segunda-feira, agosto 12, 2019

Deltan e Onyx, o investigado de estimação. Ou: Será a honra ou a vergonha? REINALDO AZEVEDO

UOL - 12/08

O site The Intercept Brasil publicou no Twitter aquele que entendo ser o diálogo mais importante e mais devastador para a Lava Jato e para o Ministério Público Federal. É este:



Transcrevo para que possa ser passado adiante como texto também e explico o seu significado:

11 de abril de 2017

Fabio Oliveira – 21:30:21
– Viu que saiu o nome de Onyx na lista do Fachin hoje?
Deltan Dallagnol – 21:33:25 – Vi…(já sabia, mas tinha que fingir que não sabia, o que foi na verdade bom, rsrsrs)
Dallagnol – 21:33:41 – Não que não quisesse falar, mas se falasse seria até crime, rs.

Quem é Fábio Oliveira? É o líder de um troço chamado "Mude – Chega de Corrupção", criado para defender as tais "10 Medidas de Combate à Corrupção", inventadas por Dallagnol. O coordenador da Lava Jato chegou a atuar, como informa The Intercept Brasil, como diretor informal da entidade, instrumentalizada por ele depois para pressionar o Supremo.

O que é a tal "Lista de Fachin"? Em abril de 2017, o relator do petrolão no Supremo autorizou a abertura de inquéritos de um grupo grande de políticos que tinham direito a foro especial — entre eles, estava o então deputado Onyx Lorenzoni. No caso, ele foi citado por um delator da Odebrecht pelo suposto recebimento, em 2006, de R$ 175 mil pelo caixa dois.

Qual é o contexto da conversa? Quando a Lava Jato apresentou as tais "10 Medidas Contra a Corrupção", na forma de projeto de lei de iniciativa popular — era tudo picaretagem: o texto era de Deltan —, Onyx foi escolhido pela Câmara como relator da matéria.

Já de olho no futuro, o deputado, hoje ministro da Casa Civil, se comportou como mero esbirro do Ministério Público Federal, condescendendo com todas as aberrações do texto, muito especialmente quatro propostas de cunho fascistoide: virtual fim do habeas corpus, teste de honestidade, admissão de provas ilegais em juízo e discricionariedade para prisões preventivas.

Quem estava trabalhando com Onyx por baixo dos panos? Como o diálogo deixa claro, lá estava o onipresente Dallagnol. Sim, esse inquérito contra o agora ministro foi arquivado em junho do ano passado. Mas Dallagnol não sabia, em abril de 2017, que isso aconteceria.

O fato é que Onyx estava na lista e que Dallagnol deixa claro saber da acusação, mas fez questão de se omitir porque, afinal, aquele era um investigado que servia a seus interesses. E outro não é o comportamento do tal Fábio Oliveira, não é mesmo? Notem o tom de deboche da resposta de procurador.

Ainda voltarei a Onyx daqui a pouco.

E AGORA?

O Conselho Nacional do Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República têm de decidir agora, não depois, como querem entrar para a história: como defensores da lei e da ordem democrática ou como chicaneiros que condescendem com bandalheira desde que seus protagonistas pertençam à corporação.

Vamos à questão de fundo? Temos de nos perguntar agora, não depois, se o Ministério Público pode continuar como um ente que a todos regula, investiga e submete, mas que, se não quiser, não é investigado por ninguém, regulado por ninguém, contido por ninguém.

Se o Ministério Público se oferece como o remédio da democracia, da lei e da ordem, quem remedeia os remédios? A pergunta é de Padre Vieira.

Quem vai ter a coragem de propor uma emenda constitucional que defina, com clareza, as funções do Ministério Público?

Quem vai ter a coragem de defender, enfim, a aprovação de uma lei que combata o abuso de autoridade dessa e de outras turmas?

Sim, esse inquérito acabou arquivado, mas é evidente que a condescendência de Dallagnol com Onyx nada tinha a ver com a existência ou não de provas da acusação feita pelo diretor da Odebrecht. O que ele está dizendo a seu interlocutor é o seguinte: "Nesse caso, fingi não ver nada porque não me interessa essa acusação; melhor ignorar; como se diz por aí, ele é meu parça".

Quando, no entanto, Deltan não gosta deste ou daquele, já vimos também, ele pode recorrer a métodos ilegais para submeter as pessoas a investigações também ilegais, a exemplo do que sugerem outros diálogos sobre os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

IMORALIDADE CONFESSA

Onyx já foi objeto de outras declarações imorais oriundas do lava-jatismo.

Também delatores da JBS dizem ter feito duas doações a ele, de R$ 100 mil cada. pelo caixa dois: uma em 2012 e outra em 2014. A primeira, o agora ministro admite e, ora vejam!, por ela pediu desculpas. Da outra, diz não se lembrar. Nesse caso, Fachin pediu a abertura de um procedimento preliminar a um inquérito.

