sábado, março 05, 2011

ANTONIO GONÇALVES FILHO

Foucault e o islã, mistura explosiva
ANTONIO GONÇALVES FILHO
O Estado de S.Paulo - 05/03/11

Três livros sobre o filósofo francês, morto em 1984, são lançados simultaneamente; dois deles abordam o apoio dado pelo pensador à revolução iraniana liderada pelo aiatolá Khomeini em 1979
05 de março de 2011 | 0h 00

Pouco antes de morrer, o filósofo francês Michel Foucault (1926- 1984) escreveu um artigo em que defendeu ser perigoso confundir humanismo com Iluminismo. Segundo o pensador, a temática humanista seria "muito inconsistente para servir de eixo à reflexão". A frase provocou arrepios na feminista iraniana Janet Afary e no professor de sociologia americano Kevin B. Anderson, autores do livro Foucault e a Revolução Iraniana, que será lançado no dia 10 pela Editora É (o livro já se encontra em pré-venda na Livraria Cultura). Eles acreditam que "o resultado trágico da revolução iraniana deflagrada por Khomeini formou parte do pano de fundo desse derradeiro ensaio". E foram atrás de todos os artigos escritos por Foucault sobre o conflito que levou o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989) ao poder, estabelecendo uma teocracia islâmica no Irã, em 1979.

Parece paradoxal que um pensador dedicado à causa libertária tenha apoiado, num primeiro momento, os fundamentalistas religiosos que derrubaram a monarquia autocrática pró-ocidental do xá Reza Pahlevi (1919-1980), discordando de seus pares, que viam na revolução islâmica a representação do confronto entre o mundo religioso arcaico e a modernidade laica. Em sua defesa, o historiador Paul Veyne, amigo e colaborador do filósofo, afirma que "esse pretenso esquerdista" - nem freudiano, nem marxista, segundo ele - "foi tocado pelo heroísmo das multidões iranianas diante da polícia e do Exército do xá". Foi por isso, crê Veyne, que Foucault "ultrapassou a neutralidade e tomou o partido dos revoltados, sem esperar para ver se o islamismo não daria razões para a indignação dignas de suscitar revoltas pontuais". Tal conclusão de Veyne se encontra em Foucault: Seu Pensamento, Sua Pessoa, lançado agora pela Civilização Brasileira.

Alimentando a polêmica e as homenagens aos 85 anos do nascimento do filósofo (e 50 da publicação do fundamental História da Loucura), chega às livrarias, no dia 25, outro estudo sobre ele, pela editora Zahar, Como Ler Foucault. O título revela que o objetivo da autora, Johanna Oksala, pesquisadora da Universidade de Helsinque, na Finlândia, é didático e bem diferente do de Veyne, que faz um esforço intelectual para traduzir o discurso de Foucault e ver em que ponto o nietzschiano filósofo aproxima-se de Heidegger - simpatizante e colaborador de outro regime obtuso, o nazista, nunca é demais lembrar. Por trás da obra filosófica de ambos, segundo o historiador francês, "esconde-se um não dito truístico e esmagador: o passado antigo e recente da humanidade não passa de um vasto cemitério de grandes verdades mortas".

A estrutura dos três livros é semelhante: os estudiosos partem para um face a face com as ideias do filósofo. Em cinco capítulos de Foucault e a Revolução Iraniana, seus autores discutem os paradoxos da filosofia foucaultiana, a sedução exercida pelo xiismo sobre o filósofo, suas controvérsias com membros da comunidade iraniana, a vista grossa que fez para os direitos das mulheres submetidas compulsoriamente ao véu e sua relativa ignorância sobre a cultura islâmica. Segundo os autores do livro, ele apontava as semelhanças entre o Corão e o Levítico sem lembrar que o capítulo 20 do livro bíblico determina a pena de morte para adúlteros e homossexuais, o que condenaria o próprio Foucault. Em 1978, quando visitou o Irã como correspondente do jornal Corriere della Sera, ele parecia acreditar que o islamismo iraniano aceitaria melhor a homossexualidade que o Ocidente moderno, segundo os autores do livro. Eles tiveram um testemunho dessa ingenuidade por meio de um depoimento do sociólogo Ehsan Naraghi, colega de Foucault no Collège de France, que ficou espantado com a ignorância do filósofo sobre o mundo muçulmano. Em tempo: Naraghi foi preso durante a revolução islâmica e escreveu um livro sobre o assunto.

Por outro lado, Foucault foi um pensador crítico das instituições sociais - em particular a psiquiatria -, que propôs um novo tratamento para os portadores de doenças mentais, abominando o confinamento e mostrando as semelhanças entre asilos, prisões, quartéis e escolas. Paul Veyne, em seu livro, afirma que ele não foi nem estruturalista, nem relativista e tampouco historicista. Foi, antes, um pensador "cético". Veyne repete inúmeras vezes o adjetivo, sem, no entanto, admitir que Foucault tenha sido um niilista. Quando História da Loucura foi publicado, há meio século, diz, alguns historiadores "não viram inicialmente o alcance do livro", embora o filósofo não fosse "tão marginalizado quanto queria crer". Philippe Ariès adorava seus livros, garante.

Foucault, segundo Veyne, autor do primeiro volume da coleção História da Vida Privada, seria igualmente tolerante com a obra alheia. Ele jamais condenou "a mais absurda das doutrinas", acentua, lembrando como o filósofo falava com prazer e simpatia de Santo Agostinho, embora "duvidasse de toda verdade demasiado geral e de todas as grandes verdades intemporais". Poderia alguém assim cético - mas não niilista - apontar algum caminho para a humanidade? Sim, responde o historiador, "porque seu ceticismo não duvida de tudo por princípio".

