domingo, outubro 30, 2016

Revelações da PEC 241 - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

A medida é necessária, ainda que suscetível de aperfeiçoamentos

A PEC 241, que pretende fixar um teto para os gastos primários do governo federal (não poderão crescer acima da inflação por vinte anos), revelou um aspecto triste e outro promissor. O triste é a reafirmação da visão equivocada de corporações que se opõem à medida e são coadjuvadas por segmentos da sociedade estrábicos por ideologia ou ignorantes em questões econômicas e financeiras elementares. O lado promissor é a chance de virmos a construir as condições para discutir o conflito orçamentário, interditado desde priscas eras.

A mais vistosa manifestação (houve outras) do corporativismo foi a nota da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Congresso, em que qualifica a PEC de "inconstitucional" por provocar o "enfraquecimento das instituições do Estado", as quais não disporiam dos "recursos necessários" para "reajustes/reestruturação de carreira", "reposição de quadros de pessoal" - e por aí seguiu... Isso, segundo tal entendimento, impediria "o crescimento e a expansão da instituição e, em última análise, implica seu aniquilamento".

Os procuradores (mais juizes e outros que adotaram a mesma linha) desprezam um conceito básico de economia e finanças, qual seja, a "restrição orçamentária": os gastos de indivíduos e famílias estão limitados à soma da sua renda e da capacidade de se endividarem. O mesmo vale para o setor público, que pode superá-la emitindo moeda, mas ao preço de gerar inflação, destruir o potencial de crescimento e prejudicar mais os pobres.

O conceito foi ignorado pelos constituintes de 1988, que criaram pesadas obrigações para o governo, particularmente em programas sociais e vantagens destinados a servidores públicos e aposentados. Desde então, contornou-se a "restrição" elevando tributos e o endividamento do Tesouro. A carga tributária e a dívida pública dobraram, o que permitiu o crescimento anual dos gastos a 6% acima da inflação. Agora passamos do limite. A carga tributária, excessiva, inibe o crescimento econômico. A dívida pública, explosiva, pode levar à insolvência do Tesouro e à hiperinflação.

Para a PGR, todavia, sua autonomia financeira deve ficar livre da "restrição". Recursos para aumentar salários, vantagens e outros precisam ser-lhe garantidos, ainda que o país esteja quebrado - o que ela busca justificar pela importância de suas atribuições.

Ora, uma família pode ter desejos legítimos como comprar carro, viajar, reformar a casa e semelhantes, mas deve observar a "restrição". Não pode ser diferente em órgãos do governo, independentemente de sua relevância.

A PEC 241 não resolve, isoladamente, os graves problemas fiscais do Brasil, que ameaçam a estabilidade, o crescimento e o objetivo de reduzir as desigualdades. Precisa, por isso, ser complementada por reformas como a da Previdência, cuja insustentabilidade financeira pode inviabilizar a gestão orçamentária, levar o país à breca e frustrar, em futuro próximo, o pagamento de aposentados e pensionistas.

A medida é necessária, ainda que suscetível de aperfeiçoamentos. Seu maior efeito institucional será criar as condições para que, enfim, a "restrição" e o conflito orçamentário se imponham. O conflito surgiu quando a moderna democracia ocidental, iniciada com a Revolução Gloriosa inglesa (1688), atribuiu ao Parlamento a função de aprovar anualmente o Orçamento e, assim, de enfrentá-lo. Como são os parlamentares que decidem a aplicação da receita pública, passou-se a escolher entre demandas ao mesmo tempo legítimas e conflitantes.

No Brasil, isso nunca aconteceu. O Congresso inexistia na colônia. Depois, nos períodos de autoritarismo, era o Executivo que ditava as prioridades. Na democracia, o conflito foi ignorado. As corporações conseguiram reservar, via vinculação de recursos, parcelas crescentes do Orçamento para si próprias. Outros "donos" do Orçamento fizeram o mesmo. Esse será o tema da próxima coluna. Buscarei explicar como os grupos de interesse impuseram seus objetivos, em detrimento da maioria da sociedade. Mostrarei que a PEC 241, se passar, promoverá saudável modernização do Orçamento e da democracia.

Exploração política da pobreza - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - RS - 29-30/10

Tem sido comum entre nós que grupos políticos em disputa atribuam apelidos uns aos outros. A versão mais atualizada desse hábito surgiu nas manifestações públicas a favor e contra o impeachment de Dilma Rousseff. Quem era a favor ganhou o designativo "coxinha". Quem era contra virou "mortadela". Conquanto as coxinhas fossem meramente simbólicas e não aparecessem fisicamente, a mortadela, essa sim, chegava em cestos, servida com pão. Em torno desses sanduíches se comprimiam manifestantes trazidos em ônibus para atuarem como figurantes nos eventos governistas. Faziam lembrar os filmes épicos do cineasta norte-americano Cecil B. DeMille, nos quais multidões eram contratadas para povoar a tela em cenas que causavam grande impressão. Nas manifestações contra o impeachment, quando a câmera dava um close, viam-se homens e mulheres humildes, em camisetas vermelhas, atacando com disposição o prometido sanduíche.

Não raro, alguém se infiltrava nessa multidão, entrevistando-a e testando-a sobre suas convicções. As respostas, como seria de se esperar, mostravam que a quase totalidade não tinha ideia sobre a razão de ali estar. Embora muitos assistissem a essas cenas, posteriormente exibidas nas redes sociais, como coisa jocosa, tratava-se, na verdade, de algo constrangedor e triste. Triste e constrangedor. Como não se constranger ante a falsificação da cidadania? Como não se entristecer quando seres humanos têm sua dignidade rebaixada à condição de figurante de cidadão, ao preço de um sanduíche e alguns vinténs, num ato presumivelmente político? Nada contra quem foi levado a esse nível de carência. Apenas dó e respeito. Mas tudo contra quem se vale dessas pessoas e de suas precariedades para difundir uma mensagem de araque em comícios com figurantes. Após tantos anos no poder, precisam valer-se dos apelos da pobreza para atribuir vigor e atrair adesão à falácia de que acabaram com ela.

Pobre pobreza, sempre tão na ponta da língua e longe dos corações! Eleição após eleição, governo após governo, com crescente vigor a partir do "Tudo pelo social" do companheiro José Sarney, a pobreza ganhou o primeiro plano da retórica eleitoral. Na prática, os resultados são tão escassos quanto pode ser percebido tão logo se dissipa a algaravia dos discursos. Tudo se passa como se o discurso fosse capaz de superar os fatos e a autolouvação alterasse as estatísticas, proporcionasse emprego aos desempregados, salário e renda aos devedores. E pão com mortadela a quem tem fome. Sim, porque o pão com mortadela sumiu com o desinteresse pelas massas de figurantes. A volta vem e os "calaveras" se secam, ensinam os fronteiriços.

