domingo, setembro 10, 2017

O custo Janot - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 10/09

A atuação descuidada do sr. Rodrigo Janot vai muito além dos efeitos sobre as pessoas envolvidas na corrupção da JBS


Na segunda-feira passada, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, admitiu aquilo que o Brasil já sabia há um bom tempo: a existência de fatos gravíssimos envolvendo a delação da JBS. Imediatamente após a declaração de Rodrigo Janot, surgiram especulações sobre os possíveis desdobramentos do reconhecimento oficial de que a delação da JBS não era exatamente aquele rosário de virtudes que o procurador-geral da República insistia em apregoar. Uma vez mais o País se via enredado em questões sobre o futuro de suas autoridades e de suas instituições. E ninguém deixou de perceber como está saindo cara ao País a atuação açodada do sr. Rodrigo Janot.

Desde a divulgação da delação da JBS em meados de maio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) foi questionada por conceder tão generosa imunidade ao sr. Joesley Batista. Além de ser uma clara afronta à lei – que proíbe esse benefício aos líderes de organização criminosa (Lei 12.850/2013, art. 4.º, § 4.º, I) –, a indulgência parecia confirmar a velha sina da impunidade para os ricos e poderosos, num inequívoco sinal de que o crime ainda estava compensando. Era um banho de água fria em tantos brasileiros que julgam ter surgido, nos últimos anos, uma Justiça mais efetiva.

Ainda que severamente prejudiciais à moralidade pública, os ventos de impunidade que acompanharam a delação da JBS não foram o principal estrago causado pelo procurador-geral da República. Seu açodamento, tanto na assinatura do acordo de colaboração premiada com o sr. Joesley Batista como na apresentação da inepta denúncia contra o presidente da República, provocou sérios prejuízos ao País, justamente quando o governo e a sociedade buscavam, a duras penas, superar a grave crise econômica e social deixada pelos anos de PT no Palácio do Planalto.

A atuação descuidada do sr. Rodrigo Janot vai muito além dos efeitos sobre as pessoas envolvidas na corrupção da JBS. Ela atrapalhou a vida de todos os brasileiros, ao comprometer o processo de recuperação da economia, no ritmo que havia adquirido, à época, e ao prejudicar o andamento das reformas no Congresso, em especial os trabalhos da reforma da Previdência. Justamente quando o Legislativo tentava se organizar para conseguir votar um tema difícil, mas indispensável para recolocar o País nos trilhos, como é a mudança do sistema previdenciário, o procurador-geral da República buscou os holofotes para anunciar a existência de provas incontestáveis contra o presidente Michel Temer. Depois, o País percebeu que não era bem assim – a denúncia da PGR contra Michel Temer estava eivada de inconsistências –, mas o estrago estava feito. Por semanas, a agenda do Congresso ficou sequestrada por uma denúncia artificialmente montada, sem que fosse possível avançar nos temas que de fato podem melhorar a vida da população.

Além de atrasarem o trabalho dos parlamentares, os atropelos do procurador-geral da República prejudicaram a economia do País. No momento em que empresários e investidores começavam a vislumbrar um mínimo cenário de estabilidade e voltavam a apostar na recuperação econômica – investindo, contratando, destravando projetos, etc. –, estava lá o sr. Rodrigo Janot, do alto de seu posto, determinado a desfazer essa impressão inicial, intimidando todo e qualquer movimento de recuperação da economia e do emprego. Sua atuação impôs ao País a agenda da instabilidade.

E mesmo após a Câmara dos Deputados ter trazido um pouco de serenidade e responsabilidade ao caso, negando andamento à inepta denúncia contra o presidente da República, Rodrigo Janot voltou a falar de novas acusações contra Michel Temer. E, se alguém duvidasse da existência real de alguma prova consistente, a mensagem era de que ela surgiria de alguma nova delação, como a de Lúcio Funaro.

O País tem assistido a muitos casos de corrupção. São tantos e tão frequentes escândalos que é difícil dizer qual é o maior e mais grave. É fácil, no entanto, definir a imprudência mais custosa e mais danosa ao País nesses últimos tempos, quando se tem um procurador-geral da República incapaz de perceber as consequências de suas ações. Mais uma vez, fica evidente a importância de se cumprir a lei. Poupam-se muitos problemas.

Falta o longo prazo. O ajuste é só o começo - ROLF KUNTZ

ESTADÃO - 10/09

É preciso repensar o BNDES. O banco pode fazer mais que alimentar Joesley & Cia.



