber quando tal coisa vai acontecer indica por si só que a coisa anda malparada, que não se sabe bem a temperatura da economia americana (fria, no máximo morna) e nem mesmo se o governo deles (BC inclusive) tem muito mais instrumentos para apressar o passo da carruagem.

Uma fechadinha na torneira de dinheiro do Banco Central deles tende a reduzir o preço de ativos financeiros (preços de ações, de títulos da dívida do governo, de papéis privados etc.), entre outras coisas.

Não se sabe quão grande será o tombo. Pode não ser grande coisa. Pode ser. Nesse caso, causaria prejuízo a desavisados, com risco maior de um dominó de perdas.

O Brasil anda encalacrado por falta de meios para andar mais rápido, inflacionado, endividado e especialmente ineficiente que está.

O governo não teria muito mais como estimular a economia morna (afora por meio de desatinos), pois esgotou seus instrumentos.

Poderia começar a consertar a casa, o que não vai fazer para não correr riscos na eleição.

Desse mato não sai cachorro.

A Europa não estava se recuperando? Hum. Sair de uma recessão para o crescimentozinho estimado, porém incerto, do ano que vem já não seria grande coisa. Mas a eurozona corre risco de deflação, sinal de desemprego excessivo e crédito escasso, ambos crônicos.

O BC deles acaba de baixar a taxa de juros a quase zero, ficando à beira de não ter instrumentos, de não ter lenha para colocar na fogueirinha da economia. Enfim, mesmo que tudo "dê certo", a economia da União Europeia terá de esperar até 2015 ou 2016 para ultrapassar o nível de produção de 2007.

De volta ao Brasil, por ora a perspectiva é de no máximo de uma operação tapa-buracos. A estrada vai continuar ruim. Não é novidade.

O governo vem dizendo que pode remendar suas contas deixando de renovar algumas reduções de impostos (alta de custos à vista); que vai enfim vai remediar o problema da Petrobras com algum aumento de combustíveis; que vai repassar o custo represado da energia elétrica.

A inflação ficaria pois mais alta ou deixaria de cair, isso sem contar a alta do dólar que virá.

A taxa de juros continuará subindo mais um tico. O governo prometeu puxar o cabresto do crédito dos bancos públicos, que de resto já vêm dizendo que vão maneirar, daqui por diante. Não se trata bem de uma receita de aceleração do crescimento em 2014, mais um ano perdido, na melhor das hipóteses.

Faltou explicar - RAUL VELLOSO

O Estado de S.Paulo - 14/11

Nos últimos dias baixou uma nuvem pesada sobre a situação fiscal do País, a ponto de pôr em dúvida a solvência do setor público. A taxa do risco Brasil subiu, descolando nosso caso da situação de outros emergentes, e fala-se até na perda da classificação de "grau de investimento", o que teria forte impacto desfavorável.

O secretário do Tesouro reagiu dizendo que há "um ataque especulativo" contra as contas públicas do Brasil. Na verdade, há um problema estrutural complicado, antigo, que foge ao escopo deste artigo, cuja discussão é altamente relevante, mas evitada pelos governos como forma de contornar o desgaste de atacá-lo de frente (sobre isso, sugiro a leitura de texto em http://www.raulvelloso.com.br/index.php?secao=18&inicio=15&id=52#.UoNFQyhyEmU" em minha recém-inaugurada página na internet). Já a nuvem pesada tem ingredientes mais recentes.

Sobre a gestão fiscal de curto prazo, pode haver um certo exagero dos mercados, como às vezes acontece. Falta perceber que, passada a crise, o governo resolveu conter o crescimento do segundo item de maior peso na pauta de gastos: o de pessoal. Segundo ouvi de Nelson Barbosa, à época na Fazenda, essa seria a estratégia para permitir que as transferências de previdência e assistência continuassem crescendo no mesmo ritmo e os investimentos se recuperassem mais. O que, de fato, mais ou menos, aconteceu.

As transferências de previdência e assistência estão crescendo agora à taxa anual real de 6,7%, em contraste com a taxa média absurda de 9,1%, verificada entre 2004 e 2008. Os investimentos têm mostrado alguma recuperação e o gasto de pessoal, que crescia à média de 6,1% na fase pré-crise, agora cresce a apenas 1,5% ao ano. Pode não ser sustentável, mas é o item que, efetivamente, deveria ser prioritário em qualquer pauta de ajuste.

Assim, os resultados fiscais primários têm se deteriorado não tanto pelo desempenho da despesa, mas pela evolução pífia da receita de natureza tributária. Entre 2004 e 2008, a receita crescia à mesma taxa da despesa, próxima de 9% ao ano. Ela chegou a evoluir a um ritmo 14% acima do IPCA no final de 2011, a partir de quando passou a cair celeremente em face das desonerações tributárias e pelo menor crescimento da economia que vigora atualmente. Em pouco mais de um ano, a taxa acumulada nos últimos 12 meses caiu a zero e hoje está em 2% ao ano. Os superávits de fato caíram, mas retroceder nas desonerações parece bem menos complicado do que adotar uma medida efetiva do lado do gasto, como reduzir o reajuste do salário mínimo, assunto que é tabu para políticos obcecados em se manter no poder.

Não entendo por que isso não foi explicado aos agentes econômicos. Afinal, são eles que financiam a dívida pública e pagam os impostos. A disposição para explicar melhor as coisas teria evitado a piora do risco Brasil. Em vez disso, todas as críticas são simplesmente negadas, inclusive a malfadada "contabilidade criativa", que, para as autoridades, simplesmente nunca existiu.

No curto espaço que me resta, destaco dois itens de uma longa lista de explicações que o governo deveria também dar à sociedade. Primeiro, vem a questão do crescimento econômico, que caiu e não se sabe como o governo pretende recuperá-lo. Sem isso, o emprego despenca junto com a arrecadação. É só questão de tempo.

Depois vêm a questão do controle de preços e o viés antiprivatização, farinhas do mesmo saco. A inflação está estourando o limite superior do intervalo de metas - 6,5% ao ano - e os preços administrados rodam a 1% ao mês. Parte da deterioração fiscal decorre da assunção do ônus dessas políticas pelo orçamento público, cujo equilíbrio é fortemente contestado. E quando tudo tiver de voltar ao normal? O exemplo dramático dos países queridinhos da fase Lula-Dilma, Venezuela e Argentina, está aí, na nossa porta. Problemas existem e são complicados, mas o Brasil tem tudo para superá-los e encontrar um rumo compatível com os interesses maiores de nossa sociedade. É só concentrar esforços nessa direção.

A competência faz, sim, a diferença - JOSÉ SERRA

O Estado de S.Paulo - 14/11

Outro dia, numa palestra para jovens, surpreendi-me com os números do banco de dados que mantenho no computador. O produto interno bruto (PIB) per capita do Brasil é o 81.º do mundo. O nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o 83.º. Mais desconfortável ainda: nosso PIB per capita cresceu apenas 1% ao ano nos últimos 32 anos; o da China, 6,9%; o do Chile, 3%; o dos EUA, 1,5%; o da Índia, 4,3%. É inútil aquela conversa de que o PIB não é tudo, a qualidade de vida é que importa. Pode não ser tudo, mas é a base principal do bem-estar, o que se constata pela proporcionalidade existente mundo afora entre PIB per capita e IDH.

