terça-feira, junho 21, 2016

O petrolão é do PT - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 21/06

Os petistas estão alvoroçados com a delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado –ao menos é o que fazem parecer. Até Dilma, que deve ter se esquecido de que "não respeita delatores", tentou colocar a delação de Machado em sua defesa. "Estão vendo?! Tiraram uma presidenta honesta do poder para colocar os ladrões do petrolão!". Insistindo no raciocínio esquizofrênico que joga o impeachment contra a Lava Jato, aqueles que ainda têm coragem de defender a quadrilha vermelha esquecem quem são os verdadeiros protagonistas do maior escândalo de corrupção da história do país.

O esquema do petrolão foi montado, essencialmente, para garantir a governabilidade. Parlamentares recebiam propina para votar de acordo com o governo. Numa República na qual o poder é dividido em três partes, como é o caso da brasileira, quem governa é quem detém o Executivo. O PT esteve no controle deste Poder durante os últimos 13 anos. Agora, a pergunta de um milhão de dólares: a quem interessa um esquema de corrupção que ajuda a governar?

Se a lógica não bastar –quando falamos de petistas, ela nunca basta–, podemos partir para as evidências. O vice-presidente da construtora Engevix, Gerson de Mello Almada, que foi preso no início de 2015 na sétima fase da Operação Lava Jato, afirmou que "o apoio no Congresso Nacional passou a depender da distribuição de recursos a parlamentares" e que houve "arrecadação desenfreada de dinheiro para as tesourarias dos partidos políticos" para bancar campanhas eleitorais.

Arrecadação esta que, ao que indica outra delação, também financiou a campanha de Dilma em 2014. Segundo a revista "Istoé", Marcelo Odebrecht disse em delação que Edinho Silva, então tesoureiro da campanha petista, teria pedido R$ 12 milhões "por fora" para serem repassados ao marqueteiro João Santana e ao PMDB. Segundo a revista, Odebrecht teria confirmado com Dilma se realmente deveria fazer o pagamento. "É para pagar", teria respondido a presidenta honesta.

Não podemos nos esquecer, é claro, de Lula. O ex-presidente era peça-chave do esquema. E quem diz isso não sou eu, mas o procurador-Geral de República, Rodrigo Janot. Para Janot, "essa organização criminosa jamais poderia ter funcionado por tantos anos e de uma forma tão ampla e agressiva no âmbito do governo federal sem que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dela participasse."

Lula também governou. Pacificar parlamentares com propina também era interesse dele. Como o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena a força-tarefa da Lava Jato, já afirmaram, os esquemas do mensalão e do petrolão são uma coisa só: dinheiro público para comprar base parlamentar. A corrupção como método de governo.

O impeachment não é uma conspiração contra a Lava Jato. Quem foi às ruas pelo impeachment também o fez pela operação. O impeachment é contra o governo mais corrupto da história do país. Michel Temer, sendo vice-presidente da República, tem a obrigação constitucional de assumir o governo. Tem defeitos? Sim, muitos. Mas está longe de ser o líder do esquema que transformou o Estado brasileiro no financiador de um projeto criminoso de poder. Talvez seja isso que incomode os petistas.

Não há fichas limpas - ARNALDO JABOR

O ESTADÃO - 21/06


Não, não sei mais analisar a situação brasileira. Os fatos estão muito à frente de qualquer interpretação, que é sempre fugaz, com uma lógica que se perde em poucos instantes.

A sensação que tenho — estamos reduzidos a sensações — é que os hábitos tradicionais do velho patrimonialismo brasileiro, com suas teias ocultas de escândalos, estão arrebentando juntos e irrompendo da lama escondida por séculos.

Uma das razões é que nossa corrupção deslavada, nosso secular desgoverno se fragilizaram neste mundo contemporâneo global e digital. Nosso atraso ficou atrasado. As informações na velocidade da luz fizeram a opinião pública acordar sem saber bem para que ainda, mas já é um avanço.

Aquele estranho país, oscilando desde sempre entre o público e o privado, está deparando com um perigo: a própria ideia de “país” está ameaçada, se esgarçando com ilhas de civilização cercadas de miséria por todos os lados. Instituições continuariam existindo, mas sem poder para regular a vida social.

A consciência do desastre é grande, mas ninguém sabe o que colocar no lugar da merda que está aí. Não sabe porque talvez não haja. Como traçar um plano político onde a política se desintegrou? O Brasil é uma quadrilha. Todos estão implicados de algum modo. Nunca existiu vida sem o Caixa 2. Nisso, o Lula acertou. Esse era o método de funcionamento “normal”. Era impossível um político ignorar isso. Era normal. Agora, estão abertos os intestinos da pátria que nos pariu. E surge mais uma verdade óbvia: não há inocentes para ocupar cargos públicos. Todos são cúmplices. Não há fichas limpas. O Temer sabe disso e inteligentemente nomeou a melhor equipe econômica que já tivemos, sem contar líderes como Meirelles, Serra, Maria Silvia Bastos, Pedro Parente etc. Eles partiram para impor o óbvio na economia destroçada pelos ladrões e imbecis. Conseguirão?

A Lava-Jato está matando o velho país vira-lata, graças a Deus, mas como salvá-lo, como organizar um país melhor? Tudo funcionava mal, mas funcionava pelas regras da velha roubalheira analógica. Havia até uma certa doçura nos ladrões de galinha. Depois do PT, tudo enguiçou. Sempre achei que o PT no poder seria uma previsível ladainha de slogans comunas, de voluntarismo, de gastos públicos malucos, mas nunca supus que eles pudessem causar um estrago desse porte, com 170 bilhões de buracos negros no Estado. Isso foi o resultado da estupidez ideológica aliada à direita mais feudal do país, de Lenin a Sarney. O PT não me decepcionou apenas por seus erros; ele me fez descrente da raça humana.

E vamos combinar: já há uma catástrofe. Queremos não ver, mas a evidência é perturbadora. O país foi metodicamente danificado econômica e socialmente. Eu e provavelmente muitos de vocês leitores não vamos sofrer tanto com a estagflação que vivemos. Agora, os que não lerão esta coluna, milhões de desvalidos, vão sentir na carne o novo estilo para a miséria. Vem aí a nova miséria — um “arrière-goût”, um toque de... África e Índia. Sim.

A miséria era o grande capital do governo Lula. O PT sempre teve ciúmes da miséria. Sempre que o FHC tentou cuidar da miséria, o PT reagiu como um marido enganado.

Antes, havia uma miséria “boa”, controlável. Tínhamos pena, ela aplacava nossa consciência, desde que ficasse no seu lugar. A miséria tinha uma “função social”. Achávamos que nosso escândalo ajudava os pobres de alguma forma. Para nós pequenos burgueses, a miséria era bandeira abstrata, a miséria dos outros era nosso problema existencial. O fim das ilusões gerou um desalento que dá lugar a um alívio quase feliz.

A situação é gravíssima e ninguém sabe como revertê-la. Como imaginar esse Congresso sujo aprovando reformas e ajustes contra o atraso, justamente eles que desejam o atraso, tão propício a roubalheiras mais tradicionais? O escândalo foi desmoralizado — estamos sendo arrasados pela “normalidade”. Isso. Estamos nos acostumando a essa anomalia e vamos aceitando a crescente desgraça com fatalismo ou cinismo: tinha que ser assim ou dane-se...

