sábado, junho 01, 2019

FLAMENGO: 50 anos do voo do urubu 💓 💓 💓

O GLOBO - 01/06

Saiba como quatro torcedores soltaram urubu no Maracanã e transformaram ave no mascote do Flamengo, há 50 anos


POR STÉFANO SALLES


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Urubu pousa no gramado do Maracanã em jogo contra o Botafogo, no dia 1 de junho de 1969 | Foto de arquivo/Agência O Globo





Até o dia 1° de junho de 1969, chamar um flamenguista de urubu era uma provocação com contornos de ofensa. Para boa parte dos rubro-negros, o apelido era um insulto racista sobre torcida. Tudo começou a mudar quando quatro jovens amigos, moradores do Leme, na Zona Sul do Rio, decidiram calar os críticos soltando um urubu no gramado do Maracanã, durante um clássico contra o Botafogo. A ave de rapina virou a sensação do confronto e trouxe sorte ao rubro-negro, que venceu por 2 a 1, quebrando um tabu de quatro anos sem vitórias sobre o rival.


O voo do urubu, que completa 50 anos neste sábado, começou a ser planejado bem antes daquela partida. Hoje, o episódio seria considerado crime ambiental. Urubus são animais silvestres e não podem ser retirados de seu habitat e nem muito menos sofrer maus tratos. Mas, na época, com idades entre 18 e 20 anos, os amigos Victor Ellery, Romilson Meirelles, Luiz Octávio Vaz e Erick Soledade não pensaram nessas questões. Eles estavam decididos a capturar um urubu e soltá-lo no Maracanã. De início, eles foram até a Lagoa Rodrigo de Freitas, numa tarde de sexta-feira, mas não encontraram sequer um exemplar da espécie:


Luiz Octávio, Victor e Romilson, 50 anos após soltar o urubu no Maracanã, em 1969 | Foto de acervo pessoal



— Naquela hora, não tinha nenhum urubu ali perto dos clubes Caiçara e Piraquê. Então, decidimos ir ao lixão, no Caju, mas era tarde e não pudemos entrar. Disseram para voltarmos no dia seguinte — lembra Vaz.

Pela manhã, com Meirelles como motorista, o quarteto voltou ao local e encontrou vários urubus. Mas, novamente, não conseguiram capturar um animal e decidiram, então, pedir ajuda.

— Oferecemos um valor para quem capturasse um urubu pra gente, algo como uns R$ 50 hoje. Deu até briga. Um gari fez um laço e conseguiu trazer um urubu. Nós o enrolamos em uma espécie de manta e o levamos para o carro — explica Ellery.

O quarteto rubro-negro voltava para casa com o senso de dever cumprido, mas foi surpreendido como em um contra-ataque do adversário. Com o carro parado em um sinal da Avenida Brasil (sim, havia semáforos ali), o urubu se soltou da manta, o que imediatamente instaurou o caos no veículo:

— Foi um desespero total. Eu estava dirigindo abaixado (pausa para risos). Depois de muito custo, conseguimos imobilizá-lo. Levei algumas bicadas, e os outros três foram buscar uma sacola para colocar o urubu. Deve ter sido rápido, mas fiquei sozinho com ele dentro do carro, esse tempo me pareceu uma eternidade — lembra Meirelles.

O urubu passou a noite em um prédio, no Leme, com a cabeça imobilizada para não bicar ninguém. Mesmo debilitado, o animal recusou o cardápio nada adequado oferecido pelo quarteto: macarrão ou feijão com arroz. O jejum seria apenas mais uma das provações a que a ave seria submetida. No dia do jogo, o quarteto amarrou uma bandeira do Flamengo nas patas do animal, com suporte de bambu, e o animal entraria no estádio dentro de uma sacola, que estava enrolada numa faixa.


Na edição do dia três de junho. O GLOBO mostra o urubu morto | Reprodução


A REDENÇÃO DO URUBU

Soltar um urubu em pleno Maracanã, com uma bandeira do Flamengo foi, para o quarteto, um ato de desforra que alcançou proporções inimagináveis. Até aquele momento, o mascote do Flamengo era o marinheiro Popeye, uma herança do remo, esporte que deu origem ao clube. Já no dia seguinte ao jogo, o GLOBO trazia a notícia: "Urubu pousa na sorte do Botafogo". O marinheiro Popeye logo foi trocado pelo animal pelo cartunista Henfil, que humanizou o personagem nas páginas do “Jornal dos Sports”. Coordenador de Patrimônio Histórico do Flamengo, Bruno Lucena vê mais uma razão para a rápida aceitação do urubu:

— Aconteceu em um momento propício, porque estávamos em meio à ditadura, em uma época de substituição de símbolos por elementos nacionais, e o Popeye era um personagem americano — explica.

Retirado da sacola, o urubu, uma fêmea, ainda estava atônito quando o quarteto decidiu soltá-lo. Voou sobre a torcida do Botafogo, que, surpresa, não reagiu. A do Flamengo vibrava, gritando “É urubu, é urubu!”, até que o animal pousou no gramado, onde se tornou a estrela do clássico. A ave ofuscou a estreia do atacante argentino Doval, o Diabo Loiro, contratado junto ao San Lorenzo, da Argentina, como estrela da temporada.

Erick Soledade sente que o trabalho do grupo é confundido por causa do desenho de Henfil. Para ele, muitos torcedores desconhecem a ação do quarteto e acreditam que o traço do cartunista ressignificou o urubu como novo mascote do Flamengo.

— Os desenhos dele ficaram eternizados nas páginas dos jornais, mas foram reflexo da nossa ação, e isso muita gente não sabe, o que acaba tirando o nosso reconhecimento — avalia.


Do meio da área, o urubu rubro-negro observava a movimentação no gramado: roubou a cena | Agência O Globo


O ADEUS DA AVE

Se o urubu rubro-negro completa 50 anos de adoção pela torcida neste sábado, a ave que deu origem à escolha teve vida bem mais breve. Dois dias depois do jogo, O GLOBO noticiava: “Urubu que a torcida elegeu não teve sorte: morreu de fome”. O animal foi encontrado pela equipe de reportagem morto no fosso do estádio. Já tinha sido removido do banheiro, onde foi encontrado por funcionários da Administração dos Estádios do Estado da Guanabara (ADEG). A necropsia feita por uma veterinária do Zoológico apontou que o animal morrera de inanição.

“Quem realmente ficou triste foram os serventes do Maracanã, que ontem faziam a limpeza do estádio. Quase todos são torcedores do Flamengo, e gostariam que o novo símbolo da torcida ficasse vivo, para ser solto em triunfo diante da sede da Gávea, se o clube for campeão”, dizia o texto.

No domingo seguinte, outro grupo de torcedores levou um urubu para o Maracanã, durante uma partida contra o Vasco. O animal foi novamente festejado pela torcida ao pisar no gramado, consolidando sua espécie como mascote do rubro-negro.

Para festejar a data do primeiro voo no Maracanã, o Flamengo informou que prepara duas ações surpresa. A primeira, neste sábado, no jogo válido pelo Campeonato Brasileiro contra o Fortaleza, no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio, e na segunda ação na quarta-feira, contra o Corinthians, no Maracanã, em partida válida pela Copa do Brasil. Além disso, uma empresa vai lançar uma camisa comemorativa dos 50 anos do urubu. Para posar para as fotos promocionais do produto, Vaz, Meirelles e Ellery se reuniram no Maracanã e relembraram aquele dia.