Um dado novo no livro de Veyne é a lembrança do nome de Wittgenstein para fazer par com Foucault - ambos acreditariam apenas em singularidades. Ele não explora essas semelhanças, mas mostra como Foucault considerava a "linguagem" dos animais irracionais, ao falar da inteligência de um gato que visitava os apartamentos do número 285 da rua de Vaugirard, em Paris, onde morava o filósofo. "Ele entende tudo", dizia o pensador ao historiador a propósito do felino. Para um empirista como Foucault, até um animal errático era capaz de compreender o que homem se recusa a engolir, ou seja, "que o sujeito não é soberano, mas filho do seu tempo". Foucault, define Veyne, não acredita nem Marx nem em Freud, nem na Revolução nem em Mao e "ria em privado dos bons sentimentos progressistas".

Para o historiador, Foucault viu na revolução iraniana a luta da libertação de um povo, a despeito de ter ouvido dele uma frase bombástica sobre Khomeini: "Ele me falou de seu programa de governo: se tomasse o poder, seria de uma idiotice de fazer chorar". Disse isso "erguendo piedosamente os olhos para o céu". O que esse gesto significou? Foucault desdenhava do aiatolá ou seria mais uma vítima de seu carisma? Os autores de Foucault e a Revolução Iraniana sugerem que a experiência do filósofo no Irã representou uma "guinada em seus escritos da década de 1980", fascinado que ficou pela apropriação dos mitos xiitas de martírio e rituais de penitência dos revolucionários. Foucault faria, sim, críticas tardias ao regime islâmico, mas, então, muitas cabeças já haviam rolado. Após maio de 1979, fez silêncio sobre o Irã. Sua busca de alternativas para a laicidade moderna acabara.

ANCELMO GÓIS

Água no feijão
ANCELMO GÓIS
O GLOBO - 05/03/11

Dilma vai receber Obama e Michelle para jantar no Palácio da Alvorada, dia 19. 

No cardápio...
A ceia terá muitas saladas, carnes grelhadas e frutas de sobremesa. Michelle, como se sabe, é entusiasta da comida saudável.

‘Ladies and’...

Obama ainda não desistiu de fazer um discurso no Rio. Mas, por segurança, o pronunciamento deve ser feito num local fechado.

Por falar nisso...

Há no governo brasileiro quem defenda a ideia de que este local fechado seja uma universidade do Rio. 

Calma, Rô...
Aliás, de Rogéria, no microfone, quinta à noite, para o constrangimento geral do Píer Mauá, onde foi apresentadora do concurso de fantasias de luxo do Baile Oficial da Cidade, comentando o traje “Nações Unidas”, de um candidato: — Por falar em Nações Unidas, eu não acho a Michele Obama bonita. Ela parece um... mico! Há controvérsias.

Sem caroço
Alheio a toda polêmica sobre sua frustrada nomeação para a Fundação Casa de Rui Barbosa, o sociólogo Emir Sader desfilava ontem no bloco Azeitona Sem Caroço: — Uma maravilha! Em 25 anos de Leblon, nunca vi tudo tão coalhado de gente. 

Ô, Madalena
Depois de quatro anos sem gravar, Ivan Lins vai entrar em estúdio, logo depois do carnaval, para um CD só de inéditas. “Todos os Ivans”, nome do disco, sairá no segundo semestre e celebrará 40 anos de carreira do autor de “Madalena”.

Casseta na folia
Hélio de La Peña, nosso casseta, vai estrear como comentarista nos desfiles das escolas do Rio, domingo e segunda, na TV Globo. Na bancada, com o gaiato, que é do ramo (é parceiro de Arlindo Cruz e Mu Chebabi no samba-vinheta de carnaval da 
TV Globo), estarão Haroldo Costa e as cantoras Fernanda Abreu e Teresa Cristina. 

O ‘Globelezo’
Aliás, a TV Globo, na cobertura dos desfiles na Sapucaí, terá um repórter dentro das alas das escolas.O papel de folião-coleguinha
será de Renato Ribeiro. 

Embaixador Ronaldo
Ronaldo Fenômeno deixou os gramados, mas não o posto de embaixador da ONU. Em abril, o ex-jogador vai ao Haiti para uma visita de um dia. É parte de suas obrigações no cargo.

Romance na Sapucaí
Marcos Palmeira filma hoje na Sapucaí, no desfile da Estácio de Sá, uma cena para o novo filme do cineasta francês Giller de Maistre. “Romance”, título provisório, também terá cenas rodadas na Amazônia. 

Acabou em samba
O bloco Lima é Tio Meu, de uma turma fã de Lima Barreto (1881-1922), o genial cronista, desfila hoje na Lapa, às 11h, com uma marchinha sobre as revoluções no Egito, na Líbia etc. Diz a letra, de Jorge Curuca: “Toda a canalhada tá fugindo/Toda a mulambada escafedeu/E a gente vai atrás, sorrindo/Lima é tio Meu/Lima é tio meu.” 

Calma, gente... 
Aliás, na marchinha, sobram pauladas no líbio Kadafi, no iraniano Ahmadinejad, no egípcio Mubarak e... até no Congresso brasileiro. Veja só: “Vou apedrejar Ahmadinejad/ Vou apedrejar Kadafi, Muamar/Mubarak aqui/Mubarak lá/Que exploda o preço
do barril/Se sobrar pedra... tem o Congresso do Brasil!” 

Cadê o preso? 
Agentes do Batalhão Especial Prisional do Rio passaram o dia, ontem, à procura do ex-PM Franklin Delano Roosevelt Maia Júnior, preso na unidade, acusado de matar um colega de farda. Franklin sumiu um dia depois de a juíza Ana Paula Barros determinar sua expulsão da PM.

No mais

O governo Lula deixou uma dívida com os brasileiros: a reintrodução da palavra inflação no noticiário econômico.

GOSTOSA

ILIMAR FRANCO

No mercado
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 05/03/11

O ex-presidente Lula estreia como palestrante internacional em evento marcado para abril, em Londres. Ele tem cobrado R$ 200 mil por apresentação. O exministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos aconselhou Lula a aproveitar que acabou de deixar a Presidência
da República para cobrar valores mais altos. “Depois o cachê vai diminuindo”, disse o advogado para Lula.