A economia nacional, que surfou sobre a crise no mar da China compradora crendo que o céu seria sempre azul e a brisa suave, se espatifou contra os rochedos da realidade. Era inevitável. A casa foi assaltada. O poço secou. A responsabilidade fiscal foi demitida das contas públicas. As maiores empreiteiras no Brasil abasteceram seus cofres diretamente do PIB nacional. A turma do Pixuleco enricou como Tio Patinhas jamais imaginou. Com o dinheiro do BNDES, o Brasil se transformou em mecenas ideológico de nossos satélites ibero-americanos e africanos. Mas tudo foi feito, dizem-nos, por incondicional amor aos pobres.

Pior do que isso. Agora, quando se pretende reerguer o país e medidas de austeridade se impõem, retomam o discurso da irresponsabilidade fiscal. Exigem que não se pague a dívida que quintuplicaram, cobram que se baixe a taxa de juros que elevaram e que o novo governo faça logo e faça bem, pela saúde e pela educação, tudo que não foi feito em 13 anos. Por amor e em defesa dos pobres.

O zelo pelos mais necessitados não é saliva de discurso. Antes de tudo é criar condições para que as pessoas, elas mesmas, promovam seu desenvolvimento humano e social. A pobreza, por si só, é uma chaga nacional. Explorá-la politicamente, em nome dela, é perverso.

Os juros e as crianças - GUSTAVO FRANCO

ESTADÃO - 30/10

O melhor comentário que me vem à mente sobre as taxas de juros de hoje no País é o que expressa uma maldição antiga, a de Stefan Zweig, segundo a qual “o Brasil é o país do futuro, e sempre será”.


Não vamos tratar aqui do que ele quis dizer na origem, especialmente na segunda parte, pois a mágica de aforismos duradouros reside em sua capacidade de encontrar sempre uma nova atualidade. Divertido é imaginar a mesma frase agora, pronunciada depois de Zweig passar os olhos pela ata do Copom e inferir que os juros ainda permanecerão muito altos por um bom tempo.

O juro, vale explicar, expressa os termos de troca entre o presente e o futuro, e com isso se torna, direta ou indiretamente, o personagem central de todo o tipo de cálculo econômico. O valor das coisas duradouras, sobretudo as que produzem fluxos de caixa no tempo, é determinado pela régua da espera e da impaciência, ou pelo modo como tais fluxos são descontados e trazidos a valor presente. Eis aí, no entanto, uma pista importante para os males do Brasil, que Eduardo Giannetti encontra em um famoso conto de Machado de Assis. O empréstimo, a propósito de um sujeito que tinha “a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho”, sendo que a “resultante desses impulsos discrepantes era uma só: dívidas”.

Portanto, diz Giannetti, “há sociedades que parecem abrigar (...) a vocação do crescimento, mas sem a vocação da espera. E a resultante, quando não é a inflação ou crise do balanço de pagamentos, é (...) uma só: juros altos”.

Segundo essa lógica, os juros altos refletem uma espécie de miopia ou ansiedade pelo presente, e seria fácil, porém enganoso, acreditar que essa imprevidência constitui traço visceral da nacionalidade, pois assim estaríamos transferindo ardilosamente a culpa para o devedor, o brasileiro jovem e impaciente, crente em um futuro tão pródigo que nenhum excesso próprio da mocidade deixaria de ser consistente com as riquezas havidas nesse país do futuro que solidamente se estabeleceu no imaginário nacional.

Mas o inimigo não é bem esse. A maior e mais aberrante distorção nacional no trato do futuro reside no próprio Estado, o agente que, através do endividamento social, desmantela os equilíbrios individuais entre a abstinência e a prodigalidade.

Antes de 1994, o Estado socializava prejuízos decorrentes do gasto excessivo através da inflação, mas agora o faz de forma intertemporal, concentrando privilégios no presente e diluindo seus custos no futuro. Antes, tributávamos o pobre, o ausente nas composições políticas, os sem voz, os não alcançados pela correção monetária. Agora, através do endividamento, tributamos outro ausente, as crianças.

A dívida pública funciona como um gigantesco imposto sobre a juventude, ou sobre a herança, porém jamais admitido pelos perpetradores diante de seus herdeiros, os que vão pagar os impostos necessários para fechar a conta.

O conflito distributivo intergeracional emerge, portanto, como um grande desafio para os próximos anos, mas o problema é que as crianças não votam, e os jovens estão mais preocupados com as agendas de costumes e ocupando as escolas pelas razões erradas. É bom que alguém lhes explique as contas que terão de pagar.

A dívida do governo sob a forma de títulos é da ordem de 70% do Produto Interno Bruto (PIB), tendendo para 80% nos próximos anos, e será muito pior se não passar a PEC do Teto. Mas, como proporção do PIB, não parece grande coisa, inclusive comparada com a de outros países (é mais de 100% nos Estados Unidos e na Europa, em média).

Porém, eles são países onde a riqueza privada, segundo o mestre Piketty, é da ordem de cinco vezes o PIB, ou seja, a íntegra da dívida pública equivale a cerca de um quinto da riqueza privada. Para o Brasil, onde a riqueza privada, como múltiplo do PIB, estaria entre um e 1,3 (estimativas minhas), estamos falando em proporções do endividamento público e da riqueza privada entre metade e 80%, dependendo da conta. Somos o país mais endividado do mundo.

E tem mais.

Essa dívida é apenas aquela sob a forma de títulos. Sabemos, por exemplo, que o governo tem uma obrigação previdenciária com funcionários públicos e no regime geral (INSS) que facilmente poderia ser expressa como uma dívida, bastando capitalizar os rombos de caixa projetados para o futuro, conforme cálculo atuarial.

Num estudo de 2007, Fábio Giambiagi e diversos especialistas nesse assunto calcularam essa dívida, e os resultados foram os seguintes: o buraco do chamado Regime Geral (INSS) seria de 98% do PIB (aí incluída a conta do Loas e rendas mensais vitalícias, de natureza assistencial, que são pouco menos da metade) e o dos regimes para os servidores públicos com 95% do PIB.

O total é esse mesmo que você está com dificuldade de absorver: 193% do PIB adicionais à dívida mobiliária, que se aproxima de 80% do PIB, algo como 2,7 vezes o PIB.

Pare o que você está fazendo, chame as crianças, peça muitas desculpas e ligue para o seu congressista.

Uma maior contenção pode ser saudável - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 30/10

A eleição presidencial de 1800, a mais conturbada da história dos Estados Unidos, resultou em diversas reformas nos anos seguintes.