O jogador Guilherme corre na direção do urubu, no dia 8 de junho de 1969 | Foto de arquivo/Agência O GLOBO

Rescaldos - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA, edição nº 2637

O presidente Bolsonaro passou no teste da Avenida Paulista vista de cima. Talvez não houvesse tanta gente quanto na manifestação dos estudantes, mas havia o suficiente para reafirmar o bolsonarismo como força de rua. E eis-nos conduzidos, de manifestação a manifestação, ao vestíbulo do modo venezuelano de fazer política. Bolsonaro até cogitou de comparecer a um dos eventos, o que o enquadraria como perfeita réplica, pela direita, ao modelo consagrado por Maduro pela esquerda. Arrependeu-se a tempo. As bandeiras empunhadas pelos manifestantes, nas diversas cidades, traíam equívocos e contradições na superfície e um segredo mal escondido nas profundezas. O segredo é o desejo, acalentado pela franja lunática do bolsonarismo, de virar a mesa.

O ministro Paulo Guedes ficou animado. “Nunca vimos isso antes, o povo apoiando a reforma da Previdência”, disse. Alguns objetariam à qualificação de “povo” para o segmento visto nas ruas, de extração diferente da do Brasil trigueiro e inzoneiro, mas, vá lá, o ministro tem razão — deu-se o inimaginável de gente abalar-se a gritar por uma reforma carimbada na folha de rosto como impopular. Resta que, se os manifestantes eram a favor da reforma, por que escolheram como alvo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, amaldiçoado em todas as praças e premiado, em Copacabana, com um pixuleco? Maia é, entre os políticos, o mais insistente e articulado defensor da reforma da Previdência. Quem é contra é Bolsonaro, cujo último torpedo, no afã de inviabilizá-la, foi a revelação, com um sorriso alvar, como se descobrisse a pólvora, de um plano de cobrar taxas para atualizar o valor dos imóveis e com isso arrecadar o trilhão de reais sonhado por Guedes com a reforma.

A franja lunática passou os últimos dias em silêncio. Seu mentor, o bruxo Olavo de Carvalho, disse que não mais se manifestaria sobre a política brasileira. Os filhos do presidente se contiveram. Os ministros da Educação e das Relações Exteriores nos pouparam das intervenções, belicosas ou cômicas, que os distinguem. Pode ser um recuo, pode ser uma retirada tática. Bolsonaro postou, às vésperas das manifestações, texto que denunciava as instituições como empecilhos a suas sãs intenções e um vídeo em que um pastor congolês o aclamava como escolhido de Deus. Depois das manifestações, amigável, convocou os chefes dos demais poderes a um café da manhã no Alvorada e lhes propôs um “pacto pelo Brasil”. Tudo somado, estamos diante de um festival de despistes, de acobertamentos de secretas intenções, das calmarias que antecedem as tempestades — ou da barafunda característica de uma Presidência sem rumo?


Estamos diante de um festival de despistes ou da barafunda de uma Presidência sem rumo?


A luta contra a corrupção expressou-se, nas manifestações, pelo protesto contra a retirada do Coaf das mãos do ministro Sergio Moro. Haveria, no noticiário recente, outros casos contra os quais protestar. Por exemplo, a revelação de que Fabrício Queiroz, o desaparecido faz-tudo da família Bolsonaro, pagou em dinheiro vivo os 133 600 reais que lhe custou a cirurgia de câncer no hospital Albert Einstein. Ou as transações imobiliárias em série — seriam 37, segundo as últimas contas do Ministério Público do Rio de Janeiro — que propiciaram lucros expressivos ao senador Flávio Bolsonaro.

O “pacto pelo Brasil” discutido no Alvorada selaria o apoio conjunto dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a causas prioritárias como a reforma previdenciária e o combate à criminalidade. Impossível acreditar que as assinaturas dos presidentes da Câmara e do Senado decretariam o alinhamento automático de casas caracterizadas, por natureza, pelo debate e pelo conflito. Ilógico imaginar que a assinatura do presidente do Supremo Tribunal Federal arraste o conjunto dos ministros a endossar de antemão matérias passíveis de vir a ser levadas a julgamento. De duas uma: ou o Planalto tenta atrair Congresso e STF a uma missão impossível, para depois acusá-los de boicotar seus esforços para salvar o Brasil, ou o tal pacto não passaria daquilo que o elegante inglês cunhado no Brasil apelidou de “embromation”.

Consta ter sido o ministro Toffoli o primeiro a aventar a ideia de um pacto. O ministro erra de alvo ao não dirigi-­lo ao interior do próprio tribunal. Está mais do que na hora de o STF, tão acossado quanto o Congresso pela sanha do bolsonarismo, proteger seus flancos. Um pacto que incluísse itens como restringir as decisões monocráticas, impedir pedidos de vista que se eternizam e apressar os julgamentos de políticos seria um primeiro passo. Mas como pactuar numa casa em que as brigas atingiram tal nível que uns não falam com outros?

Bolsonaro e a democracia - MARCO ANTONIO VILLA

REVISTA ISTO É


Em vez de demonizar o Congresso e qualquer diálogo político, o presidente deveria batalhar pelos projetos que seu próprio governo defende


A manifestação de 26 de maio não alterou em nada a situação política. Permanece a tensão entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional. Houve um discreto apoio oficial aos atos, mas sem a participação direta do presidente da República. Se o objetivo era o de emparedar o Congresso, acabou fracassando. As ruas não ficaram tomadas pelo povo, como nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff.

A questão central é a governabilidade. Algo que não será resolvido com os apoiadores de Jair Bolsonaro nas ruas. Se nada mudou, então o governo perdeu. Ficou demonstrado que o apoio popular está menor do que estimado. Pode ser que o presidente tenha caído na armadilha das redes sociais. O mundo virtual não é o melhor conselheiro político. E mais: robôs não fazem história.

O Palácio do Planalto padece de um déficit de democracia. As constantes diatribes de Bolsonaro contra o funcionamento do Congresso reforçam o seu desinteresse pela negociação política, essência da democracia. A demonização dos partidos e das principais lideranças políticas do Parlamento compõe o receituário. Nesses cinco meses de presidência, ele não deu nenhum sinal real de que pretende conviver com a independência dos poderes. É provável que até desconheça o funcionamento de cada poder consagrado na Constituição, apesar de ter permanecido 28 anos na Câmara dos Deputados.

O governo não conseguiu apresentar um conjunto de medidas que possam conduzir o País à recuperação econômica. O discurso monocórdio de que tudo passa milagrosamente pela Reforma da Previdência produz uma narrativa de que, a partir da sua aprovação, o Brasil vai entrar numa rota de crescimento econômico em ritmo chinês. Que o capital estrangeiro vai afluir aos bilhões de dólares. É uma falácia. São necessárias diversas ações no campo macroeconômico, devidamente articuladas dentro de um amplo projeto nacional, a fim de criar as condições para que o País saia da crise criada a partir do início do segundo governo Dilma. Isso não vai ocorrer espontaneamente, mas será produto de uma ação governamental responsável.

E ao Presidente da República, o que caberia fazer? Coordenar os esforços para que o Brasil tenha um rumo seguro. Para tanto, necessitaria ter ciência dos principais projetos. Bolsonaro deveria entusiasmar o País. Viajar, inaugurar obras, discursar apresentando as ações governamentais e dialogar com os setores políticos.