Terra arrasada
Não é só o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), que está pensando na criação de novo partido e fusão com outra sigla. Depois da saída do prefeito e seu grupo, os remanescentes do DEM vão avaliar o estrago. Dependendo do cenário, os demistas estudam a fusão com outro partido, por questão de sobrevivência. Parte da sigla defende a fusão com o PSDB. Há demistas, no
entanto, que preferem se juntar com um partido médio. Kassab pretende lançar o manifesto de seu novo partido, o PDB, na segunda quinzena de março, após a convenção nacional do DEM. Seu plano é fundir posteriormente a nova sigla com o PSB.

“Não tem debandada kassabista. Tem é garganta deles” — José Aníbal, secretário de Energia do Estado de São Paulo, sobre a ida de tucanos para o partido a ser fundado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Ceticismo
Após se reunir com os líderes da base aliada na Câmara, quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff manifestou ceticismo em relação à aprovação de uma proposta de reforma política pelo Congresso. Câmara e Senado batem cabeça.

Dois em um
Além da contenção de despesas, o corte anunciado pelo governo nas emendas parlamentares do Ministério do Turismo teve como objetivo tentar coibir as denúncias de irregularidades envolvendo a aplicação desse dinheiro.

Dividindo o bolo
Em Minas, PT e PMDB chegaram a um acordo sobre a divisão dos cargos federais no estado. Os petistas ficariam com as superintendências regionais do Incra e da Funasa, Refinaria Gabriel Passos e órgãos locais do Ministério da Agricultura. Já os peemedebistas ficariam com as diretorias regionais dos Correios e Ibama, DNPM, Codevasf, Ceasa e Gasmig. A distribuição seria feita conforme o tamanho das bancadas no Congresso.

Celetistas no Inca 

O Instituto Nacional de Câncer (inca) será umas das instituições afetadas pela Medida Provisória que cria uma empresa pública para gerir os hospitais universitários e correlatos. Poderá, assim, contratar profissionais pela CLT, e não pelo regime do servidor
público. Uma mudança que será feita no texto da MP, em tramitação na Câmara dos Deputados, será a inclusão de um
artigo garantindo a autonomia universitária. Essa é a principal preocupação dos reitores.

 FINALMENTE. Saiu no Diário Oficial que o ministro Fernando Haddad (Educação) entrou de férias. Elas estavam marcadas para janeiro passado, mas foram suspensas por causa de problemas no Enem. 
 O MOVIMENTO Marina Silva faz encontro com a candidata derrotada à Presidência da República, nos dias 19 e 20, para organizar a militância. 
 BURACO NEGRO. O TCU cobra do Ministério da Justiça providências para recuperar benefícios pagos irregularmente a anistiados demitidos por fazer greve nos anos 1980. A pasta refez os cálculos, mas não sabe informar que fim levaram os casos.

MIGUEL REALE JÚNIOR

Era carnaval
MIGUEL REALE JÚNIOR

O Estado de S.Paulo - 05/03/11

O escritor Josué Montello, no romance Largo do Desterro, faz delicioso relato sobre o dia do Entrudo em São Luís do Maranhão, no final do século 19, dia em que comemorava seu centenário o Major Taborda. Ao tomar a carruagem, em companhia da filha, para ir à igreja assistir à missa comemorativa de seu aniversário, o major já encontra o cocheiro, Chico Bento, embriagado. Descreve, então, os percalços do caminho: "ao comprido da Rua da Palma os limões-de-cheiro e as cabacinhas voavam sobre a carruagem... na volta da Rua Santana, um balde de água apanhou em cheio o Chico Bento... na direção do Largo do Quartel e da Rua dos Remédios crescia o ruído dos bumbos e das caixas de rufos, acompanhando a cantoria das caninhas verdes, dos baralhos e dos blocos de mascarados. O major olhava em frente, trombudo... a filha ponderou: Não adianta o senhor se zangar. Hoje é carnaval... Um frade gordo, imensamente barrigudo, dançava à frente dos cavalos, requebrando-se a estalar os dedos, a sacudir para os lados as ancas avantajadas, cantando..."

O Entrudo foi a brincadeira pela qual pessoas dos mais variados extratos, na terça-feira de carnaval, jogavam líquidos e farinha pelas janelas das casas ou em provocações durante desfile pelas ruas, com muita alegria e batuque. Espalhavam-se as escaramuças pelas cidades, em confrontos campais por vezes grosseiros, mas sempre em busca de divertimento.

Ainda no século 19 começaram os desfiles de mascarados, os cordões com fantasiados os mais diferentes a dançar em fila reunindo diabos, anjos, príncipes, palhaços, bruxas, mendigos esfarrapados ao som de tambores e em obediência a um mestre cujo comando se dava por meio de apitos. No Rio de Janeiro apareceram os cordões dos bairros, como foi exemplo o cordão Destemidos do Catete ou o Triunfo da Glória.

Mais tarde, na primeira década do século 20, com o surgimento do automóvel, aparece o corso, formado por veículos abertos a desfilar, com os foliões a provocar os demais, lançando confetes, serpentinas ou flores a exemplo do carnaval de Nice, que perdurou até os anos 50. Cheguei a participar de corso nas Avenidas Nove de Julho e Paulista, onde imperava a alegria e se misturavam confete e lança-perfume. Era divertido.

Desde o final do século 19, no entanto, organizaram-se os primeiros bailes de carnaval. Lembra Helenise Monteiro Guimarães, em artigo na coletânea Carnaval em Múltiplos Planos, o baile do Imperial Theatro D. Pedro II em 1879, no Rio de Janeiro. Ganham fama, na década de 1920 e 1930, os bailes do Teatro Municipal do Rio e do Hotel Copacabana Palace, com fulgurantes concursos de fantasia, que consagraram o museólogo Clovis Bornay.