Há uma história asquerosamente saborosa nesse caso. Indagado sobre a sua futura convivência com um colega de ministério que é investigado, Moro afirmou o seguinte em dezembro do ano passado, antes de assumir a pasta da Justiça:

"O que eu tenho, a presente, do ministro Onyx, e isso eu assisti de perto, foi o grande esforço que ele realizou para aprovar as dez medidas do Ministério Público, ocasião na qual ele foi abandonado pela grande maioria dos seus pares, por razões que não vêm aqui ao caso. Mas ele demonstrou naquela oportunidade o comprometimento pessoal, com custo político significativo, para a causa anticorrupção. Então, ele tem a minha confiança pessoal".

Entenderam? Para Dallagnol e Moro, existem "os nossos" (deles) investigados e os dos outros". A máxima da turma poderia ser resumida assim: "Para os nossos amigos, tudo, menos a lei; para os nossos inimigos, nada, nem a lei".

Curioso! Cravei essa frase para criticar os petistas quando o PT no poder parecia mais eterno do que os diamantes. Ela passou a servir de divisa para a lava-jatismo e o bolsonarismo.

Com a palavra, o Conselho Nacional do Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República.

Vai ser o quê? A honra a ou vergonha?

Chatos não vão à Lua - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/08

Quantas etnias e orientações sexuais teriam que estar no projeto Apollo millennial?


Vivemos num mundo de chatos. Basta você ver alguém fazer o pedido num restaurante para ver a chatice em ação nos detalhes da alimentação. E se o restaurante não tiver aquele prato especialmente saudável, com a última moda da nutrição vietnamita para pessoas espiritualizadas?

Mas, infelizmente, as coisas não são simples assim. Hoje em dia, nem achar algo idiota está livre de ser, em si, um ato idiota ou míope. O mundo é chato, inclusive, porque temos informação o suficiente para saber que ele é muito mais complicado do que pensava nossa vã filosofia.

Num excelente artigo escrito no LA Times, e replicado no Jerusalem Post, de Israel, no dia 21 de julho, assinado por Ralph Vartabedian e Samantha Masunaga, vemos um painel social, político, econômico e psicológico do que tornou possível Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisarem na Lua no dia 20 de julho de 1969. Este texto é um excelente ponto de partida para pensarmos em algumas coisas que mudaram muito dos anos 1960 para cá.

Alguns dos entrevistados, pessoas que estiveram envolvidas diretamente no projeto Apollo ou trabalham na Nasa hoje em dia, na sua maioria, acham que não conseguiríamos realizar o mesmo feito nos dias atuais.

Por quê? Resumindo o argumento: porque o mundo de agora, apesar de ter mais repertório técnico e tê-lo tornado mais barato do que então, não tolera riscos, gestões violentas ou úlceras e ataques cardíacos “em nome de uma boa causa”. Além de não vivermos mais a Guerra Fria nem termos a União Soviética ameaçando a hegemonia americana. Pensemos a partir do artigo em algumas fronteiras do argumento em questão.

O enorme investimento econômico realizado dependia, por exemplo, de um grau de confiança nas pessoas que já não temos: não confiamos em ninguém.

Essa confiança aparecia na parceria entre políticos dos partidos democrata e republicano, hoje inexistente em consequência da polarização político-ideológica; na relação entre governo e iniciativa privada, atualmente refém de uma enorme burocracia; na opinião pública, agora enraivecida nas mídias sociais e infernalmente volátil.

Mas a confiança também existia nos vínculos profissionais: jovens engenheiros desconhecidos recebiam responsabilidades gigantescas. Nos dias de hoje, os jovens são millennials que querem apenas comida saudável, praias do Vietnã e patinetes.

Um millennial faria xixi na calça se dissessem a ele que um erro seu explodiria três homens num foguete, como ocorreu com a Apollo 1 em 27 de janeiro 1967. Ele diria que isso seria injusto com ele, millennial, afinal, tanta responsabilidade para uma pessoa assim, seria muito injusto!

Como afirma um dos entrevistados, hoje é muito mais difícil montar uma equipe de trabalho. O tipo de liderança que assimilava graus distintos de violência e coragem na tolerância dos riscos que realizou o projeto Apollo hoje morreria nas mãos de alguma polêmica politicamente correta. Quantas etnias e orientações sexuais teriam que integrar a elaboração de um projeto Apollo millennial?

O desaparecimento da confiança em nome do controle de riscos é um fato do mundo contemporâneo, seja na Nasa, nos relacionamentos afetivos, na geração de filhos ou nos campos do trabalho e da criação artística e conceitual. O mundo ficou, como diziam as avós, “amofinado”. Olhe no Google se você não sabe o que é.

Se pensarmos na tripulação morta na Apollo 1, formada por Gus Grissom, Edward White e Roger Chaffee, e no suicídio desesperado da esposa de Chaffee na sequência, num cenário atual, o projeto Apollo seria afogado na viralização de pessoas indignadas com o ocorrido.

