quarta-feira, abril 04, 2012

Bala em queda - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 04/04/12

O Relatório Bala Perdida, a ser divulgado hoje pelo Instituto de Segurança Pública, revela que o número de vítimas em 2011 foi de 88, com sete mortes. Em 2007, nada menos que 279 pessoas foram atingidas por balas perdidas, 21 delas mortas.

Aliás...

Cabral publica hoje decreto que libera o turno extra de trabalho para policiais, bombeiros e agentes penitenciários. A medida atinge 70 mil servidores. Com isso, o estado ganha mais policiais nas ruas e os agentes uma alternativa ao bico.

Fator Roberto Kalil

No pacote anunciado ontem de política industrial, há uma série de contrabandos que nada têm a ver com o setor. Um deles cria um incentivo fiscal para doação a instituições de pesquisas para câncer. Vai ver foi lobby dos médicos que tratam de Lula. Nada contra.

Longe da cultura

O BNDES, após cinco anos, suspendeu edital de R$ 24 milhões de apoio a acervos culturais. Aliás, a área do banco que cuidava dessa ação foi desmontada. O edital de 2010 que eles lançaram ainda não foi pago. É pena.

Última viagem

Um brasileiro que esteve na Itália para acertar a Jornada Mundial da Juventude aqui em 2013 ouviu do Papa que, se depender dele, será a última viagem internacional que fará no seu pontificado. Bento XVI, de 85 anos, acaba de fazer uma viagem cansativa ao México e a Cuba.

Hora da saudade 
Nelson Freire, nosso pianista maior, comemora 60 anos de carreira tocando no Teatro Municipal de São João del-Rei, MG, no dia 30 de junho, na série Música no Museu. Foi lá que ele fez seu primeiro concerto, aos seis anos.

JULIANA PAES, a morena sensação de 33 anos que é musa da turma da coluna, posou para Bob Wolfenson antes de ir para o sertão brasileiro. Lá, a atriz grava a nova versão de “Gabriela”, a novela de Jorge Amado que voltará à tela da TV Globo. Aqui, ela aparece, danadinha, dentro de um ringue, repare só. A foto será capa da revista “Bodytech”. Que Deus a proteja e, a nós, não desampare!

Calma, gente!
Fernanda Montenegro foi eleita uma espécie de musa pela turma que usa as redes sociais para fazer guerra de guerrilha contra Ana de Hollanda. A grande atriz diz que apenas assinou um documento com outras pessoas em torno de Danilo Miranda, “nom comprovadamente experiente, com longa e extraordinária prática na área”.

Segue...

Fernanda insiste que o documento deixa bem claro que essa sugestão (“repito: sugestão”) depende de vagar o posto do ministério. “Repito: não há pressão, reunião, jantares ou algo semelhante de que eu tenha conhecimento.”

Para Fernanda...

Dilma sabe o que convém. “Afinal, é do conhecimento de todos nós que a escolha desses auxiliares é uma prerrogativa que lhe é absolutamente própria como chefe de Estado.”

Dilma abre 
Dilma irá à abertura dos JogosOlímpicos de Londres.

Lula fecha...

Lula irá ao encerramento dos Jogos.

Marco civil

O carioca Alessandro Molon será o relator da proposta que cria o marco civil da internet. Para o debate do tema, o pessoal do Facebook colocou à disposição do deputado sua rede com 31 milhões de usuários.

Craque da pechincha

Romário, o deputado, foi ao Casa Shopping, na Barra da Tijuca, na tarde do último domingo. Perguntou a uma funcionária do local qual era o restaurante mais barato do shopping . A moça que o acompanhava estranhou: — Mais barato por quê? E o Baixinho: — Pra pagar menos, ué! Há testemunhas.

Praia do Pepê

Hoje, 21 anos após a morte de Pepê (1957-1991), o campeão mundial de voo livre, a Secretaria de Conservação do Rio entrega, totalmente recuperada, a escultura, obra de Vera Torres, em homenagem ao atleta, na Barra.

Millôr para jovens - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 04/04/12

Foi assim. Dia 30 de dezembro de 1987, eu estava na agência de publicidade onde trabalhava, quando me liga o Jorge Furtado: “Tu já leu o Jornal do Brasil hoje?”. Não tinha o costume. “Então lê. O Millôr fala do teu livro de poesia.” Catei o jornal e vi com meus próprios olhos – ele inclusive reproduzia um poema meu. “Jorge, o que eu faço?” “Liga pra ele, te dou o número.”

“Imagina, vou morrer de vergonha, é o Millôr!” “Fica tranquila, ele nunca atende, vai cair na secretária eletrônica.” Me enchi de coragem e liguei. Foi como Jorge profetizou, caiu na secretária, e depois do sinal, deixei meu recado: “Bom dia, Millôr, aqui é Martha, de Porto Alegre, acabei de ler sua coluna no jornal, puxa, nem sei como agrad...” Fui interrompida por um “Salve, Martha!”.

E ali começava uma relação que, se eu dissesse que foi de amizade, estaria exagerando e sendo mais cabotina do que já fui nesse primeiro parágrafo. Foi, isso sim, uma relação brevíssima de carinho mútuo. E, de minha parte, de gratidão eterna.

O resultado daquele telefonema: ele escreveu a orelha do meu livro seguinte, nos encontramos pessoalmente num churrasco em Porto Alegre, almoçamos num restaurante no Rio, fui contemplada com a presença dele numa sessão de autógrafos e depois trocamos rápidos e-mails, ele sempre gentilíssimo e eu embasbacada, me belisca. Então, perdemos contato, ele perdeu a saúde, e o Brasil o perdeu de vez.

A única maneira que encontro para retribuir o aval inacreditável que ele me deu é recomendar a todos os jovens que não conhecem seu trabalho que leiam imediatamente Millôr Definitivo – a Bíblia do Caos. É uma espécie de dicionário que traz 5.142 frases sobre todos os assuntos possíveis e imagináveis, sempre com o brilhantismo, o humor, a provocação e a mordacidade de um autor que não teve similar.

“Me arrancam tudo à força, e depois me chamam de contribuinte.”

“Pra escrever bem não é preciso muitas palavras, só saber como combiná-las melhor. Pense no xadrez.”

“Podem-se evitar descendentes, mas ninguém jamais conseguiu evitar antepassados.”

“Escravos sempre produzem menos.”

“O direito de resposta é fundamental. Senão a gente fica até pensando que o outro lado pode ter razão.”

“Nunca ninguém me disse que parar de sofrer doía tanto.”

“Pode ser que paz e tranquilidade sejam no céu. Mas showbusiness é no inferno.”

“Passei a vida pensando que diabos, afinal, estou fazendo neste mundo. Descobri – nada. Sou visita.”

“Pela aparência que tinha e pela idade que dizia ter, aquela senhora podia ser a mãe de si mesma.”

“Nascimento e morte. A mais perfeita forma de renovação de estoque”.

Não no teu caso, Millôr. O produto ficará em falta para sempre.

O foco de (e em) Dilma - DENISE ROTHENBURG


Correio Braziliense - 04/04/12


Quanto mais fraco o Congresso, menos problemas o governo terá ao lidar com ele. Daí o fato de a presidente Dilma não dar muita trela aos parlamentares e centrar fogo na economia


Nesses poucos dias que passa em Brasília entre a chegada da viagem à Ìndia e a visita ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em Washington, a presidente Dilma Rousseff mantém-se concentrada na agenda econômica. O lançamento ontem do programa de apoio à indústria foi sincronizado de forma a tentar tirar o impacto da onda de demissões dos últimos dias.

Quanto às confusões da base parlamentar, ela tem dito que tudo tem seu tempo e, para bons entendedores, o recado é claro: deixa abaixar a poeira para que seja possível identificar a espuma e os erros de fato na condução política do governo — o que, por enquanto, Dilma considera que não existe, e os que haviam, na avaliação dela, foram corrigidos com a troca dos líderes.

Talvez a presidente tenha razão ao considerar que a crise na base não é esse fogaréu todo. Afinal, na Câmara, a Lei Geral da Copa foi aprovada. No Senado, passou o fundo de Previdência do Servidor Público, o Funpresp, que, no futuro, irá aliviar o caixa governamental com a aposentadoria dos servidores. Diga-se de passagem, há mais de 10 anos o país tenta votar essa proposta e foi no governo Dilma que o texto terminou aprovado.

Por falar em aprovação...
Enquanto a presidente estiver com a popularidade alta, seus fiéis escudeiros consideram que ela não tem o que temer. No Congresso, mesmo aqueles arredios ao estilo duro da presidente dizem que ela só precisa segurar a economia e evitar as demissões em massa, como aquelas que ocorreram recentemente na Gol. Não por acaso, ela convidou os pesos pesados da indústria nacional e dos bancos para verem de perto o lançamento das medidas de socorro à indústria, nos salões do Planalto.

Os industriais aplaudiram a desoneração da folha de pagamentos, uma medida que nem Luiz Inácio Lula da Silva tinha conseguido adotar, porque o Ministério da Fazenda não deixava. Medo de perder receita demais. Dilma, entretanto, preferiu correr esse risco e tentar alavancar o Produto Interno Bruto (PIB). Se der certo, pode conseguir um passaporte para a reeleição. Pelo menos, assim raciocinam os petistas.

Por falar em PT...
Ontem, ouvi de muitos correligionários da presidente que eles morrem de saudades dos tempos de Lula. Lembram com nostalgia dos anos em que eram chamados ao Alvorada para conversas políticas, um drink, ou uma boa música na voz do então ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. José Múcio, aliás, é citado por todos como um craque na construção de pontes entre o presidente da República e o Congresso.

Hoje, isso acabou. Eles têm plena consciência de que Dilma é outro estilo, não é de perder tempo com conversas políticas ou drinks no Alvorada. Mas, embora saudosos, os petistas são pragmáticos. Se Dilma, mesmo durona, continuar lhes oferecendo um governo para chamar de seu, eles vão defender a reeleição dela com unhas e dentes, sem pestanejar ou fraquejar.

Por falar em fraquejar...
Isso não quer dizer que a política não vá deixar de trazer sobressaltos a Dilma. Mas, até o momento, nada foi suficiente para abalar as perspectivas de futuro ou gerar tanta incerteza ao ponto de lhe fazer perder espaço perante a população. No final de 2011, dizia-se que a popularidade dela não se sustentaria no início do segundo ano. Em seguida, ficou para depois do carnaval. Chegamos à Semana Santa e a vida dela segue.

