terça-feira, dezembro 31, 2013

O BLOG VAI ACABAR...

...NA GANDAIA 

UM BOM DOIS MIL E QUATORZE!







Contando com a sorte - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

Aí vamos nós, de novo sozinhos, para atravessar mais um ano. Em 2014, como em 2013 e nos anos anteriores, contaremos apenas com nossa própria capacidade de resolver os problemas que nos aparecerem; mais uma vez, será perfeitamente inútil esperar qualquer colaboração da máquina pública, que todos pagam justamente para isto — colaborar, por pouco que seja, para dar à população um grau a mais de conforto nesta vida já tão complicada pela própria natureza. Muita gente, como sempre, veio prometer ao longo do ano soluções para nossos problemas do presente e anunciar planos para resolver nossos problemas do futuro. Falaram muito; disseram pouco. Depois, também como sempre, foram sumindo, cada um em seu canto, atrás do que realmente lhes interessa: segurar a fatia do Brasil que já têm. Não vão mudar de vida só porque 2014 será ano de eleição presidencial e de Copa do Mundo no Brasil; talvez tenham de se esforçar um tanto a mais para manter em cartaz a sua comédia, mas para tudo há um jeito. Vão encontrar o seu, como sempre, e acabarão deixando os brasileiros tão abandonados em dezembro de 2014 como estão agora.

Sobram, para qualquer lado que se olhe, avisos claríssimos de que o ano novo promete ser igual ao ano velho — já nem se tenta disfarçar o pouco-caso com que os donos do país tratam o brasileiro comum e que aumenta a cada pesquisa de opinião garantindo que a presidente da República está a caminho dos 101% de popularidade. Há o caso do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que encerrou 2013 com um espetáculo realmente esquisito: foi brigar na Justiça com os cidadãos da própria cidade que dirige (e que lhe pagam o salário), para socar um aumento de até 35% em 85% dos contribuintes de um dos impostos municipais. Houve, nas alturas extremas onde vivem a presidente Dilma Rousseff, seu ministro da Fazenda e outras imensas autoridades federais, um surto de decisões desconexas sobre a possibilidade de retirar os airbags e freios ABS dos novos modelos de carro a ser fabricados, numa tentativa desesperada de impedir que subam de preço. Tira, põe, deixa ficar — a impressão que sobrou é que os decisores não sabiam realmente do que estavam falando, e acabaram perdidos de novo no nevoeiro mental em que vivem. Há ainda outros tumultos saídos da mesma pipa, mas parece que o mais instrutivo deles é a compra de 36 aviões-caça da Suécia, os Saab Gripen NG, que estaremos pagando ao longo dos próximos anos para defender o nosso espaço aéreo de seus possíveis inimigos.

Tudo indica que em nenhum momento uma autoridade do governo pensou que a população deste país tivesse alguma coisa a ver com isso. Para começar, nenhum brasileiro jamais sentiu a falta de 36 caças suecos para resolver algum problema real em sua vida, ou na defesa do seu país. O cidadão poderia achar estranho, também, que o modelo escolhido tenha o inconveniente de ainda não existir; é o mais barato, mas só a partir de agora começará a ser desenvolvido, para entrega final até 2023. Até lá, esperemos continuar com a sorte, que nos acompanha desde Santos Dumont, de não sofrer nenhum ataque aéreo contra o nosso território. Além disso, o governo levou doze anos inteiros para decidir qual modelo compraria — basicamente, o americano F-18, o francês Rafale e esse sueco. Doze anos? Como o Brasil jamais foi acusado de ser um país que pensa demais, ou tem a reputação de só decidir alguma coisa depois de ter 100% de certeza na correção do que está fazendo (não consegue se entender nem sobre os tais equipamentos de segurança), o motivo da demora só pode ser do mal. Pois ou a compra é necessária, e aí o cidadão brasileiro não pode ficar esperando doze anos por uma decisão, ou não é — e aí o mesmo cidadão não tem nada de pôr a mão no bolso para pagar a conta. Mas ninguém no governo sequer se lembrou de que ele existe. Toda essa história teve a ver apenas com uma questão pessoal do ex-presidente Lula, primeiro, e da presidente Dilma Rousseff, depois. Lula queria o modelo francês de todo jeito; jurava que era o melhor, embora fosse o mais caro. Mas a França não deu apoio a um disparate qualquer que ele propôs na diplomacia mundial; o homem emburrou e nunca mais quis ouvir falar dos Rafale, que até então achava o máximo. Dilma se inclinou para o F-18 dos Estados Unidos, mas ele subitamente deixou de ser o melhor quando a presidente se ofendeu com o delírio americano de espionar tudo o que existe sobre a face da Terra. Qual é o critério da escolha? Qualidade ou birra? Sorte dos suecos.

O tampinha e o pau-brasil - MARCELO TAS

FOLHA DE SP - 31/12

Juro que a minha intenção não era zombar da estatura mínima de Eike Batista, mas do fato de ele ter poucos seguidores no Twitter


O Brasil tem este nome por causa de uma árvore. Depois do descobrimento, arrancar o pau-brasil do solo pátrio e exportá-lo para a Europa passou a ser a nossa primeira atividade econômica.

Se hoje extraterrestres redescobrissem o Brasil, pela mesma lógica, o país poderia ser rebatizado de Minério de Ferro, Soja ou Carne Bovina. O modelo econômico ainda é o mesmo: exportar commodities a preço de banana.

Tenho 4,9 milhões de seguidores no Twitter. Um deles é o homem mais rico do Brasil. Quer dizer, era.