Com pouco dinheiro e muito gasto, o governo sua para fechar as contas deste ano, mas tem de cuidar do cenário para um bom final em 2018 – sem vaias e, se possível, com algum aplauso. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já fala em elevar as projeções de crescimento, animado, talvez, pelos sinais mais claros de reativação da indústria. A inflação baixa e a perspectiva de mais algum corte de juros, talvez para 7,5%, também são bons augúrios. Se os fatos confirmarem seu otimismo, a receita de impostos deverá aumentar. Isso facilitará a arrumação das contas públicas no resto de mandato do presidente Michel Temer, se nenhuma flecha mais perigosa abreviar esse período. Não se pagam contas com otimismo, no entanto, e por enquanto relaxar é muito perigoso. O desafio básico ainda é manter o saldo de receitas e despesas dentro do novo limite fixado para 2017 e para 2018, um déficit primário de até R$ 159 bilhões em cada exercício.

Parte do cenário está garantida. Falta a reforma da Previdência, mas já foram aprovadas no Congresso, embora com algum atraso, as novas metas fiscais para este e para o próximo ano. Houve acréscimo de R$ 20 bilhões no buraco orçamentário admitido para 2017 e de R$ 30 bilhões no saldo negativo autorizado para 2018. As mudanças foram aceitas com aparente boa vontade pelas agências de avaliação de risco. Mas a disposição poderá mudar, se houver algum sinal de afrouxamento na gestão das finanças federais.

Também foi aprovada a nova taxa de juros, menos custosa para o Tesouro, aplicável a operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O custo dos financiamentos ficará um pouco mais parecido com o do mercado e os subsídios deverão diminuir. Líderes do setor privado reclamaram, naturalmente, cada qual procurando explicar por que o caso de seu ramo seria especial e merecedor de maior benevolência. Os fatos, mais uma vez, desmentem a retórica e desautorizam a choradeira.

A dinheirama transferida do Tesouro para o BNDES a partir de 2009, com e sem subsídios, produziu pouco ou nenhum benefício para o conjunto da economia. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI), desenhado inicialmente para durar cerca de um ano, foi prorrogado várias vezes. Deveria ter funcionado contra a crise iniciada no fim de 2008, mas tornou-se parte da rotina e consumiu mais de R$ 500 bilhões. Beneficiou um número limitado de empresas e agravou a situação das contas públicas, sem evitar, a partir do fim de 2014, a maior recessão registrada na história republicana.

Com a troca da TJLP pela TLP, os juros cobrados nos empréstimos do BNDES ficarão mais próximos do custo de financiamento do Tesouro. A redução do subsídio será boa para a saúde das contas públicas, mas isso resolverá só uma parte do problema, talvez a menos desafiadora e menos importante a longo prazo. A questão mais inquietante é outra: é preciso determinar o papel do BNDES e decidir, em primeiro lugar, se o Brasil precisa mesmo, como em outros tempos, de uma instituição desse tipo.

Respostas claras e convincentes foram dadas em outras épocas, desde a fundação do banco, nos anos 1950. Um banco oficial de desenvolvimento deveria concentrar e canalizar capitais para investimentos fundamentais para o País, mas fora do alcance – ou do horizonte de interesses – dos financiadores privados.

A agenda era enorme e a prioridade iria, naturalmente, para indústrias de base, infraestrutura e indústrias importantes para a modernização tecnológica. O dinheiro aplicado aumentaria, em todos os casos, o potencial de produção e de crescimento do Brasil. Em outros momentos, outros objetivos foram para o topo da lista, como a expansão da indústria de bens de capital e a produção de insumos importantes e ainda escassos. Tratava-se de eliminar entraves e gargalos e de atenuar pressões sobre o balanço de pagamentos.

As decisões, em todos os casos, foram baseadas em visões de longo prazo e em considerações de estratégia. Podiam ser discutíveis, mas foram sempre voltadas para a solução de problemas de ampla repercussão.

A prioridade atribuída ao setor de bens de capital, nos anos 1970, foi solidamente fundamentada em projeções da balança comercial construídas no fim da década anterior. O acelerado crescimento industrial, puxado pelo setor automobilístico, impunha a importação de volumes crescentes de máquinas e equipamentos. O jogo ficaria insustentável em alguns anos e a solução seria construir uma nova política de substituição de importações, concentrada no segmento de bens de produção. O problema da importação de bens de capital já era visível nas contas externas antes da crise do petróleo iniciada em 1973.

Os grandes debates sobre estratégias de desenvolvimento já haviam perdido vigor nos anos 1990, quando as políticas se concentraram nas questões urgentes e incontornáveis do combate à inflação e aos grandes desarranjos fiscais. O assunto poderia ter voltado ao topo na década seguinte, mas o PT, como já se sabia, tinha um plano de poder e nenhum programa efetivo de governo. Enquadrado, o BNDES destinou centenas de bilhões a favoritos da corte, sem nenhum sentido estratégico. Um dos efeitos foi a criação de monstruosidades como o bando liderado pelo criminoso confesso Joesley Batista.