Malgrado houvesse uma divisão das formas de divertimento conforme a classe social, com os corsos e bailes mais frequentados pelas categorias ricas da sociedade, enquanto nos cordões de rua predominavam as pessoas pobres e a pequena burguesia, o carnaval, como ressalta Roberto DaMatta, era um tempo em que se reduziam as distâncias sociais, a se poder visualizar por trás de um mendigo um nobre; por trás de um príncipe um pobre homem; por trás de uma estrela de cinema uma pobre mulher.

Como escreveu Jorge Amado, em artigo no livro de fotografias de Claudio Edinger, havia uma intensa participação popular, enquanto mais recentemente a população passou de partícipe a mera testemunha. Os desfiles se tornaram apresentações gigantescas a ser vistas pelo povo, nos sambódromos ou na televisão. A explosão de alegria popular desapareceu, as brincadeiras cessaram para surgir apenas o espetáculo.

O carnaval significava, também, um momento de expansão da permissividade, em que o rigor das proibições e dos interditos, especialmente no campo sexual, se flexibilizava às vésperas da entrada da Quaresma, época de preparo para a ressurreição do Senhor. A Quaresma, a começar na quarta-feira de cinzas, significava abstinência, penitência e caridade, mês e meio durante o qual se deveria limitar a fruição dos prazeres da carne, seja como alimento seja como atividade sexual.

O âmbito do proibido se reduzia. O correto a ser seguido pelas pessoas em geral ganhava elasticidade. Sair à rua para jogar água no vizinho, vestir-se o homem de mulher grávida, embebedar-se, saírem as mulheres semidespidas, provocantes nos bailes e nos desfiles, beijarem-se os casais em plena rua, tomar banho de mar ou de chafariz fantasiados eram permissividades acolhidas naturalmente nos dias de carnaval.

Essa catarse às vésperas da Quaresma formava um contraponto curioso entre a flexibilização do proibido e o rigor das contenções a serem respeitadas no mês e meio que se seguiria à "terça-feira gorda". Esse contraste não deixou de existir com a mudança dos costumes no plano moral, com redução da repressão sexual e a autonomia das mulheres diante do machismo que permitia às mulheres apenas uma sexualidade contida, restrita ao casamento e de forma a não se escandalizar o "anjo da guarda".

A liberdade de se unirem homem e mulher sem ser pelo casamento, o reconhecimento de dignidade dos divorciados, a queda do tabu da virgindade não desfaziam a importância do pudor, da contenção pública dos comportamentos, da preservação da vida privada, do respeito à própria sexualidade a não ser vivida como libertinagem. O carnaval perdurava a partir dos anos 70 como momento de maior permissividade.

Mas hoje a exposição pública a que as pessoas se permitem pela internet e pela televisão, de que é exemplo o BBB, e a vivência sem limites da sexualidade retiram do carnaval o caráter de expansão sadia da espontaneidade. Quando tudo é permitido, não há razão para flexibilizar o proibido. Como era bom o carnaval dos corsos, e não do espetáculo. Tinha, de outra parte, sentido dizer: "não se zangue, é carnaval", o que justificava a permissividade ampliada por uns poucos dias.

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

BRAZIU: O PUTEIRO

SONIA RACY - DIRETO DA FONTE

De dízimo em dízimo
SONIA RACY
O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/03/11

A alta cúpula da Record se reuniu todos os dias desta semana para definir a estratégia para o Brasileirão de 2012 à 2014, segundo o executivo Walter Zagari. "Conseguimos seis patrocinadores para dividir a conta com a gente", avisa, sem querer identificar quais.

E emenda. "O que a Globo der, nós vamos cobrir." O que se deduz da colocação do executivo, é que não interessa onde a briga se dará. Se há chance da emissora do bispo voltar atrás e participar da licitação do Clube dos 13, se tentará negociar time a time ou outra estratégia desconhecida. Vão é fincar o pé na trilha da Globo.

Gigante

Corre pelo mercado que a W/Torre teria desistido do seu fundo de investimento imobiliário abrigando o futuro edifício da Petrobrás, no Rio - cuja locação vai até 2029. Estaria agora vendendo o prédio todo para um grupo estrangeiro, resultando no que pode ser uma das maiores operações imobiliárias dos últimos tempos. A construtora nega.

Boa notícia
O Ministério da Saúde americano decidiu, esta semana, liberar US$ 160 mil ao Brasil. Para investimentos em pesquisa com intuito de encontrar cura da síndrome de Li-Fraumeni - doença rara que gera mutação genética e é hereditária. Podendo evoluir para câncer, como foi o caso de José Alencar. Deste montante, US$ 100 mil será separado para a pesquisadora Maria Isabel Achatz, do A.C. Camargo.

Responsa
A Câmara dos Vereadores de SP adotou, em todas as suas compras, a obrigatoriedade de política reversa. Quem quiser vender para a entidade terá de se comprometer em dar destinação correta ao produto no fim de seu ciclo de vida.

Exemplo? Para vender um computador, a empresa terá que se comprometer a recolhê-lo, quando "morrer", e enviá-lo para reciclagem.

Pulseira do bem
O Itaú ampliou sua participação no carnaval de rua do Rio. Distribuirá 100 mil pulseiras de identificação para as crianças que estiverem seguindo os blocos. Na festa de Salvador, onde a instituição é patrocinadora oficial, repetirá a mesma ação.
Isto é, garantir a identificação dos "pipocas" mirins para que eles não caiam fora da... "pai-nela".

Moinhos
Antes de sair de férias para a Bahia, Paulo Borges reuniu-se com a embaixada holandesa no Brasil e bateu o martelo: o país será tema da SPFW de junho.

Caixeiro viajante
Alexandre Padilha saiu ontem em cruzada contra a aids. O ministro da Saúde passa por São Paulo, Recife, Salvador e Rio distribuindo preservativos e visitando centros de saúde.