De 1870 a 1980 a economia brasileira foi a que mais se expandiu no mundo, particularmente entre 1930 e 1980. O PIB per capita expandiu-se ao ritmo de 3% a 4% ao ano. Se quisermos recuperar algo do tempo perdido e atingir em 15 anos uma renda per capita equivalente à metade da que hoje têm os países mais desenvolvidos, o PIB brasileiro teria de crescer a 5,3% ao ano! Utopia? Como mobilizar forças e inteligência da sociedade para a gente mudar de patamar?

Há uma espécie de teoria neomalthusiana por aí a sustentar a impossibilidade de taxas elevadas de crescimento no Brasil e no mundo em razão de barreiras ambientais e da anarquia nos padrões de desenvolvimento em escala internacional. Thomas Malthus foi um grande economista inglês da virada do século 18 para o 19. Simplificando, ele constatava que a Inglaterra e o mundo estavam destinados à estagnação, pois a população crescia em progressão geométrica, enquanto a oferta de alimentos se expandia em progressão aritmética. Confundia eventuais ciclos de escassez de oferta com uma tendência de longo prazo. É óbvio que a teoria não se confirmou, mas ao longo dos últimos dois séculos renasceu com variantes, chegando até o Banco Mundial, na época de Robert McNamara, e o Clube de Roma, ainda nos anos 1970. Enfatizava-se o esgotamento dos recursos naturais necessários ao crescimento econômico. Foi ressuscitada recentemente pelos que apontam os efeitos da acumulação de danos ao meio ambiente causados pelo desenvolvimento da economia mundial.

Trata-se de uma teoria pessimista, que subestima as possibilidades tecnológicas que permitem combinar crescimento e defesa ambiental. É também uma teoria cruel para as camadas da população que ainda aguardam melhores empregos, mais consumo e mais e melhores serviços públicos, os quais, como se sabe, exigem não só melhor utilização dos recursos fiscais existentes, mas também mais atividade econômica que gere novas receitas tributárias.

A lentidão brasileira das últimas décadas teve sucessivos panos de fundo. Nos anos 1980 foi o da insolvência externa e da superinflação - nuvem de poeira quente que sufocou o crescimento e derrubou tanto a autoestima nacional como as expectativas a que nos tínhamos acostumado quanto às possibilidades da nossa economia.

Nos anos 1990 pagamos o preço da derrubada do galope inflacionário - em duração, era a maior superinflação do mundo -, sem que o cenário externo fosse tão favorável: nossos índices de relações de troca com o exterior se deterioraram. Além disso, sofremos os efeitos de várias crises financeiras em países emergentes - México, Rússia, Sudeste Asiático, Argentina -, que deram lugar a recorrentes ataques ao real. Adicionalmente houve em 2002 o "risco Lula", candidato presidencial favorito, cujo partido propunha a moratória da dívida com o exterior.

Na década seguinte sobreveio a mais espetacular bonança externa que já cercou nossa economia: forte ascensão dos preços de nossos produtos agrominerais, muitíssimo acima da média histórica, além da baixa taxa de juros internacional. Tivemos algum crescimento no período, revertido, porém, em razão dos desequilíbrios que se foram acumulando. De fato, os benefícios da bonança externa foram torrados em importações de bens de consumo, em grande medida substitutos da produção industrial doméstica, que cresceu menos ou sofreu verdadeiro colapso, com a intensificação da farra cambial de 2008-2011. Um ciclo expansivo baseado no consumo, com investimentos baixos, destruição de capacidade produtiva e aumento do custo Brasil - nesse caso, em razão da carga tributária elevada e das deficiências de infraestrutura. Não poderia ir longe. E não foi.

A bonança externa passou, embora sem virar tempestade. Seu lugar no cenário foi ocupado pelo déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, rumando neste ano para cerca de US$ 80 bilhões, perto de 4% do PIB. Só para conter a desvalorização rápida da taxa de câmbio o governo já ceifou, desde maio, por intermédio de swaps, mais de 20% das reservas. O elevado custo Brasil, que subtrai uns 25% (noves fora a taxa de câmbio) da nossa competitividade, enfraquece as exportações brasileiras de manufaturados e garante crescente fatia do mercado interno aos importados.

Como já escrevi nesta página, essas dificuldades, aliadas às demandas nas áreas de educação, saúde e segurança, cairão no colo do próximo presidente, seja ele quem for. Não acredito na possibilidade de enfrentar todos os problemas de uma só vez nem naquele famoso expediente de resolver tudo com uma bala na testa do tigre. Mas não creio que na vida econômico-social haja situação sem saída. As deficiências da infraestrutura de transportes e energia, por exemplo, acenam com um vetor de dinamização da economia de dois modos: de um lado, cria demanda e emprego; do outro, aumenta a produtividade dos fatores. Tais investimentos, hoje, ao contrário do que se pensa, não estão limitados pela escassez da poupança governamental - de resto, é possível atrair recursos privados -, mas pela incapacidade de se definirem as prioridades e se executarem os projetos.

A competência humana consiste justamente em não nos deixarmos tragar por fatores que não são da nossa escolha. A competência, caros leitores, pode, sim, fazer a diferença.

Bancada do cárcere - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 14/11

Encerrada a fase de exame da segunda leva dos embargos de declaração apresentados pelos réus do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional está prestes a tornar-se refém de uma sinuca construída com as próprias mãos, sustentada na ausência de bom senso e alimentada por uma visão deformada de preservação da autonomia do Poder.

Não bastasse ter mantido a condição parlamentar de Natan Donadon, atualmente residente no presídio da Papuda, Câmara e Senado podem ganhar em breve a companhia de mais dois detentos: os deputados Pedro Henry e Valdemar Costa Neto, integrantes do grupo dos condenados sem direito a recursos passíveis de modificação das sentenças.

Deixemos por ora de lado o caso do deputado e ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas com chance de ser absolvido neste último crime por força de embargo infringente.

Sobre isso a Corte vai se debruçar no primeiro semestre do próximo ano, não para anular punições, mas para estabelecer novo regime de cumprimento da pena de um, de outro, de nenhum ou de todos que tenham esse direito. Falemos apenas dos dois deputados em via de receber o veredito final depois de publicado o acórdão relativo a essa etapa.

E por que, então, a referência também ao Senado? Porque o assunto ficará em suspenso e durante algum tempo o Parlamento terá triplicado a sua população carcerária devido à recusa das duas Casas a fazer a sua parte a tempo e à hora.

Postergou o quanto pôde a votação da chamada PEC dos mensaleiros que prevê a perda imediata de mandatos em casos de condenações criminais, de autoria do senador Jarbas Vasconcelos. Quando finalmente foi aprovada no Senado em decorrência da vergonhosa manutenção do mandato de Donadon, ficou parada na Câmara e assim está há dois meses.