Nenhuma, talvez, tenha sido tão profunda como a que decorreu de uma decisão da Suprema Corte, que, ao se declarar incompetente para deliberar sobre um caso, fortaleceu-se de forma inesperada e permanente.

O derrotado presidente John Adams, pouco antes da transmissão do cargo, decidiu nomear novos juízes para as cortes federais.

O recém-eleito Thomas Jefferson e o seu secretário de Estado, James Madison, resolveram não dar posse a alguns dos novos juízes.

William Marbury, juiz nomeado, porém não empossado, recorreu à Suprema Corte.

O presidente da Suprema Corte era John Marshall, que fora secretário de Estado de Adams e responsável pelas nomeações dos juízes. Não se tratava de decisão fácil, inclusive pelas circunstâncias.

Caso Marshall decidisse a favor de Marbury, a sua decisão poderia ser ignorada por Jefferson, desmoralizando a Suprema Corte, então o Poder menos relevante da nova República. Caso arbitrasse contrariamente, declararia ilegal a nomeação que ele mesmo assinara.

A sua decisão revolucionou a jurisprudência americana.

Marshall argumentou que Marbury tinha o direito legal de assumir o cargo, assim como de buscar a reparação na Justiça; trata-se, afinal, da essência da liberdade em um Estado de Direito.

A revolução ocorreu na conclusão. A possibilidade de a Suprema Corte rever decisões do Executivo fora prevista em uma lei de 1787.

Marshall, porém, declarou essa lei contrária à Constituição. Portanto, a Suprema Corte não tinha a competência para reverter o ato do Executivo, ainda que dele discordasse.

Em uma única decisão, Marshall argumentou tanto a contenção judicial (as cortes devem se ater ao Direito), quanto o ativismo do Judiciário, pois inovou a norma legal ao decidir que cabia ao Supremo avaliar a constitucionalidade das leis, algo não previsto pela Constituição Americana.

Desde então, o Judiciário americano tem oscilado entre momentos de maior ativismo e outros de maior contenção. O ativismo foi eficaz para expandir as liberdades civis, mas nem tanto quando impôs políticas públicas.

As cortes no Brasil têm, crescentemente, deliberado sobre temas administrativos ou afastado normas legais, na contramão da democracia, por se tratar de um poder não eleito.

O próprio Supremo Tribunal Federal tem feito normas, argumentando a omissão do Congresso, nem sempre para o bem comum, como exemplifica o caso da cláusula de barreira. Talvez seja momento de maior contenção.


Cadê os ‘outsiders’? - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 30/10

PT perde, PSDB ganha, PMDB estabiliza e ‘outsiders’ continuam fora


Ao contrário do alardeado desde o primeiro turno, esta eleição que termina hoje não consagrou nem privilegiou os “outsiders” da política. Os novos prefeitos de Norte a Sul serão políticos de carreira e a rejeição do eleitorado à política e aos partidos não se dá pelo voto a arrivistas, mas pelo não voto: abstenção, nulos e brancos.

A exceção que confirma a regra no segundo turno é Alexandre Kalil, empreiteiro que se fez à sombra do Estado, apresenta-se como antipolítico, xinga a política e concorre pelo inexpressivo PHS contra o tucano João Leite em Belo Horizonte, uma das três principais capitais do País e a grande indefinição de hoje. Mas, em vez de prejudicar a política, ele a ajuda.

Por quê? Porque se aproveita do ambiente da Lava Jato e da corrupção sistêmica para fazer campanha contra a política, mas não é nenhum exemplo de pureza. Kalil, o não político, foi condenado por apropriação indébita e sistemática do INSS de seus funcionários e deve 16 anos de IPTU. Como virar prefeito se suas dívidas com o setor público somam muitos milhões de reais? Pretende cobrar de si mesmo?

Sua campanha tem traços misturados de Trump, Collor e PSTU: “Não aos políticos, Kalil 31”, “Chega de política, Kalil 31”, “Fora PSDB, Fora PT, Kalil 31”. Ou seja, ele quer entrar no jogo (metáfora bem adequada à eleição de BH), mas finge que não e condena o jogo. Isso é deseducativo, ajuda a massificar a ideia de que a política e os políticos são sujos. Logo, a democracia é um mal.

E por que Kalil é o antipolítico e João Doria não pode ser classificado assim? Doria, como Dilma e Haddad, nunca teve mandato antes, mas disputou prévias no PSDB de São Paulo, reafirmou uma identidade partidária, fez campanha sob o patrocínio do governador Geraldo Alckmin e ao lado de deputados e vereadores... Entrou no jogo sem disfarces. Não negou a política, não deseducou.

Olhando-se para as 18 capitais onde há segundo turno, a eleição é entre políticos. Rio, o máximo da polarização, com Crivella (PRB) e Freixo (PSOL); Porto Alegre, Marchesan (PSDB) e Sebastião Melo (PMDB); Recife, Geraldo Júlio (PSB) e João Paulo (PT): Maceió, Rui Palmeira (PSDB) e Cícero Almeida (PMDB)... Cadê os “outsiders”?

Nessa visão panorâmica, o PT teve uma derrota acachapante no primeiro turno (só venceu em Rio Branco, no Acre) e o ex-prefeito João Paulo está bem atrás no Recife, única capital onde o partido concorre. Na outra ponta, o PSDB teve a vitória espetacular de Doria e levou Teresina no primeiro turno, concorrendo em oito capitais no segundo, com boas chances em Porto Alegre, Maceió, Manaus (Arthur Virgílio) e Porto Velho (Dr. Hildon). Há empate técnico em BH e os tucanos estão atrás em Campo Grande, Cuiabá e Belém, apesar dos três governadores serem do PSDB.

Dos maiores partidos, PMDB disputa Porto Alegre, Florianópolis, Maceió, Macapá, Goiânia e Cuiabá e o PSB está na disputa no Recife, em Aracaju e em Goiânia, mas outra característica desta eleição é a pulverização partidária, com PSD (Curitiba e Campo Grande), PSOL (Rio e Belém), PMN (Curitiba e São Luís), PDT (São Luís), PRB (Rio), PP (Florianópolis), PPS e Solidariedade (ambos em Vitória), Rede (Macapá), PCdoB (Aracaju), PTB (Porto Velho) e PR (Manaus).

Conclusão: PT vai mal, PSDB tende a ser o grande vitorioso, PMDB mantém uma força disseminada, uma profusão de partidos pinga pelo mapa brasileiro, mas a eleição não é um jogo de “outsiders”, mas de profissionais. A política continua sendo dos políticos e o protesto crescente do eleitor no mundo contemporâneo é mais pela abstenção, voto nulo ou em branco do que pelo voto em arrivistas. O eleitor irritado prefere meter o sarrafo nos candidatos pelo Facebook e pelo Twitter do que votar. Mas quem vota tenta fugir do perigo maior.