Dentro do Planalto, há quem diga que, enquanto o Congresso estiver cuidando das suas próprias mazelas e das relações de deputados e senadores, a pressão sobre o Planalto diminuirá. A impressão que se tem por ali é a de que quanto mais fraco o Congresso menos problemas o governo terá ao lidar com ele. Daí o fato de a presidente Dilma não dar muita trela aos parlamentares e centrar fogo na economia. Esse é o foco que mantém, não só a sua popularidade como também a sua base.

Senhor, piedade! - TUTTY VASQUES


O ESTADÃO - 04/04/12

O DEM está partido! A metade que defendia a crucificação imediata de Demóstenes Torres comemora o pedido de desfiliação do senador. A outra metade continua achando que seria mais sensato só bater esse martelo depois da Semana Santa para evitar que o político goiano passe o feriadão dizendo por aí que foi “pego para Cristo”!
“Vai que ele ressuscita no domingo”, ponderou o senador José Agripino na última reunião sobre os rumos do calvário do correligionário.
Depois daquilo tudo que o Brasil descobriu sobre o relacionamento íntimo de seu principal apóstolo da ética com o jogo do bicho, francamente, nada parece assim tão absurdo que não possa acontecer em Brasília.
Exageros à parte, a ideia de deixar o Demóstenes arrastando sua cruz por mais algum tempo nas manchetes de jornal talvez resultasse em castigo proporcional à quebra de decoro em questão.
Fora isso, a exemplo do que aconteceu com o ex-governador José Roberto Arruda, o ex-líder do DEM no Senado deve ser condenado à pena do esquecimento de todo Judas da política.
A boa notícia é que, se a fila dos denunciados andar, Ideli Salvatti pode dar um bom passinho à frente no abismo do noticiário.

Tá podendo!Lionel Messi está muito próximo de quebrar um novo recorde! Já deve ser o artilheiro do Barcelona que mais cuspiu em campo com a camisa do clube. O craque do momento dá pra mais de cem cuspidinhas, em média, por partida. Tem gente na Espanha fazendo as contas pra gente!

Lá vem ele!O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, vai a Brasília na semana que vem explicar melhor o que quis dizer quando se referiu ao “traseiro do Brasil”. No encontro com o ministro Aldo Rebelo, em vez de chutar, vai só passar a mão. De leve!

Meio ambiente“Que saco!” Só se fala disso nas filas do caixa dos supermercados de São Paulo. Descabelada Cristina Kirchner está louca para um bom bate-boca com a rainha da Inglaterra sobre as Ilhas Malvinas. “Só não vale puxão de cabelo!” - entrega seu ponto fraco. 

Caiu nessa?O mundo vai aos poucos descobrindo que a notícia do êxito do plano de paz de Kofi Annan para a Síria foi uma espécie de 1.º de abril da imprensa internacional. Mira, que tal? Já correm na internet ofertas de carta- convite de brasileiros a espanhóis que não tenham onde ficar nem conheçam ninguém no Brasil. Por qualquer R$ 100, o visitante pode comprar o documento exigido pelas novas regras de controle da imigração em nossos aeroportos.

Quem?Fãs de Justin Bieber estão em pé de guerra com os 21 milhões de seguidores de Lady Gaga no Twitter. Isso quer dizer o seguinte: nada, absolutamente nada! Relaxa, vai! Depois de amanhã é feriado, caramba!

Por um Brasil bem Maior - CAROLINA BAHIA

ZERO HORA - 04/04/12



Na falta de força política para bancar a reforma tributária, o governo Dilma lança um pacote de ajuda à indústria visando a efeitos de curto prazo. As medidas apresentadas com pompa para uma plateia lotada de empresários servem, sim, para desafogar setores que flertam com a estagnação desde 2010. Desoneração da folha e linhas de financiamento devem alavancar a produção e o consumo. Por outro lado, os entraves estruturais continuam latentes, comprometendo a competitividade. Há burocracia e falta de investimento em infraestrutura. Em agosto de 2011, Dilma lançou a primeira versão do Brasil Maior e o resultado foi pífio. O desafio agora é não só colocar as promessas em prática, mas construir uma política industrial de fôlego para o país.

Fim da cascata
Técnicos da Receita Federal já estão estudando o fim do imposto cumulativo, aquele que vai crescendo em cascata, ao longo de toda a cadeia produtiva, até pesar no bolso do consumidor final. Empresários da confiança de Dilma Rousseff vêm insistindo nesta medida como parte de uma reforma tributária fatiada.

Máscara
Amigo do bicheiro Carlinhos Cachoeira, Demóstenes Torres só pediu a desfiliação do DEM para fugir do fiasco da expulsão. Mas continua agarrado ao mandato, por causa do foro privilegiado. Na carta ao DEM, o Senador ainda tentou manter-se o paladino da ética, negando que tenha se desviado do programa partidário e reclamando de prejulgamento. Depois das gravações, parece piada.

Regalo
O prefeito de Soledade, Gelson Renato Cainelli (PP, foto), não quis deixar passar em branco a sua primeira audiência com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Para marcar o encontro, levou um mimo do município: um colar de ágata, fabricado especialmente para Gleisi. Na conversa, Cainelli e outros quatro prefeitos gaúchos pleitearam a liberação de R$ 326 milhões do programa Pró-Transporte.

PARA CONFERIR ali adiante
Ciumeira - Não é só para um encontro privado com a Senadora Ana Amélia Lemos (PP) que o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, desembarca em Brasília na próxima terça. O pedetista quer um café da manhã igualzinho ao da bancada do PP com Manuela D"Ávila (PC do B). Ciente da movimentação, Manuela resolveu ampliar sua oferta em troca do apoio dos progressistas. Além da vaga de vice, propôs a coligação na proporcional.

De vestal a vilão - ZUENIR VENTURA

O GLOBO - 04/04/12
Na vasta galeria dos vilões que compõem a cena política brasileira, acho que nunca houve um tipo tão desconcertante quanto Demóstenes Torres. Suas duas faces têm intrigado os que acreditavam conhecê-lo. Como é possível ser ao mesmo tempo alguém e seu contrário? Ser o impoluto paladino da ética, a vestal que vergastava sem piedade os corruptos, enquanto secretamente se corrompia, adotando a mentira e a dissimulação como prática? Como pôde enganar seus pares por tanto tempo? Era preciso ver a cara dos que num primeiro momento foram à tribuna do Senado botar a mão no fogo por sua inocência e que, depois das gravações comprometedoras, voltaram constrangidos para expor sua decepção. Não se conhece um colega parlamentar, um companheiro de partido, um correligionário ou um adversário político que tenha dito "eu sabia, ele nunca me enganou". Primeiro a surpresa, depois a incredulidade quanto às revelações desse estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hide, o médico e o monstro.
Atribuir esse comportamento contraditório ao puro cinismo talvez não explique tudo. Demóstenes parece ter vivido com autenticidade suas duas vidas, a que exibia e a que escondia - uma parte dele, a conhecida, combatia o mal, e a outra, clandestina, a da banda podre, estava a serviço do próprio mal. Sua dupla personalidade permitiu que desempenhasse com competência o papel de líder do DEM no Senado de conduta irrepreensível, símbolo da oposição no Congresso, e por outro lado o subserviente lobista do contraventor Carlinhos Cachoeira, chefe da máfia dos caça-níqueis.
Quando ainda não jorrava a cachoeira de autodenúncias, apenas pingava, ele fez discurso alegando que não havia investigação ou processo na Procuradoria-Geral da República: "Não sou acusado de nada." De fato não era, porque o procurador Roberto Gurgel levou três anos para pedir ao Supremo abertura de inquérito contra o ex-colega de Ministério Público (Demóstenes também foi procurador em Goiás). Só o fez após muita pressão do Congresso. Num episódio com tantas interrogações, cabe mais essa: por que a PGR demorou tanto para tomar providência, se desde setembro de 2009 havia lá um relatório da Polícia Federal incriminando o Senador do DEM? O atraso permitiu que ele, indignado, como se fosse um ficha-limpa, falasse em "injúrias, calúnias e difamações" e recebesse a solidariedade de 44 dos 81 Senadores.
Demóstenes pode ter dupla personalidade, mas na hora de faturar grana ilegal ele foi sempre coerente. Calcula-se que desde 2006 embolsou cerca de R$ 50 milhões só em trabalho sujo. Por dinheiro, Demóstenes foi capaz até de uma boa ação, como afirmar, ainda como vestal: "Os políticos estão perdendo a vergonha na cara." Ao negar todas as acusações, ele também esqueceu o que disse em 2007: "Todo bandido nega tudo."

Debate jurídico - SONIA RACY

O Estado de S.Paulo - 04/04/12


Enquanto se espera a nomeação do novo procurador-geral de Justiça, outra "polêmica" ocupa as rodas do Ministério Público: o fim dos copinhos descartáveis. Eles serão trocados, no semestre que vem, por canecas duráveis – cada funcionário ganhará a sua. Já foram licitadas 10 mil unidades, a R$ 10,09 cada.

Tem promotor achando que é coisa de presidiário. Outros defendem a iniciativa verde.

Bumerangue
Especula-se queAlckmin, ao optar por um empresário na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, possa trazer de volta ao governo do Estado João Carlos Meirelles.

Sucessão
Preparando-se para mais um desafio, Marcelo Araujo, novo secretário da Cultura (conforme antecipado, anteontem na hora do almoço, pelo blog da coluna), não arrisca dizer quem assumirá seu lugar na Pinacoteca. "A decisão caberá aos 11 membros do conselho", explica.

Desde que Araujo assumiu a direção do museu, os avanços gerenciais foram tantos que hoje não é mais o governador do Estado a escolher quem dirige a casa. Ontem, falava-se em uma substituição caseira, para dar continuidade ao trabalho.

Pé-de-meia
Para bons ativos, a liquidez está grande. A Magnesita precificou, sexta-feira, um bond perpétuo – papel que jamais será pago, mas que renderá juros para sempre.

A demanda foi absurda: oito vezes os US$ 200 milhões ofertados. Juros? 8,6% ao ano.

Clã Higienópolis
Estrelado o café da manhã de Chalita em padaria de Higienópolis ontem. Primeiro, encontrou Henrique Meirelles, que praticava sua caminhada matinal. Desejou-lhe boa sorte no JBS e soltou: "Este eu queria como meu secretário. Olha que maravilha".