No último ano, Eike Batista, dono de um império de mineração, perdeu US$ 34 bilhões.

Antes da dinheirama evaporar, Eike e eu tivemos uma discussãozinha na rede social. O então megabilionário não gostou da minha tese sobre as ajudinhas que as empresas dele recebiam do BNDES para manter a nossa sina de exportador de matéria-prima.

Ferido, ele atirou: "Quem é esse Marcelo Tas?". É compreensível Eike ignorar a minha existência. Enquanto ele comanda --ou comandava-- um império de dezenas de bilhões de dólares, eu comando um programinha de humor na televisão.

Ferido, eu respondi: "Pergunte aos meus milhões de seguidores, seu tampinha!".

Juro que a minha intenção não era zombar da estatura mínima do megabilionário, que, como Donald Trump, também usa peruca; mas do fato de ele ter poucos seguidores no Twitter. Em minutos, meu telefone toca. É um assessor dele me convidando para almoçar e fumar um "cachimbo da paz".

Na mesa, somos mais de dez pessoas: engenheiros, economistas, assessores de imprensa... Gentilmente, Eike pede licença para me mostrar um vídeo com o resumo dos planos dele até 2038.

Ao final do audiovisual --com navios e tratores se movimentando sobre o mapa-múndi ao som de música eletrônica barata--, o bilionário aguarda a minha reação com um sorriso vitorioso.

"Eike, onde você vai encontrar engenheiro para tudo isso? Fazer o Brasil crescer sem cuidar da educação é como construir palácios sobre areia movediça."

Ele me devolve a pergunta: "Já pensou em ser político?". "Sim, serei candidato a presidente do Brasil em 2038!", respondo. "Me aceita como tesoureiro?", ele emendou.

A mesa explode numa gargalhada, encerrando o almoço em tom amistoso. Na saída do evento, um assessor do bilionário me confidenciaria ao ouvido.

"Rapaz, você não sai mais da cabeça do Eike. Na semana passada, a caminho de uma reunião importante, em plena Park Avenue, em Nova York, ele se virou para mim e perguntou: "Fala a verdade, você acha que eu sou um tampinha?".

O meu 2013 - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 14/12

Albert Camus é superior a Sartre, mesmo que a sua proposta "existencialista" seja difícil de engolir


Animais "" Depois de invadirem um laboratório em São Paulo, fanáticos da causa animal invadiram o meu e-mail com os insultos de praxe. Infelizmente, discutir os "direitos dos animais" implica saber primeiro se, em nome desses duvidosos "direitos", é legítimo parar a ciência e os inúmeros tratamentos médicos que dependem da experimentação com bichos. Não creio. Quem pensa o contrário deveria, por motivos de coerência, recusar toda a tecnologia (e toda a farmacologia) que passou por ratos, símios ou cachorros.

Camus, Albert "" O centenário de Camus não teve o mesmo brilho que o de Sartre em 2005. Injusto. Camus é superior a Sartre, mesmo que a sua proposta "existencialista" seja difícil de engolir: aceitar o Absurdo como um Sísifo feliz pressupõe um nível de autossuficiência raríssimo em matéria humana tão frágil.

Francisco "" Com a renúncia de Bento 16 --coisa invulgar em mais de 600 anos de história-- o Espírito Santo foi buscar um papa no "fim do mundo". Rezam as crônicas que, depois de eleito, Francisco terá informado os colaboradores que "o Carnaval acabou". Que o mesmo é dizer: é hora de recentrar a mensagem evangélica na missão primordial de acorrer aos desvalidos, sem perder energias com "batalhas culturais" redundantes. Amém!

Livros "" Alice Munro ganhou, e bem, o Nobel da Literatura. David Shields publicou a melhor autobiografia que li em 2013 ("How Literature Saved My Life"). O melhor livro brasileiro é produto desta Folha: "A Cozinha Venenosa", de Silvia Bittencourt, uma narrativa histórica sobre um pequeno jornal da Baviera que denunciou, desde a primeira hora, a ascensão de Hitler --primeiro, como um vulgar agitador nas cervejarias de Munique; finalmente, como líder nazista na Alemanha. Sei que esta coluna é lida por editores portugueses. Para eles, uma palavra: acordem!

Mandela, Nelson "" A morte de Mandela mostrou o jornalismo moderno em toda a sua gloriosa preguiça: em tom caricatural, Mandela foi elevado a santo e a luta contra o "apartheid", transformada em obra de um homem só. Errado. Mandela foi sobretudo um político de gênio que entendeu as vantagens (midiáticas, internacionais) da "resistência passiva", ao mesmo tempo que dialogava com o regime. A queda da União Soviética e a sensatez de Frederik de Klerk (o último presidente branco da África do Sul, devidamente ignorado nas hagiografias que se escreveram sobre Mandela) fizeram o resto para derrubar a derradeira mancha moral do século 20.

O'Toole, Peter "" O ano foi triste para os monstros das telas. James Gandolfini, que fez com Tony Soprano o mesmo que Jeremy Brett com Sherlock Holmes (uma fusão perfeita e lendária na TV) deixou-nos em junho. Peter O'Toole, fiel ao espírito boêmio, esperou pelas festividades natalinas. Indicado oito vezes ao Oscar, perdeu as oito quando provavelmente merecia ganhar nas oito. Depois disso, só leva a sério os prêmios de Hollywood quem tem falta de massa cinzenta.