Jegue Kelly! O Ignorante do MEC! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 01/06

O ministro cortou verbas da Educação pro país ficar tão ignorante quanto ele!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento do dia: “O Brasil não precisa nem de extrema esquerda nem de extrema direita, precisa de extrema unção!” Tira o tubo! Rarará!

“Ministro da Educação grava vídeo de guarda-chuva ao som de ‘Cantando na Chuva’!” Imitação de Gene Kelly em “Singing in the Rain”. E o chargista Reuvar: JEGUE KELLY! Jegue Kelly in Golden Rain! Rarará! ​Show de calouros! Parecia vídeo que esse povo louco grava pra participar do “BBB”! E ainda erra no português: “Haviam emendas”. ANTAlógico!

Por isso que ele cortou verbas da educação: pro país ficar tão ignorante quanto ele! O INGUINORANTE DO MEC! Rarará! Eu acho que ele é inimigo infiltrado!

E o plano de saúde do Queiroz é o Miliciamed! Rarará!

E o Bozo não vai fazer piada de japonês com o pibinho do Guedes? Bolsonaro e Guedes no elevador: “Guedes, você soltou um pum?”. “Não, foi só um pibinho.” Rarará! PIB: Pobreza Individual do Brasileiro. E na casa de uma amiga minha, PIB é Pinto Indo pro Brejo! Rarará!

“Damares diz que o Bob Esponja é gay e namora o Patrick!” Só porque ele veste rosa? Doidamares já disse que a Elsa de “Frozen” é lésbica e o Bob Esponja é gay! Não vai sobrar um desenho hétero? E o apelido dela é MENINISTRA! Não cresceu!

E o Flávio pediu um habeas artamentus! E sabe o que o Bozo falou do Flávio? “Ele não é meu filho, ele é filho do Lula!” Rarará! E o Lula recebeu uma carta do papa. É lindo, mas não adianta nada. O Papa é Supremo Pontífice, mas não é o presidente do Supremo. Esse Papa vai entrar na Lava Jato! Rarará!

Bolsonaro, Maia e Toffoli anunciam o Pacto dos Três Poderes. Ops, dos TRÊS FODERES! Rarará! E o chargista Son Salvador revela como foi o pacto. Bolsonaro: “Vamos fazer um pacto”. Toffoli: “Eu prefiro lagosta”. E o Maia: “Eu como os dois: o pacto e a lagosta”. Rarará!

Melhores faixas do Ato dos Estudantes! “Ministro deixa de show! Você não é a Xuxa”. “Corta da Educação, mas não cobra o Pai do Neymar e o Veio da Havan!”. “Cadê o Queiroz?”. “Nossas expectativas já eram baixas, mas puta merda”. Rarará! O Bolsonaro tá cutucando onça com vara curta: estudantes!

Nóis sofre mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Educação, o álibi - GUILHERME FIUZA

GAZETA DO POVO - PR - 01/06

E o mistério permanece: as manifestações em defesa da educação, que voltaram a acontecer, ofereceram um variado cardápio que foi de Lula livre a agressão de jornalista. Teve algumas fogueiras também. Isso talvez tenha sido uma homenagem ao incêndio do Museu Nacional, destruído pela incúria da UFRJ – instituição altamente partidarizada ao longo dos anos, portanto um evidente modelo educacional.

Quando você vê na rua militantes do PT, da CUT, do PSOL e cia, você tem certeza de que a luta é mesmo pela educação. Vale o esclarecimento aos que estão chegando agora ao Brasil: educação, no caso, significa uma plantação de cabides para pendurar sindicalistas e parasitas associados do setor de ensino, movimento muito bem sucedido neste século. Claro que salas de aula por todo o país viraram palanque de autoperpetuação dessa classe unida e gulosa, mas isso nunca foi um problema para os que estão gritando que a democracia está em risco.

Aquela grita do primeiro mortadelaço, quer dizer, do primeiro protesto contra o massacre das verbas da educação não foi ouvida com a mesma dramaticidade no segundo mortadelaç… no segundo protesto. Depois que circularam uns 200 gráficos mostrando que não se tratava de corte, mas de um contingenciamento (contenção) igualzinho aos dos outros governos – incluindo os dos intelectuais Lula da Silva e Dilma Rousseff – esse refrão perdeu um pouco do apelo.

Mas todo mundo sabe que a educação só seria realmente bem gerida num governo Haddad – não apenas pela sólida formação recebida diretamente do decano na cela da Polícia Federal, como porque já transcorreu um bom tempo desde que ele não conseguia aplicar direito uma única prova do Enem (tricampeão de fraudes), e a turma da resistência democrática acredita no aprendizado. Dava para ver nos olhares inconformados dos manifestantes o desejo explícito de que a educação brasileira estivesse neste momento nas mãos de um suplente de presidiário – que até já estivera à frente do MEC e aproveitara para ensinar os brasileiros a escrever “nós pega o peixe”.

Na Presidência da República, possivelmente teria a chance de voltar a conjugar, com o notório saber acadêmico do seu partido, o “nós pega a grana”. Entendeu agora os gritos de Lula livre nas passeatas pela educação?

O que mais surpreendeu nesse show de civismo e valorização do conhecimento foi a postura dos fiscais de passeata. É uma categoria nova, muito operativa e sagaz, que faz uma espécie de meteorologia política. Assim como os responsáveis pela previsão do tempo, que alertam para o risco de grandes tempestades, os fiscais de passeata advertem sobre o risco de autoritarismo na convocação de uma manifestação de rua. Para o ato de 26 de maio, por exemplo, cuja pauta era o apoio às reformas econômicas e da Previdência, os meteorologistas cívicos previram nuvens negras: uma onda fascista se aproximava sob a superfície verde e amarela.

A manifestação transcorreu em paz no país inteiro, concentrada na pauta que a convocara e sem sinais de pregação boçal ou exortação antidemocrática, mas a semente do fascismo devia estar muito bem escondida debaixo de algum chapelão daqueles, porque fiscal de passeata não erra.

Já para o mortadelaço, quer dizer, o ato pela educação, a meteorologia cívica não soltou qualquer boletim prévio. Os sensores e mapas dos fiscais deviam estar apontando só tempo bom e democracia radiante, porque não se ouviu um único alerta como aqueles todos que antecederam o domingo 26. As fogueiras, as hostilidades à imprensa e a defesa ostensiva de criminosos condenados que se viram no mortadel… ato pela educação devem ter sido só uma brincadeira do pessoal irreverente que tirou folga do trabalho e da escola naquela quinta-feira, porque os fiscais de passeata não erram.

Fica combinado assim: quem quiser saber as sutis diferenças semânticas entre educação, politicagem, democracia e vadiagem, procure o fiscal de passeata mais próximo. Ele certamente saberá ajudar."

Bolsonaro volta a defender privatizações: aplausos para o presidente! - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR - 01/06
Em entrevista exclusiva a VEJA, de duas horas, o presidente Jair Bolsonaro falou com o diretor de redação, Mauricio Lima, e o redator-chefe Policarpo Junior sobre as reformas propostas por seu governo, a possibilidade de reeleição, os filhos, o amigo enrolado Fabrício Queiroz, o guru Olavo de Carvalho, as trapalhadas de ministros, Lula, o PT, sabotagens, tuitadas e o atentado que sofreu durante a campanha, tema que, ao ser invocado, mudou completamente o ritmo da conversa, a fisionomia e o humor do presidente.