Depois, cruzou com Mario Sergio Cortella, colaborador de Haddad. E brincou: "Agora só falta encontrar o FHC".

Redoma
Reivindicação antiga, agora a Biblioteca Nacional ganhará reforço na área de segurança. Galeno Amorim conseguiu, junto ao Ministério do Planejamento, a liberação de R$ 5 milhões.

No prédio da Fundação serão instaladas novas câmeras, haverá mais vigilantes, obra de prevenção a incêndios e troca de catracas. Outra parte do dinheiro vai para o prédio anexo, na zona portuária, onde será montada a Hemeroteca Brasileira.

Segue
Depois do pedido de desfiliação deDemóstenes Torres, um observador gaiato do cenário político disparou: "Há males que vêm para o DEM".

PROGRAMAÇÃO ESPORTIVA NA TV


9h - Suécia x Canadá, Mundial masc. de curling, Sportv 2

14h - França x Dinamarca, Mundial masc. de curling, Sportv 2

15h45 - Chelsea x Benfica, Copa dos Campeões, ESPN Brasil e ESPN HD

15h45 - Real Madrid x Apoel, Copa dos Campeões, ESPN

19h30 - Ipatinga x Grêmio, Copa do Brasil, ESPN Brasil e Sportv

19h30 - Godoy Cruz (CHI) x Universidad de Chile, Taça Libertadores, Fox Sports

21h - Oklahoma City Thunder x Miami Heat, NBA, ESPN HD

21h50 - Internacional x Santos, Taça Libertardes, Globo (para SP) e Fox Sports

21h50 - Emelec (EQU) x Flamengo, Taça Libertadores, Globo (menos SP) e FX

22h - Horizonte-CE x Palmeiras, Copa do Brasil, Band (para SP), ESPN Brasil e Sportv

22h - Guarani x Botafogo, Copa do Brasil, Band (menos SP), ESPN e Sportv 2

6h - Mundial de ciclismo, Etapa de Melbourne, Sportv

Problemas no Funpresp - CRISTIANO ROMERO

VALOR ECONÔMICO - 04/04/12


A provado semana passada pelo Senado, o projeto de lei que cria o Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp) é, sem dúvida, a reforma estrutural mais importante realizada no país em quase uma década. O projeto regulamenta a emenda constitucional, aprovada em 2003, que igualou as condições básicas de aposentadoria de trabalhadores dos setores público e privado.

Como o diabo mora nos detalhes, o projeto aprovado pelo Congresso trouxe novidades em relação à proposta original que põem em risco a solvência do Funpresp. É bem provável que a presidente Dilma Rousseff, que teve coragem política de ressuscitar um projeto abandonado havia oito anos, vete algumas das mudanças feitas pelos parlamentares.

O principal risco, na avaliação de Marcelo Abi-Ramia Caetano, economista do Ipea especialista em previdência, está no Fundo de Cobertura de Benefícios Extraordinários (FCBE). A ideia é que esse fundo pague um bônus para as categorias do funcionalismo que, pela Constituição, têm direito à aposentadoria antecipada. São os casos, por exemplo, das mulheres e dos professores do ensino infantil, fundamental e médio.

Para ficar em dois casos, o FCBE faria aporte extraordinário de 40% sobre as reservas acumuladas por uma professora de ensino médio e de 16,7% por uma servidora. Caetano vê pelo menos quatro problemas nesse modelo.

O primeiro decorre do que os economistas chamam de seleção adversa. Como os bônus terão que ser pagos pelo sistema, isto é, pelo próprio Funpresp, e a adesão é voluntária - o funcionário público não é obrigado a se filiar ao fundo -, o FCBE vai gerar desincentivos à filiação de parte de seus financiadores. "Isso pode causar ciclo vicioso em que poucos homens se filiam ao Funpresp por causa do elevado custo do FCBE, o que reduz ainda mais a adesão masculina e aumenta o custeio do FCBE", explica Caetano.

O segundo problema é que as categorias beneficiadas pelo FCBE tenderão a sobreacumular para receber o bônus - quanto maior for a reserva acumulada, maior será o bônus. Enquanto isso, os demais participantes do fundo terão o incentivo contrário: subacumular para fugir do ônus de financiar o FCBE. "A estratégia ótima para um casal de servidores seria a esposa poupar além e o marido aquém como forma de minimizar o custeio e maximizar o recebimento do FCBE", exemplifica Caetano.

O terceiro risco é de insolvência, afinal, nada garante que o FCBE terá recursos capazes de cobrir os benefícios prometidos. Se a seleção adversa e a reação aos incentivos postos ocorrerem da forma como Caetano está prevendo, e é bastante provável que isso aconteça, o perigo de insolvência será considerável, dado o reduzido tamanho das contribuições dos participantes financiadores do FCBE.

"Ademais, a composição por gênero e atividade dos futuros servidores independe do poder de decisão do Funpresp, tornando alta a imprevisibilidade dos fluxos de receita e despesa do FCBE", adverte o especialista.

Um outro problema é que o pagamento de aposentadorias diferenciadas desrespeita o princípio da contribuição definida, consagrado pelas reformas previdenciárias aprovadas pelo país na última década e meia - até o fim dos anos 90, prevaleceu o sistema de benefício definido, uma forma, insustentável, de aposentadoria integral.

Uma possível solução para esses desequilíbrios seria o Tesouro Nacional, responsável pela contrapartida patronal do Funpresp, aumentar, via elevação de alíquota, sua contribuição ao fundo nos casos das aposentadorias especiais. Não é a melhor saída porque impõe à sociedade um custo adicional, quando o objetivo é diminuir custos, mas pelo menos asseguraria a solvência do fundo.

Há outros problemas na forma como o Funpresp saiu do Congresso. Fruto do corporativismo que impera em instâncias do setor público, a criação de um fundo de pensão para cada poder da República é um tiro no pé porque diminui a economia de escala que um fundo apenas possuiria. Escala permite reduzir custos de administração e aumentar os ganhos dos segurados - no regime de benefício definido, os lucros do fundo de pensão são repartidos entre os participantes.

A proibição de adesão de governos estaduais e prefeituras ao Funpresp é, também, uma limitação sem sentido. Na prática, funciona como um obstáculo à ampliação da previdência complementar no país, uma vez que muitos Estados e municípios não têm escala para criar o próprio fundo. Um outro aspecto condenável do projeto aprovado é o que acaba com a necessidade de terceirização da gestão dos recursos. Isso abre espaço, lembra Caetano, para ingerência política na administração dos fundos.

Ainda é possível corrigir alguns desses equívocos. Com o Funpresp, o Brasil está dizendo ao mundo que, aqui, não existe mais o instituto anacrônico da aposentadoria integral. Mostra também que, no longo prazo, o gasto previdenciário tende a se equilibrar. Haverá uma demanda a menos por aportes do Tesouro (leia-se: da sociedade) para cobrir rombos - em 2011, o déficit das aposentadorias do funcionalismo federal beirou os R$ 60 bilhões, numa escalada preocupante que ainda pode exigir das autoridades alguma medida saneadora.

A criação do Funpresp diminui, portanto, uma das principais fontes do déficit público - os gastos com pessoal ativo e inativo representam 40% da despesa primária da União. Com o tempo, isso ajudará o governo a reduzir o déficit orçamentário, o que, por sua vez, contribuirá para diminuir a taxa de juros com que o Estado brasileiro se financia no mercado.

Um outro efeito positivo do Funpresp é que, ao arrecadar recursos no curto prazo e assumir obrigações de longo prazo (o pagamento de aposentadorias no futuro), ele aumentará a poupança doméstica. Para honrar as obrigações, o fundo terá que investir os recursos em negócios rentáveis, ajudando a financiar a economia e, assim, a reduzir a dependência do país de poupança externa, um dos principais fatores de apreciação da taxa de câmbio.

O lobby legal - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 04/04/12


BRASÍLIA - Para todos os problemas complexos, como se sabe, há uma solução simples -em geral, errada. A corrupção endêmica na política é um desses casos para os quais não há saídas fáceis. O episódio recente envolvendo o senador Demóstenes Torres dá algumas pistas do que poderia ser feito.

Demóstenes recebeu presentes de casamento de um empresário acusado de contravenção. Também se prestou a atender dezenas de telefonemas do notório Carlinhos Cachoeira. As conversas versavam sobre como influir na tramitação de projetos de lei no Congresso.

Em miúdos, Demóstenes exerceu a antiga prática do lobby. Exceto se aparecer prova de dinheiro grosso nessa relação, o maior pecado do senador foi esconder do público essa sua atividade na defesa dos interesses de um empresário ligado ao ramo do jogo e da contravenção.

Não haveria nada de errado nem de ilegal se Demóstenes fosse à tribuna do Senado semanalmente para relatar os pontos de vista de Carlinhos Cachoeira. Bem, a imagem do senador não seria mais a de paladino da Justiça. Mas ele não cometeria quebra de decoro. Essa hipótese, por óbvio, é só uma alegoria. Tudo para ir ao seguinte ponto: falta ao Brasil legalizar e regulamentar o lobby. Identificados com um crachá, representantes dos mais diversos setores têm o direito de circular pelo Congresso ou ministérios defendendo suas causas e as de seus patrões.

É bom quando ativistas a favor do ambiente, da liberação dos jogos ou de mais verbas para estradas se manifestam de forma livre, aberta. Essas ações não podem ser nas trevas nem com a ajuda disfarçada de deputados e senadores.

A legalização do lobby não elimina o tráfico de influência. Também não garante uma política livre de casos como o de Demóstenes. Mas a adoção da regra seria um passo relevante para sanear o ambiente.

Homens probos - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04/04/12


SÃO PAULO - Demóstenes Torres surgiu para a política tentando firmar-se como o Catão, o Moço, de nossa República: senador com ideias conservadoras, mas patologicamente íntegro e incorruptível.

Não deu certo. Quanto mais descobrimos sobre suas relações com Carlinhos Cachoeira, mais seus feitos pretéritos cheiram a hipocrisia. Ele entra assim para o clube dos que foram apanhados fazendo o contrário do que pregavam, cujos sócios mais ilustres são políticos e religiosos.