Se entrega, Corisco - FERNANDO GABEIRA

O Globo - 30/10

Renan está nervoso, o que era raro no passado.


Renan Calheiros, no passado, perdia cabelos mas não perdia a cabeça. Agora, ele ganhou cabelos mas perde a cabeça, com frequência. Recentemente, disse que o Senado parecia um hospício e afirmou que ajudou a senadora Gleisi Hoffman no seu embate com a Lava-Jato. Hoje, sabemos que ordenou varreduras em vários pontos estratégicos ligados aos senadores investigados pela roubalheira na Petrobras.

E Renan perdeu a cabeça de novo, chamando um juiz federal de juizeco e o ministro da Justiça de chefete de polícia. Sua polícia legislativa funciona como uma espécie de jagunços de terno escuro e gravata, a serviço de alguns coronéis instalados no Senado. Quando combatemos Renan e o obrigamos a deixar o cargo de presidente, os jagunços já estavam lá. Como o Brasil vivia num estado meio letárgico, tivemos de enfrentar a braço os jagunços de Renan para garantir a transparência de uma reunião sobre seu destino.

O sono brasileiro não é mais tão profundo como na época. Ainda assim, Renan sequer foi julgado pelos crimes de que era acusado na época. São as doçuras do foro privilegiado. Agora, ele quer que o foro privilegiado, que já era uma excrescência para deputados e senadores, estenda-se também aos seus jagunços. E que o espaço do Senado seja um santuário para qualquer quadrilha que tenha, pelo menos, um parlamentar como membro.

Talvez Renan esteja desesperado. Mas essa hipótese ainda precisa ser confirmada. Há sempre alguém que se acha o verdadeiro guardião das leis e se dispõe a defender Renan e o Senado, independentemente desse contexto bárbaro que presenciamos há anos. O próprio Gilmar Mendes, cujas posições são respeitáveis, saiu em defesa de Renan, sugerindo que a polícia não deveria entrar ali. Mas o que fazer quando a própria polícia do Senado comete uma delinquência? A resposta das pessoas que não foram atingidas pela Lava-Jato, mas se incomodam com o sucesso da operação, é sempre esta: falem com o Supremo. No caso do Renan, sob investigação em 12 processos diferentes, e sempre na presidência do Senado, o que significa falar com o Supremo?

Estamos falando com o Supremo há anos. Ele manda grampear senadores adversários, como fez com Marconi Perillo, orienta a agressividade e a truculência de seus jagunços contra deputados. Até hoje, para ele, o Supremo é apenas o cemitério de seus processos.

Renan, Gilmar Mendes e todos os defensores desse absurdo não conseguem me convencer que é preciso pedir licença ao Supremo para punir jagunços que usam equipamentos do Estado, diárias pagas pelo governo, para fazer varreduras na campanha de Lobão Filho, no Maranhão. Varreduras inclusive sob supervisão do genro de Lobão Filho, um homem chamado Marcos Regadas Filho, acusado de sequestro e mencionado no assassinato do blogueiro Décio Sá.

A diversão desse personagem para qual os jagunços trabalharam é usar o helicóptero para dar voos rasantes no Rio Preguiça em Barreirinhas, aterrorizando banhistas e pescadores.

— Foge, meu preto, que isso é vendaval — ouviase o grito dos pescadores

O halo protetor do Supremo não se limita aos bandidos do Congresso, mas aos seus jagunços e cúmplices regionais. A Lava-Jato não é infalível. Está sujeita a críticas como todas as atividades de governo. Não se deve usar o êxito da Lava-Jato com intenções corporativas, inclusive num momento de crise econômica como a nossa. Até aí, tudo bem. Mas negar à PF o direito de entrar no Senado quando o crime está sendo cometido pela própria polícia parlamentar, isso me parece um absurdo. O foro privilegiado tem sido uma espécie de escudo para os bandidos eleitos. Se o espaço onde atuam torna-se também um santuário para todos os que trabalham lá, teremos não só a impunidade de indivíduos mas a liberação de espaços especiais para o crime.

Nas campanhas que fiz contra Renan, desenhamos um cartaz dizendo: “se entrega, Corisco”. Isso foi há muito tempo. Seus crimes não foram punidos na época. Ainda me lembro das imagens das boiadas se deslocando no sertão para fingir Renan que era um grande criador. Os crimes não apenas deixaram de ser punidos. Aumentaram exponencialmente ao longo dos anos, ancorando-se inclusive na pilhagem da Petrobras.

Eduardo Cunha foi preso. Não tinha mais mandato. Se Renan continuar solto, é apenas porque tem um. É justo cometer crimes em série, sob o escudo de um mandato parlamentar? Renan está nervoso porque percebe o crepúsculo de um sistema de impunidade tecido pela audácia dos coronéis e a inoperância do Supremo. A evolução do país o levou a perder a cabeça, algo raro no passado. Espero que não chegue a arrancar os cabelos e ouça o meu conselho de anos atrás: se entrega, Corisco.

O silêncio das urnas - DORA KRAMER

ESTADÃO - 30/10

Reza o mito, mas não é verdade, que votos nulos e brancos anulem eleições



No primeiro turno das eleições municipais havia dois polos de atenção: o desempenho do PT e o resultado em São Paulo. Ambos surpreendentes. O primeiro pela escassez e o segundo pela abundância de votos obtidos pelo candidato que da maneira mais completa encarnou o repúdio ao petismo.

Hoje, dia de escolha em cidades com mais de 200 mil habitantes, entre as quais 18 capitais, a estrela da companhia é a eleição no Rio, onde concorrem dois candidatos cuja rejeição é assunto em qualquer roda que reúna mais de dois cariocas.

As pesquisas apontam um aumento substancial de intenções pelos votos em branco e nulos, confirmando o que se ouve em toda parte: estamos numa sinuca de bico. Sim, nós, porque estou entre aqueles cujo título de eleitor obriga o comparecimento à urna para escolher entre Marcelo Crivella e Marcelo Freixo, dois opostos extremos que subtraem de boa parte do eleitorado a motivação positiva ao voto.

De onde a expectativa é a de que o Rio seja a cidade campeã no quesito ausência de escolha, aí incluídos os que votarem em branco, nulo ou simplesmente ignorarem a obrigatoriedade formal. Porto Alegre apresenta situação semelhante no que tange à indisposição eleitoral.

O exercício da democracia não aconselha à abstenção. O ideal seria que cada um fizesse uma opção e se responsabilizasse por ela. Melhor ainda se isso não fosse uma imposição legal e o direito ao voto um gesto de vontade, como de resto ocorre na ampla maioria das democracias ocidentais. Mas, nem sempre é possível e a recusa, notadamente quando em quantidade muito acima do habitual, requer uma leitura acurada. Mas essa é outra história que fica para ser analisada e contada a partir de amanhã.