Nas nuvens
São Carlos anuncia na sexta sua candidatura para sediar o Mundial de Balonismo em 2014. Estão na disputa Lituânia e Austrália.

Na falta de uma
Tião, protagonista de Lixo Extraordinário, não encontrou Angelina Jolie no red carpet, como queria. Mas deve ter conhecido algumas coelhinhas. Ele foi convidado de festa especial da Playboy. Antes de seguir para centro de reciclagem em Santa Monica, modelo que quer trazer para cá.

Mephisto
A situação da Líbia obrigou fábricas de fantasias e máscaras a fazerem hora extra. É que Kadafi deve ser o grande hit do carnaval. E não só sua máscara, o look inteiro. Concorrerá de perto com Tiririca e Ronaldinho Gaúcho.

Na frente

Antes de desfilar segunda na Portela, Teresa Cristina se apresenta hoje ao lado de Dona Ivone Lara. Onde? No Bloco do Cordão do Boitatá.

Guga desembarca no Rio. Prestigia a escola Grande Rio que irá homenagear Floripa, cidade natal do tenista.

Luan Santana, fenômeno teen do sertanejo, foi convidado para se apresentar na abertura dos Jogos Pan-americanos em Guadalajara. Em outubro.

Cao Hamburguer vai tocar minissérie sobre a História do Brasil. Só que é ficcional: mostra uma família imperial que acredita viver no século 19. Projeto conjunto do Canal Futura, TV Globo e Primo Filmes.

O Festival Risadaria, dedicado ao humor, começa dia 24. No Pavilhão da Bienal.

Promessa é divida. Bráulio Mantovani estreia na categoria autor de teatro no fim do mês, no Sesi. Tirou da gaveta peça escrita há 19 anos, a Menecma. Laís Bodanzky é a diretora.

Surge um serviço de táxi aéreo onde o cliente pode cotar, fretar e pagar por voos exclusivamente pela internet: o Sky Club.

CLÓVIS ROSSI

O dilema de Sofia na Líbia
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/03/11

GENEBRA - Muammar Gaddafi, ao contrário de Hosni Mubarak e Ben Ali, resolveu ficar e lutar, deixando a comunidade internacional sem alternativas realmente atraentes para reagir.

As opções disponíveis só não são zero porque sempre é possível torcer para que o regime se desmanche sem que o resto do mundo precise fazer mais do que condená-lo verbalmente ou impor sanções cujo efeito, se houver, será a médio ou longo prazo.

Enquanto isso não acontece, enquanto o sangue continua correndo e enquanto se arma nas fronteiras uma tragédia humanitária, o dilema de Sofia para o mundo é assim descrito na revista eletrônica "Jadaliyya" (Polêmica), editada pelo Instituto de Estudos Árabes de Washington:

"De um lado, a inação internacional em face das atrocidades na Líbia parece inaceitável. Do outro lado, o deplorável registro de anteriores intervenções internacionais inspira pouco entusiasmo", escrevem Asli Bali, professor de direito na Universidade da Califórnia em Los Angeles, e Ziad Abu-Rish, candidato ao doutorado no Departamento de História da universidade.

O envio direto de tropas está fora do cardápio, a julgar pelo que disse, na semana passada, o secretário norte-americano de Defesa, Robert Gates: "Na minha opinião, qualquer futuro secretário de Defesa que aconselhe o presidente a mandar de novo grande número de tropas americanas a Ásia, Oriente Médio ou África deveria ter sua mente submetida a exame".

Que tal então implementar uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia, para evitar que Gaddafi bombardeie os rebeldes e seus territórios ou para impedir que traga mais mercenários para dar continuidade ao banho de sangue?

Respondem Bali e Abu-Rish: "Não protegeria a população civil do aparelho coercitivo do regime (que não é principalmente aéreo)", além de levantar dúvidas sobre a aplicabilidade ("as forças internacionais derrubariam um avião líbio?"). Mais: proibir voos poderia bloquear uma via de resgate de civis líbios e fecharia uma avenida para defecções por membros da Força Aérea.

Mandar armas para os rebeldes? Primeiro, eles precisariam ser treinados para usá-las, e não há instrutores disponíveis no terreno. Segundo, "poderiam cair nas mãos erradas e serem usadas contra nós", escreve James Lindsay, do Council on Foreign Relations.

Lindsay lembra que o pós-Gaddafi pode não ser um regime estável e, sim, "algo que se pareça mais à Somália" (um dos grandes fracassos das tropas norte-americanas).

Por fim, um grave risco político apontado na análise da Economist Inteligence Unit, braço de pesquisa da mitológica revista britânica: "Qualquer ação militar pelos governos ocidentais correria o risco de deslegitimar as rebeliões que já ocorreram e minar possíveis revoltas populares em outras partes".

Há virtual consenso, entre autoridades e acadêmicos, de que a propriedade da democracia que se busca tem que ficar com os locais. Os exemplos de Afeganistão e Iraque mostram que mudanças de regime a bordo de tropas estrangeiras não são um modelo a ser seguido.

A menos que a situação no terreno se resolva logo, a comunidade internacional terá que escolher o menor entre tantos riscos.

GOSTOSA

CELSO MING

Continua solta
CELSO MING
O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/03/11

Fevereiro, mês mais curto, teve também uma inflação um pouco mais curta do que a de janeiro. O avanço do IPCA, medida do custo de vida, foi de 0,80%, enquanto, em janeiro, foi para 0,90%. No período de 12 meses terminado em fevereiro, o IPCA acumulou 6,01%, número inadmissível no estágio atual da economia que precisa de estabilidade.

A primeira ideia que vem à cabeça dos observadores é a de que a inflação está em desaceleração. De fato, três entre os principais fatores que vinham propulsionando a inflação – a alta dos alimentos, da condução e da educação – já parecem bem mais fracos em fevereiro. Também foi notada menor difusão: atingiu 61,72% dos itens que compõem o custo de vida, ao passo que, em janeiro, eram 69,27%.