Embora isso não seja muito cristão, adoramos ver moralistas caindo em desgraça por exibir as falhas morais que condenavam. Como observa o psicólogo Jonathan Haidt, experimentamos, quando contemplamos sua queda, a emoção do desprezo, que faz com que nos sintamos melhores do que eles. E isso é gostoso.

Mas é bom tirar esse sorriso de superioridade da cara. Vários experimentos psicológicos recentes confirmam as advertências dos sábios de que somos todos hipócritas.

Um exemplo: quando voluntários tiveram a chance de decidir se seriam eles mesmos ou um parceiro quem ficaria na posição mais vantajosa, metade deles se dispuseram a ser justos e usar uma moeda para tirar a sorte. Dos que não fizeram cara ou coroa, 90% escolheram para si próprios o posto privilegiado. A surpresa é que, entre os que jogaram a moeda, também foram 90% os que acabaram ficando com a parte do leão. É como se as leis da probabilidade tivessem sido milagrosamente suspensas.

A ideia que emerge desses experimentos é que, dispondo de invisibilidade (impunidade assegurada) e de um vestígio de razão moral em que possamos nos apoiar (negação plausível), a maioria de nós trapaceia.

A má notícia para Demóstenes é que, mesmo que ele tenha sido apenas humano, zombar de sua situação e puni-lo são uma necessidade. Sociedades só são estáveis quando castigam os que tentam se dar bem sem pagar sua parte na fatura.

Quem interpreta quem? - ROBERTO DaMATTA


O Estado de S.Paulo - 04/04/12


Em 1974, passei cinco dias no castelo do Burgo Warteinstein, numa localidade próxima de Viena, Áustria, para tomar parte num seminário patrocinado pela Wenner Gren Foundation for Anthropological Research sobre "rituais seculares". Num muito acatado dia de folga das competições para ouvir - como é rotina nos encontros acadêmicos -, quem tinha as melhores teorias sobre os rituais, inclusive a teoria de que o conceito de ritual era uma bobagem teórica, fiz algo inesquecível. Acompanhado dos meus velhos e queridos amigos Victor Turner e Richard Moneygrand, fui ao Auersperg Palace para assistir à ópera As Bodas de Fígaro, do grande Amadeus Wolfgang Mozart.

Chegamos cedo e como estávamos interessados em rituais, queríamos observar o que Victor Turner chamava, com sua imaginação habitual, toda a "curva performativa" que é parte das atividades humanas encapsuladas em tempo e espaço especiais, em contraste com a ilimitada e aberta vida diária, na qual não temos hora ou lugar para o que pode ocorrer conosco.

Moneygrand, motivador da nossa ida ao concerto e que sabia tudo sobre Mozart, falava entusiasmado da vida e da obra do gênio com Turner, enquanto eu me impressionava com a orquestra que, no grande palco, afinava suas notas, retomava acordes e ensaiava pequenos trechos da peça a ser tocada, lembrando um jovem prestes a fazer vestibular ou um conferencista ensaiando o seu texto. Disso resultava uma tremenda confusão de sons que invadiam o ar sem nenhuma diretiva ou alvo.

Então, debaixo de aplausos veio o maestro e, com a sua batuta, fez-se o milagre. Num segundo mágico, surgiu em todo o seu esplendor a música de Mozart e o mundo fez sentido.

Moneygrand comentava o virtuosismo dos profissionais vienenses; Turner falava em liminaridade, como sempre. Eu, acostumado àquelas tardes com mamãe tocando Ernesto Nazareth, Eduardo Souto, Franz Liszt, Cole Porter e Lamartine Babo ao seu piano, pensava com os meus botões: é a orquestra que interpreta o Mozart ou, pelo contrário, é Mozart quem comanda tudo, interpretando a orquestra?

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Em 2002, o famoso cantor e roqueiro, ex-jogador de futebol e coveiro, Rod Stewart, gravou o Grande Cancioneiro Americano e, com belos arranjos, cantou os clássicos de Irving Berlin, Cole Porter, George e Ira Gershwin, Rogers e Hart, Vincent Youmans e outros. Vendeu mais do que todos os antropólogos que conheci, aqui e "lá fora", com todos os seus livros e economias. Tenho todos os seus CDs. Um deles me foi gentilmente presenteado pelo meu caro amigo João Emmanuel numa noite de autógrafos.

A voz é fraca, o modo de cantar não tem nem a técnica nem a dramaticidade italiana de Sinatra, Tony Bennet ou Dean Martin ou o toque mavioso ou solene de um Nat King Cole ou Billy Eckstine. Mas as músicas pegam. Sempre ouço com prazer todas essas canções na voz de Rod, pois elas têm o poder mágico de lavar a minha alma e enxaguar o meu coração.

Um dia, porém, entendi tudo. Quem cantava as músicas não era o Rod Stewart. Muito pelo contrário, eram as canções que se cantavam por meio de sua voz. Afinal, quem canta quem? Tal como as análises dos mitos era, ela própria, uma mitologia, conforme ensinou Claude Lévi-Strauss, seu grande pensador?

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No número de 27 de fevereiro a capa da revista The New Yorker traz uma ilustração intrigante do desenhista Bruce McCall. Eis um artista cujo trabalho tem um toque de criticismo surrealista e por quem eu tenho uma enorme admiração, pois sou um desenhista frustrado por uma dupla ausência: a do danado do talento e, pior que isso, do tal esforço que - dizem, pois falar é fácil - constitui 99% da genialidade.

Naquela quinzena de entrega dos Oscars, um prêmio pelo qual alguns matariam a própria mãe; outros passariam fome e frio; e todos sentem uma inveja funesta dos vencedores, McCall desenhou cinco estatuetas - cinco Oscars - em volta de uma mesa de um restaurante, cujas paredes são decoradas com fotografias de artistas que receberam tal honra no passado, mas já passaram, não se sabe mais quem foram. Os Oscars, tornados vivos pelo artista, têm em suas mãos sem dedos taças de Martini e champanhe. Nos seus pratos há restos do seu lauto jantar e todos eles olham com o seu olhar petrificado e desumanizado pelo ouro de que são feitos, pequenas estatuetas de humanos em traje de gala. Todos os Oscars têm essas figuras premiadas nas mãos e estão prestes a comê-las como sobremesa.

Pergunta-se: é o premiado quem recebe o prêmio (e por ele fica marcado, como quer a nossa vã filosofia) ou é o prêmio quem recebe o premiado, como sugere a ilustração de McCall?

Afinal, somos nós que interpretamos a sociedade e o mundo no qual nascemos sem pedir; ou é o mundo que se escreve inapelavelmente em nós? De tal modo que nós nem percebemos a nossa ingenuidade quando pensamos que somos nós quem recebemos os Oscars quando, na verdade, são eles que nos recebem e, como todo signo de sucesso descabido, nos devoram?

Pescaria fisiológica - EDITORIAL FOLHA DE SP

Folha de S. Paulo - 04/04/12


Já diz muito sobre a qualidade da administração pública brasileira a simples existência de um ministério voltado para a atividade da pesca, ora comandado por um senador, bispo evangélico e cantor gospel, que se declara incapaz de "colocar minhoca no anzol". 

Tal inabilidade não deve, porém, ser superestimada; na realidade, é tão irrelevante quanto a própria pasta, criada pelo ex-presidente Lula para saciar apetites de comensais do petismo.

O objetivo vai sendo atendido, como atestam a própria nomeação do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) pela presidente Dilma Rousseff e o noticiário sobre a doação que o empresário José Antônio Galizio afirma ter feito, a pedido do PT, para a campanha eleitoral de 2010.

Trata-se do dono da Intech Boating, empresa que vendeu, em 2008 e 2009, 28 lanchas ao Ministério da Pesca, no valor de R$ 31 milhões.

O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou superfaturamento e outras irregularidades na operação. Entre elas, o fato comezinho de o ministério não ter poder fiscalizador, o que o levou a transferir parte das embarcações de vigilância para outros órgãos. Além disso, a empresa, pelas regras, precisaria ter produzido previamente ao menos três unidades para ser qualificada -e só havia construído uma.

Em 2010, a Intech doou, segundo o empresário, R$ 150 mil ao PT de Santa Catarina. A candidata a governadora pelo partido era a atual responsável pela pasta das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, que, derrotada, assumiu a Pesca.

Altemir Gregolin, titular do ministério à época da transação, também pertencia ao PT catarinense -e assinou ordem para a compra das últimas cinco lanchas pouco antes de deixar o cargo.

Quatro das embarcações adquiridas encontram-se paradas há um ano, sem uso, numa marina perto de Florianópolis. A Intech diz que pretende cobrar R$ 400 mil do governo pela manutenção. Já o ministério informa que pediu "um plano de trabalho para solucionar as pendências que impedem a plena utilização" das lanchas.

Diante de tantos problemas, soa até tímida a declaração do antecessor de Crivella, o ex-ministro Luiz Sérgio, de que o pedido de doação feito ao empresário teria caracterizado um "malfeito".

Tudo nessa operação, na realidade, sugere desfaçatez, fisiologismo e desperdício de dinheiro público. A começar, aliás, pela criação do Ministério da Pesca.

O teatro político da economia - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 04/04/12


Críticas ao pacote para remediar a vida de certas empresas se limitam ao palavrório para a mídia



A encenação do teatro das reações estereotipadas repete-se a cada anúncio de planos de estímulo à economia, como o de ontem, que contou até com a presença da estrela da companhia, Dilma Rousseff.

Todos os envolvidos sabem mais ou menos o grosso do que o governo vai divulgar. Como numa encenação de commedia dell'arte ou de teatro tradicional chinês, a gente sabe o que os tipos (fixos) vão dizer.

Os tipos, claro, o arlequim, a colombina, o scaramuccia, a pulcinella, somos nós, jornalistas, "analistas do mercado", o burocrata-mor de federações patronais e sindicais, o economista liberal "sério", o "desenvolvimentista" que vai se fazer de animado com o "desmanche da ortodoxia" e "grande elenco".

As críticas são estereotipadas.

As medidas não são "estruturais", não resolvem os "problemas de longo prazo". Elegem "setores" favorecidos ou "campeões". "Distorcem" a tributação, complicam-na, distorcem preços, a alocação de capital. São protecionistas. São insuficientemente protecionistas. Enfim, não tratam de "câmbio, juros, impostos demais, infraestrutura ruim, mão de obra incapaz e escassa".

É tudo verdade. E, assim posto, tudo pontualmente irrelevante.