E aí surge a turma do “precisamos”, da qual eu faço parte, tristemente. “Precisamos” disso, daquilo, mas ninguém sabe como resolver. Não temos agentes executores da política do “precisamos”.

“Precisamos” resolver o problema da administração nos estados e municípios, que já estão sem verbas para pagar os funcionários públicos, os hospitais sem remédio, os limpa-fossas, sei lá. “Precisamos” combater a violência, mas nada funciona para impedir o crime crescente. A polícia não tem dinheiro. Os criminosos têm grana para comprar até canhões antiaéreos no Paraguai. Não é que a violência vai apenas crescer; não há como impedi-la, com traficantes vagando de metralhadora no Centro da cidade, estuprando e matando.

Como imaginar um plano possível para salvar e melhorar as favelas no Rio ou Recife ou Alagoas, em todas as cidades principais, para além das UPPs? O que fazer? Cartas para a Redação. Esta crise é especial, talvez invencível. Em geral, as crises surgem, acontecem e, quase sempre, somem. Acabam. Até a terrível ditadura tinha um fim previsível, mas, depois de 12 anos de absurdos do PT, esta crise agora é de areia fina, de areias movediças; ela talvez não acabe, pois não tem um defeito único a combater — é uma miscelânea de crimes históricos. A crise não tem um inimigo só — é um ramalhete de equívocos.

A miséria é a ponta suja de uma miséria maior. Nós fazemos parte dela. O Brasil está contaminado de misérias. Não existe um mundo limpo e outro sujo. Um infecta o outro.

A burocracia é miséria, a corrupção é miséria, a estupidez brasileira é miséria. A miséria não está nas periferias e favelas; está no centro da vida brasileira.

Somos uns miseráveis cercados de miseráveis por todos os lados.


Internet sem internet - CORA RÓNAI

O GLOBO - 21/06

Novo sistema operacional tenta resolver a falta de acesso à rede, ao oferecer conteúdos pré-instalados, como vídeos educativos e parte da Wikipedia


Na semana passada, aproveitei o tempo do voo de Houston para o Rio para pôr o trabalho em dia. Paguei US$ 16 para ter internet durante todo o tempo da viagem e, ainda que continue achando WiFi a bordo uma espécie de milagre, durante alguns momentos me irritei com a instabilidade da conexão. Problema de Primeiro Mundo total! Dois dias antes, uma corte federal americana havia estabelecido que banda larga não é luxo, mas serviço de utilidade pública, como luz, água ou telefone.

É difícil imaginar que, no mesmo planeta em que isso acontece, ainda há bilhões de pessoas sem acesso a computadores, à margem da rede de conhecimento e de ideias que eles proporcionam. Ao longo do tempo, várias tentativas de inclusão têm sido feitas para diminuir esse contingente de excluídos: elas passam, em geral, por máquinas básicas baratinhas e sistemas operacionais gratuitos que funcionam bastante bem, mas esbarram invariavelmente na falta de infraestrutura local para a internet, inexistente ou tão lenta que torna inviável o uso da nuvem.

O MAIS NOVO PASSO NO CAMINHO da inclusão é um sistema operacional chamado Endless, desenvolvido na Califórnia por um time de brasileiros e americanos. Baseado em Linux, com uma interface atraente que lembra a dos smartphones, ele parte do princípio muito realista de que nem todo mundo tem acesso à internet, muito menos à banda larga, e tenta recriar parte da experiência on-line sem necessariamente usar conexão. Isso é feito através de uma seleção de aplicativos e de conteúdo previamente carregados, como parte substancial da Wikipedia, centenas de vídeos educativos da Khan Academy, uma versão livre do Office, editores de foto, vídeo e música, várias opções de entretenimento e estilo de vida.

Usá-lo me lembrou dos meus primeiros tempos de informática, quando a web ainda não havia sido inventada e todos os programas e conteúdo de que precisávamos ficavam armazenados em disquetes ou no disco rígido do computador; mas, na época, sequer sonhávamos com um conteúdo tão rico e variado. O Endless pode ser baixado gratuitamente em endlessm.com/pt-br/.

A “experiência Endless”, porém, tem também um lado hardware: um pequeno computador esférico e estiloso, o Mini, feito em plástico branco com uma banda em vermelho translúcido, que pode usar até aparelhos de TV antigos como monitor. Com processador AMLogic, 2GB RAM e 32GB de armazenagem, ele tem alma de celular — mas tem também três portas USB, saídas HDMI e RCA, entrada e saída de áudio, ethernet, bluetooth e WiFi. Está preparado para tudo, e é, além disso, um dos aparelhos mais bonitinhos que já vi: na contramão de produtos baratos que parecem ainda mais baratos, ele tem ótimo design, presente até na embalagem cilíndrica que a gente reluta em jogar fora.

Por que um computador quando, essencialmente, um smartphone poderia fazer o mesmo? Porque computadores ainda são ferramentas muito melhores para estudar e trabalhar.

O Endless Mini chega ao Brasil no fim do mês na loja on-line da Endless, a R$ 899. O preço é o único ponto negativo sério que encontrei nessa maquininha notável: no exterior, o mesmo modelo custa US$ 99, quantia bem mais compatível com a sua proposta social. Mais uma vez, pagamos o preço de uma política tributária míope que ainda não descobriu a importância da tecnologia para o país.l

A União cedeu - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 21/06

O governo decidiu fazer um acordo a qualquer custo. A União está cheia de rombos, mas decidiu ceder aos estados para fazer um acordo sem eles terem se comprometido com contrapartidas. Durante seis meses os estados nada pagam e depois em 18 meses os pagamentos terão descontos decrescentes. O governo diz que o custo será de R$ 50 bilhões, mas nada impede que esse valor aumente.

Os estados estão em situação difícil, mas nem todos têm o mesmo quadro. Os maiores devedores são os grandes estados e eles é que serão os beneficiários dessa concessão feita pelo governo federal. A dívida de São Paulo é 40% do total. Piauí já quitou sua dívida. É tão grande o débito paulista que seu desconto será maior do que o dos outros — R$ 400 milhões por mês — mesmo assim ele pagará uma parte da dívida, nestes seis meses de carência de todos os outros. Mas as concessões não ficaram só nisso: o governo concordou em alongar por mais 20 anos a dívida, e dar um prazo de dez anos na dívida junto ao BNDES. O presidente em exercício, Michel Temer, disse que “depois de um longo inverno uma luz se acendeu no horizonte”. A conta dessa luz pode ser alta demais.

A situação em que o país está, com o Tesouro no vermelho e os estados inadimplentes, é resultado da mesma irresponsabilidade. Os estados e a União acharam que a alta da arrecadação era para sempre. O Rio errou mais porque teve uma receita extraordinária, que todos sabem que é finita e oscilante, e a tratou como se fosse permanente e estável, criando despesas obrigatórias.

O Espírito Santo também é dependente da receita de petróleo, mas ao chegar ao poder em 2015, o governador Paulo Hartung com a sua secretária de Finanças Ana Paula Vescovi, hoje secretária do Tesouro Nacional, sabiam que não poderiam pagar todos aqueles compromissos assumidos no Orçamento. Numa negociação difícil com a Assembléia Legislativa, Hartung refez o Orçamento que recebeu da antiga administração e mostrou que teria que cortar despesas. Quem agiu antes, está em situação menos difícil.