Ricardo 3º "" Em parque de estacionamento na Inglaterra, foram encontradas as ossadas do rei que Shakespeare imortalizou na peça homônima. O caso levou historiadores vários a tentar melhorar a reputação de Ricardo 3º --um monarca sensato, reformador, compassivo etc. Indiferente. Como alguém dizia, quando a lenda é superior aos fatos, imprima-se a lenda. O Ricardo que fica para a posteridade é aquele que, nas primeiras linhas da peça, despreza a paz que finalmente chegou à casa de York e se prepara para iniciar a sua busca pelo poder. A paz sempre valeu pouco para espíritos que não se encontram em paz.

"Selfie" "" Aprendi essa palavra nova no ano que termina. São fotos que o próprio tira do próprio e depois partilha nas redes sociais. Exemplo extremo de narcisismo? Certo. Mas o narcisismo tem uma explicação cultural: longe vão os tempos em que a função da arte (e do retrato) era captar e reproduzir o mundo. Hoje, o crescente desinteresse pelo mundo (e, no limite, pelos outros) só poderia degenerar em monumentos fotográficos à nossa ridícula vaidade e indisfarçável solidão.

Thatcher, Margaret "" Morreu aos 87. Nenhum premiê britânico despertou tantos ódios como Thatcher. Entendo. Thatcher não resgatou apenas o Reino Unido da falência econômica em que o país se encontrava em 1979. A "dama de ferro" deslocou o eixo político britânico definitivamente para a direita, enterrando o "socialismo" na pátria onde ele nasceu. É o seu epitáfio.

Rascunho para 2014 - ARNALDO JABOR

O Estado de S.Paulo - 31/12

O ano de 2013 foi muito bom. Muito didático. Aprendemos a ver as coisas pelo lado torto. Ótimo, pois nossa verdade está no avesso. Aprendemos que corrupção no Brasil não é apenas endêmica; é eterna. Ela está encravada na alma de nossos políticos. Corrupção é vida. Foi através dela que construímos esse país, no adultério entre o público e o privado ou entre o "púbico e a privada". Daí nasceu nosso mundo: estradas rotas, a espantosa construção de Brasília, onde já gastamos trilhões de dólares com passagens aéreas para homens irem ao Planalto implantar perucas ou visitar as amantes e casas de mães joanas.

Aprendemos que apenas 30% da população é realmente alfabetizada. O resto é analfabeto funcional que assina o nome, mas não sabe mais nada. E isso é bom para eleições, pois um povo ignorante é ótimo para eleger canalhas.

No entanto, tudo tem um lado bom, nossa estupidez estimula uma criatividade cultural de axés e garrafinhas, aumenta a fé com milhões de novos evangélicos dando dinheiro para pregadores traficantes, estimula a boçalidade combativa, como as emocionantes batalhas entre torcidas, shows de MMA espontâneos nas arquibancadas. Estupidez é entretenimento. O País já virou novela de suspense. É uma escola. Com a prisão dos mensaleiros, enxergamos que nosso sistema penitenciário é o inferno vivo. Estupradores, chacinadores protestam contra o conforto dos petistas. Finalmente, Zé Dirceu conheceu a luta de classes e foi-nos útil: iluminou-nos sobre o sistema carcerário.

Vimos como a escrotidão e o idealismo são primos. Neste ano aprendemos, por exemplo, que não existe primavera, nem árabe nem brasileira. E isso é mais realista. Chefes de Estado preferem secretamente que o Assad ganhe a guerra contra a Al-Qaeda que já tomou conta. Menos esperança, mais sabedoria. O mundo ganhou um pessimismo iluminado. Graças ao bravo 'nerd' Snowden, que revitalizou o Putin da Rússia, o líder da moda que protege a destruição da Síria, prejudicou o Obama e abriu portas para novos ataques do terror. Ou seja, aprendemos que tudo se ramifica em contradições inesperadas, que um bem pode virar um mal e um 'hacker' babaca pode mudar o mundo.

Já sabemos que milagres acontecem, mas são logo destruídos. Milhões se ergueram em junho numa aurora política aparente, mais uma 'primavera'; no entanto, os black blocs, espécie de Al-Qaeda punk de imbecis, vieram nos lembrar da realidade: estupidez e mediocridade política são a clássica realidade brasileira. Enquanto Sarney reina, Agnello Queiroz se agarra no Lula e Jacques Wagner destrói a Bahia, já sabemos que os horrorizados cariocas, chocados com o grande "crime" do helicóptero do Cabral vão eleger a nova catástrofe: nosso Estado governado ou pelo Garotinho, Crivella ou Lindinho. Será o fim do Estado do Rio, durante a olimpíada. Vivam os cariocas, as bestas quadradas do apocalipse! Pedem para ser mortos duas vezes.

Já sabemos também que "a infraestrutura sórdida do País foi culpa dos governos anteriores". Ao menos foi o que disse a Dilma diante de FHC e do Clinton (que vexame...) depois de 11 anos do PT no poder. Só não sabemos o que o PT fez em 11 anos, mas isso é curiosidade de neoliberais canalhas, o que será corrigido com a reeleição de Dilma, quando teremos uma regulamentação bolivariana nessa mídia conservadora que teima em estragar os prazeres da mentira. Finalmente entendemos que quem fez o Plano Real não foi o FHC, como afirma a mídia de direita; foi o Lula, com preciosa ajuda de Mantega.

Já entendemos que a Dilma é brizolista. Também já sabemos que o Brasil anda na contramão dos próprios velhos países socialistas como China e Vietnã. Como escreveu Baudrillard: "O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação brutal", vide o novo eixo do mal da A.Latina. Nós somos um bom exemplo desconstrutivo do que era o comunismo.