Mas é cedo para concluir que a inflação esteja amansando. O setor de serviços continua fortemente pressionado. Apresentou avanço de 2,28%, o maior desde 1999. E, nessa área, não dá para contar com o concurso do produto importado; não dá para importar serviços médicos, encanadores, assistência técnica…

Vem também aí o impacto dos reajustes dos preços administrados sujeitos à indexação pelo IGP-M (aluguéis, financiamentos), que, em 12 meses, atingiu a magnitude de 11,30%. E há o fator inércia, que tende a prolongar a prática de reajustes acima das projeções da inflação futura.

É verdade que o governo e o Banco Central não ficaram parados. Há uma semana foram anunciados cortes orçamentários da ordem de R$ 50 bilhões e o Banco Central impôs restrições ao crédito, já puxou os juros e promete mais aperto monetário. São providências que se destinam a conter a inflação e que, a seu tempo, deverão mostrar algum resultado. E é bom não contar demais com as tais medidas macroprudenciais do Banco Central. A forte demanda por veículos em fevereiro e os números do varejo mostram que o impacto dessas decisões não é imediato e pode não ter a abrangência imaginada.

Convém relembrar que, na atual fase de combate à inflação, o governo não poderá contar com dois importantes coadjuvantes antes presentes e de grande valia na ancoragem dos preços. Não poderá contar com o efeito deflacionário da valorização do real, uma vez que a decisão é de estancar a baixa do dólar. Nem pode contar com o impacto da forte redução de preços no mercado global, uma vez que a crise, que a provocou, tende agora a refluir. Quinta-feira, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, alertou para as ameaças e deu a entender que em abril abrirá sua caixa de ferramentas.

Outras incertezas continuam minando a estabilidade. Não sabemos até onde vai a cavalgada do petróleo. Além do aumento do consumo de energia, a atual estrutura de oferta está ameaçada por eventual desorganização de importantes áreas de produção em consequência da crise nos países islâmicos. Também não se vê nenhuma trégua na ascensão das cotações das commodities alimentícias. São fatores cujo comportamento não está claro nem a curto nem a longo prazo.

No entanto, grande parte da inflação começa na cabeça dos formadores de preços. Nas próximas semanas, será útil examinar quais serão as projeções que prevalecerão na Pesquisa Focus que o Banco Central divulga semanalmente.

CONFIRA

Carga tributária. Um estudo que a PricewaterhouseCooper preparou para a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) sobre competitividade da indústria automobilística aponta que a carga tributária sobre investimentos no Brasil, que em princípio deveriam ser isentos, é de 25%.

Imposto nas exportações. Não é verdade que as exportações estejam isentas de impostos. Eles incidem em alguma coisa entre 12% e 14% sobre o valor do produto exportado.

O custo logístico. O mesmo estudo mostra que o custo de uma operação de exportação ou de importação por meio de contêiner é de US$ 1,6 mil no Brasil; de US$ 1,3 mil no México; de US$ 700 na Espanha; e de US$ 400 na China.

Custo de produção. Outro fato: o custo de produção do setor automotivo do Brasil é 40% mais alto do que na China e 30% mais do que na Europa.

MÍRIAM LEITÃO

O risco da bolha
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 05/03/11

Em dois anos, o estoque de crédito imobiliário dobrou no Brasil: de R$92 bi para R$189 bi. Em 12 meses, o preço dos imóveis subiu 40% no Rio; 24%, em São Paulo; 17%, em Belo Horizonte. O consumo de cimento cresceu 15% em 2010, com alta de 19% no Nordeste. A Tigre, tubos e conexões, pretende dobrar de tamanho até 2014; a Votorantim Cimentos terá 22 novas fábricas entre 2007 e 2013.

A venda de material de construção, segundo a Abramat (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção), deve crescer 9% este ano e acumular 60% de alta até 2016. Cerca de 69% dos empresários do setor estão otimistas e 72% pretendem investir nos próximos 12 meses. A indústria opera com 87% da capacidade. O consumo de tinta e verniz subiu 9% em 2010, e desde 2005 o faturamento cresceu 60%, de R$2,2 bi, em 2005, para R$3,5 bi, em 2009.

O déficit habitacional no país calculado pela FGV chega a 6,2 milhões de moradias: 3,6 milhões de famílias vivendo em construções precárias e 2,6 milhões sendo obrigadas a dividir o mesmo teto. Espera-se ainda uma demanda adicional de 17 milhões de jovens que deixarão a casa dos pais até 2020.

Considerado o mercado de crédito mais arriscado da economia, pelos altos volumes e longos prazos, o crédito habitacional e imobiliário teve aumento de 530% de janeiro de 2004 a dezembro de 2010, saindo de R$30 bilhões para R$189 bi. Somente nos últimos dois anos, o volume dobrou: em dezembro de 2009, era R$92 bilhões. Em dois anos, o crédito total da economia saiu de R$1,2 trilhão para R$1,7 trilhão, alta de 41%. O crédito habitacional era 7,5% do total. Agora é 10,68%.

Os números não deixam dúvidas de que o setor imobiliário saiu da estagnação que o perseguiu por cerca de duas décadas, até meados de 2006. Os economistas afirmam que é pequeno o risco de bolhas, mas os consumidores se assustam com a disparada dos preços dos imóveis, principalmente nos grandes centros. A Fipe, em parceria com a Zap imóveis, coletou alta de 40% no Rio de Janeiro; 24%, em São Paulo; e 17%, em Belo Horizonte, nos últimos 12 meses. A economista Monica de Bolle, da Galanto consultoria, avalia que o setor continuará aquecido, mas acha inevitável uma desaceleração.

- A indústria da construção está bem, o crédito foi destravado, que é vital para o setor, e houve alta muito forte. Mas é difícil imaginar que esse ritmo permaneça, até porque o Banco Central está adotando medidas macroprudenciais. Em 2007, o crescimento desse crédito foi de 20%; em 2010, foi de 40%. Dobrou. Não dá para permanecer crescendo assim - disse Monica.