O que o governo anunciou ontem?

1) Um refresco para a rentabilidade das empresas, na maioria industriais, que vão pagar menos para o INSS e, assim, faturar mais e/ou manter fatias de mercado;

2) Uma baixa de juros na marra, localizada, decerto. O governo vai tomar emprestado R$ 45 bilhões adicionais a juros de quase 10% e vai repassar o dinheiro ao BNDES, que pode dar crédito ao custo de no máximo 7,7%, no mínimo de 5,5%, a depender do tamanho do freguês. Ou seja, taxa de juro real (descontada a inflação) quase zero;

3) Uma promessa de cobrança de inovação e nacionalização de peças da indústria automobilística, o que talvez renda boa coisa, a depender de como for feita (se é que vai), combinada a um monstrengo de impostos escalonados e cotas de importação, algo arcaico e confuso.

Isso é o grosso do pacote. Não é inútil. Confere alguns privilégios (que podem ser contestados, claro, desde que a gente ponha todos eles na mesa de discussão). Deve atenuar danos que de fato muita indústria sofre devido ao câmbio doido.

Por que as críticas são de um tédio irrelevante? Porque são uma desconversa pontual. "Reformas estruturais" implicam uma "guerra civil por outros meios". Reforma estrutural significa, para começo de conversa, alterar o gasto público (aumentar, reduzir, redividir).

Quem vai propor corte de gasto social? De salários e pensões de servidores? De benefícios sociais para pobres? Aumentar o imposto sobre a renda de ricos? Dar cabo da guerra fiscal dos Estados? Intervir pesadamente no modo como governadores e prefeitos tratam da educação? De baixar o número de ministérios (e seu volume) a uma dúzia?

Seria divertido ver empresários cortar verba de campanha eleitoral para governador que faz guerra fiscal. Ou ver quem vai propor o congelamento dos benefícios sociais. Pregar a privatização em massa (pregar abertamente, financiando um movimento radical e público). Pregar o controle do câmbio para valer, quase centralizando. Isso é exemplo de "reforma estrutural", boa ou ruim. Quem se habilita?

Bo Xilai, o Demóstenes chinês - ELIO GASPARI


O GLOBO - 04/04/12

Numa época em que o mundo flerta com a disciplina chinesa, vale a pena dar uma olhada na sucessão do presidente Hu Jintao. É duro ler sobre um rolo no qual Wen briga com Bo porque Deng escolheu Zhao, mas é útil, porque nessa sopa de letras está o futuro da segunda economia do mundo e do maior parceiro comercial do Brasil.

Se tudo der certo, Hu passará o governo para Xi Jinping, um engenheiro de 59 anos. Nas últimas semanas, a hierarquia do Partido Comunista detonou a estrela ascendente de Bo Xilai, ex-governador de uma das principais províncias do país.

O rolo chinês mostra o vigor da democracia brasileira e de suas instituições. O sucesso econômico do Império do Meio dá sinais de fadiga e, olhando-se para o jogo político, a coisa piora.

O segredo com que são conduzidas as sucessões chinesas camufla um jogo bruto, às vezes, selvagem. O Grande Timoneiro, Mao Zedong, teve três herdeiros. Um morreu numa enxovia, outro explodiu num avião e o terceiro foi escanteado, sem deixar sua marca. Deng Xiaoping, o pai da China moderna, dispensou um herdeiro, botou o outro em prisão domiciliar e coroou um azarão que, por sua vez, não conseguiu fazer o sucessor.

No início do ano, mesmo quem dava como certa a ascensão de Xi Jinpin achava que Bo Xilai seria uma novidade no núcleo dirigente do Partido Comunista. Era mais um dos príncipes das dinastias de chefes da revolução comunista. Diferia dos demais porque era um governador enérgico e punha ladrões na cadeia. Isso tudo e mais um toque de nacionalismo e demagogia maoísta.

Desde o tempo de Deng, a China tem uma peculiaridade que confunde os observadores, sobretudo, os brasileiros. Lá, a facção que defende a redução do Estado simpatiza com a desordem fiscal. Já os estatizantes sustentam a ortodoxia orçamentária. Dependendo do lado pelo qual se olha, são a coisa e seu contrário.

Até o mês passado, o companheiro Bo parecia um Demóstenes Torres 1.0. De repente, o chefe de sua Polícia pediu asilo aos Estados Unidos, teve-o negado, pode estar preso e contou sua história, envolvendo o patrão em roubalheiras. Um inglês, que vivia no círculo de poder do príncipe, apareceu morto. Teria sido intoxicação alcoólica, mas os amigos dizem que ele não bebia. Era consultor de empresas, protegido por Madame Bo. Quase todos os hierarcas chineses tiveram familiares associados ao usufruto de Bolsas Consultoria. As da mulher do primeiro-ministro ficavam no ramo dos diamantes.

Os pequenos príncipes são acompanhados por uma auréola de roubalheiras poucas vezes vistas no Brasil. A mulher de Deng Xiaoping casou-se com ele durante a Longa Marcha, formou-se em Física, ralou dois ostracismos e aleijaram-lhe um filho durante a Revolução Cultural. Aguentou tudo, mas tentou se matar em 1994, quando outro filho foi denunciado por corrupção.

Por trás da briga de hoje estão rivalidades que remontam aos anos 80, quando o pai de Bo ajudou a derrubar o protetor de boa parte dos mandarins de hoje. Desde a queda do Demóstenes 2.0, a China foi tomada duas vezes pelos boatos de uma crise política. Daqui a alguns anos vai se saber o que aconteceu.

- Um bom retrato da confusão chinesa está no artigo "The Revenge of Wen Jibao" ("A Vingança de Wen Jibao"), do jornalista australiano John Garnaut.

Quem ri por último ri Millôr - ANTONIO PRATA


FOLHA DE SP - 04/04/12

Eu tinha 15 anos, havia tomado bomba, era virgem e não via, diante da minha incompetência para com o sexo oposto, a mais remota possibilidade de reverter a situação.
Em algum momento entre a oitava série e o primeiro colegial, todos os meus colegas haviam adotado roupas diferentes, gírias, trejeitos ao falar e ao gesticular, mas eu continuava igual -era como se houvesse faltado na aula em que os estilos foram distribuídos e estivesse condenado a viver para sempre numa espécie de limbo social, feito de incertezas, celibato e moletom.
O mundo, antes um lugar com regras claras e uma razoável meritocracia, havia perdido o sentido: os bons meninos não ganhavam uma coroa de louros -nem ao menos, vá lá, uma loura coroa-, era preciso acordar às 6h15 para estudar química orgânica e os adultos ainda queriam me convencer de que aquela era a melhor fase da vida.
Claro, observando-os, era óbvia a razão da nostalgia: seres de calças bege e pager no cinto, que gastavam seus dias em papinhos de elevador, sem ambições maiores do que um carro novo, um requeijão com menos colesterol, o nome na moldura de funcionário do mês e ingressos para o Holiday on Ice no fim de semana.
Em busca de algum consolo, me esforçava para bater o recorde jamaicano de consumo de maconha, mas, em vez de ter abertas as portas da percepção -ou o que quer que fizesse com que meus amigos se divertissem e passassem meia hora rachando o bico, sei lá, de um amendoim-, só via ainda mais escancaradas as portas da minha inadequação. Foi então, meus caros, que eu vi a luz -e a luz veio na forma de um livro; "Trinta anos de mim mesmo", do Millôr Fernandes.
A primeira página que eu abri trazia um quadrado em branco, com a seguinte legenda: "Uma gaivota branca, trepada sobre um iglu branco, em cima de um monte branco. No céu, nuvens brancas esvoaçam e à direita aparecem duas árvores brancas com as flores brancas da primavera". Logo adiante estava "O abridor de latas", "Pela primeira vez no Brasil um conto inteiramente em câmera lenta" -narrando um piquenique de tartarugas que durava uns 1.500 anos. Mais pra frente, esta quadra: "Essa pressa leviana/ Demonstra o incompetente/ Por que fazer o mundo em sete dias/ Se tinha a eternidade pela frente?".
Lendo aquelas páginas, que reuniam o trabalho jornalístico do Millôr entre 1943 e 1973, compreendi que não estava sozinho em meu estranhamento: a vida era mesmo absurda, mas a resposta mais lógica para a falta de sentido não era o desespero, e sim o riso. Percebi, como se não bastasse, que se agregasse alguma graça aos meus resmungos poderia fazer daquele incômodo uma profissão. Dos 19 anos até hoje, jamais paguei uma conta de luz de outra forma.
Uma pena nunca ter conhecido o Millôr pessoalmente, não ter podido apertar sua mão e agradecer-lhe por haver me sussurrado ao ouvido, quando eu mais precisava escutar, a única verdade que há debaixo do céu: se Deus não existe, então tudo é divertido.

As dores do corpo - MARCELO COELHO


FOLHA DE SP - 04/04/12

Talvez o tema do sacrifício seja exatamente uma das coisas que a arte de Pina Bausch quer ressaltar

Deve ter sido vingança da Pina Bausch. Na semana passada, eu ia comentar o filme de Wim Wenders a respeito dela, mas fui atingido por um mau jeito na coluna vertebral, que me deixou de bengala por vários dias.

Não nego, o documentário é deslumbrante. Graças à projeção em 3D, há momentos em que o espectador se sente dentro do palco, ouvindo de perto a respiração ofegante dos dançarinos, percebendo cada nuance das suas expressões faciais.

Ao mesmo tempo, as coreografias de Pina Bausch me deixam com uma série de dúvidas e reticências. Tento elaborá-las um pouco.

Bom ir avisando que tenho um problema com a dança em geral. Sou tão ruim de ritmo que não acerto nem bater palmas em festinha de aniversário.

O pior é que, a cada espetáculo que vejo, percebo a pura inveja (da agilidade, da beleza física, da juventude) corroendo lentamente a sincera admiração que eu possa ter.

Inveja que logo se dissipa e dá lugar a um sentimento de aflição. Por que é que aquela gente tem de sofrer tanto? Os passinhos na ponta dos pés; os estiramentos e contorções de circo; a exigência, sempre desumana, de não aparentar esforço em meio a tanta dor...

Tudo fica mais claro na filmagem de Wim Wenders, que anula a distância entre o palco e a plateia. Não foi por acaso que fiquei meio aleijado depois do filme.