A origem da dívida, no fim dos anos 90, foi uma negociação bem-sucedida. O governo federal na administração Fernando Henrique salvou os estados de dívidas caras junto ao mercado e ficou sendo o credor. De início houve subsídio e durante todo o tempo, porque o Tesouro paga mais caro pela sua dívida do que cobra dos estados. O fato é que por vários erros, e pelas circunstâncias atuais, de queda de receita, o país chegou a um momento em que nenhum dos entes federados consegue pagar os mais urgentes dos compromissos.

O governo Michel Temer está premido pelo fato de ser uma administração interina, pelo tempo dado pelo STF para que se negocie, e pelas urgências dos estados. Foi pedido aos estados que aceitem um limite nas despesas igual ao que está na PEC do teto das despesas federais. A vantagem os estados terão de imediato, a contrapartida é ainda incerta.

O Rio terá um tratamento diferente, pela Olimpíada que acontecerá no estado em menos de dois meses, e há gastos que são inadiáveis. Esse é a única razão que particulariza o Rio, porque a União não pode achar que há entes federados mais importantes do que outros.

O governo federal está há três anos em déficit primário e terá um quarto ano no vermelho, na pior crise fiscal da história do país. Mesmo assim, o presidente Temer decidiu aumentar o custo federal para socorrer os estados. Dentro de dois anos eles terão que pagar os juros normais e mais o que deixar de ser pago agora. Haverá então um novo pedido de moratória.


Enfim, uma âncora fiscal - ROBERT FENDT

O ESTADÃO - 21/06

Agiu bem o Executivo ao encaminhar ao Congresso Nacional Proposta de Emenda Constitucional (PEC) impondo um teto, ao longo dos próximos nove anos, para os gastos da União, corrigidos apenas pela inflação.

Teria agindo ainda melhor se tivesse alertado a população da extensão do desequilíbrio que recebeu da senhora presidente Dilma Rousseff. Para ficar apenas com um número, o superávit primário necessário para impedir que cresça a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) este ano é o astronômico valor de 7,2% do PIB.

Apenas para que se tenha uma ideia da ordem de magnitude desse parâmetro, é bom lembrar que, mesmo nos melhores e poucos anos de bonança do grande crescimento do PIB, essa relação ficou em torno de 3% do PIB. Em 2015 o saldo primário, supostamente a poupança para pagar os juros da dívida pública, ficou em 1,9% do PIB negativo!

Não há como reverter esse quadro de supetão. O que é possível e honesto fazer é mostrar uma trajetória ao longo dos próximos anos que mostre uma convergência para o equilíbrio entre os crescimentos da dívida pública e do PIB, o principal indicador de solvência do País.

Medidas. Vejo grandes vantagens na estratégia proposta na PEC. Primeiro, segue uma longa tradição nas políticas de ajuste macroeconômico de sucesso postas em prática no País. O sacrifício ocorrerá ao longo do tempo, o que permitirá uma distribuição mais equânime dos ônus da correção dos erros do passado.

Segundo, justamente por isso, há mais chances de a PEC, ainda que sujeita a modificações em sua tramitação no Congresso Nacional, ser aprovada em suas linhas gerais.

Terceiro, todos contribuirão para o ajuste. A PEC proposta não seleciona programas específicos ou segmentos da sociedade a serem chamados para arcar com o maior peso do ajuste. Tudo que ela diz é que os gastos permanecem constantes em termos reais. A partir do momento em que a economia iniciar a retomada, crescerá junto a receita tributária, contribuindo para reduzir o desequilíbrio hoje observado.

Quarto, a geração de superávits primários é pró-cíclica. Nos períodos de expansão da economia, crescem os gastos com novos programas; o oposto ocorre nos períodos de retração da atividade econômica - justamente nos períodos em que se teria um argumento para aumentar os gastos. O programa proposto tem a vantagem de ser anticíclico. Ele é neutro com relação às fases do ciclo econômico.

Tudo isso, contudo, requer medidas adicionais para o pleno sucesso do programa proposto. Mais adiante será necessário desatar o nó da Previdência Social. O que é importante é garantir a isonomia entre trabalhadores no regime geral da Previdência e trabalhadores em outros regimes - tornando universal a aposentadoria para todos aos 65 anos.

É importante também melhorar a qualidade do gasto, agora submetido a uma regra de crescimento limitada à reposição da perda inflacionária. É hora de adotarmos a análise da qualidade do gasto nas diversas propostas de programas da despesa federal. Essa análise de custo-benefício é corriqueira faz muitos anos no processo orçamentário dos Estados Unidos.

Nem todos concordam com a análise aqui contida. Estudo de importante consultoria privada aponta que a proposta do Executivo reduzirá gastos em apenas três pontos porcentuais do PIB no período de nove anos. A dívida bruta continuaria crescendo, segundo o estudo, chegando em 2023 a quase 108% do PIB. Surpreende o termo “apenas”: em reais de hoje, esses 3% correspondem a R$ 177 bilhões! Qual seria a alternativa: uma megarecessão?

Às economias que poderão advir do teto para o gasto real da União deverão juntar-se as produzidas pelas medidas adicionais a serem postas em prática depois de aprovada a Proposta de Emenda Constitucional, como a reforma da Previdência Social, o eventual aumento da carga tributária e das receitas obtidas com concessões, entre outras.

Caso a PEC passe no Congresso, teremos pela primeira vez criada uma regra em que a política econômica deixe de ser de um governo para tornar-se política de Estado. Não é pouca coisa.


O Brasil não pode esperar - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 21/06 

O Brasil não pode mais esperar. Fica refém da crise política que se abateu sobre Brasília com as revelações da Operação Lava-Jato, enquanto a economia continua com dificuldades para avançar. Com a troca de comando no Ministério da Fazenda, uma boa dose de otimismo veio à tona. Mas a crise política atravanca a economia e as oportunas mudanças patrocinadas pelo ministro Henrique Meirelles e equipe ainda não surtiram os efeitos por todos aguardados. A retomada da produção econômica deve ser a prioridade número um. Sem a reação imediata, o risco é de agravamento da delicada situação em que nos encontramos e da proximidade do caos absoluto.

A Lava-Jato, que desnudou as entranhas da corrupção que tantos malefícios produz, deve continuar suas investigações de forma equilibrada e distante dos holofotes televisivos. As autoridades envolvidas nas investigações não podem se tornar estrelas de uma história cujo enredo envergonha os homens de bem desse país. Nesse sentido, é importante que figuras proeminentes da operação, como o procurador Deltan Dallagnol, tenham cuidado para não sucumbir ao proselitismo político, como ocorreu ao contribuir para a difusão da tese de que o PMDB trama contra as investigações.