Já sabemos que privatização se chama hoje concessão, que lucro ainda é crime e que aos poucos os empreendedores que fizeram o País, antes do PT existir, são aceitos ainda com relutância pelos donos do poder.

Já sabemos que nosso ministro da economia é a própria Dilma, pois o Mantega só está lá porque ela manda nele. Por que não bota o Delfim, ou o Palocci que já salvou o Brasil uma vez? Ele é um dos petistas respeitáveis. O outro morreu há pouco - Marcelo Déda, raridade, inteligente, com senso de humor e do bem.

Neste ano, aprendemos: a justiça não anda sozinha. Se não fossem dois grandes homens, Ayres Brito e Joaquim Barbosa, nada teria acontecido. Aprendemos que o Mercosul tem de acabar. Aprendemos que o legislativo só funciona no tranco de ameaças do povo. Agora já perderam o medo de novo.

Já sabemos que a política tem sido um espetáculo, como um balé. No Brasil, a política já é um país dentro de outro, com leis próprias, ética própria a que assistimos, impotentes. Os fatos perderam a solidez - só temos expectativas. E tudo continuará. Saberemos no ano que vem quantos campos de futebol de floresta foram destruídos por mês nas queimadas da Amazônia, enquanto ecochatos correm nus na Europa, fazendo ridículos protestos contra o efeito estufa; saberemos quantos foram assassinados por dia, com secretários de segurança falando em "forças-tarefa" diante de presídios que nem conseguem bloquear celulares, continuaremos a ouvir vagabundos inúteis falando em "utopias", bispos dizendo bobagens sobre economia, acadêmicos decepcionados com os 'cumpanheiros' sindicalistas, enquanto a República continuará a ser tratada no passado, com as nostalgias masoquistas de tortura, ressurreição de Jango e JK, heranças malditas, ossadas do Araguaia e nenhuma reforma no Estado paralítico e patrimonialista. Não vivemos diante de "acontecimentos", mas só de "não acontecimentos".

Repito a piada: não sou pessimista; sou um otimista bem informado.

Continuaremos a não acontecer em 2014.

É o rombo externo - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 31/12

O salto de 0,38% para 6,38% no IOF cobrado em cartões de débito destinados a cobrir despesas de viagens ao exterior demonstra que o governo está seriamente preocupado com o desequilíbrio nas contas externas.

Até agora, o discurso oficial era outro. Era o de que o rombo nas Contas Correntes, que se avizinha dos 3,7% do PIB (veja o gráfico), continuava sendo folgadamente coberto com a entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs).

Apenas para quem não está familiarizado com demonstrações do Balanço de Pagamentos, Contas Correntes ou Transações Correntes, é o conjunto que mede entradas e saídas de moeda estrangeira em três subcontas: Balança Comercial (exportações e importações); Serviços (transportes, turismo, juros, royalties, etc.); e Transferências Unilaterais, que apontam entradas e saídas destinadas a dar cobertura de despesas a familiares no/do exterior.

Parece improvável que a saída de moeda estrangeira seja estancada com esse aumento de imposto. Ao longo de 2013, a conta de Turismo não reagiu nem mesmo à alta do dólar (desvalorização do real) de 15% em 12 meses. Foram gastos com turismo externo nos onze primeiros meses do ano US$ 23,1 bilhões, mais do que o País obtém com receitas de exportações em um mês (veja, ainda, o Confira).

Mas a sangria de dólares não é relevante nessa conta porque há uma entrada de US$ 17,0 bilhões no mesmo período de onze meses. Portanto, o saldo negativo foi de apenas US$ 6 bilhões.

A principal sangria aconteceu em duas outras contas. A primeira delas foi o aumento das importações (mais 7,1% em 12 meses) conjugado com o baixo desempenho das exportações (menos 1,2%). Isso aconteceu porque o consumo continuou excessivamente elevado quando comparado com o resultado medíocre do setor produtivo. Ou seja, para atender ao aumento da demanda interna foi preciso reforçar as compras no exterior. O governo não se importa em queimar bilhões de dólares com importação de gasolina e de óleo diesel e, assim, cria outras distorções na economia. Mas entende que o turismo externo tem de ser inibido.

A outra subconta por meio da qual os dólares vazaram para o exterior foi a de Investimentos Brasileiros no Exterior. Até novembro lá se foram US$ 43,0 bilhões, mas deverão fechar o ano com cerca de US$ 53 bilhões. Não está clara a natureza dessas saídas. Alguma coisa se deveu a investimentos de empresas brasileiras lá fora. Mas a maioria desses recursos deve ter sido saída pura e simples de capitais, em consequência da perda de confiança na política econômica do governo Dilma.

Enfim, o governo fecha uma torneirinha e deixa intocados vazamentos substancialmente maiores. Mas está aí o recado. Embora diga o contrário, o governo mostra preocupação com a deterioração das contas externas. A melhor maneira de revertê-la é recuperar credibilidade; é cuidar do equilíbrio das contas públicas - e não seguir alardeando que tudo vai bem.

Dilma Rousseff "em guerra" - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 31/12

Presidente usa termo caro à ditadura e mostra intolerância a críticas em seu discurso de fim de ano


"GUERRA PSICOLÓGICA" era uma expressão estimada na ditadura militar. Foi de mau gosto extremo a presidente da República recorrer a esse linguajar em seu discurso de final de ano, transmitido anteontem por TV, rádio e internet.

Na ditadura, a expressão estava cuspida em papeluchos jurídicos que procuravam criar uma fantasia sinistra e cínica de legalidade, fantasia de resto inteiramente dispensável, pois vivia-se sob arbítrio absoluto.