Os líderes olhariam para suas redes sociais para decidir o que fazer. A tolerância para os riscos e erros era muito maior. Acusariam o projeto Apollo de machismo, seguramente. Famílias foram destruídas devido ao estresse e às horas de trabalho sem fim que toda a equipe envolvida experimentava no seu dia a dia. A solidão das esposas e dos filhos era enorme.

Talvez, a Lua não valesse aquela grana toda. Melhor investir no desaquecimento global do que na conquista espacial. Talvez o turismo espacial refaça as viagens lunares, quem sabe. Tem praia na Lua?

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

O clima da resistência - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 12/08

Noruega e Alemanha se interessam pela Amazônia porque estão investindo ali e precisam dar satisfação a seus contribuintes



Às vezes, tenho uma fantasia de deixar tudo por um tempo: escrever um livro numa pequena cidade costeira de Portugal ou me internar na Mata Atlântica, para fotografar bichos e plantas nas horas vagas. Apenas uma fantasia, fruto dos ásperos tempos em que vivemos. Não consigo deixar o Brasil, seguir as tramas, ainda que nem sempre on-line.

Entre outros, o tema que me preocupa é a política ambiental. Não especialmente as frases provocativas de Bolsonaro. Sei distinguir a retórica da realidade.

Nas últimas semanas, sinto crescer no governo, inclusive entre generais, uma forma de tratar a Amazônia com um tom nacionalista e até mesmo agressivo que, certamente, terá consequências.

A Noruega, no discurso desses setores militares, é a vilã do momento. O discurso do governo é de que a Noruega não pode criticar o Brasil, porque extrai petróleo no Ártico, mata baleias e uma empresa norueguesa provocou um desastre ambiental em Barcarena, no Pará.

Tudo isso é reação à tentativa da Noruega e da Alemanha de manterem o espírito do Fundo Amazônia, que financia projetos sustentáveis na região. Creio que está se perdendo o sentido do problema ambiental em escala planetária, que demanda muito mais a cooperação entre os países do que a troca de farpas.

A Noruega e a Alemanha se interessam pela Amazônia porque estão investindo ali e precisam dar satisfação aos seus contribuintes.

Num quadro tão delicado como o do aquecimento global, não se devem suprimir críticas entre países: existem canais próprios para isso. A tática de se defender apontando os erros dos outros não funciona. A França fez explosões nucleares na Polinésia, a Inglaterra caça raposas. Seria um processo interminável.

É uma tática que lembra o processo de corrupção no Brasil, onde os partidos atingidos lembravam sempre os erros dos outros. A tese é essa: se todos fazem, por que não fazer também?

Existe um grande interesse internacional pela Amazônia. Muitas pessoas são ligadas afetivamente à região porque a consideram vital para o planeta. Não há razão para ter ciúmes, mas sim tirar proveito dessa onda positiva.

Bolsonaro diz que a Amazônia é uma virgem que muitos querem violentar. Acrescentou que vai permitir o garimpo na região. Isso não me assusta tanto.

Nenhum governo conseguiu proibir ou mesmo fiscalizar o garimpo na Amazônia.

Se formos agora ao pequeno aeroporto de Laranjal do Jari, veremos os aviões chegando e partindo para o garimpo. Entrevistei um garimpeiro que já sofreu cinco desastres aéreos na floresta. Hoje é pastor, mas continua garimpando.

Bolsonaro afirmou que quer atrair empresas americanas para explorar minério na Amazônia. É um problema. Não porque sejam americanas. Poderiam ser japonesas, sul-africanas, não importa.

O modelo de desenvolvimento está em jogo. De fato, iniciativas sustentáveis ou mesmo formas pré-industriais de atividade econômica não representam uma saída única para a Amazônia.

No Brasil, e também nos Estados Unidos, a defesa do meio ambiente é associada à esquerda, a uma visão anticapitalista. Isso explica parcialmente a reação agressiva de Bolsonaro. No discurso da extrema direita, o aquecimento global é uma invenção marxista; os dados do desmatamento, uma armação contra o Brasil.

No entanto, é possível discutir uma saída dentro do capitalismo para a Amazônia, confrontando duas linhas. Uma delas é usar o conhecimento e a biotecnologia para manter e valorizar a floresta em pé. A outra é enfatizar o lado tradicional da economia, com mineração intensa, criação de gado, industrias.

Na verdade, não são totalmente excludentes. Mas a escolha da primeira linha como hegemônica tem a vantagem da sustentabilidade, recompensa o saber tradicional das comunidades.

O projeto amazônico de Bolsonaro, que parece ter ressonância nas Forcas Armadas, pode nos conduzir a um isolamento internacional, boicote de nossos produtos, uma derrota política e econômica.

Sem contar com o principal efeito negativo: a perda da biodiversidade, os reflexos no próprio clima. O agronegócio já percebeu a resistência externa a esta opção do governo. Por enquanto, teme a perda de mercado. Com o desmatamento, vai se dar conta da perda das chuvas.

Essa é uma das muitas razões para resistir.