Cabe aqui destacar também que figuras públicas de projeção nacional não podem se tornar presas fáceis de denuncismo sem provas. Algumas denúncias, por sinal, são absolutamente estapafúrdias, não resistem ao mero encadeamento dos fatos e têm motivações ambíguas e escusas. Ainda sobre o assunto, não se pode incorrer em equívocos grotescos como os pedidos de prisão do ex-presidente José Sarney, do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, e do ex-ministro do Planejamento e senador Romero Jucá, todos do PMDB, sem que tenha sido apontado crime de qualquer natureza. Pedidos de prisão baseados, tão somente, em depoimento do delator com o claro propósito de diminuição de sua pena. As investigações levadas a cabo pelo juiz Sérgio Moro não podem ser transformadas em ribalta para que procuradores acusem apenas para parecerem isentos perante a opinião pública, como no caso envolvendo Sarney, Renan e Jucá. A população aprova e apoia a Lava-Jato, mas também espera equilíbrio dos que estão à frente das operações legais.

Vivemos um dos momentos mais graves de toda a nossa história e a hora é de união das mais representativas forças políticas, econômicas e sociais do país em torno da administração de Michel Temer. Só assim o presidente em exercício poderá alcançar as ousadas metas a que se propôs para tirar o Brasil da maior recessão de que se tem notícia, em meio ao mais profundo e abrangente período de corrupção jamais visto.

Demonstração de maturidade em torno dessa aclamada união foi dada pelos partidos políticos que estavam na oposição ao governo passado, como o PSDB e o DEM, ao se alinharem ao novo governo de Michel Temer, no mais conturbado período vivido pelo país. Maturidade que falta aos deputados federais ao não resolverem a sucessão na presidência da Câmara dos Deputados. Com isso, pouco se decide naquela Casa, prejudicando ainda mais a recuperação econômica.

Os cidadãos responsáveis do país clamam por consenso político duradouro, fincado em bases sólidas, como garantia da governabilidade indispensável para o Brasil, enfim, deixar de patinar e retomar o caminho do desenvolvimento.

Falta o Brasil - CRISTOVAM BUARQUE

CORREIO BRAZILIENSE - 21/06

Na véspera de sediar o maior espetáculo da Terra, o Brasil se transformou em um país de chacotas no exterior. Depois de 30 anos de democracia, estabilidade monetária e crescimento econômico continuamos como um dos mais desiguais, mais deseducados e mais violentos países do mundo. Também passamos a nos mostrar como um dos mais corruptos, descuidados e ridículos. A Lava-Jato mostra todos os dias diálogos e valores astronômicos de deboche e de roubalheira; os governos de estados e municípios estão quebrados financeiramente (ao ponto que, às véspera das Olimpíadas, o Rio se declara em estado de calamidade); a saúde pública caótica com enfermidades assustadoras, do tipo microcefalia, por causa da falta de saneamento; a economia em recessão, empobrecendo a população pela queda de renda e provocando a tragédia do desemprego. A sociedade dividida politicamente em grupos sectariamente opostos; a população desiludida com seus líderes políticos.

Temos o ridículo do policial que prendia os corruptos sendo preso por corrupção, e ainda mais grave assisti-lo condenado, mas trabalhando como policial, usando tornozeleiras eletrônicas durante o expediente. Temos uma crise política que desmoraliza os poderes Executivo e Legislativo; um processo de impeachment que nos deixa com dois presidentes; e as ameaças legais que nos deixam sem dirigentes sólidos na Câmara e no Senado, sujeitos a suspeitas e até a pedidos de prisão.

As coisas não vão bem no Brasil e a causa não é uma guerra inevitável, uma catástrofe natural inesperada, pobreza por falta de recursos, erros de um ditador há anos no poder. Dispomos de recursos, temos uma natureza rica e estável, com raros e localizados períodos de seca, mas quase sem desertos, terremotos destruidores, tsunamis devastadores; vivemos em paz - estamos livres, até aqui, até mesmo do terrorismo, e temos uma democracia de três décadas, o que, teoricamente, deixaria a sociedade com condições de corrigir os erros do passado e reorientar o futuro. Mas não estamos conseguindo fazer isso. No lugar, usamos a democracia para provocar imensos erros que emperram a economia, desmoralizam o Brasil no cenário internacional, desagregam a sociedade.

Qualquer observador atento, no país ou no Exterior, se pergunta onde erramos, como deixamos isso acontecer. Provavelmente, a resposta está no fato de que a política tem esquecido o Brasil. Alguns fazem política para locupletarem-se, enriquecerem pela corrupção; outros, para se manterem no poder a qualquer custo; e os outros, para atenderem interesses de grupos que representam. Raríssimos fazem política pensando no bem maior do conjunto da população. Os bons e honestos políticos brasileiros representam interesses de categorias no presente, não os interesses nacionais no futuro. Por isso, defende-se aumentos salariais e benefícios que não cabem no orçamento, e certamente causarão inflação; obras que custarão valores superiores ao possível para beneficiar interesses locais e mesmo permitir propinas; ações que passam ilusões de grandeza, sem deixarem resultados positivos permanentes.

O Congresso é dividido em bancadas de segmentos sociais, não há bancadas do Brasil como um todo e em sua perspectiva histórica. O processo de impeachment é um exemplo. Se os políticos e o governo dos últimos 13 anos tivessem pensado no Brasil, e não nas categorias, e em setores específicos, não estaríamos hoje tendo de escolher entre a tragédia da interrupção do mandato de uma presidente eleita ou a tragédia da continuação de seu mandato por mais quase três anos.

Os dois governos do PT tentaram articular todos os segmentos do país, com bolsas e cotas para os pobres, salários para os trabalhadores, lucros para industriais e banqueiros, subsídios aos consumidores, mas sem um projeto nacional para todos os brasileiros no futuro. Por isso preferiram mais escolas no ensino superior a melhores escolas no ensino básico. E essa escolha, hoje, no Senado parece se fazer por um debate entre os grupos que nunca aceitaram esses governos e aqueles que sempre os defenderão. Esses são incapazes de reconhecer que não dá mais; os outros não refletem sobre os custos históricos de mais um presidente destituído entre os quatro que foram eleitos nestes menos de 30 anos. A política está perdida por falta do mais óbvio tema que deveria preocupar os políticos: o Brasil.


Força-tarefa binacional - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 21/06


Procuradores decidiram criar uma força-tarefa binacional para investigar origem de R$ 2,9 bilhões em 800 contas suspeitas, mantidas em quatro dezenas de bancos da Suíça

Suíça e Brasil decidiram criar uma força-tarefa para investigar mais de 300 relacionamentos financeiros classificados como suspeitos em 800 contas de quatro dezenas de bancos suíços. O acordo, em fase de conclusão, está na mesa dos chefes do Ministério Público da Suíça, Michael Lauber, e do Brasil, Rodrigo Janot.

Lauber confirma as negociações, em relatório interno, “para formação de uma equipe de investigação conjunta”. Seu objetivo é “acelerar os processos suíços”.

A Suíça já bloqueou o equivalente a R$ 2,9 bilhões, por considerar sua origem suspeita, derivados principalmente de corrupção em contratos com a Petrobras. É um volume de dinheiro dez vezes maior do que a soma de recursos congelados em contas de dirigentes da Fifa processados por negócios ilícitos.

Até agora, porém, os suíços só conseguiram “limpar” 15% do volume interditado. Querem mapear o trânsito em todo o sistema financeiro mundial, identificar integralmente titulares e beneficiários finais das contas, e por fim, via acordos judiciais, devolver a dinheirama ao Brasil.

Em abril de 2014, a Procuradoria suíça começou a trabalhar no caso Petrobras, no rastro das evidências sobre corrupção na estatal coletadas na prisão do ex-diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa. Desde então, devolveu ao Brasil o equivalente a R$ 444 milhões. É pouco.