Muito angustiante, por exemplo, o número em que determinado bailarino vai equilibrando cadeiras, uma em cima da outra, enquanto alguém a seu lado estaca numa posição impraticável.

Mas talvez o tema do sacrifício seja exatamente uma das coisas que a arte de Pina Bausch quer ressaltar. Claro que é disso que trata "A Sagração da Primavera", uma das primeiras coisas que vemos no filme de Wim Wenders. A coreografia de Pina Bausch, que é lindíssima, ajuda os que, como eu, nada entendem de dança.

Pina Bausch faz com que cada compasso da música de Stravinski tenha função clara ao narrar a história daquele balé -a saber, a escolha de uma virgem que será morta num sacrifício pagão.

Só que, conforme o filme ia mostrando outras coreografias, fiquei pensando se o que tornava aquelas danças inteligíveis para mim não seria o seu lado de pantomima, mais do que de dança mesmo.

Depois de driblar dezenas de cadeiras inquietantemente espalhadas pelo palco, a dançarina encena a dor da separação, a alegria do reencontro. Até pelo uso recorrente das expressões faciais, o número tem algo de cinema mudo.

A dança surge no momento em que as palavras já não dão mais conta das emoções, diz Pina Bausch, em breve entrevista reproduzida no filme. Sem dúvida; mas talvez exista uma contradição entre o ato de expressar um sentimento mudo -dor, surpresa, alegria, paixão- e a necessidade, própria da dança, de que movimentos corporais se repitam.

Por isso mesmo, um dos mecanismos utilizados por Pina Bausch é o de fazer os dançarinos reproduzirem o mesmo "desenho" físico em movimentos cada vez mais rápidos. Encontro, amor, violência e morte num ciclo infatigável...

Do mesmo modo, surge o ciclo das estações, primavera, verão, outono, inverno, que a trupe de dançarinos representa com gestos logo no começo do filme. Raro exemplo, aliás, de alegria ou, pelo menos, de sorriso, no meio de tantos sofrimentos.

Terra, água, céu, pedra: elementos simples da natureza também estão presentes no palco. E fora dele, nos momentos em que Wim Wenders usa a paisagem de um parque, ou de uma fábrica abandonada, para que os dançarinos vivam, no vazio, o luto pela morte recente da coreógrafa.

Na verdade, o filme só poderia mesmo ter sido feito depois de Pina Bausch ter morrido: não se trata apenas de mostrar o seu trabalho como coreógrafa, mas de comemorá-lo. Ou seja, ver como os bailarinos (que lindamente dão depoimentos nos mais diversos idiomas) lidam com a ausência da artista.

Sozinho, isolado na feiura ou na beleza do próprio rosto, falando diretamente para a câmera, cada bailarino se faz presente no filme, vivo e humano, antes de ser novamente tragado pelo maquinismo mudo, coletivo e doloroso do espetáculo.

Misto de bicho e máquina, às voltas com uma natureza que é também violência e repetição, o ser humano ofega e sofre nas coreografias de Pina Bausch; no filme de Wim Wenders, ouvimos e vemos, mais de perto do que nunca, a agitação desses corpos em suplício.

A antiga namorada - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 04/04/12

O cantor Jorge Goulart, que morreu no dia 17 último, aos 86 anos, foi, em todos os sentidos, uma grande voz da música brasileira: cheia, robusta, sonora. Um tenor para grandes distâncias, como mostrava ao cantar "A Voz do Morro" ("Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo, sim senhor...", de Zé Kéti), mas que podia reduzir-se a uma suave brisa, quando uma canção como "Laura" o exigia ("Laura, um sorriso de criança/ Laura, nos cabelos uma flor...", de Braguinha e Alcyr Pires Vermelho).
Jorge era forte também no Carnaval. Lançou desde "Balzaquiana" ("Papai Balzac já dizia/ Paris inteira repetia/ Balzac tirou na pinta/ Mulher, só depois dos 30", de Wilson Batista e Nássara), em 1949, até "Cabeleira do Zezé" e "Joga a Chave, Meu Amor", ambas de João Roberto Kelly com parceiros, em 1965. No chamado tríduo, ia para a avenida puxar o samba do Império Serrano. Já sua mulher, Nora Ney, era a cantora da noite por excelência, quase uma "diseuse", dona de "Ninguém me Ama" e de fino repertório.
Filiado ao Partidão, Jorge foi demitido da rádio Nacional em 1964. Mas o pior foi nos anos 90: um câncer destruiu suas cordas vocais, obrigando-o a falar por um aparelho ligado à laringe. Um golpe duríssimo para alguém com a sua exuberância vocal. Mesmo assim, não perdeu o humor.
Só falei com ele uma vez. Mas bastou para que me contasse, às gargalhadas, sobre a moça que acabara de ver na rua, em Copacabana, e que lhe lembrou uma antiga namorada.
Cheio de dedos, ele a abordou: "Minha filha, desculpe a liberdade, mas você me recorda alguém que...". A garota o interrompeu: "Eu sei. O senhor é o Jorge Goulart. Suas fotos estão por toda parte lá em casa".
Jorge se empolgou: "Exatamente! Imagino que a pessoa que eu namorei seja... a sua avó, não?". E a garota, sem vacilar:
"Não. Bisavó!

Independência desarmônica - MARIO CESAR FLORES


O Estado de S.Paulo - 04/04/12


A independência dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inerente à democracia e necessária ao exercício de suas atribuições, é complementada na Constituição pela harmonia entre eles. No funcionamento objetivo dos Poderes não tem havido manifestações expressivas de desarmonia, mas há uma de natureza corporativa que se eterniza: a desarmonia salarial, que situa o Judiciário, o Legislativo, o Ministério Público e algumas categorias do Executivo excepcionalmente assimétricos - no serviço público e mais ainda no universo brasileiro assalariado em geral.

O quadro anômalo inclui nuanças de difícil avaliação quanto ao certo ou errado. Mas - exemplos simbólicos - o que dizer da disparidade salarial entre motoristas que dirigem o mesmo tipo de carro, no mesmo trânsito, para juiz de tribunal superior ou senador e para autoridade do Executivo? O que explica serem os salários da base de apoio do Congresso Nacional superiores aos de categorias de instrução superior do Executivo - médicos e professores, por exemplo? A remuneração de segurança do Senado é de R$ 13.800 (mídia 14/2). O que a justifica - 22 salários mínimos - superior à de coronel do Exército? Exemplo inspirado em comentário do então presidente Lula (mídia, 27/6/2009): por que a remuneração de engenheiro que constrói uma estrada é inferior à do auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) que fiscaliza o processo? Seria o gabinete em Brasília, mais desconfortável e insalubre?

Consciente de que a redução da desarmonia pelo aumento significativo das remunerações deixadas para trás seria incompatível com a saúde fiscal do Estado, mas propenso a deslanchar um processo corretivo, ainda que gradativo, o Executivo enviou ao Congresso, em 1989, projeto de lei que pretendia regular a matéria e esclarecer expressões constitucionais equívocas, cujas interpretações flexíveis facilitam a indução de desarmonia. Expressões como "vantagens de caráter individual e relativas à natureza e local de trabalho" e - esta particularmente complexa - "cargos com atribuições iguais, ou assemelhadas".

O projeto foi arquivado porque feria a independência dos Poderes (no caso, a corporativa, mantida incólume a funcional) e a solução praticamente não tem avançado. A Emenda Constitucional n.º 19 (1998) eclipsou o ideal isonômico do Texto Constitucional de 1988 (utópico em sua plenitude, mas ao menos referência contra distorções excessivas) e na fixação das remunerações introduziu expressões também melífluas, tais como "a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos" e "as peculiaridades dos cargos", que mantêm a flexibilidade subjetiva na interpretação, respaldando a desarmonia. Reafirma que "os vencimentos dos cargos do Legislativo e do Judiciário não podem ser superiores aos pagos pelo Executivo", deixando em branco as questões: que cargos correspondem a que cargos (questão que exige regulação por lei)? Os acréscimos que alimentam a desarmonia se incluem nos vencimentos?

A emenda admite (não impõe) o estabelecimento de relação-limite entre a maior e a menor remuneração no serviço público. É improvável que esse dispositivo se concretize: porque, se instituído, o aumento no topo da pirâmide rebocaria o da base, na verdade, o de toda a pirâmide, criando uma carga fiscal inviabilizadora. Reboque justo: as "perdas da inflação", sempre citadas para justificar pleitos de revisão salarial, estendem-se a toda a pirâmide e são mais sensíveis na sua base! Ademais, o que seria exatamente a remuneração da relação-limite? Ela incluiria "para valer" a miríade de vantagens, como manda a Constituição?

Essa dúvida tem amparo num fato instigante da realidade vigente: o limite máximo da remuneração explícito na Constituição federal - o "subsídio" de ministro do Supremo Tribunal Federal, hoje cerca de 45 (!) salários mínimos -, nele "...ncluídas as vantagens pessoais e de qualquer outra natureza...", não tem obstado exceções exuberantes. A pletora de salários públicos que excedem o "limite máximo" constitucional resulta de sentenças judiciais ou de normas corporativas vistas como legais, ao amparo do direito impreciso. E a prática prossegue desinibida, apesar das críticas sensacionalizadas na mídia, logo esquecidas na permissividade complacente da sociedade.

O Brasil não comporta um quadro de salários públicos em razoável harmonia no paradigma de nível alto que hoje atende a alguns segmentos. E para que a moderação exigida pela responsabilidade fiscal seja justa é necessário compartilhá-la, é preciso, ao menos, reduzir as manifestações de desarmonia exponencial. A harmonia razoável e suportável pelo erário é um desiderato complexo e demorado, provavelmente mais hoje do que teria sido há 22 anos, porque ao longo desse tempo cresceu e se consolidou a força corporativa de categorias poderosas. O que exatamente seria ela terá de ser pensado no processo, considerados criteriosamente as qualificações e o empenho realmente exigidos pela natureza, responsabilidade, complexidade e pelas peculiaridades dos cargos (critérios do texto constitucional). É provável que o processo tenha de incluir artifícios polêmicos, como seria, por exemplo, a adoção temporária de ritmos de aumento distintos, redutores da desarmonia no longo prazo.