Um freio foi acionado pelo governo, com o corte de R$5 bilhões sofrido pelo programa Minha Casa, Minha Vida para este ano. O crescimento forte tem esbarrado em gargalos e provocado inflação. O INCC (Índice Nacional da Construção Civil) subiu mais que o IPCA: 7,43%, contra 5,99%. Os empresários apontam a mão de obra como principal problema. O custo com trabalhadores disparou 9,73% em 12 meses.

- A falta de mão de obra é o principal gargalo. Ele acontece na edificação e é claramente quantitativo e qualitativo. Para resolver isso, estamos implantando um sistema nacional de certificação e capacitação profissional para a construção civil, para criar um padrão de qualificação e garantir um currículo mínimo para 13 tipos de profissionais - afirmou o presidente da Abramat, Melvin Fox.

As vendas da Tigre subiram 17% em 2010. O vice-presidente da empresa, Paulo Nascentes, diz que o grupo vai aumentar em 25% os investimentos este ano, para dobrar o tamanho da companhia até 2014:

- Todo o setor tem projetos de investimentos. As empresas estão com dinheiro em caixa, há programas do governo, obras de saneamento. O Brasil tem um bônus demográfico, como o que houve nos EUA nos anos 60, quando a população jovem, com idade entre 17 e 45 anos, passa a ser maioria e busca moradia. Esse ciclo vai durar até 2020. Há uma grande sustentação do mercado e ainda regiões com déficits maiores, como o Nordeste.

O consumo de cimento recuou 5,2% de 2000 a 2005. De lá para cá, acumula alta de 58%. Em 2007, o consumo subiu quase 10%. Em 2008, a alta foi 14,5% e até mesmo em 2009, ano de crise, ele se manteve estável. Segundo José Otávio Carvalho, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, a alta em 2010 chegou a 15%, e a expectativa para este ano é de mais 8%. Mas admite que haverá um ciclo de ajuste.

- Não temos condições de continuar crescendo a taxas chinesas. Há gargalos na atividade, de logística, infraestrutura. Cerca de 94% do cimento são transportados pela via rodoviária. As ferrovias são muito pouco utilizadas porque a malha é limitada e voltada para siderurgia e mineração. A mão de obra também é gargalo forte. A área habitacional pode ser afetada pela disposição de financiamento, que chegou a um nível tal que não conseguimos prever crescimento no mesmo patamar nos próximos anos. Temos cenário de desaceleração do crédito; inflação em alta; desaceleração do PIB.

A análise é a mesma no sindicato das Indústrias de Tintas e Vernizes do Estado de São Paulo (Sitivesp):

- Acho que o mercado imobiliário vai precisar desacelerar nos próximos anos porque não é possível crescer nessa taxa por muito tempo. Os imóveis já se valorizaram muito. Inclusive o próprio governo tem dificuldade de financiar porque os preços sobem - disse Airton Sicoln, assessor da diretoria da Sitivesp.

Depois das bolhas imobiliárias que derrubaram as economias de Estados Unidos, Irlanda e Espanha, é mais do que saudável crescer a um ritmo mais próximo do PIB. Até porque a percepção de qualquer pessoa é de que o ritmo está forte demais; ambiente propício à formação das temidas bolhas.

POMBÃO

FERNANDO DE BARROS E SILVA

PindaLeaks
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/03/11
SÃO PAULO - E o WikiLeaks chegou a Pindamonhangaba. E chegou bem agora que Geraldo Alckmin é o maior nome do PSDB no Estado. É provável que os documentos tenham vazado exatamente por isso.A Folha revelou que o atual secretário da cultura de Alckmin, Andrea Matarazzo, dizia, em 2006, que seu chefe era um político "de orientação direitista" que "não tinha a menor ideia de como conduzir uma campanha nacional". Alckmin era candidato à Presidência; Matarazzo, coordenador das subprefeituras de Gilberto Kassab (de quem se separou em 2008).
Segundo os documentos, Matarazzo disse ao cônsul-geral dos EUA em São Paulo que Alckmin é "obviamente um membro do Opus Dei" (o que o governador sempre nega). Disse ainda que Serra não tinha nenhum interesse de ver o aliado vencer e que o partido "não estava unido" em torno do candidato.
Alguma grande novidade? Nenhuma. Até o padeiro de Pinda já sabia disso. Constrangimentos? Certamente. É divertido, em primeiro lugar, que um ícone da esquerda tucana como Matarazzo desdenhe do "direitismo" do governador.
Não é só entre os tucanos que existem futricas, maledicências, intrigalhadas. Elas estão em toda parte -sabemos disso. Os petistas, no entanto, são profissionais. Existem e agem, de fato, como um partido.
Mais do que pelos segredos de polichinelo que revela ou pelas consequências que porventura tenha, o WikiLeaks de Pinda vale como alegoria da falta de coesão e de identidade do PSDB. Matarazzo, o vilão acidental deste episódio, apenas reforça o clichê de que a culpa, no final, é sempre do mordomo.
A verdade é que, no caso do PSDB, ninguém precisa de WikiLeaks. Suas fraturas estão expostas, escancaradas. O partido não consegue nem unificar um discurso a respeito do salário mínimo. Serra joga fogo e Aécio vem com o extintor. E, justiça seja feita, é o "caipira de direita" quem hoje esfria a crise e impede que o ninho queime de vez.