Lauber acha que pode ir muito além, porque “o caso criminal brasileiro envolve numerosas empresas, assim como várias centenas de pessoas” — registra em relatório.

Foi o aumento da vigilância nos bancos suíços que levou executivos da Odebrecht a comprar 51% do Meinl Bank Antigua numa ilha caribenha. Pelo Meinl, aparentemente, transitaram R$ 5,9 bilhões nos últimos cinco anos — o dobro do volume de dinheiro já bloqueado na Suíça. Boa parte teve origem em negócios suspeitos, realizados por pessoas camufladas por codinomes, como “Waterloo”, a partir de um sistema de comunicações secretas que funcionava dentro da empreiteira. “Os políticos são os beneficiários efetivos”, ressalta o procurador-geral suíço. Um deles se destaca como “RR.2015.275/ RP.2015.61” em processo no Tribunal Penal Federal de Berna. Trata-se Eduardo Cosentino da Cunha, presidente afastado da Câmara. Cunha e familiares foram delatados pelo banco Julius Baer ao Departamento de Lavagem de Dinheiro. Ano passado, a Suíça suspendeu e transferiu o caso “RR.2015.275/ RP.2015.61” à jurisdição brasileira.

O caso de Cunha se tornou um marco na “limpeza” de ativos suspeitos em curso nos bancos suíços. Eles consideram que pessoas politicamente expostas, em geral, apresentam um risco de reputação excessivo.

A mesma avaliação começou a ser feita na Câmara, onde a cassação do mandato de Cunha é considerada como certa. Entre a procura da saída da crise econômica e o desfecho do impeachment de Dilma Rousseff, ele acabou virando um detalhe no Legislativo.

Mesmo entre os seus mais fiéis aliados, já não há quem acredite na sobrevivência política do deputado fluminense. Mais difícil é encontrar alguém disposto a apostar nas chances do indiciado suíço “RR.2015.275/ RP.2015.61” livrar-se de uma condenação à prisão por ao menos uma década.


Brasil, um bebê molhado - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 21/06

Sérgio Moro, juiz de primeira instância, é mais respeitado do que dezenas de juízes e ministros de tribunais superiores


O americano Roger von Oech, escritor e fundador da Creative Think — empresa da Califórnia especializada em inovação —, costuma dizer que “só quem gosta de mudança é bebê molhado”. A frase curiosa enfatiza o espírito de resistência à mudança, que aumenta quando existem interesses pessoais, políticos e corporativos envolvidos.

O Brasil é um bom exemplo. Todos achavam absurda a esdrúxula quantidade de 39 ministérios que existia até maio. No entanto, quando a administração paquidérmica foi reduzida para 23 pastas, surgiram reclamações de vários segmentos. A Cultura, no grito, retomou o status ministerial, mas grupos relacionados à Reforma Agrária e à Ciência e Tecnologia continuam a protestar. Na verdade, a “reforma” foi realizada na marra, sem maiores estudos e explicações. A berraria, contudo, tem origem na ideia distorcida de que é imprescindível o status ministerial para a eficiência e prestígio do setor, o que é uma falácia. A Polícia Federal, por exemplo, está no terceiro escalão, mas é reconhecida como um órgão de Estado, o que não acontece com vários ministérios. No Judiciário, o juiz de primeira instância Sérgio Moro é mais respeitado do que dezenas de juízes e ministros que vagam por tribunais superiores ou pela Suprema Corte. Afinal, respeito não se impõe, se conquista...

Quanto às despesas públicas, era consenso que o governo precisava reduzi-las. De 2008 a 2015, a despesa cresceu 51% acima da inflação, enquanto a receita evoluiu apenas 14,5%. Dias antes de o governo encaminhar ao Congresso proposta de limitar o crescimento das despesas à inflação, porém, o que vimos foi um festival de aumentos salariais que irá elevar os gastos com pessoal em cerca de R$ 97 bilhões até 2019. O presidente Michel Temer, caminhando devagar com o andor porque o mandato ainda é de barro, embarcou no trem, mas recuou quando percebeu a péssima repercussão. Vale lembrar que o defensor do aumento do Judiciário junto ao Executivo foi o próprio ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que comanda o processo de impeachment de Dilma no Senado.

Em resumo, apesar do rombo de R$ 170 bilhões em 2016, dos 11 milhões de desempregados e do sufoco por que passa a maioria dos trabalhadores brasileiros, os funcionários públicos terão aumentos, com reflexos nas folhas de pagamento dos estados e municípios que já estão quebrados. O “pacote barnabé” incluiu ainda a criação de 14 mil cargos, que irão compor uma “reserva” e, segundo o governo, não serão preenchidos. Então, precisavam criá-los em pleno ajuste fiscal?

As empresas estatais são a Disneylândia dos corruptos, graças a muito dinheiro, muita ingerência política e pouquíssima transparência. As mais de cem empresas e sociedades de economia mista brasileiras movimentam por ano cerca de R$ 1,4 trilhão — aproximadamente um PIB da Argentina — e estão no olho do furacão da Lava-Jato. No entanto, quando surge a intenção de moralizar a gestão, suas excelências, na Câmara dos Deputados, inserem no texto a possibilidade de dirigentes partidários ocuparem diretorias. É como colocar rato para tomar conta de queijo.

O pior, no entanto, está vindo devagarinho. Para 65% dos brasileiros, a corrupção é o principal problema do país (CNI/Ibope). Assim, é natural que 70,4% da população apoie a Lava Jato (Instituto Paraná). Apesar das estatísticas favoráveis à limpeza ética, conversas indecorosas de políticos e autoridades versam, exatamente, sobre como esvaziar a operação. Descaradamente, corruptos e prepostos discutem nas fitas gravadas como frear delações, nomear paus-mandados para barrar as investigações, soltar condenados, salvar empreiteiras corruptas via acordos de leniência e influenciar decisões de tribunais superiores. Se não bastasse, o presidente do Senado — com oito inquéritos no STF — ameaça acatar pedido de impeachment contra o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que formula denúncias sobre os investigados com foro privilegiado.

Além disso, 14 senadores — alguns citados nas delações — assinaram documento pedindo ao CNJ abertura de processo disciplinar contra o juiz Sérgio Moro. Lula, por sua vez, quer puni-lo por “abuso de autoridade”. Na terra de Macunaíma, os investigados tentam julgar os que os estão investigando. Para culminar, o STF pode suspender a decisão que determinou a prisão dos condenados em segunda instância, o que será lamentável.

O Brasil anseia por mudanças. E não é só por estar molhado. Muito ainda irá surgir até a Lava-Jato trocar as fraldas deste país.


Cuidado com a antipolítica - SERGIO FAUSTO

O Estado de S. Paulo - 21/06

Congresso, partidos organizados para disputar eleições e políticos profissionais eleitos: instituições com prestígio baixo e cadente no Brasil e, em graus variados, em todos os países democráticos. É tarefa inglória defendê-los nos dias que correm. E, no entanto, por isso mesmo, é hora de fazê-lo, pois elas constituem um trio indispensável à democracia representativa. Para que não se a interprete como uma defesa indiscriminada do nosso sistema político, cabe ganhar uma certa perspectiva histórica para só depois chegar à cena brasileira atual.