O governo completará um trabalho relevante, até o fim de 2018, se entregar ao sucessor contas públicas um pouco mais ajustadas e um pacote de reformas para uma arrumação mais ampla. Se tiver avançado nas concessões e privatizações, tanto melhor. Tudo isso já está na pauta. Mas falta uma discussão mais concreta sobre estratégias de desenvolvimento. A lista básica de assuntos – melhora da educação, busca de produtividade e competitividade e inserção mais eficiente na economia global – está dada. Mas é preciso mais que isso para a definição de um rumo.

Dorothy, Palocci, Lula e o planeta Clarion - JOSÉ PADILHA

O GLOBO - 10/09

O que os seguidores de uma ‘profeta’ americana dos anos 1950 têm a ver com a nossa atual crise política


Na década de 1950, três sociólogos americanos (Leon Festinger, Henry Riecken e Stanley Schachter) entraram para um culto que previa que o mundo iria acabar no dia 21 de dezembro de 1954. O culto se baseava (como de costume) nas palavras sagradas de um “profeta”. No caso, de Dorothy Martin, uma dona de casa nascida em Chicago.

Tal qual Chico Xavier, Dorothy recebia mensagens psicografadas. Só que as mensagens de Dorothy não vinham do além, mas, sim, do espaço. Mais precisamente, do planeta Clarion.

Em uma dessas mensagens, os alienígenas de Clarion informaram para Dorothy que um disco voador viria à Terra à meia-noite do dia 20 de dezembro de 1954, e que salvaria as pessoas que estivessem prontas para serem salvas. A dizer: as pessoas que acreditassem nela. Quem ficasse para trás seria vítima de uma grande inundação.

Eu sei, isso é absurdo. No entanto, pessoas abandonaram empregos e cursos universitários. Teve até gente que deixou a família para se juntar a Dorothy. Foi assim que, no dia 20 de dezembro de 1954, um grupo seleto de indivíduos se reuniu na frente da casa de Dorothy Martin para esperar um ET que viria à Terra especialmente para guiá-los a um disco voador.

Em um brilhante livro, intitulado “When Prophecy Fails”, os três sociólogos americanos descreveram o que testemunharam naquela noite fatídica. Vai aqui um resumo dramático, adaptado livremente a partir da Wikipédia:

(A tensão era palpável. Quando o relógio bateu à meia-noite e cinco e nenhum alienígena apareceu, o grupo concordou que o relógio estava adiantado. Arrumaram outro relógio, que marcava 23h55m. À meia-noite e cinco desse segundo relógio — dez minutos depois do fim do mundo, portanto — o grupo se entreolhou estarrecido: será que os alienígenas os haviam esquecido? E a inundação que se aproximava? Todos encaram Dorothy, à espera de uma resposta. E Dorothy os encarou de volta, enigmática e silenciosa. Quatro horas depois, pressionada por tantos olhares, a profeta finalmente teve um acesso de choro. As lágrimas de Dorothy rolaram por 45 minutos. Finda a choradeira, ela constatou que os seus seguidores ainda estavam ali, à espera de um sinal. Foi então que Dorothy ergueu as mãos aos céus e apelou para a boa vontade divina... E os deuses astronautas, evidentemente, não a decepcionaram. Tomada por poderes sobrenaturais, Dorothy perdeu o controle sobre seu braço direito. A sua mão, em franca desobediência ao seu sistema nervoso central, rascunhou uma mensagem para lá de urgente. Finalmente, notícias de Clarion. Os seguidores de Dorothy se entreolharam, estarrecidos e aliviados. É que, desta feita, as notícias eram boas. Para espanto de todos, a mensagem recebida por Dorothy dava testemunho de que a fé dos ali presentes havia salvo a humanidade. Os deuses, impressionados com o fervor e a dedicação do grupo, haviam decidido cancelar o juízo final. E, sem juízo final, por que diabos os ETs enviariam um disco voador à Terra? Chegando a esta brilhante conclusão, os seguidores de Dorothy puderam dormir tranquilos, sem temer o apocalipse e sem perder a confiança que tinham na sua guia.)

Em seu pequeno livro, os três sociólogos americanos atribuíram a relutância dos seguidores de Dorothy em aceitar a realidade a um fenômeno psicológico denominado de dissonância cognitiva. Quando confrontados por fatos inegáveis que contradizem visões de mundo que defenderam publicamente, a esmagadora maioria dos grupos sociais prefere negar a verdade desses fatos a sofrer a vergonha de ter que reconhecer o erro que cometeram, mesmo que, para isso, precisem criar explicações alternativas absurdas.