O Legislativo também protela a mais não poder a votação da emenda constitucional que muda de secreta para aberta a manifestação dos parlamentares. Há duas propostas: uma na Câmara, outra no Senado, ambas emperradas na resistência de suas excelências a enfrentar o dilema de abrir o sigilo para todo o tipo de votação ou só para os casos de cassações.

Ao mesmo tempo, a Mesa da Câmara entende que o STF não tem a palavra final e o presidente da Casa, Henrique Alves, disse que não levará cassações ao plenário enquanto não for resolvida a questão do voto secreto.

Ou seja, nada anda nessa embolada. Ou pelo menos não anda no ritmo correspondente a um problema que só admite um resultado - o afastamento de condenados - e, portanto, já poderia e deveria ter sido solucionado livrando o Congresso de mais essa afronta ao princípio do decoro parlamentar.

Milonga. A Lei de Mídia posta em vigor recentemente na Argentina com o objetivo de destruir o Grupo Clarín por sua oposição ao governo de Cristina Kirchner foi criada sob o argumento de que seria necessário impedir monopólios nos meios de comunicação e democratizar a informação.

Reeleito presidente do PT, Rui Falcão anunciou que o partido trabalhará "por uma mídia mais democrática", baseada num modelo que tenha "mais agentes emissores e que coíba a ação dos monopólios e oligopólios".

Inspiração e argumentação absolutamente iguais. Falcão tenta marcar diferença dizendo que o PT vai propor regulamento constitucional para banir "qualquer tipo de censura".

Não precisa. Isso já está muito claro no inciso 9 do artigo 5º: "É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Prisões, firulas, confusão - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 14/11

BRASÍLIA - No canto de baixo da tela da TV Justiça, uma tarja anunciava o julgamento ontem no Supremo Tribunal Federal: "ED do ED da AP 470". Essa sopa de siglas e de números, ininteligível para leigos, antecipou o clima no fim da sessão de ontem do Supremo. Até os ministros estavam confusos.

Tudo caminhava com razoável consenso para o cumprimento imediato das penas, inclusive a prisão de réus ilustres como José Dirceu --o que, de fato, prevaleceu no final--, mas o recém-chegado ministro Teori Zavascki jogou o julgamento num impasse.

Na tese do presidente Joaquim Barbosa, questionada por Ricardo Lewandowski, como já esperado, deveriam ser declaradas transitadas em julgado as condenações dos que não apresentaram recurso, dos que perderam o embargo de declaração do embargo de declaração (ED do ED) e dos que, como Dirceu, já estão condenados por um crime e recorrem de outro.

Além destes, Joaquim defendia descartar, declarar transitado em julgado e mandar prender os que, espertamente, abriram embargo infringente sem ter direito a ele.

Pelo regimento, só podem entrar com embargos infringentes os réus que tenham tido pelo menos quatro votos em seu favor. Logo, na visão de Joaquim, os recursos que não atendam esse requisito básico são meramente protelatórios e deveriam ser liminarmente desconsiderados.

Mas, para Zavascki, o Supremo não pode tomar decisões sobre os infringentes antes de analisá-los, um a um. Seria como botar o carro à frente dos bois. Joaquim chiou: "Chicanas!","Meras firulas!".

A expectativa inicial era que a tensão se concentrasse no caso dos réus que efetivamente têm direito a infringente e podem ter a pena reduzida --caso de Dirceu. Mas a infindável discussão do plenário ficou em cima de uma obviedade e da manobra abusiva, petulante, de apresentar recurso, maliciosamente, sem poder.

Vitória da justiça - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 14/11

A decisão do Supremo tribunal Federal (STF) de decretar o cumprimento imediato das penas daqueles crimes aos quais não cabem mais embargos infringentes faz com que a sociedade possa voltar a ter confiança no nosso sistema jurídico, colocando ponto final no processo do mensalão e mandando para a cadeia os condenados no mais importante julgamento da História política do país.

A tese do relator Joaquim Barbosa de que os crimes são autônomos e, portanto, podem ter o trânsito em julgado decretado separadamente evitou que as manobras protelatórias da defesa tivessem efeito prático.

Apesar das divergências, e da confusão de conceitos que provocou discussões disparatadas, prevaleceu o sentido principal da decisão do relator Joaquim Barbosa, que é a de executar as penas dos condenados.

É importante ressaltar que a decisão de ontem demonstrou que a votação que resultou na aceitação dos embargos infringentes, que parecia ser uma sinalização de que o plenário do STF estaria se orientando por uma posição mais condescendente com os condenados, foi apenas uma opção técnica da maioria dos ministros, que nada teve a ver com a tendência de postergar a execução das penas.

O ministro Luís Roberto Barroso, o primeiro a votar, pelo contrário, defendeu a tese de que não era mais possível aceitar manobras protelatórias para evitar o cumprimento das penas, como foram considerados ontem os embargos de declaração dos embargos de declaração.

Assim como, ao votar a favor dos embargos infringentes, Barroso chamou a atenção para o fato de que a condenação estava dada e que a nova análise dos embargos infringentes não impediria que ela se realizasse, ontem ele também chamou a atenção de que o cumprimento imediato das penas poderia ser até benéfico ao condenado, já que a pena poderá ser reduzida no final.

Aceitar a tese de fatiamento das penas, inclusive, como ressaltou o Ministro Teori Zavascki, porque a prescrição das penas vale para cada crime separadamente, foi uma demonstração de que a Corte não estava a fim de manobrar para adiar a execução das penas.

Essa interpretação, que teve antecedentes no STF mais ligados a processos cíveis e não criminais, foi aceita pela maioria sem grandes polêmicas, não tendo repercussão a tentativa do Ministro Ricardo Lewandowski de adiar a decisão, alegando que o pedido do procurador-geral da República, Ricardo Janot, de executar as penas mesmo daqueles réus que ainda têm embargos infringentes a serem julgados criava um fato novo que precisava ser analisada pelas defesas dos condenados.

O ministro Joaquim Barbosa, ao mandar juntar aos autos o parecer do Ministério Público, deu margem a essa tentativa de manobra. Tudo indica que ele achou que o pedido de Janot reforçava a sua decisão, mas, ao contrário, ele quase adiou a decisão.

Não acredito na teoria conspiratória de que Janot entrou com seu parecer na noite de terça-feira apenas para dar margem a essa manobra de adiamento da execução das penas.

O fato de que o ex-ministro José Dirceu cumprirá inicialmente pena em regime semiaberto, até que se julgue novamente o crime de formação de quadrilha, não tem maior significado, pois a punição está dada e seria apenas uma vingança política, e não justiça, só aceitar que ele seja condenado à prisão fechada.

O inacreditável mesmo foi a confusão que os próprios ministros fizeram em relação à decisão, pois passaram boa parte da sessão discutindo uma questão que não estava em jogo. O presidente Joaquim Barbosa se irritou, fez um discurso, chamou de chicana a manobra que ele enxergava, mas que na realidade não existia.

Ele achou que o Ministro Zavascki estava tentando impedir que os condenados que ainda tenham embargos infringentes tivessem suas penas executadas, quando, na verdade, ele se referia apenas àqueles condenados que tiveram os embargos infringentes recusados ontem pelo ministro Joaquim Barbosa.