Comecemos pela identificação dos principais inimigos históricos da democracia representativa: os movimentos e regimes nazi-fascistas e comunistas que marcaram o século 20 com um longo e largo rastro de sangue.

Com a vitória sobre o nazi-fascismo em 1945 e o colapso do socialismo real em 1991, a democracia representativa triunfou como valor, impondo-se sobre seus inimigos “externos” no plano das ideias e da política. Num paradoxo apenas aparente, passou então a ser assombrada por seus próprios fantasmas. Sem o contraste com os regimes totalitários, os seus defeitos e imperfeições se tornaram mais visíveis: as tendências à oligarquização dos partidos, à captura dos sistemas políticos por “interesses especiais”, ao descolamento entre os políticos profissionais e os cidadãos comuns.

Nos últimos anos, o desencanto com a democracia se espalhou pelo mundo (e não apenas nos países mais afetados pela crise financeira de 2007/2008, o que mostra não ser a economia o único fator a explicá-lo). Ele produziu dois efeitos de sinais opostos: de um lado, a rejeição à política, vista como uma atividade intrinsecamente nociva à sociedade; de outro, uma adesão à política de alta intensidade, em crítica frontal aos Parlamentos, partidos e políticos profissionais, em nome da participação direta dos cidadãos nas decisões de governo.

Na América Latina, onde já se enfraquecia a memória das ditaduras militares, deu-se o mesmo fenômeno. A partir do final da década de 1990, o desencanto com a democracia tomou o caminho da “política de alta intensidade” naqueles países em que o sistema partidário anterior colapsou sob o peso de crises agudas na economia e na representação política. Surfando a onda global de crítica à democracia representativa, movimentos e governos de orientação “bolivariana” adotaram mecanismos de representação direta e formas de mobilização popular que, sob o pretexto de torná-la mais autêntica, submeteram a democracia representativa ao seu projeto hegemônico. Quem mais longe levou esse experimento foi o chavismo, a tal ponto que a Venezuela é hoje uma autocracia com alguns disfarces formais.

O Brasil seguiu uma trajetória distinta. Ao chegar ao poder, o PT encontrou um sistema de partidos comparativamente mais estruturado, no qual ele próprio desempenhava um papel importante, operando no âmbito de instituições políticas e jurídicas de melhor qualidade. A aprovação da cláusula de barreira em 1995, com previsão de entrada em vigor dez anos depois, parecia apontar para a evolução positiva do sistema partidário. Uma combinação de fatores, porém, levou-o à degeneração progressiva, entre eles a desafortunada decisão do STF de derrubar a cláusula de barreira. Não se pode atribuir a degeneração do sistema político-partidário inteiramente aos governos do PT, mas é inegável a sua responsabilidade nesse processo (anabolizando legendas de aluguel, organizando em escala sem precedente a acoplagem do financiamento de campanha à corrupção nas estatais e em empresas privadas prestadoras de serviços às estatais, etc). Embora tenham cuidado de manter ativa e bem financiada a sua base militante organizada e buscado avançar na construção de conselhos dominados por “representantes da sociedade civil” ligados ao partido, os governos petistas não chegaram a ser “bolivarianos”. Mais do que adesão à política de alta intensidade, apostaram na expansão do consumo para ampliar e manter seu apoio na sociedade.

Hoje temos um sistema político-partidário em frangalhos e uma sociedade frustrada com a quebra das expectativas de mais consumo (e melhores serviços públicos). Majoritariamente, ela rejeita a política e os políticos. Rejeição que só faz crescer à medida que a Lava Jato expõe as entranhas desse sistema político-partidário.

Sem dúvida, a sociedade deve estar atenta às tentativas de barrá-la ou limitar o seu alcance. Todavia, deve estar atenta também ao risco de que os fatos e versões decorrentes das investigações sejam instrumentalizados para fazer afundar em descrédito generalizado o Congresso, os partidos e os políticos profissionais, indiscriminadamente. Jogar tudo e todos na vala comum não fará o País avançar na construção de uma democracia melhor. A ideia de que um sistema político regenerado nascerá da destruição completa do atual é ilusória e perigosa, quando não autoritária. Trata-se, isto sim, de reformá-lo com objetivo de aperfeiçoar a democracia representativa, processo que não se dará da noite para o dia. Seu aperfeiçoamento deverá incorporar formas inovadoras de participação dos cidadãos na política, para tornar mais transparentes, fidedignas e sensíveis à sociedade as formas clássicas da representação, não para substituí-las. Parte (a menor parte, é verdade) dos partidos e dos políticos existentes é fundamental para que esse processo se dê com sucesso.

Com a Lava Jato chegando à sua temperatura máxima e o prestígio do sistema político ao seu ponto mais baixo, a sociedade brasileira será exigida em sua capacidade crítica e senso de proporção. À justiça cabe julgar com base em provas. Aos cidadãos, definir pelo voto e pela pressão sobre o sistema político quem merece cartão vermelho, cartão amarelo ou simples advertência verbal. A todos nós cabe nos empenhar para que o jogo democrático continue a ser jogado, com melhores regras e maior qualidade.


O mau uso das redes sociais - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 21/06

“Desenvolvemos uma cultura em que o debate público é feito pela desqualificação do outro. Se você não pensa como eu, você só pode ser um cretino completo a serviço de alguma causa escusa. Está na hora de um debate substantivo e não de adjetivos.” Essa aguda e pertinente avaliação crítica da realidade política brasileira é de autoria do ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e foi feita em Londres na semana passada, em entrevista à Folha de S.Paulo, durante o “Brazil Forum UK 2016”, evento destinado a discutir a crise brasileira. O triste diagnóstico do ministro Barroso é respaldado por pesquisa inédita do Ibope divulgada no Estado pelo colunista José Roberto Toledo e contém revelações preocupantes para o futuro político do País neste momento em que a gravidade da crise, especialmente para a população mais pobre, deveria unir os brasileiros na busca do entendimento indispensável à superação dos problemas políticos, econômicos, sociais e morais que a todos afetam.

De acordo com a pesquisa, nos últimos 12 meses, “pela primeira vez, a maioria absoluta dos eleitores brasileiros (51%) recebeu informações sobre política pelo Facebook, Twitter ou pelo WhatsApp”. E constata: “O tipo de propaganda que funciona nessas redes é a negativa: contra alguém ou contra uma ideia, muito mais do que a favor de um candidato”.

A propaganda política negativa elevada à condição de estratégia eleitoral dominante é uma das notáveis realizações de Lula. Resultou, a partir da fundação do PT, da transposição da estratégia de luta sindical dos metalúrgicos contra os patrões para o âmbito geral da sociedade. É a política do “nós” contra “eles”, que se faz por meio da desqualificação sistemática e belicosa de qualquer ideia ou ação que contrarie o populismo lulopetista.

Essa imagem de ferrabrás defensor dos fracos e oprimidos que Lula sempre cultivou – é curioso observar – acabou dando-lhe foros de maior líder popular brasileiro desde Getúlio Vargas, insuficiente, porém, para congregar em torno de si uma maioria confiante em sua capacidade de governar o País. Por esse motivo, foi derrotado nas urnas em 1989, 1994 e 1998.