Em uma das respostas, declarou que já deu o “sinal verde” para a privatização dos Correios. Bolsonaro considera que os governos do PT destruíram a empresa e não há outra saída. Mais: afirma que outras estatais terão o mesmo caminho. Parece que a EBC, dona da TV Brasil, poderia entrar finalmente na lista de privatizáveis, o que foi promessa de campanha de Bolsonaro, mas que alguns no governo já enxergam como instrumento apetitoso para financiar militância engajada.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que a extinção da Empresa Brasil de Comunicação está decidida. Em entrevista na madrugada desta sexta-feira ao apresentador Danilo Gentili, do SBT, Bolsonaro disse que o secretário de Privatizações, Salim Mattar, está cuidando do processo que poderá colocar fim ao conglomerado estatal de TV, rádio e agência de notícias. A ideia fez parte da campanha do então candidato à Presidência.

Recentemente, o secretário de Desestatização e de Desinvestimento, Salim Mattar, calculou em R$ 21,5 bilhões o prejuízo das empresas estatais dependentes do Tesouro Nacional neste ano. São 18 empresas federais, como Embrapa (de pesquisa agropecuária) e Inbel (de armamentos), que não geram recursos para se autofinanciarem e dependem da União para supri-las.

Bolsonaro foi eleito tendo o liberal Paulo Guedes como seu “posto Ipiranga”, e com um discurso privatista. Espera-se que ele realmente avance com essa pauta. Não faz sentido o estado ser empresário e banqueiro. Sabemos, com realismo, que não vai tudo ser vendido de um vez, e que haverá forte resistência não só dos grupos de interesse, mas do Judiciário, como vimos na venda de ativos da Petrobras esta semana. Mas é preciso seguir em frente. Privatize Já!

Rodrigo Constantino

"A melhor maneira de criminalizar a homofobia - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

Gazeta do Povo - PR - 01/06

No dia 13 de junho, o Supremo Tribunal Federal deverá retomar e, provavelmente, concluir o julgamento do Mandado de Injunção 4.733 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, ambos destinados a criminalizar a homofobia. Um julgamento, aliás, que nem deveria ter continuado, já que tramita no Senado o Projeto de Lei 672/2019, aprovado em primeira votação na Comissão de Constituição e Justiça da casa; a segunda votação deve ocorrer na próxima semana, após novas emendas terem sido protocoladas. Ou seja, a “omissão” que o Supremo tem enxergado como pretexto para avançar sobre as prerrogativas do Poder Legislativo não existe. O fato de a tramitação de leis ser, muitas vezes, um processo lento não autoriza o Judiciário a legislar, especialmente um Judiciário que também se especializou na lentidão.

Isso não significa, no entanto, que o projeto em análise no Senado seja bom – na verdade, está muito longe de sê-lo. A versão mais recente, o substitutivo do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), comete o erro de fundo que já comentamos extensivamente em março deste ano, após os quatro primeiros votos proferidos no STF: o de simplesmente inserir a homofobia dentro da Lei do Racismo (7.716/89), criando uma situação sem precedentes na história da liberdade de expressão no país.

O grande problema da equiparação pura e simples é ignorar a diferença entre agredir uma pessoa por ela ser quem é – o caso do racismo e de vários atos de homofobia – e criticar o seu comportamento, ainda que se trate de uma crítica infundada. Além de combater o preconceito e a violência contra os indivíduos homossexuais ou transexuais, essa equiparação ainda estabeleceria um tipo de “crime de opinião” que inexiste em democracias sérias. Mesmo que algumas das emendas apresentadas ao substitutivo atenuem parte dos efeitos daninhos dessa equiparação, o vício original persiste, e por isso não temos como considerar aceitável uma criminalização da homofobia realizada nestes termos.


É preciso punir o preconceito real, mas preservar o debate democrático sobre comportamentos


Mas, se o preconceito e a violência contra a população LGBT precisam ser devidamente coibidos e punidos, como fazê-lo de forma correta, sem que no processo acabem atropeladas liberdades básicas, como a de expressão e a religiosa? Tendo oferecido a crítica à maneira como Supremo (e, agora, o Senado) vem tentando lidar com o tema, propomo-nos, agora, a oferecer uma contribuição ao debate legislativo.

Em primeiro lugar, é óbvio que uma criminalização da homofobia precisa envolver os crimes mais graves cometidos contra a população LGBT. Assim como ocorreu com o feminicídio, é perfeitamente razoável que o Código Penal seja emendado para aumentar a punição no caso de crimes motivados única e exclusivamente pela condição da vítima homossexual ou transexual. A inserção de agravantes nos crimes de homicídio, lesão corporal e injúria contemplaria essa situação. Também poderia ser considerada a introdução de uma agravante no artigo 286, que trata da incitação ao crime, quando houver o estímulo a agressões contra homossexuais motivadas por sua orientação sexual.

E, por mais que consideremos inadequada a simples inserção da homofobia na Lei do Racismo, há, sim, dispositivos da Lei 7.716 que poderiam ser aproveitados em uma segunda parte de uma eventual “Lei da Homofobia”. Faz sentido que sejam punidas atitudes como a de negar matrículas, emprego, ou recusar atendimento em estabelecimentos pelo simples fato de alguém ser homossexual ou transexual. São ações de discriminação que não têm lugar em uma sociedade civilizada e pautada na tolerância.

Mas, uma vez estabelecido o que são os crimes de homofobia, um bom projeto de lei sobre o tema também deve definir com muita precisão as condutas que não são crime, para salvaguardar as liberdades de expressão e religiosa. Para bem entender tais salvaguardas, temos de recuperar a diferenciação necessária entre o ataque “ontológico” a uma pessoa com a inclinação homossexual e a crítica a um comportamento, um ato livre realizado por essa pessoa.

Boa parte do debate sobre a inadequação do PL 672/2019 tem se centrado apenas na proteção do discurso religioso, mas este é um recorte incompleto. Há diversas considerações que envolvem este tema e que prescindem de conotação religiosa, baseando-se em argumentos filosóficos, antropológicos ou biológicos – independentemente do acerto ou não desses argumentos. Por isso, uma crítica à equiparação da união homoafetiva ao casamento, ou à participação de atletas transexuais em competições femininas, para ficar apenas em alguns casos, tem de ser protegida porque sua classificação como “discurso de ódio” viola, em primeiro lugar, a liberdade de expressão – e só depois a liberdade religiosa, naqueles casos em que a crítica tem viés religioso, baseando-se, por exemplo, em textos sagrados ou dogmas de alguma crença.

A distinção feita acima exige, também, que os prestadores de serviço tenham garantido o seu direito à objeção de consciência diante de situações às quais se opõem, independentemente de concordarmos ou não com suas convicções. Do contrário, veremos a repetição, no Brasil, de casos ocorridos nos Estados Unidos, como o do confeiteiro Jack Phillips ou de Barronelle Stutzman, proprietária da floricultura Arlene’s Flowers. Ambos, cristãos, se recusaram a oferecer seus serviços para cerimônias de união homoafetiva e foram processados e punidos – a Suprema Corte reverteu a condenação de Phillips, mas não estabeleceu um precedente que proteja a objeção de consciência em novos casos.