No final, a confusão era tão grande que cada ministro teve que repetir seus votos. Mas a decisão sobre a execução imediata das penas foi tomada por unanimidade.

Se a palavra condena, a imagem consagra - EUGÊNIO BUCCI

O Estado de S.Paulo  - 14/11

Dizem que a fotografia abre canais para a emoção na página de um jornal, e isso é bom. Enquanto as letras do alfabeto, perfiladas como soldadinhos de chumbo, compõem colunas visualmente monótonas, as imagens reacendem a sensação de contato direto com o mundo real. As palavras enfileiradas procuram ordenar o caos da realidade, encadeando nexos lógicos entre eventos aparentemente soltos no espaço. As figuras operam em outro plano: elas anestesiam a lógica formal e, em lugar da racionalidade, apelam para a sensibilidade do leitor.

Na primeira página de um diário, a manchete, os títulos e os subtítulos conferem certa hierarquia a fenômenos dispersos. As palavras tecem sentidos comuns entre acontecimentos desconectados uns dos outros. A diagramação das notícias mostra que este fato, que mereceu mais espaço, é mais urgente do que o outro; dizem que aquele deslize daquele político não pode ser ignorado; avisam que algo de grave se anuncia no horizonte (pode ser a chuva prevista para o fim de semana, podem ser as consequências sombrias da renúncia do secretário atingido por denúncias de corrupção).

Na mesma primeira página, a foto cumpre uma função bem diferente. Ela escancara a cena, que fala por si (ninguém precisa saber ler uma única palavra para sentir nos olhos o que a imagem expõe). A foto impõe uma pausa, um breve instante de atenção, um momento que pode ser de incredulidade, de simples contemplação, de nojo, ódio, piedade, desejo ou de desprezo. Onde a palavra privilegia o cálculo a imagem desata o sentimento e dessa polarização o jornalismo - não só no papel, mas em toda parte, principalmente na televisão e na internet - extrai o seu melhor sabor.

É por aí também que ele mergulha na sua esquizofrenia. Sim, o pêndulo entre imagem e palavra tende para o bem, mas, ao mesmo tempo, abre contradições que, para boa parte dos profissionais da imprensa, são simplesmente insolúveis. Um eloquente exemplo dessa esquizofrenia nós tivemos agora, de poucos meses para cá. De um lado, todos os editoriais de todos os veículos de comunicação do País registraram críticas mais ou menos agudas à agressividade violenta dos black blocs. Na outra ponta, as fotografias e as imagens de TV endeusavam a persona do black bloc, com suas máscaras de lã, suas botinas de pedra e suas garrafas flamejantes. Graças ao tratamento fotográfico que recebeu, essa persona foi investida de uma aura artificial de romantismo incendiário, de paixão, de coragem adolescente. Enquanto as palavras tentavam ser severas com os tais "vândalos" (entre aspas, pois a polícia também enveredou pelo vandalismo e, apesar disso, nunca mereceu esse adjetivo das coberturas dominantes), as fotografias produziam deles uma iconografia heroica e fetichista.

Que ninguém se surpreenda se algum costureiro lançar uma nova grife, "Vandaluz", ou se nos shows de rock da próxima temporada o guitarrista quebrar seu instrumento contra uma vidraça artificial em cima do palco, imitando uma agência bancária. O papa é pop e o black bloc é chique.

No seu automatismo de não perder um lance dos confrontos, os veículos informativos fabricaram a mística desse novo ícone de valentia juvenil, que faz lembrar a Jovem Guarda ("eu sou rebelde porque o mundo quis assim, porque nunca me trataram com amor", etc). É evidente que a imprensa tem o dever de registrar o confronto, mas será que ela tem também o dever de endeusar os protagonistas dos quebra-quebras para dar mais tempero aos desajustes do cotidiano?

As cenas que os editorialistas mais recriminam são justamente aquelas que os editores de fotografia mais adoram. Com isso se vai instalando dentro das redações a mesma clivagem que sempre caracterizou o comportamento dos telespectadores. Do alto de seu moralismo declarado, os telespectadores vituperam contra as programações mais apelativas. Depois, no esconderijo de seu quarto, entre quatro paredes, entregam-se à contemplação das baixarias que dizem repelir. Os programas que mais provocam protestos são normalmente os que mais atraem audiência. Não se trata de hipocrisia: a massa de telespectadores é esquizofrênica, como sempre se soube. O dado intrigante é que as redações também estejam ficando assim.

Na virada do século 19 para o século 20, a visibilidade tornou-se o critério definitivo da existência. Só o que visível, histericamente visível, parece existir de verdade. Tanto as massas como as pessoas, tanto as multidões como cada um dos indivíduos, dão a vida em troca de um minuto de visibilidade. Isso é literal. Meninos que fuzilam seus colegas de escola e depois disparam um tiro na própria cabeça desejam apenas que os meios de comunicação digam o nome deles, mostrem a foto deles. O crime de sangue, desde que bárbaro, horripilantemente bárbaro, é um atalho mórbido para a celebridade. Quem garante é a imprensa. Pelos mesmos mecanismos, a melhor forma de sair por aí fazendo pose de bonitão (ou bonitona) para a galera é se fantasiar de black bloc e ir "causar" na passeata. Ser black bloc, além de chique, é sexy.

Que alguém apareça vestido de Batman na manifestação de rua não surpreende: a mística do black bloc é herdeira de Durango Kid, Homem Aranha, Zorro e outros heróis dos quadrinhos. De acordo com a representação que os meios de comunicação fizeram dela, a mística do black bloc é uma categoria não do jornalismo, mas do entretenimento. É mesmo possível que, ao atirar uma pedra contra o escudo da Tropa de Choque, o garoto, com overdose de adrenalina, tenha de si mesmo a imagem de um, digamos, Batman de esquerda. Pode soar patético, mas o imaginário fabricado pela cobertura fotográfica dos protestos que eclodiram em junho passa por aí.

Nas ruas e nas redações, a emoção (das imagens) e a razão (da palavra) olham uma para a face da outra e não se reconhecem mais.

Fim dos abusos - ADRIANA LACOMBE COIRO

O GLOBO - 14/11

Um dos pontos relevantes da decisão de ontem passou quase em branco: em oito casos, os embargos de declaração foram considerados protelatórios. Como consequência, a maioria dos ministros entendeu que não seria necessário aguardar a publicação da decisão no Diário Oficial para que se entendesse que houve trânsito em julgado.

Esse resultado não foi inédito: da mesma forma o Supremo já havia decidido no caso de Natan Donadon. Ontem, mostrou que a decisão não foi isolada, mas uma tendência consciente. Nove dos 11 ministros entenderam dessa forma. Em caso de embargos de declaração protelatórios, o tribunal reconhece imediatamente o trânsito em julgado para aquele réu. A execução da pena deve ser imediata, inclusive a prisão, nos casos em que foi estabelecida na decisão condenatória.

Combateu-se o uso de recursos abusivos, quando estes deixam de expressar a garantia da ampla defesa e passam a constituir um excesso dos réus. Recursos usados apenas para atrasar mais o processo, que acabam por prejudicar a Justiça. É uma mudança cultural fundamental. Combate-se o carnaval de recursos mencionado pelo Ministro Barroso.