Foi a percepção desse fenômeno que em 2002 levou os marqueteiros do PT a promover uma guinada de 180 graus na imagem de Lula e transformá-lo no confiável “Lulinha paz e amor”, que passou a distribuir sorrisos e beijos e concentrar-se nas propostas objetivas, sensatas e “liberais” da Carta aos Brasileiros, renegando, na caradura, tudo o que até então afirmava acreditar em matéria de gestão econômica e financeira. Elegeu-se presidente e com o tempo voltou a ser como sempre fora, agora politicamente fortalecido, por obra de mensalões e petrolões, com o apoio dos “picaretas” do Congresso.

O resultado demorou algum tempo para aparecer, mas hoje está à vista de todos: Lula, Dilma e o PT se desqualificaram completamente, não por força do discurso de seus adversários políticos, mas pela dolorosa evidência de seus próprios erros.

Agora, apeados do poder e justificadamente preocupados com sua sobrevivência política e com os longos braços da Lava Jato, os populistas responsáveis pelo maior estelionato eleitoral da história brasileira apelam em desespero para o velho recurso de partir para o ataque. O PT e seus apoiadores tentam desqualificar os atuais adversários, especialmente os que compõem o governo interino – muitos deles seus antigos aliados no governo afastado e em falcatruas –, no desvario da política do quanto pior, melhor.

Definitivamente, não é de política negativa que o Brasil precisa. O País precisa, e com extrema urgência, do saneamento das contas públicas, de recuperação da confiança do mercado, de investimentos em programas estruturais e da retomada da produção, para que, antes de mais nada, os mais de 11 milhões de desempregados recuperem o direito de viver dignamente, integrados na atividade econômica sem depender do paternalismo estatal.

Essa é a ideia que deveria estar sendo discutida nas mídias sociais, uma conquista tecnológica que deveria estar a serviço do entendimento entre as pessoas e não de sua destruição mútua. Essa coisa de “nós” contra “eles” acabou com o PT. Não pode acabar também com o Brasil.

A tentação da delação - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de S.Paulo - 21/06

A praia do Futuro é uma das mais procuradas por quem gosta de relaxar ao sol de Fortaleza. Em torno de suas areias cresceu o bairro Dunas, endereço de mansões protegidas por muros altos e cercas eletrificadas. É numa delas que repousa Sérgio Machado, o ex-presidente da Transpetro que abastecia políticos com dinheiro do petrolão.

Depois de delatar os comparsas, o peemedebista foi premiado com o regime de prisão domiciliar. Não passou um único dia na cadeia e foi autorizado a se recolher ao conforto do lar, onde poderá matar o tempo entre a piscina, a quadra poliesportiva e a churrasqueira. Ele ainda terá autorização para sair de casa em ao menos oito datas até 2018, quando se livrará da tornozeleira eletrônica.

Machado não é o único réu do petrolão a levar uma doce vida depois de fechar acordo de delação com a Lava Jato. Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras, habita um condomínio exclusivo em Itaipava, na região serrana do Rio. É vizinho de altos executivos e de um ministro do Supremo, que acumulou patrimônio como advogado de renome.

Pedro Barusco, o ex-gerente da estatal que organizava planilhas de propina, aproveita o mar em Angra dos Reis. No ano passado, foi fotografado à vontade numa cadeira de praia, dando baforadas num charuto e tomando cerveja. Ele cumpre pena em regime aberto, que dispensa a companhia da tornozeleira.

Eduardo Cunha, o deputado, levou uma vida de milionário no período em que a Petrobras era saqueada -na certa, uma coincidência. Hospedou-se nos hotéis mais caros do mundo, jantou nos melhores restaurantes e colecionou carros importados, alguns registrados em nome da empresa Jesus.com.

Agora Cunha está ameaçado de prisão e ouve conselhos para oferecer uma delação à Lava Jato, hipótese que assombra figurões no Congresso e no governo interino. Os exemplos de Machado, Costa e Barusco devem ajudá-lo a decidir.


Arranjo com governo frágil: irresponsabilidade fiscal - GUSTAVO PATU

Folha de S.Paulo - 21/06

Toda renegociação de dívidas é arriscada se, na prática, premiar a irresponsabilidade do devedor.

Em transações privadas, esse perigo é menor: o credor sem alternativa pode até perdoar parte das obrigações do devedor inadimplente, mas dificilmente voltará a emprestar a quem demonstrou não ser confiável.

Quando se trata de dinheiro público, no entanto, renegociações frequentemente sugerem que vale a pena se endividar além dos limites da prudência e, depois, passar a conta ao credor –que, no caso, são os contribuintes.

Esse foi o padrão seguido em sucessivos acordos para o pagamento de dívidas regionais até o fim dos anos 1990, quando a União acabou assumindo os compromissos dos Estados e dos principais municípios com o mercado.

Na época, advogou-se que aquela deveria ser a renegociação derradeira. Incluiu-se na Lei de Responsabilidade Fiscal a vedação a novas transações do gênero.

Além disso, determinou-se que os governadores deveriam seguir compromissos de ajustes graduais em suas contas até a quitação dos passivos com o Tesouro Nacional.

Assim, o governo federal se tornou uma espécie de FMI (Fundo Monetário Internacional) dos Estados, empregando seu poder de credor para domar o apetite dos governadores por mais despesas.

A despeito de pressões políticas recorrentes, esse arranjo perdurou até o governo Dilma Rousseff –quando o Executivo federal decidiu estimular, com crédito dos bancos públicos, a expansão dos gastos estaduais.

Agora, a ruína orçamentária generalizada no país forçou uma nova rodada de repactuação das dívidas.

A tarefa de zelar pelas contrapartidas exigidas dos devedores caberá a um governo frágil, qualquer que seja o desfecho do processo de impeachment da presidente afastada.

Conforme se anunciou, os gastos dos Estados deverão seguir a mesma regra proposta pelo governo Michel Temer para os desembolsos federais: só crescer, daqui para a frente, conforme a inflação do ano anterior.

O projeto de lei que alivia os pagamentos estaduais deverá ser aprovado alegremente por deputados e senadores; já a proposta de emenda constitucional que limita as despesas, em especial com saúde e educação, tem pela frente uma dura tramitação.

Todas serão regras temporárias, sujeitas a novos remendos posteriores. De permanente, só o paternalismo do governo central em uma Federação de Estados de pouca autonomia e responsabilidade por suas decisões.

Temer amarra governadores - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 21/06

O presidente interino, Michel Temer, está fazendo uma manobra de alto risco ao firmar rapidamente um acordo sobre as dívidas dos estados, dando aos governadores uma anistia até o fim do ano, e reduzindo paulatinamente a dívida nos outros 18 meses. Resolveu em poucos dias o que a presidente afastada, Dilma Rousseff, não resolvera em anos.

Pode-se atribuir à incapacidade de negociação política de Dilma essa mudança súbita de atitude, ou, ao contrário, à tarimba do presidente Temer, mas fica também possível a narrativa dos apoiadores do antigo governo de que na verdade o perdulário é Temer, e não Dilma.

Na verdade, é impossível afirmar que Dilma não foi descuidada e perdulária no trato da coisa pública, mas é possível estranhar de onde o governo tira tanto dinheiro para fazer acordos com vários setores, inclusive com aumentos salariais, num momento em que tenta viabilizar limite do gasto público. Estaria aí o aumento do déficit para R$ 170 bilhões?