Há uma diferença fundamental entre o ataque “ontológico” a uma pessoa com a inclinação homossexual e a crítica a um comportamento, um ato livre realizado por essa pessoa


Ressalte-se que, aqui, estamos falando apenas da prestação de serviços para atos dos quais se discorda; analogamente, podemos perfeitamente defender o direito de um confeiteiro ou fotógrafo de esquerda recusar um contrato para trabalhar, por exemplo, em uma festa de um partido político de direita em que o homenageado seria o presidente Jair Bolsonaro. Situação diferente seria a de negar o atendimento a um homossexual em qualquer outra circunstância – um bolo de aniversário ou um buquê para o Dia dos Namorados –, o que efetivamente configuraria preconceito. Aliás, nos dois casos em tela, é importante mencionar que a dupla que processou a Arlene’s Flowers tinha sido cliente da floricultura por nove anos sem nenhum problema, e que Phillips ofereceu bolos já prontos e que estavam à venda em sua confeitaria. Isso não os impediu de terem de responder à Justiça, uma perseguição que lideranças LGBT no Brasil já consideraram acertada por vê-la como um meio de “combate à discriminação”.

Agravantes para os casos de agressão, definição das situações que constituem preconceito, salvaguardas para que a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e a objeção de consciência não sejam aniquiladas: essas são as três linhas-mestras que deveriam orientar um bom projeto contra a homofobia, que pune o preconceito real enquanto permite o debate democrático sobre comportamentos, sem criar tabus e sem impor mordaças à sociedade."


Solução colonial para a Europa é tentadora, mas errada - RODRIGO ZEIDAN

FOLHA DE SP - 01/06

Grande dilema é como sobreviver e retomar a convergência num ambiente político fragmentado
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A União Europeia às vezes age como um poder colonial e imperial. Isso não significa que o maior projeto iluminista do Ocidente fracassou, mas é possível que a União Europeia esteja criando uma versão pós-moderna de um sistema colonial. E os europeus eram (são?) muito bons em gerenciar tal sistema.

A ideologia por trás da União Europeia é irretocável: integração crescente baseada na ideia de que todos os europeus são igualmente importantes. Essa ideologia tem uma expressão pragmática: convergência.

As estruturas políticas europeias foram desenhadas para equalizar o ordenamento jurídico, fiscal, comercial e burocrático, entre outros. Os sistemas de governança locais deveriam, ao longo do tempo, se adequar aos padrões pan-nacionais.

Esse processo ia muito bem até 2007. Ia tão bem que a Espanha chegou a fazer campanhas de marketing na América Latina por trabalhadores. Imigração era o futuro europeu.

E veio a crise financeira. A recessão foi desigual. Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha sofreram mais que a média. Países mais ricos, como Alemanha e Inglaterra, se recuperaram primeiro. E isso no meio da expansão europeia. Seriam os países periféricos, como Romênia, Grécia e Bulgária, as novas colônias?

A crise introduziu algo oposto à natureza do projeto europeu: divergência. A crise grega é o melhor exemplo. A depressão econômica no país, com desemprego chegando a 25%, criou um dilema: o que fazer quando membros vão muito mal? O sistema europeu não estava preparado, nem foi desenhado, para lidar com isso.

No final, jogou-se goela abaixo dos gregos um pacote de ajuda com condicionantes para reformar a economia do país (com seu histórico de governos incompetentes) e garantir a estabilidade da própria União Europeia.

Não deveria ter sido possível uma crise local desse tamanho. Na zona do euro, salários e preços deveriam convergir. Mas a divergência continua. É na crise grega que nasce o novo sistema de governança, com toques coloniais.

Parte do foco passou a ser sobrevivência a todo custo, com a burocracia em Bruxelas enquadrando os países dissidentes. Hoje, o governo que lidera a resistência antieuropeia é a Itália, onde a renda per capita ainda é menor que a de 2007. Nas eleições parlamentares europeias de domingo (26), havia medo de que partidos de extrema direita se tornassem mais proeminentes, o que não ocorreu muito.

Colonialismo pressupõe exploração (de produtos e pessoas), exportação de instituições e subserviência local. A União Europeia foi formada para criar condições de ganhos mútuos, com participação voluntária, mesmo que desigual.

Mas a expansão europeia foi em parte reação à Rússia de Putin e agora aos Estados Unidos de Trump. E há um claro exemplo de imperialismo contemporâneo, embora de um dissidente.

O brexit só aconteceu porque a Inglaterra não podia mais se comportar como metrópole: nós só queremos importar os nativos que considerarmos bem-comportados, nada de colônia querer nos mandar qualquer um.

As políticas europeias para os países que continuam divergindo, ou mesmo dentro dos países centrais, como os “coletes amarelos” na França, não é clara. É para colocar os gregos e italianos no seu lugar? Forçar Bulgária e Hungria a obedecer ao que vem de cima?

Hoje, o grande dilema europeu é como sobreviver e retomar o projeto de convergência num ambiente político muito mais fragmentado. A solução colonial é tentadora, mas errada.

Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

A reação do Congresso - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S. Paulo - 01/06

De forma involuntária, Bolsonaro pode ter feito um bem para a política



O presidente Jair Bolsonaro pode ter feito um bem muito grande ao Congresso quando optou por montar um Ministério livre das amarras das negociações partidárias que marcaram o presidencialismo de coalizão nas últimas décadas. Tal decisão, que parece ter nascido de um pagamento de promessa de Bolsonaro, segundo a qual não lotearia seu governo, e de uma ação politicamente egoísta, no estilo “eu ganhei a eleição, o governo é meu e não vou dividi-lo”, mexeu com os brios partidários.

Também fez o Congresso reagir a uma situação à qual estava acostumado e já havia se rendido, a de ser uma espécie de apêndice do Poder Executivo, carimbador de medidas provisórias editadas pelo presidente da República, alienado de suas próprias tarefas e, por consequência, preguiçoso. Em muitas situações, mas muitas mesmo, deputados e senadores preferiram negociar com o Palácio do Planalto uma medida provisória, que se transforma em lei assim que é editada, a apresentar um projeto de lei, esperar sua longa e cansativa tramitação, batalhar por ele no plenário e ainda correr o risco de sofrer uma derrota. Com a MP, basta fazer uma emenda contentando um determinado setor que a situação está resolvida. De forma rápida e prática.

Do governo de Fernando Henrique Cardoso (1998/2002) para cá, deputados e senadores transformaram-se numa espécie de despachantes de luxo de governadores, prefeitos, corporações e empresas em ministérios entregues aos partidos, portanto feudos próprios onde mandaram e desmandaram.

Assim, de forma involuntária, Bolsonaro deu um sacolejão no Congresso, nos partidos e na própria política. Os que lutaram para abocanhar um pedaço da Esplanada dos Ministérios ouviram seguidos nãos. Deixaram o gabinete presidencial com raiva e com um certo desejo de vingança. Aos poucos perceberam que, ou tomavam uma atitude, ou teriam a população contra eles, visto que as redes sociais, estimuladas pelo presidente e seu círculo mais íntimo, não paravam de atacá-los, a ponto de transformá-los no alvo das manifestações pró-governo do domingo passado.

O resultado dessa política adotada por Bolsonaro, de distanciamento do Congresso, é que hoje o que se ouve em qualquer roda parlamentar é que a saída para a Câmara e o Senado é se mostrar presente, ter uma agenda própria, assumir pautas que sejam importantes para o País, como a da reforma da Previdência e a reforma tributária. E que é preciso ganhar protagonismo com iniciativas positivas, que mostrem o Congresso trabalhando. Não é possível sobreviver sendo apenas o patinho feio da política, como costumam dizer.