Razões para indiferença, desgosto ou revolta com a conduta de determinados políticos não faltam e provavelmente elas serão o tema da discussão pós-eleitoral. E fica por aí a consequência. Não há outra, não obstante o mito de que votos em branco e nulos em quantidade superior à votação do vencedor tornem inválida uma eleição ou que sirvam para beneficiar esse ou aquele candidato. Pura lenda urbana.

A contagem da Justiça Eleitoral leva em consideração apenas os votos válidos. Ou seja, descontados os votos em branco e nulos que vão literalmente para o lixo. Portanto, quem se ausenta, vota em branco ou anula protesta de forma inútil do ponto de vista do vencedor, eleito com qualquer quantidade. Uma hipótese absurda, mas real: ainda que haja 90% de votos inválidos numa eleição, o resultado será computado levando em conta o universo de 10% de votos válidos.

O mito da nulidade tem origem numa interpretação equivocada do Código Eleitoral, que no artigo 244 diz o seguinte: “Se a nulidade atingir mais da metade dos votos” será convocado um novo pleito no prazo de 20 a 40 dias. Ocorre que a nulidade aí tem outro sentido. Refere-se aos votos anulados pela Justiça Eleitoral caso somem mais da metade dos válidos.

A lei prevê as situações em que isso possa ocorrer. As de maior amplitude dizem respeito a fraudes generalizadas e à eventual perda do registro da candidatura do vencedor, por exemplo, por abuso de poder econômico (compra de votos).

Há outras: violação do sigilo do voto, fechamento das urnas antes do horário previsto em lei (17 horas), fraude na urna eletrônica, uso de identidade falsa por parte do eleitor, voto em seção diferente daquela indicada no título, restrição ao direito de fiscalização, realização das eleições em dia, hora ou local que não os legalmente estabelecidos.

Portanto, não há resultado prático decorrente da manifestação de protesto ou de indiferença, embora a depender do volume haja um recado claro a ser compreendido pelo mundo político. Inclusive em relação à obrigatoriedade do voto.

STF e PEC do gasto mostram que crescimento virou prioridade - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 30/10

No último mês, o Supremo Tribunal Federal se pronunciou favoravelmente sobre três temas pendentes havia muito tempo: a execução da pena após condenação em segunda instância; a não permissão da revisão do benefício previdenciário após a aposentadoria de trabalhadores que permaneceram no mercado de trabalho; e a permissão do corte da remuneração dos dias parados de servidores públicos em greve.

As três decisões caminham na direção da responsabilização dos indivíduos pelos seus atos.

A execução após a segunda instância contrabalança o fato de que as quatro instâncias da Justiça (primeiro grau e três recursais) praticamente inviabilizam a responsabilização dos indivíduos, principalmente em crimes do colarinho branco.

Estes, em geral, envolvem pessoas com acesso ilimitado a recursos e a advogados. São crimes cuja responsabilização raramente se faz baseada em provas cabais, mas sim circunstanciais. A razão é que em geral esse tipo de crime não produz provas cabais, diferentemente dos crimes violentos.

A rejeição da desaposentação fará com que o candidato a requerer o benefício previdenciário pondere com mais responsabilidade a oportunidade ou não de fazê-lo. Considere até a possibilidade de se manter no mercado de trabalho e atrasar o início da fase inativa.

Nosso sistema previdenciário é de repartição com o princípio da solidariedade, e a aposentadoria é seguro para a perda de capacidade laboral. Não se trata de sistema de contas individuais.

Finalmente, o direito irrestrito de greve, sem que o funcionário público incorra em nenhum custo, além de caracterizar férias, e não greve, dá ao servidor um poder de barganha absolutamente desproporcional. Um enorme poder de impor, sem nenhuma sanção, danos aos cidadãos comuns, em geral os mais pobres, que são os usuários dos serviços públicos.

As três decisões do STF fazem com que os custos e os benefícios das ações individuais que recaem sobre as pessoas que as praticaram se aproximem dos custos e dos benefícios dessas mesmas ações sobre a sociedade. No jargão da profissão, as três medidas alinham os retornos individuais com os retornos sociais.

Há evidências de que as sociedades que conseguiram construir marcos legais e institucionais que promovam maior alinhamento entre retornos individuais e sociais apresentam desenvolvimento sustentável no longo prazo.

Parece que a agenda da sociedade está mudando, e o STF reflete essa mudança.

Logo após a redemocratização, a agenda da sociedade foi a criação e a expansão de direitos.

Essa agenda contribuiu para gerar a hiperinflação da primeira metade dos anos 1990, mas também foi um fator de redução da desigualdade e da pobreza após a estabilização da economia.

No entanto, em todos os períodos citados, o crescimento econômico foi medíocre, com exceção de uma curta fase na década passada, em que colhemos crescimento maior em razão de diversas políticas de liberalização dos mercados. Essas políticas também têm a característica de promover melhor alinhamento entre retornos individuais e sociais.

Tanto a facilidade surpreendente de aprovação do projeto de emenda constitucional (PEC) que estabelece por dez anos um teto para o crescimento do gasto primário da União como as três decisões do STF sugerem que o crescimento econômico virou prioridade da sociedade.

Rebeldes tateando em busca de uma causa - BOLÍVAR LAMOUNIER

ESTADÃO - 30/10

Como as organizações comunistas ainda mantêm sua influência no meio estudantil?



O sangue do adolescente esfaqueado em Curitiba na última segunda-feira já seria motivo mais que suficiente para tentarmos entender melhor o movimento de ocupação de escolas deflagrado por estudantes secundaristas, apoiados, em alguns casos, por docentes e universitários. Mas a amplitude do movimento suscita questões importantes sobre a presente situação brasileira.

O objetivo declarado, bem o sabemos, é protestar contra a reforma do ensino médio proposta pelo governo Temer. A reforma é uma tentativa de modernizar o currículo, tornando-o mais flexível. Pretende reduzir o número de matérias obrigatórias a fim de aumentar a concentração em Português, Inglês e Matemática. Isso é bom ou ruim? É óbvio que essa pergunta interessa a todos os cidadãos brasileiros, a todas as comunidades de que se compõe a nossa sociedade, não apenas às comunidades diretamente envolvidas no processo educacional.

A primeira questão a considerar é, pois, por que dezenas de milhares de estudantes e professores optaram por uma tática violenta (ocupação é violência), descartando liminarmente o diálogo com as autoridades do governo, com os especialistas que trabalharam no projeto da reforma e com outras comunidades potencialmente interessadas. Por que uma tática que os isola, quando só teriam a ganhar ampliando o alcance de sua manifestação? Por que não uma série bem organizada de debates, pacífica e ordeira, tecnologia que nossa sociedade, felizmente, domina há tanto tempo?