O fato é que Temer amarrou os governadores ao sucesso de sua política econômica, pois somente se o país voltar a crescer será possível compatibilizar esse acordo de agora com as finanças abaladas do país.

A promessa de incluir os estados no decreto que limita gastos é também boa ajuda aos governadores, que serão obrigados por lei a cortar custos, revertendo erros que eles mesmo cometeram quando achavam que a bonança econômica seria eterna.

Como no verso de Vinicius de Moraes, foi eterna enquanto durou, e agora os governadores pagam o preço da desídia com que trataram o dinheiro público. O lado político do acordo com os governadores ainda tem a vantagem de conseguir apoio no Congresso para aprovar medidas econômicas que darão direção ao futuro da economia, sinalizando para os investidores que o governo interino tem forte apoio no Congresso, e, efetivado, terá condições para reequilibrar as finanças.

O programa de concessões e privatizações será lançado brevemente, a partir do momento em que os sinais advindos das aprovações no Congresso garantam aos investidores uma perspectiva segura.

Várias medidas liberalizantes estão em vias de aprovação no Congresso, como possibilidade de empresas aéreas estrangeiras poderem adquirir até mesmo 100% das nacionais, e fim da obrigatoriedade de a Petrobras investir pelo menos 30% em todos os campos de petróleo que forem licitados, sendo a operadora da exploração.

O novo presidente da Petrobras, Pedro Parente, já disse com todas as letras que a estatal não tem condições de exercer essa obrigação, e o projeto do ministro das Relações Exteriores, José Serra, ainda dá o direito de a estatal decidir quando exercerá esse direito, isto é, permitirá que ela decida qual o momento ideal para ser a controladora da exploração, e quando ela, por razões próprias, abrirá mão desse privilégio que a lei lhe concede.

Há também o interesse da Petrobras de abrir mão da exigência de conteúdo nacional, que até agora só fez aumentar os custos dos equipamentos, e não conseguiu viabilizar indústria naval artificialmente montada. Todas essas sinalizações, espera o governo, darão confiança aos investidores de que o país vai no sentido de estimular os investimentos e buscar parcerias com o setor privado para voltar a crescer.

Conspiração
Brasília está cheia de teorias conspiratórias na véspera do pronunciamento de Eduardo Cunha. Além de relatos de que ele estaria pressionando Temer para uma solução, e até mesmo PSDB e DEM para que mudem seus representantes na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, há quem veja no recuo de seu velho aliado Maranhão não uma traição, mas colaboração, para não aumentar a chance de o STF optar pela prisão de Cunha diante de manipulações seguidas. 

O julgamento do plenário cairá em pleno recesso, e dificilmente haverá quorum para cassá-lo naquele momento, dando-lhe uma sobrevida. O mesmo objetivo, aliás, teriam tido Tia Eron e Wladimir Costa , que votaram contra Cunha no Conselho de Ética. 
Segundo essa versão, Tia Eron votou contra Cunha para fazer-lhe um favor, e Wladimir da mesma forma, além de evitar que os louros fossem para o presidente do Conselho, José Carlos Araújo, que desempataria contra Cunha. Tais teorias conspiratórias só demonstram que o presidente afastado da Câmara mantém intacta pelo menos a mística em torno de sua invencibilidade. Hoje teremos uma ideia mais clara até onde vai o mito e como a realidade se imporá, caso ele renuncie à presidência da Câmara para tentar salvar a pele.

Pagando mico - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 21/06

O ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, não cansa de dizer que o governo Temer não vai deixar que o Brasil “pague mico” na Olimpíada. Deus o ouça, porque nada está fácil. Na melhor das hipóteses, a Olimpíada de 2016 vai seguir o caminho da Copa de 2014: torrentes de más notícias antes, um sucesso durante e um misto de dívidas e elefantes brancos depois.

O Planalto estava desolado ontem com mais uma manchete negativa desabando sobre o Rio de Janeiro, que continua lindo, mas... Num dia, o governador interino Francisco Dornelles decreta estado de calamidade. No outro, 25 bandidos (25?!), armados com fuzis e explosivos, invadem o hospital Souza Aguiar, matam um paciente, ferem duas outras pessoas e resgatam um famoso traficante. O Souza Aguiar tem a maior emergência do Estado e é um hospital da Olimpíada.

O mundo, que há alguns anos olhava para um Brasil alegre, promissor e pujante, agora vê um País deprimido, sem horizonte e desabando. É a propaganda do “golpe”, crise econômica, corrupção, zika, chikungunya, dengue, H1N1, poluição da Baía de Guanabara, obras atrasadas. Nem a ciclovia recém-inaugurada fica de pé. Sem falar nos velhos males, como a violência urbana. Até adolescentes e crianças são ora massacrados por balas perdidas, ora tragados pelo tráfico.

As conexões dos órgãos de inteligência com o mundo são importantes, fundamentais até, para tentar detectar qualquer tipo de ameaça terrorista, num mundo em que o terrorismo visa multidões, jovens e cidadãos dos países ricos, presenças obrigatórias em Olimpíada. Mas CIA (EUA), Mossad (Israel), DGSE (França), MI-5 (Reino Unido) e SVR (Rússia) não têm nada a ver com a profunda crise do Brasil, a falência do Rio, traficantes, balas perdidas, obras atrasadas e propinas. (Sem contar, cá entre nós, que eles próprios têm levado bolas fora no combate ao terrorismo e na prevenção de ataques).

Então, quem pariu a Olimpíada (na época das vacas gordas) que a embale (nas vacas magérrimas), o que significa que o governo federal tem de despejar boa vontade e recursos no Rio e, por conseguinte, nos demais Estados igualmente depauperados. Se dá para o Rio, tem de dar para Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais... todos eles afundando em crises, atrasando salários e ameaçando o futuro político de seus governadores. Sem luz no fim do túnel.

É assim que o governo interino de Temer vive no pior dos mundos: o impeachment definitivo de Dilma Rousseff vai esticando, três ministros já caíram, outros estão na mira da Justiça e a crise na economia corrói os resquícios de otimismo. Nessa conjuntura, Temer aposta as fichas na sua equipe econômica e confia no seu taco para aprovar o que tem de ser aprovado no Congresso. Mas isso implica um sem-fim de concessões – e micos.

Na política, Temer cedeu cargos a torto e a direito para manter sua base aliada e chegou a nomear para a Secretaria de Futebol do Ministério do Esporte o ex-deputado Gustavo Perrella, bem conhecido depois que o helicóptero da sua família foi flagrado pela polícia transportando mais de 400 quilos de cocaína. No fim do governo Dilma, o marido da “Miss Bumbum” causou frisson. O que dizer de Perrella no começo do governo Temer?

Na economia, o presidente interino já cedeu aos funcionários do Judiciário, mesmo contabilizando o efeito cascata nos Poderes e nas demais categorias. Agora, cede ao Rio, por causa da Olimpíada, mesmo sabendo do efeito cascata nos demais Estados e, quiçá, nos municípios. Bem, e como fica o ajuste fiscal, se o rombo é de R$ 170 bilhões? Em época de cobertor curto, Temer prometeu “a revisão do pacto federativo”, mas o problema é fazer um pacto com quem acaba pagando a conta: a sociedade brasileira.