Nesse sentido, o projeto alternativo de reforma da Previdência apresentado pelo PL (novo nome do PR, que substituiu o antigo PL e agora retoma a sigla original, mas sempre sob influência do ex-deputado Valdemar Costa Neto) é o retrato mais fiel da reação que o Congresso decidiu ter. E também uma forma que o Centrão, integrado, entre outros, pelo PL, encontrou para dizer ao governo que continua vivo e atuante, apesar dos desgastes que tem sofrido.

O projeto do governo para a reforma da Previdência prevê economia superior a R$ 1,2 trilhão em dez anos; o do PL, economia de R$ 600 bilhões no mesmo período, 50% a menos do que a equipe econômica previu. Pretende ser muito menos austero do que o do governo. Faz a reforma da Previdência, mas não mexe em aposentadorias especiais de professores nem na idade mínima para o trabalhador rural. Também não reduz as pensões pagas aos carentes, o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC). Permanece, portanto, dentro de uma agenda positiva dupla: busca o equilíbrio das contas do governo e preserva direitos de eleitores, principalmente dos mais pobres.

Mais Messias do que Jair - MIGUEL REALE JÚNIOR

O Estado de S. Paulo - 01/06

Estamos diante de novo surto sebastianista, com uma mistura de religião e política



Com impetuosidade, dom Sebastião levou tropas portuguesas sob seu comando a lutar contra os marroquinos, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, na qual grande parte da elite de Portugal morreu e o rei desapareceu. Com o vazio em sua sucessão ao trono português, impôs-se o domínio espanhol. Logo surgiu o imaginário de que dom Sebastião estava vivo, “encoberto”, e apareceria para salvar a nação, livrando-a do despotismo castelhano.

O Brasil viveu ao longo do tempo fenômenos similares circunscritos, mas referenciados, ao mito de dom Sebastião. Como dizem Edna da Silva Polese e Sérgio Fernandes de Lima, o sebastianismo atravessou fronteiras temporais e espaciais com o surgimento, em momentos de infelicidade e de perdas, da crença no aparecimento de um salvador, um restaurador da ordem e da justiça (Revista Letras v. 16, n.º 19;https://periodicos.utfpr.edu.br/rl e http://daofilho.blogspot.com/p/o-sebastianismo-no-romance-pedra-bonita).

José Lins do Rego e Ariano Suassuna bem contam nos romances Pedra Bonita e A Pedra do Reino o episódio ocorrido em Pernambuco em 1838, na Serra Formosa, ao lado de formação rochosa. João Antônio dos Santos e depois seu sucessor, João Ferreira, alardeavam que dom Sebastião, incrustado na pedra, voltaria para trazer a bem-aventurança. Para tanto a pedra deveria ser banhada de sangue, promovendo-se grande massacre.

Igualmente no início da República Antônio Conselheiro, beato que se instalara em Canudos, na Bahia, proclamava a volta de dom Sebastião. Este retornaria dos mortos para restaurar a monarquia no Brasil e transformar males em bem, o sofrimento em alegria, o injusto no justo, numa visão imaginária delirante, bem retratada por Euclides da Cunha ao lembrar trova de Canudos: “Garantidos pela lei Aquelles malvados estão, Nós temos a lei de Deus, Elles tem a lei de cão”.

O mito do sebastianismo ilude a vinda de figura heroica que se sacrifica, com risco da própria vida, para promover uma nova era, um modo purificador de realizar as coisas com justiça em rumo ao paraíso.

Collor já indicava a adesão à figura de um “cavaleiro do bem”, o caçador de marajás que instalaria o reino da correção em face da corrupção do governo Sarney. Mas não tardou a surgirem as denúncias de sua corrupção. E desde 2005 revelaram-se o aparelhamento do Estado e a disseminação da corrupção em favor de políticos dos principais partidos, que irresponsavelmente levaram ao desemprego e à recessão.

Larga desconfiança do sistema político se instalou no espírito de parcelas consideráveis da população. Em 2016, o impeachment necessário para estourar o tumor que gangrenava a Nação trouxe um presidente impopular, logo acusado de corrupção, não afastado do cargo graças à cooptação do Congresso.

Bem fervido o caldo de cultura propício ao surgimento ilusório de um salvador, que instalaria um novo modo de ser, uma figura messiânica que – sem o carisma de Jânio, Ademar, Getúlio – iria galvanizar o povo por trazer uma boa-nova, valendo-se de poucas palavras em modo inusitado de comunicação: as redes sociais. Candidato dos indignados contra o desmando dos governantes, Bolsonaro aparece no imaginário popular como redentor.

Sem carisma, Bolsonaro, vítima de facada da qual se salva “por obra divina”, apresentou-se como quem governaria sem as intermediações próprias do regime representativo, impondo sua vontade por força da pressão popular que arregimenta pelas redes sociais. Nada disse de concreto: apenas prometeu a redenção e nova forma de exercício da “democracia”, sem diálogo com o Parlamento, a ser demonizado se não o apoiasse. Inimigos, “traíras”, seriam e são todos os que neguem sustentação absoluta àquele que aí está para – alegadamente – salvar o País e promover a justiça e o bem.

É proclamado mito e exerce influência no imaginário popular de modo irracional, comovendo parcela da população que acredita ser ele o portador de fartura e honestidade. O que dele provier se presume estar certo: o espírito crítico não tem lugar em face do mito.

No último domingo viu-se exatamente isto: não existem erros do governo, que bate cabeça desde janeiro. Para os que acorreram às ruas, o mito está sempre correto. O governo tosco tem uma pauta moralista e armamentista para dar sensação de prover a segurança. O chamado projeto anticrime de anticrime só o nome tem, pois, seguramente, dali não decorrerá nenhuma prevenção ou redução da criminalidade. Mas o que importa é a idolatria do “submito”, Moro.

Estamos diante de um novo surto sebastianista, com mistura de religião e política. Essa vertente político-religiosa vem expressa na atitude e em cartazes deste domingo: populares gritavam “mito, mito, mito, meu capitão!” e faixas estampavam: “Congressistas deixem o mito trabalhar”. Manifestantes iniciaram o ato em Brasília rezando um Pai-Nosso, com a oradora pedindo a Deus para “ajudar o presidente a dizer não a esse tal Centrão e a dizer não ao STF” e terminando com a frase: “Viva Jair Messias Bolsonaro!”. Outro orador alertava: “Estamos travando uma guerra espiritual”. Mas assegurava: “Deus está do nosso lado”. Com o monopólio do certo, dizem: “Tem de o Congresso aceitar. Não existe essa de o Congresso fazer as pautas do Executivo”. Faixas tratam os representantes dos outros Poderes como traidores da Pátria, por dificultarem a “tarefa salvadora” do presidente.

Em culto pela manhã, Bolsonaro interpretou as passeatas como um recado aos que “teimam, com velhas práticas, em não deixar que esse povo se liberte”. Como em Canudos, podem o presidente e seus asseclas entoar: “Nós temos a lei de Deus, eles têm a lei de cão”.

Bolsonaro se faz mais Messias do que Jair, a gerar nos espíritos abertos ao debate, e à força da persuasão, o receio imenso de um futuro de uma só verdade, cuja contestação vira traição.

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

Conflitos republicanos - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 01/06
Se houver um evangélico com competência, que seja indicado, mas não por sua religião.



O presidente Jair Bolsonaro provocou mais uma polêmica ao insinuar que estaria na hora de nomear um ministro evangélico para o Supremo Tribunal Federal (STF). Mais uma vez ele confunde seu pensamento pessoal com as decisões de Estado.