Nas instâncias inferiores, há também previsões legais para combater os recursos protelatórios. Multas, por exemplo. Ocorre que elas raramente são aplicadas. E, assim, processos se tornam eternos, com até sete rodadas de embargos de declaração, como já aconteceu no próprio Supremo. A decisão de ontem é exemplo a ser seguido.

As discussões foram muitas, mas essa mensagem ficou clara: para os ministros do Supremo, respeitar o direito de defesa dos réus é preciso. Tolerar os excessos, não.

E ainda querem elevar o IPTU? - ROGÉRIO GENTILE

FOLHA DE SP - 14/11

SÃO PAULO - Fernando Haddad e Gilberto Kassab, ambos, no final das contas, tinham razão em seus diagnósticos sobre a Prefeitura de São Paulo. A situação era e é de descalabro.

Kassab foi prefeito de São Paulo por quase sete anos, período em que duas fábricas de dinheiro funcionaram ativamente debaixo do seu nariz. Uma instalou-se no departamento responsável pela aprovação de empreendimentos imobiliários e era chefiada por um cidadão, Hussain Aref Saab, velho conhecido de Kassab que conseguiu adquirir 106 imóveis enquanto esteve no cargo. A outra funcionava no setor de arrecadação de impostos e desviou milhões dos cofres públicos.

Haddad foi eleito há um ano e seu olfato também não foi suficientemente sensível para perceber que algo estranho ocorria na sala ao lado da sua. Antonio Donato, chefe de sua campanha e seu braço direito na prefeitura, mantinha relações próximas com fiscais suspeitos de corrupção.

Donato trouxe, inclusive, um deles para trabalhar em seu gabinete, mesmo após Haddad ter recebido uma denúncia anônima por escrito relatando a participação do sujeito em cobrança de propina. O fiscal, que é chamado nominalmente de "bandido" no documento, é o tal que disse, em depoimento ao Ministério Público, ter pago mesada para o ex-secretário.

Ainda que isso não seja verdade, como diz Donato, chama a atenção o modo como o petista encara a coisa pública. O ex-secretário afirmou à Folha que trouxe o fiscal para seu gabinete para atender "um cara que ajudou na campanha". Mas o que ele fazia no gabinete? Segundo nota emitida pela própria prefeitura, "ele não tinha função específica". Ou seja, não fazia nada.

Com tanto descalabro, como diriam Haddad e Kassab, uma pergunta se impõe: uma prefeitura na qual impostos são desviados, fiscais se enriquecem e funcionário público não precisa trabalhar tem moral para aumentar drasticamente o IPTU?

Brasil precisa decidir seu futuro no Mercosul - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 14/11

A negociação de acordo com a União Europeia pode chegar a impasse, caso a protecionista Argentina mantenha boicote ao avanço das conversas



A longa crise por que passa o Mercosul enfrenta um teste, a depender do qual o bloco aumentará a velocidade no curso rumo ao esfacelamento. Este divisor de águas é a negociação de acordo comercial com a União Europeia, na agenda há mais de dez anos e, hoje, um projeto ainda mais importante para o próprio bloco. Este acordo, se fechado, será o primeiro de peso a ser assinado pelo Mercosul, signatário até hoje de tratados apenas com Israel, Egito e Autoridade Palestina, desprezíveis diante do tamanho do Brasil.

O momento também é estratégico, pois a UE — apesar das rusgas criadas pela revelação da espionagem eletrônica — trata com os Estados Unidos daquele que poderá ser o maior acordo comercial do mundo. É óbvio que não deve interessar ao Brasil que a União Europeia e os EUA estabeleçam preferências entre suas trocas comerciais antes do Mercosul (ou do Brasil isoladamente, na hipótese de o Mercosul, de união aduaneira passar a ser uma área de livre comércio), porque o país é concorrente da economia americana em exportações agropecuárias, principalmente. As negociações com a UE foram suspensas em 2006, porque os europeus desejavam esperar o desfecho da Rodada de Doha, afinal fracassada dois anos depois. As conversas foram retomadas e há, portanto, um longo caminho já percorrido. Agora, está na hora da entrega de listas de produtos, por cada país, para se definir a abrangência do acordo. Mas a Argentina não fornece a sua, numa atitude de claro boicote. Paralisado pela cirurgia da presidente Cristina Kirchner, o governo argentino nada decide. No caso do acordo com a UE, supõe-se que mesmo com Cristina no seu gabinete na Casa Rosada, a situação seria a mesma, pois o protecionismo passou a ser parte da “política econômica” do kirchnerismo, dadas as condições dramáticas das contas externas do país.

No final de semana, o presidente do Uruguai, José Mujica, interessado neste acordo, foi a Brasília conversar com Dilma Rousseff. Sabe-se que a possibilidade de ampliar negócios com a UE também interessa ao Paraguai. O Brasil precisa escolher um lado: o da racionalidade e da defesa dos efetivos interesses nacionais ou do compadrio ideológico com o kirchnerismo, hoje uma vertente do bolivarianismo chavista. Por sinal, a Venezuela de Maduro, em crise profunda, propõe que em dezembro seja formalizada a associação entre o Mercosul, a Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), da qual faz parte Cuba, e a Comunidade do Caribe (Caricom), todos da área de influência do chavismo.

Espera-se que a concordância do Brasil com a criação deste bloco do atraso tenha sido apenas um gesto de elegância. Mas, se foi verdadeira, e a depender dos termos do acordo, a economia e o comércio exterior brasileiros continuarão atolados no Mercosul e cada vez mais distantes das cadeias produtivas globais, ou seja, atrasados em termos de tecnologia e produtividade. Será a opção pelo subdesenvolvimento.

Má gestão e corrupção - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 14/11
Incompetência e desídia são duas características da administração pública que emergem de declarações - serenas e de tom muito mais técnico do que político, ressalve-se - do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Augusto Nardes. São muitas as falhas de gestão dos recursos públicos detectadas pelo TCU que revelam essas duas características. Entre outras, Nardes apontou a má qualidade da gestão financeira, a falta de planejamento e o despreparo do pessoal técnico do setor público, deficiências que abrem o caminho para o sobrepreço das obras e das compras públicas e para a corrupção.
Uma dessas falhas, em particular, deixa nítidas algumas das piores características da administração pública brasileira. Trata-se da forma generosa como o governo federal concede benefícios tributários a diferentes setores e classes de contribuintes, que resultam anualmente em cifras bilionárias, sem que nunca tenham sido avaliados os efeitos práticos dessas medidas. São as chamadas renúncias fiscais.

Só em 2012, as renúncias somaram nada menos do que R$ 212 bilhões, como informou o presidente do TCU. Trata-se de um valor que vem crescendo rapidamente nos últimos anos, em razão das sucessivas isenções tributárias concedidas pelo governo Dilma para tentar estimular determinados setores da economia escolhidos pelo próprio governo, com resultados até agora pouco visíveis para o País.