Sabemos que o comportamento de um grupo social numeroso nunca se deve a uma causa única. Há sempre uma conjunção de motivos. Na reflexão a seguir, abordarei três hipóteses, em grau crescente de plausibilidade, designadas como civismo educacional, ativismo romântico e politização de esquerda.

A hipótese do civismo educacional já foi parcialmente suscitada. Debater a reforma do ensino é um direito de todo cidadão. Entre os docentes e discentes, ou seja, na comunidade mais diretamente envolvida no processo educacional, é razoável admitir que esse direito seja vivenciado de modo mais intenso, como um dever cívico. É difícil crer que essa motivação tenha sido suficiente para levar centenas de milhares de secundaristas a se integrar ao movimento, invadindo escolas e nelas permanecendo por vários dias. Presumivelmente, uma atitude cívica de tal intensidade teria mais chance de se desenvolver entre adultos, principalmente entre os mais bem informados sobre as questões em jogo. Admitamos, porém, que a hipótese do civismo ajude a compreender por que uma parcela dos participantes vê sentido na tática de ocupar escolas.

Minha segunda hipótese é a do ativismo romântico. Para o jovem inclinado ao romantismo, a “normalidade burguesa” é um tédio insuportável. Ele deseja ardorosamente mudar a sociedade, mas não sabe como. Não conseguindo identificar-se com a sociedade existente e não atinando com os fundamentos da ordem política democrática, ele não atura as convenções e instituições que lhe servem de base, vendo-as como um mundo de aparências e hipocrisia. Durante o século 20 o romantismo alimentou todo tipo de fantasia revolucionária; e, ainda hoje, por toda parte e todas as classes e grupos etários há estudantes, intelectuais, artistas e clérigos imbuídos da crença de que só através dessa fonte fáustica chegarão à plena posse de sua alma e ao sentido de sua vida. Num país como o Brasil, socialmente dilacerado e dilacerante, essa forma de romantismo compreensivelmente se alastra com facilidade, se não como uma motivação destrutiva consciente, ao menos como uma tentativa de experimentar situações “contraculturais”, à margem da sociedade.

Mais robusta, entretanto, parece-me ser a hipótese ideológica, ou seja, a da politização de esquerda. Ninguém ignora que o PT e os pequenos partidos comunistas disputam acirradamente o controle do movimento estudantil, geralmente apoiados por uma parcela do corpo docente. Um leitor desavisado poderá surpreender-se com essa afirmação. Esses partidos e suas facções agem orientados pelo que chamam de socialismo. Mas como, se a URSS desmoronou há um quarto de século? Se a China, desde Deng Xiaoping, abandonou suas antigas crenças a respeito da cor do gato, interessando-se apenas em saber se ele come ratos? Sem esquecer que Cuba, com a bancarrota soviética, virou carta fora do baralho. O que resta é a Coreia do Norte brincando de bomba atômica e a Venezuela a um passo de sua tragédia anunciada. Lembremos, como arremate, que a recente eleição municipal e a Operação Lava Jato reduziram o PT a pó de traque.

Contra esse pano de fundo de tantos fiascos, como compreender que as organizações comunistas conservem sua influência e até consigam se expandir no meio estudantil? Dado o espaço disponível, limitar-me-ei a duas observações sucintas. Primeiro, as crenças antiliberais, entre as quais o comunismo se destaca, correspondem com exatidão à noção de ideologia como o oposto do conhecimento racional. Caracterizam-se por uma incapacidade profunda de assimilar e processar informações novas, contrárias ao sentido que lhes é inerente.

Nas condições atuais, justamente por terem perdido seus referenciais internacionais, as esquerdas ditas socialistas regridem a um mero “movimentismo” sustentado em elaborações intelectuais quase totalmente vazias de conteúdo. O leitor interessado em apreciar este ponto pode esquecer seu Marx, vá direto às Reflexões sobre a Violência de George Sorel, o inventor do anarco-sindicalismo. O conteúdo das ideias – Sorel ensinou – é uma questão secundária. Os “oprimidos” aprendem é pelo movimento, por uma luta incessante. Para tanto basta um mito. Pode ser a figura de um populista corrupto ou uma narrativa maniqueísta do tipo “nós contra a elite”. Qualquer mito serve e quanto mais simples, melhor. Os “oprimidos” não precisam queimar pestanas em cima dos cartapácios de Marx.

*Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro da Academia Paulista de Letras

Equilíbrio necessário - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 30/10

A operação Lava Jato não existe para dizimar a vida político-partidária do País


É extremamente positivo constatar que o apoio do juiz Sergio Moro ao pacote de medidas anticorrupção formulado pelo Ministério Público Federal (MPF) – e atualmente em discussão na Câmara dos Deputados – não o impede de reconhecer a conveniência de o Congresso, após discussão do assunto, concluir pela não aprovação de algumas das propostas. Em audiência pública realizada na segunda-feira passada em Curitiba, Moro mencionou especificamente essa possibilidade em relação à proposta do MPF de utilizar no processo provas ilícitas obtidas com boa-fé. “Se o problema é esse, então tira essa parte”, disse o juiz.

O pacote anticorrupção é uma boa iniciativa do MPF, mas nem tudo o que lá está é positivo. Como lembrou Sergio Moro, não se pode apresentar o pacote de medidas “como os dez mandamentos. Foi feito um projeto e ele foi colocado no espaço próprio para esse debate: o Parlamento”. Além da proposta de validação de provas ilícitas, que é um evidente abuso processual, também não merece aprovação pelo Congresso o chamado teste de integridade para servidor público, com a “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública”. Além de invasiva, a medida inverte o papel do Estado, colocando-o como corruptor. Não parece ser esse um caminho adequado para combater a corrupção.

Semelhante equilíbrio ao que se observa na posição do juiz Sergio Moro sobre o pacote de medidas anticorrupção pode e deve ser aplicado à Lava Jato. A operação é bem-vinda e necessária, mas o seu bom encaminhamento exige sabedoria para distinguir com isenção suas qualidades e suas deficiências, seus acertos e seus riscos. Isso não significa constranger a ação da força-tarefa e muito menos restringir o alcance das investigações e dos julgamentos. Importa apenas não cair na esparrela de considerar crime toda e qualquer doação a partidos ou políticos – o que significaria a proscrição da atividade político-partidária e a consequente castração da democracia, tão grave quanto a provocada pela corrupção que se apura.

Acertadamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a inconstitucionalidade das doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas. No entanto, entre 1993, ano em que as doações foram liberadas, e 2015, quando o STF as proibiu, elas eram legalmente permitidas, por mais equivocada que fosse – como de fato era – aquela prática. Dessa forma, não deve, nem pode, a Lava Jato tratar todas as doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas como se fossem ilegais.

Há as doações flagrantemente ilícitas, como as reveladas pelo escândalo do petrolão, que devem ser exemplarmente punidas. Há as doações que se configuram como caixa 2 dos partidos ou candidatos e, por serem crimes eleitorais, devem ser julgadas e punidas pela Justiça Eleitoral. E há ainda as doações legais, que não foram fruto de coação por parte de quem estava no poder nem eram contrapartida de favores ilícitos prestados aos doadores, além de regularmente registradas pelos partidos políticos.

Diferenciar as várias modalidades de doação não é apenas uma questão de justiça com os partidos e os políticos que receberam legalmente doações de empresas no período em que tal prática era permitida pelo ordenamento jurídico. É resguardar as próprias instituições políticas.

Vale lembrar que, nos anos em que a prática foi permitida, todo o sistema político dependeu das doações empresariais. Assim, uma incriminação generalizada dessas doações teria o perverso efeito de extirpar todos os envolvidos no processo político, levando, por consequência, a uma espécie de implosão das próprias instituições.

A força e a autoridade da Lava Jato residem no seu papel de saneamento e recuperação da política nacional. A operação não existe para dizimar a vida político-partidária do País, como se o seu resultado final tivesse de ser um cenário de absoluta devastação das pessoas e das instituições. Ter clara essa distinção de objetivos é grave responsabilidade de todos os envolvidos na operação.


Curva de aprendizagem - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 30/10

SÃO PAULO - O eleitor é um bicho que aprende com a experiência. Talvez não o suficiente para aposentar de vez todos os demagogos que tentam ludibriá-lo nem para driblar as peças mais sutis pregadas pelo acaso, mas ele sai um pouquinho mais esperto a cada pleito que passa.

Eu não chegaria a dizer que essa curva de aprendizagem contém a salvação da democracia. Ela, porém, parece ser robusta o bastante para nos livrar de erros muito grosseiros e de populismos que já fracassaram.

Excluídas situações muito excepcionais, democracias rejeitam os candidatos mais extremistas. E isso pode ser visto como algo positivo, já que os radicais tendem a tentar fazer com que o mundo se adapte às suas teorias e não o contrário. Raramente uma teoria é tão boa que consiga dar conta de toda a realidade.

Outra propriedade notável da aprendizagem democrática é que fica difícil enganar o eleitor duas vezes com o mesmo truque. Seria improvável, hoje, alguém vencer uma disputa propondo um congelamento de preços, por exemplo. As pessoas aprenderam que isso não funciona, o que força o demagogo a pelo menos buscar novas mandracarias. Não resolve o problema do populismo, mas torna a vida menos monótona.

Algo que ficou claro neste pleito municipal, que já se insinuava em eleições anteriores, é que o cidadão está descobrindo que, se quiser, pode deixar de votar, apesar do dispositivo legal que o força a fazê-lo. Basta que se justifique ou que pague uma multa, que raramente ultrapassa o valor irrisório de R$ 3,51.

Com isso, o voto obrigatório vai cada vez mais se convertendo em justificativa obrigatória. É um sinal claro de que já passa da hora de o Congresso eliminar a anacrônica necessidade de o cidadão dar satisfações à Justiça, sob pena de transformar a eleição —momento culminante da democracia— em mais um dos inúmeros incômodos burocráticos a que o Estado submete o cidadão.

A anistia vem a galope - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 30/10

BRASÍLIA - Enquanto a torcida se distrai com as eleições municipais, os deputados articulam uma nova jogada na Câmara. O plano é driblar o Ministério Público e aprovar uma anistia geral ao caixa dois. Se der certo, será um gol de placa do sistema político ameaçado pela Lava Jato.

A ideia é ousada: usar um pacote moralizador para legalizar o financiamento ilegal de campanhas. Os parlamentares prometem aprovar a criminalização do caixa dois, uma das chamadas dez medidas contra a corrupção. Parece boa notícia, mas há um detalhe. Ao proibir o trambique no futuro, a Câmara quer perdoar quem o praticou no passado.

O lance já foi ensaiado em setembro. A bola não entrou graças a deputados da Rede e do PSOL, que se insurgiram contra o acordo fechado pelos grandes partidos. Agora a anistia ameaça voltar a galope. O motivo da pressa é a delação da Odebrecht, que deve entregar mais de 200 políticos de todas as siglas.

O novo acordão para "estancar a sangria" tem o aval do governo Temer e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Na quarta (26), ele repetiu uma tese dos réus do mensalão: caixa dois e corrupção seriam "coisas distintas", sem ligação entre si.

Em entrevista a Mario Sergio Conti, na Globo News, o deputado indicou que apoia o perdão ao financiamento irregular das eleições passadas. "Nós temos que dar um corte e dizer que daqui para a frente está criminalizado", disse, apesar de a lei já prever punições ao caixa dois.

Questionado se estava defendendo uma anistia a criminosos, Maia abriu o jogo: "Alguma solução vai ter que ser dada. Eu acho que anistia é uma palavra forte". De falta de transparência, não poderemos acusá-lo.

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Na véspera da decisão entre Crivella e Freixo, brancos, nulos e indecisos ainda somavam 27% dos cariocas, segundo o Datafolha. Eles vão escolher o novo prefeito do Rio —seja por ação ou por omissão.

Novo pacto partidário - MERVAL PEREIRA

O Globo - 30/10
As eleições municipais chegam hoje ao seu desfecho reafirmando um novo pacto político que dá, ao governo de Michel Temer, respaldo que se reflete no predomínio de sua aliança partidária nas prefeituras brasileiras e no número de vereadores eleitos. Essa nova configuração político-partidária já teve consequência na aprovação, com folga, na Câmara, do teto de gastos, que agora vai para o Senado com amplas condições de ser aprovado.

O PMDB manteve-se como o partido com maior número de prefeituras e vereadores do país, embora tenha crescido apenas residualmente, de 1015 prefeituras em 2012 para 1028 no primeiro turno. O PSDB também manteve o segundo lugar em número de prefeituras, crescendo 15% — de 686 eleitos em 2012 para 793 nesse primeiro turno —, foi o vencedor das eleições se levarmos em conta o número de capitais e cidades com mais de 200 mil eleitores, que concentram quase 38% da população do país.