Precisa se acostumar com o fato de que a opinião dele tem que refletir os anseios da sociedade e o interesse do Estado, e não há interesse em ter um evangélico no STF – nem evangélico, nem católico, nem de qualquer outra religião. 

Se houver um evangélico com competência, que seja indicado, mas não por sua religião. Já houve um ministro militante católico, Carlos Alberto Direito, nomeado por Lula. Que não foi nomeado por ser católico, mas por ser um brilhante jurista.
Lula também nomeou o primeiro ministro negro, Joaquim Barbosa, que tinha todas as qualidades acadêmicas para estar no Supremo e, com razão rejeitava a permanente insinuação do ex-presidente de que o nomeara por ser negro.

Barbosa transformou-se, depois de se aposentar, numa figura central nos embates políticos, por suas posições e seu comportamento como relator do mensalão. E só não foi candidato à presidência em 2018 porque não quis, convidado que foi por vários partidos.

Bolsonaro se referiu à possibilidade de indicar um evangélico para criticar a decisão do Supremo de transformar a homofobia em crime inafiançavel, como o racismo. O julgamento foi suspenso, mas existe uma maioria fixada, pois seis ministros já votaram a favor da criminalização. Bolsonaro reclamou: “Estão legislando”.

O ex-presidente do Supremo Ayres Brito, discorda. Diz que, a rigor, o Supremo não está legislando. Ele lembra que há decisões que, por autorização constitucional, têm efeitos que se aplicam a todos.

Ayres Brito explica, nesse caso: o inciso 41 do artigo 5 da Constituição define: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. O que fez o legislador diante desse comando?, pergunta Ayres Brito. “Nada, ficou silente durante 30 anos, desobedecendo ao comando constitucional”.

Para esses casos, lembra o ministro do STF aposentado, a Constituição tem a figura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) por omissão. Quando houver omissão legislativa, falta da norma regulamentadora, as partes podem entrar no Supremo com uma ADI.

O STF, constatando a omissão, preenche a lacuna, explica Ayres Brito. “Não fazendo uma lei, mas exarando uma decisão que vale enquanto o legislador não cumprir com o seu dever”.

Para tal, o STF, ressalta Brito, não criou uma nova legislação, mas utilizou-se de uma lei preexistente, decidindo aplicar o regime penal do racismo à homofobia, porque os direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Também o ministro Luis Roberto Barroso considera que é tarefa do Supremo proteger os direitos fundamentais. Em entrevista à Central da Globonews esta semana ele definiu o que considera ser o papel de uma Corte Constitucional: proteger os direitos fundamentais e a democracia.

“No exercício dessas duas funções, acho que os tribunais devem ser proativos”, afirmou Barroso, para acrescentar: “Em tudo o mais ele deve ser auto-contido. Em outros temas, o legislador deve definir”.

Ele, portanto, rejeita que o Supremo Tribunal Federal legisle substituindo o Congresso, e justifica a decisão de ampliar a possibilidade de aborto, tomada pelo STF com sua relatoria, alegando que o habeas corpus pedido por uma mulher que fora presa por estar numa clinica de aborto tinha que ser dado para proteger o direito da mulher de não continuar a gravidez quando decidir, “ uma profunda convicção pessoal” disse.

Antes de ser ministro, Barroso foi também o advogado da causa que permitiu o aborto de fetos anencéfalos por decisão do mesmo STF. Ele tem a convicção de que cabe aos ministros iluministas “empurrar a história”, nesse caso para atingir avanços comportamentais.

O que Barroso considera avanço, no entanto, desagrada aos evangélicos, e por isso Bolsonaro fez a crítica à decisão, insinuando colocar no STF um ministro sintonizado com esse pensamento conservador.

Mas não é preciso ser evangélico para ser contra o aborto. O ministro aposentado do STF Eros Grau, de esquerda, se posiciona contra com clareza: “Não há nenhuma dúvida, pois, a respeito do fato de que há, no aborto destruição da vida”.
É a tal ponto contra que já chamou de Herodes um colega seu que defendia o aborto.

Correção
O astro de "Cantando na chuva" é Gene Kelly, e não Fred Astaire como escrevi.

Nossa Moncloa de mentira - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 01/06

Partidos podem firmar pactos, pois representam seus eleitores; Poderes, não


O "pacto dos três Poderes" ensaiado por Toffoli, Rodrigo Maia eBolsonaro foi descrito como uma reedição dos pactos assinados no governo Lula, em 2004 e 2009. A interpretação apega-se à forma para ignorar a substância. Os pactos lulistas circunscreviam-se à criação do Conselho Nacional de Justiça e à reforma do Judiciário. Já o "Pacto pelo Brasil", nome cunhado no forno da novilíngua orwelliana, pretende reinventar a sociedade (reformas previdenciária e tributária) e o Estado (pacto federativo, administração pública e segurança pública). Seria a nossa versão da Moncloa: uma Moncloa ao avesso.

O Pacto da Moncloa —um acordo político e outro econômico, assinados em outubro de 1977— traçou o rumo da transição espanhola do franquismo à democracia parlamentar. Na foto histórica, estão os líderes dos partidos de direita (Manuel Fraga, da AP), centro-direita (Adolfo Suárez e Calvo-Sotelo, da UCD), centro-esquerda (Felipe González e outros), esquerda (Santiago Carrillo, do PCE) e dos autonomistas bascos e catalães. A reinvenção da Espanha, obra quase milagrosa, foi um pacto entre partidos, não entre Poderes. Sugiro aos três "pactuadores do Brasil" que estudem o evento do Palácio da Moncloa, uma aula magna sobre a arte da construção de consensos democráticos.

Os espanhóis fizeram uma grande transação. A economia herdada do franquismo, um capitalismo de Estado erguido sobre oligopólios, desfazia-se sob os golpes da inflação e do déficit público. As reformas modernizantes nas esferas fiscal e previdenciária envolveram a contenção temporária de aumentos salariais. Os social-democratas e comunistas aceitaram a pílula amarga em troca de reformas políticas que consagraram as liberdades de imprensa, associação e manifestação, além da criminalização da tortura e da despenalização do adultério. Na encruzilhada da reforma previdenciária, o Brasil teria transações significativas a realizar, se escolhesse inspirar-se na experiência da Espanha.

Partidos têm o direito de firmar pactos, pois representam seus eleitores. Poderes não têm esse direito, pois suas prerrogativas estão limitadas ao que prescreve a legislação. Maia nada pode assinar sem a anuência impossível do conjunto dos deputados. O caso de Toffoli é mais grave: sua mera presença numa reunião destinada a costurar acordos políticos indica uma disposição subversiva de submeter o Judiciário às conveniências do Executivo. Os ministros do Supremo fariam bem se proibissem ao presidente do tribunal a travessia da Praça dos Três Poderes.

O "Pacto pelo Brasil" é uma encenação tão pomposa quanto vulgar. Para decifrá-la, substitua o nome da pátria pelos de seus promotores. Bolsonaro, que não comanda nem mesmo seu partido, almeja terceirizar a responsabilidade de formação de uma maioria parlamentar pela reforma da Previdência. Maia tenta, apenas, desviar-se da mira dos canhões montados nas redes sociais olavo-bolsonaristas. Toffoli sonha galgar a posição de Moderador da República, aceitando trocá-la pela independência do STF.

O pacto espanhol de 1977 nasceu da necessidade de enterrar uma ditadura de quatro décadas. O esboço de pacto brasileiro emana de manifestações governistas que clamaram pelo fechamento do Congresso e do STF. A Moncloa deles orientava-se pela bússola da democracia; a nossa reaviva o discurso autoritário da "harmonia entre Poderes" para anular os contrapesos institucionais ao Executivo.