O total de renúncias fiscais no ano passado foi 15,3% maior do que em 2011 (R$ 187,3 bilhões), que, por sua vez, fora 30,1% maior do que em 2010 (R$ 144 bilhões). São valores maiores do que a soma dos orçamentos das áreas de saúde, educação e assistência social.

Há tempos, o TCU, no exame das prestações anuais de contas do governo federal, vem cobrando do Executivo a apresentação de indicadores da eficácia da utilização dessa forma de benefício tributário, para que seja possível a avaliação de seu impacto sobre o crescimento da economia e sobre a qualidade de vida da população.

"A informação que temos é de que não há acompanhamento dos impactos", disse Nardes. O governo não consegue avaliar o efeito das medidas. No caso dos incentivos para a área de tecnologia, o TCU conseguiu aferir que as medidas ajudam a sustentar o nível de emprego, mas não sabe se elas resultaram em melhoria da competitividade da economia, como era seu objetivo. Há dois meses, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, retirou das Secretarias de Política Econômica e do Tesouro a competência para fazer esse trabalho, transferindo-a para a Secretaria da Receita Federal, que, como mostraram episódios recentes, está sob inteiro domínio do ministro.
A falta de controle sobre as renúncias fiscais é apenas um dos males da administração pública - que são antigos e existem em todos os níveis, como fez questão de destacar o presidente do TCU. Há muitas outras, mas algumas dessas deficiências se tornaram agudas nos governos chefiados pelo PT. O fato de, só nos últimos cinco anos, as auditorias do TCU terem forçado a revisão de contratos que resultaram em economia de R$ 102 bilhões para os cofres públicos parece comprovar isso.

Projetos mal elaborados ou incompletos, mesmo em áreas críticas como rodovias, aeroportos e ferrovias, são outros exemplos conhecidos de falhas de gestão que implicam perdas para o contribuinte ou atraso nos programas do governo. A incapacidade do governo Dilma de executar o que está no Orçamento da União é outro exemplo. No ano passado, dos investimentos previstos para transportes, o governo aplicou apenas 33%, o que explica a persistência ou o agravamento das deficiências de infraestrutura do País. Em saneamento, os investimentos não passaram de 28% do valor orçado e, em urbanismo, de 9%. Entende-se por que não avançam as políticas de mobilidade urbana e por que continuam ruins as condições do saneamento básico. Também se entende por que o governo do PT acumula restos a pagar, despesas contratadas, mas não liquidadas no mesmo exercício.

Corrupção transversal - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/11

Acusação contra braço direito de Haddad reforça percepção de que a chamada máfia do ISS articulava-se de maneira suprapartidária


Nada se comprovou, até aqui, a respeito do envolvimento de autoridades políticas na chamada máfia do ISS (Imposto sobre Serviços). São cada vez mais consistentes, entretanto, os indícios de que o esquema de corrupção não era prerrogativa de nenhum partido que tenha ocupado a Prefeitura de São Paulo nos últimos anos.

As suspeitas naturalmente incidem com maior intensidade sobre a gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD). Foi durante seu governo que, segundo as investigações, se estruturou a quadrilha acusada de cobrar propina em troca de descontos ilegais no ISS.

Dos quatros fiscais que chegaram a ser presos, três mantiveram cargos de confiança na administração de Kassab --um deles, Ronilson Bezerra Rodrigues, apontado como líder do grupo, foi subsecretário da Receita municipal.

Consta, além disso, que os recursos arrecadados por baixo dos panos eram distribuídos sem cerimônia na sede da prefeitura. Sendo tão volumosas as receitas da corrupção --calcula-se que os quatro fiscais tenham acumulado patrimônio de R$ 80 milhões--, é de perguntar como tanto dinheiro vivo não chamava a atenção.

É o que faz Roberto Bodini, promotor responsável pelas investigações, ao justificar sua pretensão de ouvir explicações de Mauro Ricardo, ex-secretário de Finanças nas gestões de José Serra (PSDB) e Kassab e superior direto de Ronilson.

"Foram anos com dinheiro sendo entregue no andar de baixo do seu local de trabalho, dentro do prédio público (...). E ele [Mauro Ricardo] não sabia nem procurou saber?" --questiona Bodini.

A dúvida é pertinente. Ainda mais porque a atual administração, do prefeito Fernando Haddad (PT), identificou com facilidade a existência de desvios.

Nem por isso, contudo, a gestão do petista passará incólume. Já se sabia, por exemplo, que Ronilson ocupou, neste ano, cargo de diretor de finanças na SPTrans. Vieram a público, anteontem, fatos bem mais comprometedores.

Primeiro, esta Folha mostrou que o fiscal Eduardo Horle Barcellos, partícipe das fraudes, trabalhou por três meses com a equipe do secretário de Governo, Antonio Donato, braço direito de Haddad. Embora negue qualquer vínculo com os desvios, Donato pediu demissão de seu cargo.

Depois, soube-se pelo "Jornal Nacional", da Rede Globo, que Barcellos, em depoimento ao Ministério Público, afirmou que Donato recebeu dos fiscais R$ 20 mil por mês, de dezembro de 2011 a setembro de 2012. É seu quinto elo com o caso --compreensível, pois, que a Promotoria queira ouvi-lo.

Outro político de outro partido --o vereador Aurélio Miguel, do PR-- também foi mencionado por Barcellos. Não será surpresa, a esta altura, se a lista de legendas de algum modo implicadas nesse caso continuar aumentando. É crucial, portanto, que as investigações também sejam suprapartidárias.

Brasília e o basta à corrupção - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 14/11
A cada novo escândalo, a fama de terra sem lei adquirida por Brasília provoca sentimentos contraditórios no cidadão, que já não sabe se fica esperançoso ou mais desanimado. A esperança estaria na expectativa de, enfim, a cidade assistir à deflagração de um combate sem trégua às irregularidades. Mas a frequência com que os ultrajes à coisa pública vêm à tona acaba por dar vez ao ceticismo, aflorando na população o sentimento de impotência.
A grilagem de terras é um dos males que despontam como praga incurável. A corrupção, outro. Juntas ou dissociadas, são cruzes que a sociedade local se vê condenada a carregar ad infinitum. Podem até ter o peso aliviado aqui ou ali, por uma ou outra investigação, mas a sensação de impunidade eterniza-se. E a capital rola para futuro incerto o pagamento da dívida que tem com o país de torna-se exemplo nacional - sobretudo, líder inflexível na aplicação da lei.

A vergonha da hora, há uma semana nas páginas deste jornal, é o tráfico de alvarás para construção, com o conluio de maus políticos, maus empresários e maus funcionários públicos. O esquema consiste no pagamento de propinas e troca de favores para acelerar a obtenção do documento para grandes empreendimentos, com a dispensa da exigência de relatórios de impacto ambiental e de trânsito. Ou seja, com prejuízos generalizados para o brasiliense.

Enquanto a elite construtora compra consciências para erguer prédios luxuosos com mais celeridade, ampliando os lucros, o estrangulamento do fluxo de veículos - seja da frota pública, seja da particular - e a degradação do meio ambiente aceleram rumo ao caos. O resultado é o comprometimento da qualidade de vida, com o agravamento do crescimento desordenado já proporcionado pela grilagem de terras e pela ocupação irregular do solo.