RUY CASTRO

Sambândrade
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/03/11
RIO DE JANEIRO - O mundo já foi sério demais. Em 1971, duas alunas do primeiro ano de comunicação de uma faculdade do Rio foram ameaçadas de reprovação se apresentassem seu trabalho de fim de ano num formato heterodoxo: música e letra de um samba-enredo.
Nos meses anteriores, embora a maioria daqueles rapazes e moças se destinasse ao ofício do jornalismo, termos como copidesque, lide, sublide e calandra ficaram inéditos na boca dos professores. O básico que se exige de um repórter -saber fazer perguntas, ouvir respostas, organizar o material e editá-lo da forma mais clara, objetiva e verdadeira possível- continuava um mistério para a classe.
Em compensação, os alunos passaram o ano submetidos a um cardápio sólido de fenomenologia das formas simbólicas, princípios de semiótica, teoria da comunicação não verbal, antropofagia aplicada, Joyce, Pound e, não por último, Sousândrade (1833-1902), o trágico poeta então recém-descoberto.
Incapazes de entender a relação entre tais prosopopeias e o trabalho num jornal diário ou revista, duas alunas, Heloisa e Regina, traduziram sua perplexidade e a da turma numa paródia de samba-enredo a que deram o título de "Sambândrade". Dizia assim:
"Foi no século passado/ Que nasceu iluminado/ Pela luz da inteligência/ Um homem que foi sempre atacado/ Como louco apedrejado/ No Maranhão e adjacências// Sua poesia futurista/ Pelo povo foi malvista/ E incompreendida/ Afinal/ Ele foi o precursor/ Incondicional/ Da estrutura verbivocovisual// Da antropofagia/ E da vanguarda no Brasil/ Que no conjunto vazio construiu/ A paródia, a ironia e coisa e tal// Atenção pro final!// Sousândrade, Sousândrade/ Baluarte da cultura nacional!".
Fosse hoje essa história, em qualquer das nossas universidades, Regina e Heloisa talvez ganhassem nota máxima.

GOSTOSA

RENATA LO PRETE - PAINEL DA FOLHA

Espera aí
RENATA LO PRETE
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/03/11


Já descontentes com a lipoaspiração do Orçamento de 2011, deputados e senadores preparam uma nova frente de batalha com o Palácio do Planalto. O motivo é o cancelamento, marcado para 30 de abril, de convênios firmados em anos anteriores cujos contratos ainda não foram assinados.
A medida, fruto de decreto editado no apagar das luzes do governo Lula, atinge em cheio as emendas dos parlamentares. Há forte pressão, inclusive do PT, para que Dilma Rousseff prorrogue esse prazo. Prefeituras, em geral as maiores beneficiadas pelas emendas, prometem reforçar o lobby contra a tesoura.
Memória Em 2006, Lula também tentou encurtar o prazo para a quitação dos chamados "restos a pagar". Acabou recuando.



Em festa 
Estão previstos dois eventos no Planalto, na semana posterior ao Carnaval, alusivos ao Dia da Mulher, que neste ano cai na "terça-feira gorda".



No pincel 
À exceção da Bahia, lideranças do PT dos demais Estados do Nordeste continuam reclamando por se considerarem "subrepresentadas" no governo Dilma.



Ampulheta 
Obrigados, logo no primeiro mês da legislatura, a analisar medidas provisórias em cima do prazo de expiração, senadores voltaram a fazer pressão para que a Câmara aprove mudança constitucional de modo a haver mais tempo para a apreciação das MPs.



À mesa com Dilma 
Tal como fez com o PC do B nesta semana, a presidente receberá em breve para jantar representantes de outros partidos aliados. O próximo deve ser o PP. O ministro da sigla, Mário Negromonte (Cidades), foi um dos mais afetados pelo anunciado corte de R$ 50 bilhões no Orçamento.



Regional 
A ex-governadora Wilma de Faria (PSB-RN) deve ser indicada para a presidência da Sudene.



No balcão
A procura por medicamentos para diabetes e hipertensão nos primeiros 18 dias de vigência do programa federal que prevê gratuidade na rede do "Aqui tem farmácia popular" aumentou 76% em relação ao mesmo período de janeiro, quando os usuários ainda tinham de arcar com parte do custo.



Temático 
A ministra da Pesca, Ideli Salvatti (PT), dará o ar da graça em dois blocos no Carnaval de Santa Catarina: "Marisco da Maria" e "Baiacu de Alguém".



Frevo ideológico 
O PSTU distribuirá leques contra o que classifica de "exacerbação do machismo" durante a folia de rua em Aracaju, Recife, São Luís e Salvador. O material, que tem como slogan "Neste Carnaval, respeite as mulheres", será entregue até terça-feira.



Refúgio 
Avesso à folia, Geraldo Alckmin descansará no seu sítio em Pindamonhangaba, de onde só deve sair na terça-feira, quando visitará a vizinha São Luís do Paraitinga. A cidade retomará o tradicional "Carnaval das Marchinhas" depois das enchentes que arrasaram seu centro histórico em janeiro do ano passado.



Laboratório 
Ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, Moisés Goldman foi escalado para dirigir o reativado setor de pesquisas e inovação das áreas médica e hospitalar no governo de São Paulo.



Na avenida 
Orlando Morando será líder do PSDB na Assembleia paulista na nova legislatura. E Ênio Tatto comandará o bloco petista a partir do dia 15.
com LETÍCIA SANDER e FABIO ZAMBELI



tiroteio



"O PDB será o primeiro partido brasileiro a anunciar, na mesma data, sua escritura de fundação e seu inventário de extinção."
DO DEPUTADO FEDERAL EDUARDO GOMES (PSDB-TO), sobre o estatuto da nova legenda, que abrigaria Gilberto Kassab para em seguida se fundir com o PSB.


contraponto


Luxo e originalidade



A Comissão de Relações Exteriores do Senado sabatinava, anteontem, dois indicados ao posto de embaixador. Sendo ambos do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB-RJ) aproveitou para louvar a "terra da alegria", "da contemplação da natureza", da "fraternidade". Sobre um deles, André Amado, o senador foi além, dizendo que o escolhido para representar o país na Bélgica o fazia lembrar de um carioca célebre:
-Clóvis Bornay!
O discreto Amado foi ficando vermelho até estourar de rir -o que liberou a plateia para fazer o mesmo.