A presidente sabe perfeitamente disso. Sabe mais que quase todos nós, pois experimentou esses horrores na carne e na alma.

"Guerra psicológica adversa", além de jargão militar, era termo para tipificar o que os ditadores e seus capatazes consideravam "difamação do Brasil" ou a criação de "clima favorável à subversão". Ou seja, para enquadrar qualquer um por qualquer motivo pelo crime de lesa-majestade dos caprichos ditatoriais, qualquer um que aparecesse com ideias insidiosas.

O termo estava lá no no Ato Institucional 14, baixado pela junta de 1969, emenda "constitucional" que instituiu pena de morte ("legal") justamente para crimes como "guerra psicológica", revolucionária ou subversiva.

Esses decretos sombrios formalizavam a mentalidade do "Brasil: Ame-o ou Deixe-o" (ou morra discordando), bordão inventado pelos publicitários do regime.

A expressão também aparecia na Lei de Segurança Nacional. Aparecia na boca das autoridades, em discursos e entrevistas.

No seu discurso, a presidente introduz o tema da "guerra psicológica" com o chavão autoritário da "crítica positiva" (temos de "buscar soluções, e não ampliar os problemas") e o da crítica ao "pessimismo", tema recorrente nesse terceiro ano de má política econômica.

A presidente não dá nome aos bois ou aos seus demônios, aos inimigos que travam essa guerra psicológica. Seguindo outra tradição autoritária, Dilma Rousseff menciona de passagem forças ocultas, "alguns setores", que "instilam desconfiança, especialmente desconfiança injustificada", a tal "guerra psicológica", que pode prejudicar a versão presidencial do que seja o progresso do Brasil.

Sim, como era de esperar, a presidente diz que continua disposta a ouvir trabalhadores e empresários "em tudo que for importante para o Brasil". Mas "apostar" no Brasil é o caminho mais rápido para todos saírem ganhando.

Sim, a presidente está disposta a ouvir, mas deixa claro que ela está do lado do Brasil. Divergências maiores, "pessimismos", que parecem não estar no "lado brasileiro", são um atraso.

Francamente, este jornalista acredita que Dilma esteja "do lado do Brasil" (em linguagem menos nacionalista, que esteja empenhada em diminuir o sofrimento das pessoas que vivem nesta terra). Mas ficou um tanto (mais) deprimido com o tom autoritário da presidente, com a falta de grandeza demonstrada em sua incapacidade de autocrítica e de diálogo com os "pessimistas", na sua imodesta procura de bodes expiatórios, na falta de inspiração.

A "guerra psicológica" foi a cereja desse bolo azedo. É com pesar que a gente se pergunta o motivo de a presidente ter piorado ainda mais seus discursos assintáticos com essa mancha de péssima memória.

Como ensinar com professores em greve? - JOSÉ PASTORE

O Estado de S.Paulo - 31/12

Nos últimos dias, a imprensa divulgou intensamente a precária situação da qualidade do ensino no Brasil. Nos testes do Programa Internacional de Avaliação e Alunos (Pisa) estamos na 57.ª posição, entre 65 países pesquisados.


É verdade que aqueles testes mostraram uma pequena melhoria dos alunos brasileiros. Mas a corrida educacional é em direção a um ponto móvel. Os nossos concorrentes avançaram muito mais, mantendo o Brasil na posição em que estava em 2009. A China, em especial a província de Xangai, disparou na melhoria do desempenho do ensino. A Coreia do Sul continuou brilhando. Japão e Taiwan progridem cada vez mais. Os países do Leste Europeu estão bem melhores que o Brasil.

A baixa qualidade do ensino no Brasil tem um preço alto na concorrência global, disse a professora Maria Helena Guimarães Castro. Ela está coberta de razão, pois a educação de boa qualidade é a chave da produtividade, que, por sua vez, é a base da competitividade. O trabalhador brasileiro produz, em média, 25% do que produz o trabalhador alemão e 20% do que produz o americano. Tecnologia pesa, é claro. Mas a educação é crucial: o que realmente conta na eficiência de uma máquina moderna é a competência de quem a opera e a mantém.

Todas as pesquisas indicam que a qualidade da educação depende do que ocorre dentro das escolas, em especial nas salas de aula. No caso brasileiro, fala-se que o tempo de aula é insuficiente e que os professores são mal remunerados e não conseguem fazer os alunos apreenderem.

Tudo isso é verdade. Mas há uma agravante importante. Só em 2013, as greves de professores nas escolas estaduais e municipais somaram mais de 400 dias úteis, conforme informou o jornal Valor de 5/12/2013 - e o ano ainda não havia terminado. Com isso, mais de 1,5 milhão de alunos foram prejudicados, pois, enquanto os professores cruzavam os braços, as mentes dos estudantes ficavam na ociosidade. Só no Rio de Janeiro foram 80 dias perdidos. Se já é difícil ensinar com jornadas normais, imagine com as aulas suspensas!

Essa história de repor dias de aula durante as férias é tão necessária quanto utópica. Na prática, as faltas se transformam em dias perdidos mesmo, em que os alunos deixam de aprender. Nas negociações para terminar com a greve, os administradores e os professores fazem que acreditam numa reposição que nunca compensa o que se perdeu com as greves.

As principais reivindicações dos mestres se referem a aumentos salariais e melhores promoções nos planos de carreira. Nos movimentos grevistas, porém, não se pronuncia a palavra produtividade. Os sindicatos se recusam a atrelar os aumentos salariais e as promoções ao desempenho dos professores. Isso é muito grave.