Na Espanha que rompia com o franquismo, as lideranças colocaram o interesse nacional acima dos interesses partidários. A Moncloa de verdade inaugurou a nação moderna, próspera, integrada à União Europeia. No Brasil que se recusa a avançar, a invocação do interesse nacional funciona como camuflagem de mesquinhos interesses pessoais. A Moncloa de mentira é só uma nota de rodapé na crise do bolsonarismo.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

A quem interessa a polarização? - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 01/06

O momento crítico que o Brasil vive demanda sobretudo serenidade e disposição para o diálogo. O País não pode se perder em disputas estéreis.


Do mesmo modo como as manifestações da semana passada em favor da reforma da Previdência e de outras propostas do governo não podem ser confundidas com o golpismo explícito de uma minoria estridente, os protestos da quinta-feira passada contra os cortes na Educação não podem ser vistos como um movimento capitaneado pelos petistas que ali estiveram. Em ambos os casos, pessoas comuns, sem vinculação partidária ou sindical, exerceram seu legítimo direito de manifestação, sem incidentes e vandalismo, sintoma de uma democracia saudável.

Contudo, os irresponsáveis não se dão por vencidos. Na passeata dos estudantes contra o governo, havia carros de som da Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT, além da presença dos conhecidos oportunistas dos movimentos de sem-terra e de sem-teto. Em Brasília, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, subiu num carro de som, prometeu mobilização permanente nas ruas e desafiou o presidente Jair Bolsonaro: “Nós não temos medo de você”.

Já o líder petista Rui Falcão celebrou a manifestação dos estudantes dizendo que “hoje é dia de Lula”, sem explicar exatamente o que os cortes na área de Educação têm a ver com o presidiário petista. Por fim, mas não menos significativo, o PT pegou carona nos protestos para lançar suas palavras de ordem contra a reforma da Previdência, numa descarada tentativa de sequestrar, para seus propósitos deletérios, o legítimo movimento dos estudantes e professores.

Enquanto isso, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, exercia aquela que parece ser sua principal habilidade — provocar protestos contra sua pasta e contra o governo. Depois de ter sido o responsável direto pelas expressivas manifestações do dia 15 passado, por ter dito que cortaria verbas de universidades que, em sua opinião, se dedicavam à “balbúrdia”, Weintraub advertiu os estudantes e professores que o Ministério da Educação (MEC) está atento àqueles que, segundo ele, estavam “coagindo os alunos” a participarem dos protestos contra o governo. E o titular da Educação foi além: em nota oficial, mandou dizer que “professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e estimular protestos durante o horário escolar” e que essa atitude deve ser denunciada ao MEC. Ou seja, o ministro da Educação acha que pode exigir que até mesmo os pais de alunos sejam proibidos de externar suas opiniões políticas, sob o argumento de que atrapalham a aula.

É óbvio que tal atitude provocará novas manifestações — tão óbvio que é natural presumir que seja exatamente isso o que o ministro Weintraub pretende.

Nesse ponto, portanto, os extremos se tocam e se alimentam reciprocamente. Para o PT, quanto mais o governo chamar para a briga, melhor, pois recoloca o partido em evidência depois das sovas eleitorais que sofreu em razão do profundo descrédito em que caiu, por ter sido o grande protagonista da crise política, econômica e moral que abalou o País; para o governo, ao que parece, quanto mais os petistas se assanharem, melhor, pois isso mantém vivo o inimigo criado para eleger o presidente Jair Bolsonaro, um político inexpressivo cuja única promessa concreta na campanha era encarnar com todas as suas forças o ódio contra o PT; ao mesmo tempo, e talvez isso seja o mais importante, o entrevero com os petistas ajuda a desviar a atenção da espantosa falta de talento de Bolsonaro para governar.

É evidente que ninguém ganha com isso, exceto os extremistas. O momento crítico que o Brasil vive demanda sobretudo serenidade e disposição para o diálogo. O País não pode se perder em disputas estéreis, estimuladas com o único propósito de causar confusão — hábitat natural dos demagogos em geral. É perda de tempo esperar que o PT se emende, pois esta é sua natureza; já do presidente da República e de seus ministros, se realmente estiverem interessados em um “pacto” republicano, espera-se que deixem de fomentar atritos inúteis, pois estes só se prestam a alimentar a polarização que tanto mal está fazendo ao País.


Não há saída sem reforma adequada da Previdência - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 01/06

Ensina a experiência que medidas voluntaristas de nada adiantam, vide o que aconteceu com Dilma

A conjugação da tramitação do projeto de reforma da Previdência com a informação do IBGE de que o PIB se retraiu 0,2% no primeiro trimestre, o que aproxima o país de mais uma recessão, serve bem para ilustrar este momento em que política e economia se misturam. Há uma subordinação da postura dos agentes econômicos ao que acontecerá no front desta reforma. E enquanto pairar a incerteza sobre a aceitação do projeto no Congresso, não funcionarão engrenagens vitais para o sistema produtivo voltar se mover.

Como as dos investimentos, que recuaram 1,7%, pelo segundo trimestre consecutivo. Significa que a capacidade produtiva não se expande. Indicador indiscutível da falta de confiança. Há algum tempo reivindicam-se do governo ações de curto prazo destinadas a reaquecer a produção. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, acaba de acenar com mais uma rodada de liberação do FGTS, medida já tomada no governo Temer. Mais dinheiro no bolso da população aquece o consumo das famílias, o que, por sinal, evitou que a retração fosse maior — o consumo da população, que representa 64% da formação do PIB, cresceu 0,3%.

Permitir saque no FGTS ajuda, em tese, a manter esta tendência. O ministro, porém, condiciona a medida à aprovação da reforma, que precisa no mínimo gerar uma economia em dez anos de R$ 1 trilhão. Não é errado dizer que a Previdência tem de ser complementada por outras ações. Mas, sem esta reforma, imprescindível para que saia do horizonte a perspectiva da insolvência do Estado, investimentos continuarão nas gavetas.

O sistema não se moverá para frente, porque ninguém arriscará apostar seu dinheiro em fábricas, lojas, no que for, se há um desastre macroeconômico à espera na esquina.

A situação dramática das contas públicas é comprovada pela pressa com que o governo necessita que o Congresso aprove um crédito suplementar de no mínimo R$ 146 bilhões, a fim de que não falte dinheiro para salários, aposentadorias, pensões e outras despesas essenciais do dia a dia. Devido à importante “regra de ouro”, o Estado não pode se endividar para bancar despesas correntes, a não ser com permissão do Congresso.

A situação confirma a impossibilidade de o país continuar com as contas em dia, se gastos que aumentam autonomamente — aposentadorias e pensões — não forem contidos.

Pode-se argumentar que basta colocar a economia para crescer e gerar arrecadação. Mas como, se há o espectro da quebra fiscal logo à frente? Foi este raciocínio voluntarista, ou “desenvolvimentista”, que levou Dilma Rousseff a contrariar a Lei de Responsabilidade Fiscal, sofrer impeachment e levar o país a uma recessão nunca registrada (mais de 7%), no biênio 2015/2016. O ciclo foi iniciado na verdade em 2014, e do qual ainda não nos livramos cinco anos depois. Dados sobre o mercado de trabalho no trimestre fevereiro/abril mostram 13,2 milhões de desempregados. Aproxima-se mais uma década perdida.