O partido, que tem hoje 18 prefeituras desse grupo formado por 93 cidades, elegeu seus candidatos em 14 municípios e está no segundo turno em 19 disputas, com chance de vitória em 14 delas. Os tucanos governarão 38 milhões de pessoas, com chances de aumentar sua influência para cerca de 50 milhões de pessoas no segundo turno, quando têm possibilidade de eleger prefeitos em pelo menos 4 das 8 cidades que disputa.

Suas principais vitórias no primeiro turno foram em São Paulo, com João Doria, e em Teresina (PI), com a reeleição de Firmino Filho. A força do PSDB fica mais realçada pela comparação com a derrocada do PT, que sai das urnas com uma queda de cerca de 50% do número de prefeitos eleitos — de 630 para 256 —, o que leva o partido a voltar no tempo, na primeira eleição municipal depois da vitória de Lula em 2002.

A legenda, que tinha 14 prefeitos no grupo dos maiores municípios do país, reelegeu apenas Marcus Alexandre em Rio Branco e disputa em Recife com candidato próprio, mas provavelmente João Paulo perderá para Geraldo Julio, do PSB. A sigla perdeu as prefeituras de São Paulo e Goiânia, e de cidades importantes no estado de São Paulo, onde cresceu a liderança do PSDB no interior com o governador Geraldo Alckmin.

O PMDB tem a possibilidade de melhorar sua presença na lista das maiores cidades brasileiras, pois elegeu prefeitos em sete desses municípios no primeiro turno e está no segundo turno em 14 cidades, sendo seis capitais — Cuiabá, Florianópolis, Goiânia, Macapá, Maceió e Porto Alegre.

Além de consolidar a nova base político partidária de apoio ao governo Temer, a eleição municipal teve o papel de iniciar o arranjo de forças para a disputa presidencial de 2018. O PSD passou de 498 prefeitos eleitos em 2012 para 539 neste ano e ficou com a terceira posição como legenda com mais vitórias, passando o PT, que caiu para o décimo lugar entre os partidos.

Em seguida, vem o PP, que tinha 476 eleitos há quatro anos e agora tem 496. O PMDB tem um acordo tácito de não tentar reeleger o presidente Temer, e o PSDB conta com o cumprimento da promessa para indicar o representante do novo grupo político. Mas antes terá que resolver suas disputas internas.

Mesmo perdendo 46 prefeituras, o PSB ainda é o quinto partido com mais vitórias nesta eleição municipal, elegendo 416 prefeitos e fortalecendo a aliança com o PSDB do governador paulista Geraldo Alckmin. Em Belo Horizonte, mais uma vez o senador Aécio Neves joga seu destino político numa disputa eleitoral cujos riscos menosprezou.

Só no segundo turno, quando o candidato Kalil do PHS passou à frente do tucano João Leite, é que o PSDB mobilizou sua tropa de elite para intervir na campanha. É possível que consiga reverter a situação, mas uma derrota custará caro para Aécio em termos de prestígio para se lançar novamente como candidato tucano à presidência.

Por seu lado, o PDT passou a ser o partido de oposição que elegeu mais prefeitos, conquistando 27 prefeituras a mais do que em 2012, passando para 334. Com isso, já está se colocando como protagonista para a eleição presidencial, lançando Ciro Gomes e quase que exigindo o apoio do PT.

Lula sai da eleição de 2016 pela porta do fundo - JOSIAS DE SOUZA

BLOG DO JOSIAS DE SOUZA - UOL - 12/10

No primeiro turno da eleição municipal, Lula votou em São Bernardo do Campo. Estava acompanhado de sua mulher, Marisa, do prefeito petista Luiz Marinho e do candidato do PT à prefeitura da cidade, Tarcísio Secoli. Na saída, Lula fez uma aposta alta: “O PT vai surpreender nesta eleição”. Disse meia dúzia de palavras sobre a disputa na capital paulista: ''Se o povo de São Paulo tiver o orgulho que pensa que tem, se tiver a inteligência que pensa que tem, ele não tem outra coisa a fazer que não seja votar no [Fernando] Haddad''.

Todos já sabiam que o PT estava à beira do abismo. Mas ninguém poderia supor que o morubixaba da legenda fosse pisar voluntariamente no sabonete. Em São Bernardo, Secoli não foi para o segundo turno, que será disputado por dois aliados do tucano Geraldo Alckmin: Orlando Morando (PSDB) e Alex Manente (PPS). Em São Paulo, sucedeu algo mais dramático. Além de ficar pelo caminho, Haddad assistiu ao triunfo do tucano João Doria, afilhado de Alckmin, no primeiro round. Coisa jamais vista na capital. Nacionalmente, o PT foi dizimado.

Lula ficou numa situação análoga à do apostador que deixa as calças sobre o pano verde e abandona o salão de jogos sem dinheiro para o ônibus. Queimaram-se os fusíveis da intuição lendária do grande guia dos povos. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Lula parece mesmo decidido a provar que é errando que se aprende… A errar. Resolveu que, neste domingo, não irá votar. Sua ausência foi confirmada pelo Instituto Lula. Ele acaba de completar 71 anos. E alega que a lei desobriga os septuagenários de votar.

Curioso, muito curioso, curiosíssimo. No primeiro turno, Lula fora vaiado e aplaudido na sessão eleitoral em que votou. Acionou seus tímpanos seletivos. ''Eu não ouvi vaias. Era tanto aplauso! É como quando o Corinthians vai jogar, mesmo sendo no Itaquerão. Tem sempre meia dúzia de torcedores do outro time. Pergunta se o jogador ouve vaia. Só ouve aplausos.'' Agora, excluído da partida, age como garoto mimado. Se pudesse, interromperia o jogo, levando a bola para casa. Por sorte, nas democracias a bola pertence ao eleitor.

Lula gostaria de ser candidato à Presidência em 2018. Mesmo que sua situação penal o exclua dessa briga, como democrata que diz ser deveria respeitar a divergência, abstendo-se de desqualificar as opções alheias com atitudes desnecesárias. Do modo como passou a agir, pode empurrar até as pessoas que ainda tentam admirá-lo para uma conclusão inexorável: quem acha que não tem idade para votar já está velho demais para ser votado.

Na fatídica entrevista em que vaticinara o desempenho surpreendente do PT, Lula desdenhara dos efeitos do petrolão sobre as urnas. Rosnara para a conjuntura: ''Quanto mais ódio se estimula contra mim, mais amor se cria. Essa gente vai se surpreender porque, a partir dessas eleições, eu vou começar a andar pelo Brasil…” Sem saber como ficará o seu direito de ir e vir depois que a Lava Jato decidir o seu futuro, Lula Faria um bem a si mesmo se andasse do seu apartamento, em São Bernardo, até sua zona eleitoral. Não resolve o fiasco do PT. Mas evita o constrangimento de sair da eleição municipal de 2016 pela porta do fundo.