A estimulação do mérito é crucial em qualquer campo e tem sido considerada seriamente nas negociações salariais dos professores em países avançados. É isso que ocorreu em 2013 nos Estados Unidos, na Alemanha, na Coreia do Sul e em outras nações. No Brasil, há não apenas um desprezo, mas, sobretudo, um aberto combate ao mérito. Recentemente, os sindicatos dos professores do Rio de Janeiro tiveram a coragem de desfilar na cidade durante a greve empunhando faixas que diziam "abaixo o mérito!".

Ou seja, ao problema da má remuneração e da falta de reconhecimento da carreira docente o Brasil soma o estrago de um sindicalismo corporativista que desconsidera inteiramente a razão de existir da escola: uma instituição para formar e estimular as novas gerações.

Para melhorar o ensino, não basta investir mais dinheiro, como promete fazer o governo no recém-aprovado Plano Nacional de Educação e com o uso dos recursos do pré-sal. O mais urgente é restabelecer a ética do trabalho entre os profissionais da educação. Isso não se compra com dinheiro, e, sim, com exemplos que devem ser dados de cima para baixo.

Alvo errado - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31/12

O que arruinou as contas externas este ano foi a importação de gasolina. O Brasil escondeu um déficit comercial alto através de uma conta gráfica que registra exportações não feitas de plataformas de petróleo. Mas o governo decidiu punir quem gasta no exterior com cartão de débito, pré-pago ou cheque de viagem. Os viajantes pagarão um IOF de 6,38%, baixado no penúltimo dia útil do ano.

Quando os governos não sabem o que fazer para lidar com um rombo externo eles sempre atacam o turista, que é considerado culpado por viajar e ceder à tentação de comprar a preços bem menores lá fora. O que o governo fez agora lembra os anos 1980, quando, afundado em déficit, o Brasil limitava o volume de dólares a ser levado pelo viajante ao exterior.

Os brasileiros viajaram muito e gastaram bastante no exterior, é verdade. Foram US$ 23 bilhões gastos lá foram, até novembro, contra US$ 6,1 bi que entraram no país com turistas estrangeiros. Isso gerou um rombo de US$ 16,9 bilhões na conta turismo. Mas o buraco mais sério nas contas externas tem sido causado pela importação de gasolina. O governo incentivou o consumo ao zerar a Cide e segurar o preço. A balança registra até novembro US$ 39,3 bi de importação de petróleo e derivados. Parte disso é combustível do ano passado, que ele jogou na estatística deste ano. Como houve apenas US$ 19,8 bi de exportação, o rombo do setor de petróleo e derivados chegou a US$ 19,5 bilhões no ano.

A balança comercial mergulhou no negativo, do qual só saiu no fim do ano. Mesmo assim, foi daquele jeito: a Petrobras faz a plataforma aqui, exporta para uma de suas empresas no exterior e depois aluga de si mesma. Tudo isso se passa no mundo virtual; na realidade o produto não sai do Brasil, mas entra na estatística de exportação. O truque ajudou a empresa a não pagar alguns impostos, como PIS e Cofins, e evitou que o Brasil tivesse um déficit de quase US$ 7 bilhões na balança comercial, o primeiro da história em 20 anos.

O país gasta exorbitâncias com importação de um combustível fóssil, a Petrobras paga mais caro pelo produto do que pode cobrar das distribuidoras, isso prejudica a estatal e tinge de vermelho a balança comercial. Mas quem é perseguido é o turista, que foi viajar para o exterior com cartão de débito ou cheque de viagem.

O viajante vai pagar imposto mais alto nas compras no exterior, mas a gasolina continua pagando zero de Cide. Isso não faz sentido algum, até porque o produto continuará pesando na balança comercial de 2014.

O imposto vai pesar no bolso de quem viaja, mas o déficit de turismo vai continuar. Muita gente viaja ao exterior porque é mais barato do que viajar dentro do Brasil, pagar as diárias dos hotéis; muita gente compra lá fora porque os produtos brasileiros estão mais caros. Contra isso não há argumento nem imposto. O problema não é que muita gente viaja para o exterior, mas o fato de que o Brasil atrai poucos estrangeiros. Isso é que tem mantido negativa a conta turismo.

O ano foi todo de ajeitar os números para eles ficarem apresentáveis. Houve manipulação de preços públicos para que a inflação ficasse no intervalo de flutuação. Houve liquidação de concessões e privatização no fim do ano para melhorar as contas fiscais. O mês de novembro daria déficit primário se não fosse a venda do campo de Libra e as concessões. Houve queima de estoque de desapropriações para reforma agrária depois que o MST mostrou que o governo só havia feito oito no ano inteiro. Ao assinar 92 no seu último dia de trabalho, a presidente Dilma Rousseff disse: “atingimos a meta de fazer 100 desapropriações.”

Em um ano tão cheio de malabarismos, soa normal culpar o cartão pré-pago e o cheque de viagem pelo enorme rombo que se abriu nas contas externas. Mas não vamos perder a esperança de um ano que vem melhor. Feliz Ano Novo.

O humor de Dilma - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 31/12

Ela entrou na casa dos eleitores para fazer uma saudação de fim de ano. Gastou 1.400 palavras em autoelogios e se despediu semeando dúvidas sobre o futuro do país e das pessoas



Dilma Rousseff acha que seu governo está sob ameaça de uma “guerra psicológica” capaz de “inibir investimentos e retardar iniciativas”. Foi o que disse em cadeia nacional de rádio e televisão. Não explicou quem, quando, onde, como — e muito menos por que escolheu um termo cuja definição, nos manuais militares, consiste essencialmente no manejo das palavras para abalar o moral do inimigo.