Investigada desde 2011 pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), com interceptações de conversas telefônicas autorizadas pela Justiça por pelo menos seis meses, a negociata teria sido flagrada com "provas robustas". As consequências imediatas foram a exoneração e prisão dos administradores regionais de Taguatinga e Águas Claras, além do cerco a 12 empresários, comerciantes, servidores e empregados de empresas particulares.

À parte a imperiosa necessidade de levar até o fim as investigações da Operação Átrio, urge passar pente-fino em todos os processos do gênero no DF. Mas não só. A peneira deve contemplar também os procedimentos dos órgãos de fiscalização. Há que dar um basta na facilidade com que falcatruas proliferam na capital do país. E também no império da impunidade - afinal, os podres somente serão expurgados de fato com a punição dos responsáveis, estejam eles onde estiverem.

Ficha limpa para todos - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 14/11

Foi aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a Proposta de Emenda à Constituição que estende os efeitos da Lei da Ficha Limpa a todos os servidores da administração pública. A proposta ainda será examinada por uma comissão especial e pelo plenário da Casa, quando necessitará do apoio de pelo menos 308 deputados em dois turnos. Mas o debate em torno desta matéria já representa um avanço em relação à moralidade no serviço público. Se uma pessoa não pode se eleger, devido a condenação judicial definitiva por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas ou abuso de autoridade, também deve ser vetada para cargos efetivos ou comissionados que exigem total probidade.
Infelizmente, o serviço público tem servido de refúgio e prêmio de consolação para políticos rejeitados pelas urnas, mas que contam com padrinhos poderosos. Com tanta frequência, que já se tornou rotina, candidatos mal votados, correligionários e amigos de governantes têm sido chamados para cargos de confiança, muitas vezes por interesse estritamente partidário ou pessoal. Esses apadrinhados raramente passam pelos filtros da competência, da habilitação técnica e da idoneidade, previstos pela própria Constituição para todos os ocupantes de funções públicas.
Pois agora, se a legislação avançar, os cidadãos poderão contar com um novo instrumento de controle sobre aqueles que deveriam servi-lhes, mas que invariavelmente se utilizam dos cargos para servir-se. Se um indivíduo condenado por corrupção não pode participar do pleito eleitoral, como prevê originariamente a Lei da Ficha Limpa, também não é aceitável que exerça qualquer outra atividade na administração pública, com prerrogativas para atuar em nome da sociedade que o condenou por trair sua confiança.

As reformas na China - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 14/11
A economia chinesa, a segunda maior do mundo, com PIB de US$ 6,25 trilhões nos primeiros nove meses do ano, vai continuar mudando e as decisões sobre como usar os recursos vão depender cada vez mais do mercado, anunciou o Comitê Central do Partido Comunista depois de quatro dias de reunião. Os planos ainda serão detalhados e o ritmo da inovação vai depender do jogo político, mas o dado mais importante parece bastante claro. O programa de abertura e liberalização esboçado em 1978 e acelerado a partir de 1993 será mantido, mas com as adaptações incluídas na agenda a partir da crise global de 2008. O avanço nas adaptações foi até agora modesto. Mas o compromisso com um novo estilo de crescimento, com mais ênfase no consumo e no mercado interno e menor dependência das exportações, tem sido reafirmado pelas autoridades. Os objetivos sacramentados nos últimos dias pela cúpula do governo e pelo partido incluem a agenda elaborada a partir da crise, mas são mais ambiciosos em termos técnicos e ideológicos.
Especialistas ouvidos pela imprensa tanto na China quanto em outros países, depois de anunciadas as diretrizes para o período até 2020, lamentaram a falta de detalhes e de metas numéricas. Essas críticas têm algum fundamento, mas seria um evidente exagero cobrar do Comitê Central mais precisão do que oferecem os dirigentes dos principais bancos centrais do mundo quando anunciam os rumos da política monetária. A cúpula do Federal Reserve, por exemplo, alvoroçou todos os mercados quando indicou, em maio, a intenção de reduzir os estímulos à economia americana. Mas nunca se comprometeu com prazos ou com indicadores bem definidos de crescimento econômico.

O Comitê Central foi bastante claro ao indicar a busca da "relação adequada entre governo e mercado" como o ponto central da reforma econômica. A grande mudança consistirá em deixar ao mercado o "papel decisivo" na alocação de recursos e em permitir ao governo o desempenho de "um papel melhor", segundo a agência estatal Xinhua.

O compromisso parece inequívoco. A importância do mercado passou de "básica", nas definições anteriores, para "decisiva". Além disso, a divisão de atribuições apontada no documento tem um sentido estratégico mais amplo do que parecem ter reconhecido os comentaristas. Não se trata apenas de conferir maior responsabilidade ao mercado. A mudança deve também resultar em melhor cumprimento das tarefas governamentais.

Delimitar as funções do mercado e do poder público é outra história e, além disso, caberá ao governo a decisão sobre o ritmo e sobre o alcance progressivo das reformas. O dado notável, por enquanto, é o reconhecimento dessa delimitação como importante para o aumento da eficiência tanto dos negócios como da gestão pública. Essa noção foi perdida em alguns países latino-americanos, onde os governos têm cedido cada vez mais à tentação do intervencionismo inepto.

A pauta chinesa inclui várias outras mudanças políticas e econômicas, como a simplificação dos processos de investimento, a melhor distribuição de renda entre cidade e campo, a liberação progressiva da comercialização de terras urbanas e rurais e a reforma do sistema judicial. Não se trata, obviamente, de uma transformação radical do regime político nem do sistema econômico e muito menos de um plano de transferência de poder. Mas a agenda, apesar dos pontos indefinidos, ficou mais ambiciosa.

Um comitê deverá detalhar o plano e supervisionar sua implementação. A tarefa deverá envolver, entre outros pontos, mudanças na política fiscal, com maior disciplina para os governos locais, hoje muito endividados. Será preciso pensar em novos esquemas de aposentadoria e em novas opções de poupança. Falta saber se o governo estará disposto a reformar o sistema de empresas estatais. O assunto é um dos mais complicados e perigosos, por suas implicações técnicas e pelos interesses dos atuais beneficiários do sistema. Se houver disposição, será uma grande briga política.

Continente da violência - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 14/11

Uma ou duas décadas atrás, era um lugar-comum sociológico atribuir a criminalidade à pobreza. O mito está em crise há algum tempo, e nada melhor para demoli-lo do que a América Latina, a única região do planeta em que a violência letal aumentou de 2000 a 2010.

A refutação aparece com clareza no relatório "Segurança Pública com Face Humana", do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Apesar do crescimento econômico e da melhora na distribuição de renda, a região teve 100 mil assassinatos anuais no período. Em 11 dos 18 países analisados, a taxa de homicídios ainda está acima de 10 por 100 mil habitantes, um nível considerado preocupante (no Brasil são cerca de 20 por 100 mil).