Se a tese de “When Prophecy Fails” estiver correta, logo logo estaremos lendo em algumas seletas colunas de jornal e em textos divulgados em nossa melhores universidades que os depoimentos de Antonio Palocci, de Marcelo Odebrecht e de todas as demais testemunhas e delatores que relatam supostos crimes de Lula e do PT desde o mensalão não só foram obtidos sob tortura, como também foram induzidos telepaticamente pelos juízes Joaquim Barbosa e Sergio Moro. E que, obviamente, a mídia golpista retransmitiu as telepatias desses juízes nefastos por todo o país, o que explica a perda de popularidade do líder petista. É ou não é, camaradas?

Tchau, Janot - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 10/09

Lambança da delação de Joesley e companhia macula atuação de PGR e mina a Lava Jato


Há alguns meses escrevi uma coluna sobre como era difícil traçar uma linha condutora do comportamento de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria-Geral da República.

Aquele personagem tímido, quase secundário, que se encontrava fora da agenda com José Eduardo Cardozo e era alvo de desconfiança da força-tarefa de Curitiba se transmudou por ocasião da primeira lista do Janot, criou um grupo de trabalho que passou a se dedicar apenas aos processos de políticos com foro implicados na operação, afastou a fama de engavetador e teve seu ápice com a delação do núcleo da J&F, quando se transformou no arqueiro-geral da República.

A penúltima semana no cargo, no entanto, tratou de desconstruir essa última versão heroica de Janot. A lambança verificada justamente na mãe de todas as delações não macula apenas sua passagem pela chefia do Ministério Público Federal. Pior: constitui o maior ataque aos fundamentos da Lava Jato e fornece munição àqueles que tentam enfraquecê-la.

No afã de construir seu personagem heroico, Janot deixou enredar a si próprio, à instituição que comanda e ao próprio Supremo Tribunal Federal numa trama barata de filme de gângsteres do interior de Goiás.

As gravações de horas de conversas entre os desqualificados Joesley Batista e Ricardo Saud mostram a instrumentalização vulgar da delação premiada, um dos pilares para que a Lava Jato fosse um marco para mudar o histórico de impunidade de crimes de colarinho branco no Brasil.

Assim como engolfaram todo o mercado de proteína animal no Brasil à custa de subsídios generosos e propinas fartas, Joesley et caterva viram uma forma de amalgamar todos os benefícios das delações feitas antes deles fornecendo a Janot sua “joia da Coroa”: uma colaboração que atingisse em cheio o Executivo e o Judiciário, uma vez que o Legislativo já estaria f..., como eles dizem numa das muitas passagens memoráveis da conversa.

Assim foi armada, com a ajuda valiosa de Marcelo Miller, um dos mais destacados integrantes do GT do Janot, a delação que atingiu Michel Temer em cheio e que pretendia fazer também um strike no STF, o que não foi adiante porque o modus operandi que valeu com o presidente não foi capaz de enredar a “isca” escolhida, o ex-ministro José Eduardo Cardozo.

Não adianta Janot correr para denunciar Temer, Lula, Dilma, o PMDB do Senado, Miller, Joesley e a torcida do Flamengo nessa reta final, numa luta desesperada contra o tempo que ainda lhe resta no cargo. A gravidade de o acordo com os irmãos Batista e sua quadrilha ter sido fechado nos termos em que foi, e nas condições de bastidores agora reveladas, macula de forma inexorável seu mandato.

Denúncias apresentadas em cima do laço, nessas circunstâncias em que não é de todo irrazoável suspeitar que ele próprio tivesse algum nível de conhecimento das urdiduras entre Miller e a J&F – os diálogos dão a entender que sim em vários momentos – só servem para enfraquecer o Ministério Público e fornecer argumentos aos investigados de que são alvo de uma atuação política e de autossalvação do procurador-geral.

Melhor teria sido que ele dedicasse integralmente as semanas finais a esclarecer essa pantomima joesliana e deixasse a cargo de sua sucessora, Raquel Dodge, que terá mais legitimidade e menos questionamentos sobre seus ombros, a tarefa de concluir as denúncias nos muitos casos deixados em aberto ao longo de seu errático período à frente da instituição.

Lançar flechas a três por quatro, mirando alvos múltiplos, fez com que Janot acertasse não só o próprio pé, mas o coração da Lava Jato. Eis um legado que será bastante deletério para o País num momento crucial.