Pode ser mero vício de linguagem, afinal Dilma é a última combatente da Guerra Fria com crachá de candidata na disputa presidencial de 2014. Ou talvez tenha sido um discreto desabafo, por estar “perdendo a batalha ideológica e política para o mercado financeiro”, como observou o economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo em entrevista à jornalista Eleonora de Lucena.

Seja qual for o motivo, a presidente-candidata esqueceu-se de que brasileiro só é otimista entre o Natal e o carnaval, como dizia o falecido economista Mário Henrique Simonsen. Na noite de domingo ela entrou na casa dos eleitores para fazer uma saudação de fim de ano. Gastou 1.400 palavras em autoelogios e se despediu semeando dúvidas sobre o futuro do país e das pessoas.

É notável a mudança no humor de Dilma. Basta ver seus discursos deste ano.

Em janeiro, ela proclamava, eufórica: “O Brasil está cada vez maior e imune a ser atingido por previsões alarmistas. Por termos vencido o pessimismo e os pessimistas, estamos vivendo um dos melhores momentos da nossa história.” Em março, baixou o tom: “Devemos ter o otimismo e o dinamismo e sempre reiterar a confiança, e mantermos uma atitude contra o pessimismo e a inércia que muitas vezes atingem outras regiões.” No mês seguinte, tentou animar a arquibancada: “Não tem quem nos derrote se não acharmos que já estamos derrotados. Não tem quem nos derrote! Isso é o que garante a nossa força, é o fato de que juntos ninguém nos derrota.”

Em julho, começou a exalar preocupação com “um ambiente de pessimismo que não interessa, que não é bom para o Brasil”. Chegou a novembro nostálgica de Juscelino Kubitschek, “quando dizia ‘o otimista pode errar, pode até errar, mas o pessimista já começou errado’”.

Poderia ter recordado outro mineiro, o escritor Fernando Sabino, para quem “o otimista sofre tanto quanto o pessimista, mas pelo menos sofre só uma vez”. E, aí, talvez a oposição até retrucasse com a definição de Woody Allen sobre pessimismo: “Mais do que em qualquer outra época, a humanidade está numa encruzilhada. Um caminho leva ao desespero absoluto; o outro, à total extinção. Vamos rezar para que tenhamos a sabedoria de escolher”.

Dilma gravou seu discurso rudimentar sobre a “guerra psicológica” e viajou à Bahia, onde o tempo avança em ritmo Dorival Caymmi. O governador Jacques Wagner, seu amigo, poderia contribuir para mudar o ânimo da presidente-candidata, sugerindo a leitura da biografia de Apparicio Torelly, o Barão de Itararé (“Entre sem bater”, de Claudio Figueiredo). O Barão ensinava: “Os acontecimentos se processam com tanta rapidez que os acontecimentos acontecem antes de terem acontecido.” Pode ser uma opção refrescante a quem precisa olhar para além daquilo que vê. Na pior hipótese, ajuda a começar 2014 de bom humor, um dos fundamentos para estar de bem com a vida.

"Anos de sofrimento" - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 31/12

BRASÍLIA - O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, não é japonês só no nome, mas também na paciência. Só ele teria engolido tantos sapos para atingir o seu maior objetivo: definir os novos caças da FAB durante a sua gestão.

Com 71 anos, mais de seis no cargo, ele aposenta hoje a família de caças Mirage, da França, e já negocia termos e prazos para a chegada dos Gripen NG, da Suécia. Já pode ir tranquilo para a casa.

Escolhido por Lula pelo seco critério de antiguidade, independentemente de méritos ou deméritos, Saito engoliu um sapo atrás do outro desde 2007, até vencer no final.

Na crise aérea, Lula escanteou a Aeronáutica e os princípios militares de ordem e hierarquia para negociar com sargentos amotinados como se sindicalistas fossem. Deu tudo errado, só então Saito entrou em ação.

Com os caças, disse que foram "anos de sofrimento". Começou quando Lula desprezou a FAB e anunciou o Rafale francês antes do relatório técnico. E não parou mais.

O relatório --antecipado pela Folha em 5 de janeiro de 2010-- analisou seis critérios, deu vitória ao Gripen NG sueco e foi aprovado pelo Alto Comando da Aeronáutica. Mas ignorado pelo governo.

Em nova manchete da Folha, três dias depois, o então ministro Jobim admitiu que revisaria o relatório, embaralhando o peso dos critérios. Claro que seria para justificar o francês, adequando as conclusões técnicas à conveniência política.

E houve mais dois relatórios, um quando Dilma tendia para o F-18 dos EUA e o último no fim deste ano, para dar suporte ao anúncio do Gripen. Apesar da surpresa geral, registrei em 12/12, neste espaço, que o dia D seria 18/12, como foi, e que o sueco estava de novo na parada.

Saito assinou todos os relatórios impostos, mas trabalhou em silêncio contra o Rafale. Preferia o F-18 e assimilava bem o Gripen, sabendo que seu comando passa, mas a FAB e o país ficam. Entra em 2014 feliz.

Tomaram minha carteira! - CLAUDIO DE MOURA CASTRO

O Estado de S.Paulo - 31/12

Umas multinhas aqui, outras acolá. Pior, desleixo em obrigar membros da família a perfilhar suas próprias infrações no meu carro. E lá se vai a carteira por uns tantos meses. Vencido o prazo de abstinência, há que penar 30 horas de reciclagem. Uma experiência edificante e educativa!