Sem atabalhoamento - porque na democracia não há solução mágica e o problema é, de fato, complexo -, é preciso ser desencadeado algo nesse sentido. Não será fácil rever concepções entendidas como legais e/ou já consuetudinariamente praticadas, não será fácil esclarecer preceitos que, embora supostamente devessem servir à ordem racional, acabam dando espaço corporativo subjetivo à ambiguidade indutora de desarmonia. Ocorrerão manifestações de discordância, mas a lógica da harmonia - se não a ideal, pelo menos a razoável e possível - haverá de prevalecer.

Janelinha - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 04/04/12


O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), foi surpreendido ontem com a formação do Bloco PTB-PR. Há algumas semanas ele impôs condições para dialogar com o PR. Ontem, o líder do PTB, Gim Argello (DF), formou um bloco de doze senadores. O líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), foi quem desenhou a jogada. Este é mais um lance relacionado à sucessão do senador José Sarney (PMDB-AP) na presidência do Senado.

Demóstenes e a Juventude do DEM
A queda do senador Demóstenes Torres (GO), alvejado pelas ligações com Carlinhos Cachoeira, é um golpe no trabalho do DEM entre a Juventude. Ele era uma espécie de ícone da nova direita e vinha percorrendo o Brasil organizando a Juventude em torno das ideias conservadoras do DEM. Crítico das cotas, ele tinha relação estreita com professores e a atual diretoria do DCE da UnB e participava de um movimento de oposição ao reitor José Geraldo de Souza Junior. No seu Twitter, Demóstenes chegou a escrever: "O que há na UnB é uma espécie de bullying ideológico, e estou aguardando relatos de outras universidades".

"O (José) Serra não vai esquentar a campanha, quem está na frente não antecipa a campanha” — Sérgio Guerra, presidente do PSDB e deputado federal (PE)

A NOIVA. A senadora Kátia Abreu (PSD-TO) está sendo cortejada pelos líderes do PT, Walter Pinheiro (BA), do PMDB, Renan
Calheiros (AL), e do Bloco PTB-PR, Gim Argelo (PTB-DF). Todos querem formar um bloco com os dois senadores do PSD. Mas a também presidente da CNA resiste. Ela explica: “Não fui eleita pelos eleitores do governo Dilma nem quero nomear para cargos do governo e tenho muito medo de cair no ridículo.”

Outro lado
O PPS informa que seu site tratou do tema Stepan Nercessian (RJ) no sábado. Relata que o Conselho de Ética foi acionado e que Stepan foi afastado da direção. E diz que não usa a tática do PT: de esperar para ver se o caso iria "esfriar".

Jacaré
Em todas as reuniões do DEM, na segunda-feira, que resultaram no afastamento do senador Demóstenes Torres (GO) do partido, passou desapercebida a presença do vice do governador Marconi Perillo (GO), José Eliton Júnior.

Ideli: não tenho nada com isso
Durante o encontro com líderes do PT e do PMDB, ontem de manhã, no Planalto, a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) tratou da compra de lanchas feitas no Ministério da Pesca. Explicou que a compra foi feita pelo seu antecessor, Altemir Gregolim. Acrescentou que na sua gestão, quando chegou a ser feito o pagamento de uma parcela do negócio, não existia nenhum posicionamento do TCU sobre o assunto.

Vapor
A Advocacia-Geral da União fez gestões ontem para demover o STF de manter, para o dia 12, o julgamento da constitucionalidade dos Planos Collor I e II. O presidente do STF, Cezar Peluso, manteve o processo na pauta.

Verniz
Na peça que abre a investigação contra Carlinhos Cachoeira, os promotores citam Ruy Barbosa: "De todas as desgraças que penetram no homem... a mais grave é... o jogo... em uma palavra: o jogo, os naipes, os dados, a mesa verde".

O ESCÂNDALO Carlinhos Cachoeira calou a troante bancada da contravenção no Senado.

O CLUBE DE ENGENHARIA entrega, na próxima semana, à ministra Maria do Rosário, um manifesto em favor da Comissão da Verdade.

FALA O PRESIDENTE da CNI, Robson Andrade, sobre a segunda fase do Plano Brasil Maior: "A indústria sempre vai pedir mais, mas essas medidas vão dar musculatura para competirmos com a indústria estrangeira que busca o mercado brasileiro."

Fila que anda - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 04/04/12


Evidente está que a influência do contraventor Carlos Augusto Ramos no mundo da política não se circunscreve ao senador Demóstenes Torres nem ao DEM.

O "arco de alianças" inclui governadores e deputados do PSDB, PPS, PT, PTB e PP. Isso ao que se sabe até agora.

Entre os amigos parlamentares, pelo menos um - o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes - já deu a seus pares, motivo para que (no mínimo) se questionem sobre a conveniência de continuarem a privar de sua convivência.

Assim como outros quatro deputados, o petebista não negou seus vínculos com o bicheiro que gosta de receber tratamento de "empresário". Mas foi além: pagou para ver se a tolerância do Parlamento na preservação do decoro é ampla ou se a intolerância para com a conduta de Demóstenes guarda certo sabor de desforra por causa do rigor ético aplicado aos colegas.

Em entrevista ao jornal O Globo, Jovair Arantes traça um autorretrato: "Sou o tipo do cara que não fica procurando se a pessoa tem problema na vida dela. Não sei se ele (Cachoeira) ganhou dinheiro em jogo, se era um negócio legal ou ilegal. Não me interessa. Não sei, não me aprofundei nem quero me aprofundar".

Afirma que procurou o "empresário", mas que não estava atrás do dinheiro dele e sim de sua influência em Goiás. "É um cara influente, isso é inegável e está provado por essa operação", diz, referindo-se à Operação Monte Carlo que acabou com a carreira de um senador e pôs o "cara influente" na cadeia.

Em suma: o líder do PTB não olha com quem anda, não liga que disso decorra uma avaliação negativa sobre quem ele (o deputado) é. Não quer saber se é correta ou não a conduta de quem lhe empresta prestígio e só falta acrescentar que tem raiva de quem sabe.

Lixa-se, portanto, para a opinião pública e para o decoro exigido de um parlamentar que, aliás, já se torna suspeito só de admitir amizades com quem tem vulgo.

Se o arrazoado do líder não é o bastante para que a Câmara não se faça de surda e abra investigação para saber até onde vão suas ligações com o homem de quem o senador Demóstenes também se dizia mero amigo para revelar-se prestador de serviços, francamente nada mais é motivo.

Fica difícil até confiar na definição do termo decoro. Segundo Houaiss, significa decência, pundonor, compostura. Pode ser que a Câmara tenha outros sinônimos que, a depender da atitude da Casa, soarão como antônimos.

Névoa seca. O PT e o governo não têm como explicar a operação casada entre a compra de lanchas (23 das 28 ainda em desuso) para o Ministério da Pesca e o pedido de doação para a seção do partido em Santa Catarina feito à empresa vendedora.

À falta de justificativa para ato que o próprio dono da Intech Boating caracteriza como uso privado do Estado "foi um pedido do ministério", diz José Antônio Galízio Neto - busca-se confundir a cena resumindo-se os fatos a uma questão de acusação ou defesa da ministra Ideli Salvatti, ex-titular da Pesca, cuja campanha para o governo do Estado recebeu aqueles recursos.

O caso não tem a ver com Ideli em particular, mas com as práticas do PT em geral. Pedir dinheiro a fornecedor do ministério não está entre as atribuições normais de um partido, cujo dever seria manter as coisas em seus devidos lugares. Separadas.

De novo, não. Queira o respeito à paciência alheia que os políticos e partidos envolvidos com o contraventor vulgo Cachoeira não comecem a atribuir suas estripulias ilícitas à falta de reforma política, alegando que o "sistema" os obriga a recorrer à busca de recursos paralelos para financiar suas campanhas.

A história sempre se repete. Mas, de tanto ser contada, já não convence. Seja pela indisposição dos partidos e dos políticos em reformar, seja pela culpa que a lei forte não tem diante do fraco de certas excelências.

Fígado, cérebro ou coração? - JOÃO CRESTANA


O Estado de S.Paulo - 04/04/12


Pergunte-se a um grupo de médicos qual o órgão mais importante do corpo humano e certamente assistiremos a diálogos intermináveis e inconclusos. O fígado é o filtro, o coração é a bomba, o cérebro toma decisões, cada um com sua fatal indispensabilidade. Impossível o funcionamento aceitável do corpo sem o concurso dessas peças. Coração sem fígado envenena-se, fígado sem cérebro desgoverna-se, cérebro sem coração morre de inanição e, dizem os poetas, de falta de emoção...

Sustentabilidade urbana, conceito complexo e mal conhecido, apresenta também seus três componentes orgânicos essenciais, inexoráveis e indispensáveis: o espaço ambiental e cultural, o desenvolvimento econômico e a responsabilidade social.

Inútil privilegiar um deles em detrimento de qualquer dos outros. Temos assistido a intervenções de atores sociais ignorantes dessa cooperação essencial, ou mal-intencionados. Empresários sem escrúpulos a prejudicar o ambiente e a cultura; ambientalistas facciosos e oportunistas a travar o desenvolvimento; e administradores públicos privilegiando o corporativismo e interesses individuais, para imenso prejuízo da sociedade. Além disso, entidades estrangeiras públicas e privadas se sentem no direito de impor condutas inexistentes em seus países. É notória a influência de ONGs forasteiras que agem para prejudicar nosso bom funcionamento orgânico: em vez de se preocupar em recompor suas florestas devastadas, seus litorais destruídos e suas manadas de espécies quase extintas, vêm aqui incentivar a cizânia e pontificar sobre orações que não rezam em suas próprias casas.

Compete unicamente aos cidadãos brasileiros conceber e implantar nossa sustentabilidade. Tecnologia do exterior pode ser estudada, pois arrogância não está no caráter dos brasileiros. Mas a soberania nacional afasta qualquer ingerência: brasileiros decidirão sobre o espaço Brasil, e não qualquer intrometido interessado em dificultar o aperfeiçoamento de nossa nação, talvez com vista a minar antecipadamente o amadurecimento de um pujante concorrente.

Prosseguindo em nossa analogia de sustentabilidade e anatomia, vamos admitir que o fígado seja a proteção ao meio ambiente e ao patrimônio cultural. O legado de parques, rios, fauna e flora, bem como o conjunto histórico e cultural das cidades merecem respeito e reverência permanentes, de tal forma que as futuras gerações recebam o que nos emprestaram durante nossa vida. É dos futuros seres humanos este patrimônio ambiental e cultural, e não da nossa geração.