Segundo o estudo, responsabilizar só o crime organizado e o narcotráfico é um erro. Eles se combinam com cinco outros fenômenos em alta: delitos de rua, como roubos; criminalidade juvenil; crimes de gênero (contra mulheres e homossexuais); violência policial; e o binômio corrupção/impunidade.

Uma atmosfera de brutalidade perpassa toda a sociedade, mesmo quando esta logra melhorar a distribuição de renda, mas em paralelo descura de ampliar os canais de ascensão social e de realização pessoal. A negligência com a educação, por exemplo, deixa multidões de jovens sem esperança de usufruir plenamente do crescimento econômico baseado no aumento do consumo.

O Brasil aparece em quinto lugar no ranking das mais altas taxas de homicídio de jovens, com 51,6 por 100 mil. Antes dele estão El Salvador (92,3), Colômbia (73,4), Venezuela (64,2) e Guatemala (55,4).

Se não melhora com a bonança da economia, a criminalidade pode, no entanto, contribuir para tolhê-la. Os milhões de anos de vida perdidos acarretam uma quebra de pelo menos 0,5% no PIB latino-americano, calcula o relatório.

Embora essas contas embutam premissas difíceis de verificar, tal projeção não parece implausível.

A deterioração da qualidade do ensino e seus reflexos negativos na produtividade engendraram reações sociais importantes, como o Movimento Todos pela Educação no Brasil. Já passa da hora de cada país latino-americano se unir em torno de pactos nacionais contra a epidemia de insegurança pública.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Vamos deixar de lado estas manobras, ministro Lewandowski”
Ministro Joaquim Barbosa enfatizando seu reparo à atuação do colega do STF



FALHAS E FRAUDES NO BB CRESCERAM 21% EM 2013

O Banco do Brasil divulgou o lucro líquido do terceiro trimestre, mas escondeu a informação de que seus custos com fraudes e falhas de segurança chegaram a R$ 208,5 milhões de janeiro a setembro de 2013. O dinheiro perdido com cartões clonados, saques irregulares e outros golpes foi 21% maior que a perda de R$ 172,3 milhões de 2012. O prejuízo consta no relatório como “outras despesas operacionais”.

CRIME COMPENSOU

Os autores dos golpes contra o BB faturaram mais, até setembro, que o prêmio da Mega da Virada, atualmente estimado em R$ 200 milhões.

FECHANDO A CONTA

Se investisse em ações que evitassem saques fraudulentos e cartões clonados, o BB arredondaria seu lucro do trimestre para R$ 3 bilhões.

QUESTÃO DE ‘SEGURANÇA’

Apesar das brechas em sua segurança, que permitiram os golpes, o BB não comenta o rombo “por razões de segurança”. Ah, bom.

CONVENIÊNCIAS

Pré-candidatos a governador, o senador Pedro Taques (MT) e o deputado Vieira da Cunha (RS) querem o PDT fora do governo Dilma.

PDT CONDICIONA APOIO A DILMA A MANTER MINISTRO

Mesmo desgastado, após a recente “lipoaspiração” na bancada do PDT no Congresso, seu presidente e ex-ministro Carlos Lupi avisou ao Planalto que depende da manutenção do seu afilhado Manoel Dias, no cargo de ministro do Trabalho, o apoio do que restou do partido à reeleição da presidente Dilma. A exigência virou motivo de piada, mas o tempo de TV do PDT ainda é considerado importante pelo PT.

A FILA ANDA

O ministro Manoel Dias disse que “não sabia” da corrupção em seu ministério. Pode rodar na reforma ministerial prevista para dezembro.

TUTTI BUONA GENTE

A turma de Carlos Lupi foi alvo de operações policiais, derrubando seu fiel escudeiro Paulo Pinto, ex-número dois do Ministério do Trabalho.

A MINORIA

Grupo que se autodenomina independente no PDT insiste em entregar os cargos no governo Dilma e apoiar Eduardo Campos (PSB) em 2014.

FORÇA-TAREFA

A presidente Dilma escalou uma tropa de cinco ministros ontem para tentar convencer líderes da base aliada, em reunião no Planalto, a rejeitar “propostas populistas” que gerem gastos ao governo federal.

AÇÃO GERA REAÇÃO

A deputada Mara Gabrilli (SP) coleta assinaturas no PSDB em defesa do ex-governador José Serra, alvo de criticas de correligionários por fazer palestras país afora e tentar prejudicar o desafeto Aécio Neves.

É ELE

A governadora Roseana Sarney (PMDB) apoiará Luís Fernando Silva, secretário de Infraestrutura, para sucedê-la. Ele foi considerado o melhor prefeito do Brasil, quando administrou São José de Ribamar.

ESCREVEU, NÃO LEU...

Com integrantes escolhidos pelo governador Eduardo Campos, o TRE pernambucano cassou por 4x3 o mandato de Julio Lóssio (Petrolina), o único prefeito do estado a fazer oposição ao presidenciável do PSB.

CORRENTE FORTE

A corrente “Coletivo”, do deputado Chico Leite, ficou em 2º na eleição do PT no DF, à frente de outras facções tradicionalmente majoritárias. A vencedora foi a “Construindo um Novo Brasil”, de Lula e José Dirceu.

SEM CONFRONTOS

Jaques Wagner (PT) prometeu a Dilma “política de boa vizinhança” com a senadora Lídice da Mata, provável candidata do PSB a governadora e chefe do palanque de Eduardo Campos na Bahia.

DESRESPEITO

Em nove dias em greve, a estatal de energia de Brasília, CEB, ignorou queixas sobre 2.847 apagões. O cliente otário terá de esperar até seis dias para que o problema notificado tenha chance de ser solucionado.

TODAS AS FICHAS

Cristão novo no DEM, o ex-tucano Tião Bocalom é a principal aposta do partido para disputar governo no Acre em 2014. O ex-prefeito tentará desfazer o feudo montado pela família Viana no estado.

MAIS DO MESMO

Exatos 119 deputados assinaram o ponto, ontem, mas não deram as caras, ontem, na Câmara, salvo as exceções de sempre: meia dúzia.


PODER SEM PUDOR

EXCESSOS DE CAMPANHA

O falecido ex-ministro Saulo Ramos foi a Ribeirão Preto (SP), em campanha para deputado, em 1990, quando fez uma pausa no festejado bar "Pinguim".

- O sr. está me reconhecendo? - perguntou um homem, na mesa ao lado.

- Claro! - respondeu Ramos, evitando uma desfeita ao suposto eleitor.

- Não está, não. Ou não estaria fumando, bebendo e comendo leitão na minha frente...

Só aí, Saulo Ramos reconheceu o médico que o socorrera anos antes, no Instituto do Coração de São Paulo.

QUINTA NOS JORNAIS

Globo: Fim da Impunidade: STF manda prender Dirceu, Genoino e mais 13 do mensalão
FolhaSupremo decide prender Dirceu e mais 10 condenados do mensalão
Estadão: Supremo determina prisão de condenados do mensalão
Correio: Do Planalto para a cadeia
Jornal do Commercio: STF não espera recursos para prender mensaleiros
Zero Hora: Supremo manda executar pena de réus do mensalão
Brasil Econômico: Bovespa muda: empresas saem e investidores têm novo perfil