Hoje os pensadores urbanos têm consciência de que a melhor estratégia para a boa qualidade ambiental e cultural é o planejamento, o projeto urbanístico bem concebido e a execução de intervenções no tecido metropolitano a fim de melhorar o funcionamento sustentável. Não se protege por inação e abandono. Ao nada fazermos com uma margem de rio, com um grupo de árvores ou com um edifício tradicional, muitas vezes agimos contra a cultura e o ambiente. Tombamento, conforme querem alguns ideólogos puristas ou hipócritas oportunistas, sem contar com recursos e sem manutenção, leva à decadência, à deterioração e ao abandono dos espaços. Se vamos preservar, urge prover recursos para manter, bem como urge ensinar as novas gerações, didaticamente: turmas de jardineiros e operários de manutenção trabalhando em meio a professores e pais, transmitindo cultura a crianças e adolescentes. Tombar para favorecer dependentes químicos ou marginais vivendo no lixo decorrente do abandono é demonstrar ignorância ou má-fé. Se higienismo é ruim, negligência administrativa privilegiando o assistencialismo e a exploração do miserável por oportunistas é muito pior.

O coração e a circulação representam, sem dúvida, o desenvolvimento econômico, a geração e a distribuição de resultados que coroam o mérito humano. Sem trabalho e recursos financeiros, a miserabilidade incentivaria massas famintas à destruição, à prevalência do mais forte - "homem lobo do homem". A propriedade, a livre-iniciativa, lucros honestos e consequentes pagamentos de salários e impostos são sagrados para os investimentos, para a melhoria das condições da cidade, de transportes públicos, espaços de convivência, parques, creches, escolas e hospitais. Sangue vivo e ativo a motivar os cidadãos.

O coração precisa de ritmo, dado à sociedade por instituições, leis, regras formais e informais, costumes, crenças, personalidade e atitude da sociedade, cadência do povo.

E desgovernada seria a sustentabilidade sem o livre-arbítrio do cérebro, representado pela responsabilidade social. Justiça, generosidade e ética. O propósito deve definir qualidade de vida para todos, inserção, igualdade de oportunidades, espaços urbanos democráticos e privilégio a pedestres, ciclistas, usuários do transporte público. Polos urbanos densos, compactos, e com "caminhabilidade", onde trabalho, lazer, serviços e habitação são próximos, ou seja, poucos minutos entre origem e destino. Acessibilidade fácil e agradável a idosos e pessoas com deficiência. Inexoravelmente, um dia teremos deficiências; o tempo rouba-nos, dia a dia, agilidade e capacidade física.

Onde investir os recursos provenientes de impostos e taxas? Certamente, não na ineficiência e na corrupção, ou na defesa de corporativismos improdutivos e sectários de grupos em prejuízo da sociedade, da Nação.

Algum médico urbano consciente teria coragem de dizer qual dos componentes desta analogia é a mais importante? Ambiente sem dignidade econômica, desenvolvimento sem consciência social, função social sem projeto urbano racional de progresso sustentável?

O legado a deixar às próximas gerações é a solidariedade sentimental em torno de uma atitude ética harmonizando esta sustentabilidade urbana nacional, completa, perene e funcional.

Ações pontuais sobre a carga pesada - EDITORIAL O GLOBO


O Globo - 04/04/12


Isonomia, igualdade de condições para competir, é uma reivindicação que os representantes da indústria brasileira têm feito às autoridades governamentais há um bom tempo. E entre os fatores que reduzem a competitividade da indústria estão a elevada carga tributária e a estrutura de impostos no país, ambas inadequadas para o ambiente de mercado globalizado.

Com a série de medidas anunciadas ontem em Brasília, o governo tenta atenuar esse problema, desonerando a folha de pagamentos de quinze setores, tanto da indústria como de serviços, nos quais o custo da mão de obra é preponderante e se encontra em desequilíbrio diante da concorrência asiática, por exemplo. Nessa lista estão segmentos bem tradicionais da indústria de transformação (têxtil, confecções, calçados, móveis, ônibus) que vinham minguando a olhos vistos, embora a demanda doméstica permaneça forte e todos eles tenham no passado conseguido abrir mercados lá fora.

O governo federal está instituindo também um novo regime automotivo, pelo qual veículos mais eficientes pagarão menos impostos e haverá estímulos para a cadeia produtiva, incentivando-se a utilização de autopeças nacionais, o que só dará resultado se isso não encarecer os produtos finais.

Havia uma certa preocupação quanto à possibilidade de serem anunciadas medidas protecionistas, o que seria um retrocesso. Somente um produto (coco ralado) paga hoje direitos compensatórios adicionais para entrar no Brasil, mas a indústria reclama que as importações de manufaturados não arcam com tributos que incidem com um efeito cascata sobre os preços (PIS e Cofins). Alguns estados também criaram um regime diferenciado de ICMS que tem dado impulso a importações. No primeiro caso, o governo atendeu à reivindicação da indústria, e no segundo o Senado tem na pauta uma resolução com propósito de apartar essa disputa.

Desoneração de tributos, oferta de crédito em condições similares à dos concorrentes no exterior e incentivo à inovação são iniciativas bem-vindas, sem dúvida. Espera-se que ajudem a indústria de transformação a ganhar fôlego, por sua importância, direta e indireta, para o conjunto da economia. Sabe-se muito bem qual é o impacto negativo de galpões industriais vazios em cidades ou regiões que foram impulsionadas pelo funcionamento das fábricas.

No entanto, as iniciativas pontuais não descartam a necessidade de o Brasil ter uma política de médio e longo prazos que contemple a redução da carga tributária como um todo, o que, por sua vez, depende de uma reestruturação nos gastos governamentais. Como as desonerações, que incluem alguma contrapartida do Tesouro, não podem reduzir o superávit primário, em algum momento o problema dos gastos terá de ser enfrentado.

Além da carga tributária pesada, o país tem uma estrutura inadequada e ultrapassada de impostos, especialmente no âmbito estadual (pois o sistema Simples e o regime de lucro presumido proporcionaram uma razoável racionalização, na esfera federal, para grande número de empresas). Existe um conflito sobre o tamanho do setor público que a economia consegue suportar. O risco de não se atacar esse problema é o de a carga tributária e a estrutura inadequada de impostos asfixiarem a galinha de ovos de ouro, o contribuinte.

Mais um pacote limitado - EDITORIAL O ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 04/04/12


O governo anunciou mais um pacote de estímulos à produção e à modernização da indústria, mas foi incapaz, novamente, de formular uma política de longo alcance para tornar mais eficiente e mais competitiva a empresa instalada no Brasil. A produção industrial subiu 1,3% em fevereiro, depois de um tombo de 1,5% no mês anterior, e no primeiro bimestre ficou 3,4% abaixo do nível registrado um ano antes. O setor, quase certamente, terá neste ano um desempenho melhor que em 2011, um ano de resultados muito ruins. A recuperação será impulsionada em parte pelas medidas oficiais. O câmbio tem melhorado, mas nenhuma nova medida foi tomada, embora o ministro da Fazenda tenha falado sobre o assunto. De toda forma, o poder de competição da indústria manufatureira, no fim do ano, dificilmente será maior do que é hoje, porque a maior parte dos entraves será mantida. O governo precisará de muito mais competência administrativa e disposição política para removê-los.

Com o novo pacote, será ampliado de 4 para 15 o número de segmentos beneficiados pela desoneração da folha de pagamentos. A contribuição patronal de 20% para a Previdência será eliminada, mas o benefício será compensado parcialmente, segundo o argumento oficial, pela cobrança de uma contribuição (PIS-Cofins) sobre o faturamento. A alíquota será de 1% para alguns grupos de empresas e de 2% para outros. O governo tenta, dessa forma, preservar em parte a arrecadação tributária, recolhendo de uma fração a receita perdida com outra. O resultado líquido poderá ser vantajoso para as empresas - algo a ser conferido na prática.

Além disso, haverá uma cobrança da mesma contribuição sobre importações - para contrabalançar, afirma o governo, a nova taxação do faturamento. Mas a cobrança de PIS-Cofins sobre o faturamento não será, segundo o governo, um custo adicional para as empresas, porque compensará apenas parcialmente a desoneração da folha. Logo, a justificativa do tributo sobre a importação é no mínimo estranha e qualquer estrangeiro perceberá esse detalhe.

Mais um flanco da política industrial ficará exposto, portanto, à contestação internacional. Governos de outros países já manifestaram insatisfação diante do aumento do imposto cobrado sobre veículos com menos de 65% de conteúdo nacional. Classificam essa cobrança como discriminatória e incompatível com as normas da Organização Mundial do Comércio. A cobrança adicional de PIS-Cofins sobre importação reforça o caráter protecionista da política.

O caráter discriminatório da tributação de veículos fica ainda mais claro com a decisão do governo de indicar as peças e itens de ferramentaria considerados estratégicos para o setor automotivo. Primeiro, o governo aumentou o IPI para o setor automobilístico e prometeu reduzir a alíquota para os veículos com pelo menos 65% de conteúdo nacional. O novo passo é definir como as empresas deverão formar esse conteúdo. Também haverá benefícios para quem investir em inovação, segundo uma tabela de pontos indicada pelo governo. Estímulos à inovação podem ser importantes para a competitividade, mas essa política está sendo montada sobre uma distorção tributária, o imposto discriminatório.

O aumento de recursos públicos para o crédito à exportação é um dos elementos mais positivos do pacote, mas os novos valores apenas compensam, com atraso, cortes orçamentários anunciados há meses. Com isso, o governo admite implicitamente ter cometido um erro de avaliação ao reduzir os recursos para os exportadores. Não há, nisso, nenhuma surpresa. A política industrial tem sido composta de medidas parciais, de curto alcance e decididas com um mínimo de visão estratégica.

Essas limitações são confirmadas, mais uma vez, pela nova prorrogação do Programa de Sustentação de Investimentos. Esse programa, lançado em 2009, tem sido renovado segundo as circunstâncias. Só deveria servir para o combate à recessão, mas o governo tem sido incapaz de separar medidas conjunturais e estruturais. Se fosse capaz de reordenar suas ações, reformaria a política fiscal, mudaria o padrão de gastos e abriria espaço, de forma duradoura, para uma tributação mais funcional. Mas não está preparado para isso.