Sendo impossível confiar nas autoescolas, o Detran usa as impressões digitais de professor e aluno ao início e ao fim da aula. Tudo controlado por um formoso computador. Ou seja, descentralizado e controlado. Ao menos para leigos, o sistema é blindado. Há realmente que gastar 30 horas na autoescola. Se o objetivo é punir os pecadores e convencê-los a tomar mais cuidado, o sucesso é incontestável. Parabéns ao Detran. O castigo é de uma chatice infinita, espantosa perda de tempo. Aprendi a lição.

Como a prova é a mesma para obter a carteira de habilitação, fiquei pensando na lógica do sistema. De início, por que obrigar alguém a fazer autoescola, se há uma prova no Detran? Depois de fazer três simulados foi fácil, o exame mescla conhecimentos úteis, decoreba e cretinices, com predomínio das últimas.

No meu último exame de habilitação, nos EUA, havia que estudar um livreto de 20 páginas (metade sobre direção defensiva). O livro brasileiro tem 162 páginas. Pela lógica, deveríamos ser motoristas exemplares, conhecendo todas as regras do trânsito, primeiros socorros, cidadania e direção defensiva. Como nossa taxa de acidentes fatais é espantosa, reduzi-los deveria ser o foco obsessivo do curso. Mas as provas oferecem uma indigestão de banalidades e inutilidades. Por que o Detran não contrata os serviços profissionais de quem sabe formular provas?

O melhor capítulo é o de primeiros socorros, eminentemente útil considerando quantos se estraçalham nos acidentes. Mas a formulação das perguntas é canhestra. Admitamos ser útil saber que o acidentado morre se tiver uma parada cardíaca. Mas por quantos minutos? E por quanto tempo apertar um nariz que jorra sangue? Os médicos se lembrarão desses números?

O capítulo de cidadania é uma total perda de tempo. Sólidas pesquisas demonstram que perorações e sermões têm impacto nulo sobre o comportamento. De que adianta dizer aos motoristas que sejam gentis?

Os vídeos exibidos na autoescola são lastimáveis. Se dirigir é lidar com o movimento, por que não passam de uma sucessão de telas estáticas? Além disso, têm erros técnicos.

Quem formulou a prova ama definições legais. São essenciais para a polícia, mas inúteis para outros mortais. Por exemplo, veículo de carga é caminhão, carroça ou carrinho de mão? Veículo de tração é semirreboque, reboque ou caminhão trator? Qual a definição exata de uma carroça? E de uma "estrada"? E de lote "lindeiro"? Como se chamam as mensagens incorporadas às placas? Charrete transporta carga ou pessoas? Qual documento o guarda não precisa exigir ao autuar um veículo? Qual a habilitação para transporte escolar? E para cargas perigosas? Quantos dias tem a autoridade de trânsito para julgar uma infração? Qual a medida administrativa na apreensão de um veículo? Qual o nome do órgão que cuida da qualidade do ar? Qual órgão tem câmaras temáticas?

Há perguntas para o fabricante do veículo. Por que deveríamos saber qual o equipamento de segurança obrigatório em reboques e semirreboques? Quanto de monóxido de carbono expele um veículo a álcool? Outras são para as autoescolas. Quantos acompanhantes são permitidos durante as aulas de direção?

Pensemos bem, conhecer tais resposta aumenta a segurança?

Abundam perguntas tolas e pegadinhas, como a diferença entre "camioneta" e "caminhoneta". Gestos de sinalizar são chamados de "automatismos" ou "direção segura"? Como se denomina a distância entre um veículo e outro? Como é a placa de uma estância hidromineral? Desenho de boi na placa anuncia exposição agropecuária, matadouro ou rodeio? Quantos lados tem uma placa R-1?

E as ambiguidades? Uma placa com pedestre cruzando significa "passagem sinalizada para pedestres", "travessia de pedestres", "passagem para pedestres"? Qual a diferença entre "mão dupla adiante" e "mão dupla à frente"? Uma pergunta sobre preferências de passagem oferece quatro alternativas razoáveis (portanto, só decorando). O pedestre tem prioridade se for idoso, se o sinal para pedestres estiver verde ou quando está na faixa de segurança?

Há questões erradas: "Qual a força que joga o veículo para dentro da curva?". O atrito dos pneus é a força centrípeta, mas só impede a ação da centrífuga. Que elemento do motor "recebe o impulso direto do sistema de partida"? Todos os elementos móveis são solidários, a pergunta é tola. O uso incorreto dos freios provoca comportamento "inseguro", "arriscado" ou "sobre-esterçante"? Deslindar tais charadas semânticas importa para a segurança do trânsito?

Talvez o conhecimento potencialmente mais útil seja direção defensiva. Infelizmente, o conteúdo é pobre, predominando perguntas que requerem decorar listas de princípios e definições. Pouco se aprende para a vida real. Deveria haver instruções exaustivas do que fazer em caso de derrapagens, obstáculos na pista, entrada em curvas com velocidade excessiva e outras situações críticas para a segurança. Isso, sim, salva vidas. Aliás, por que a "direção corretiva" é considerada "de alto risco"? Diante de uma situação crítica pode ser a que reduz o risco.

Pesquisas americanas mostraram que motociclistas com curso de direção defensiva sofrem só um quarto dos acidentes. Por que o livreto não explica as técnicas de frenagem, com o equilíbrio certo entre o freio traseiro e o dianteiro? O mesmo sobre técnicas para entrada e saída de curvas? Por que é preciso inclinar a moto para reduzir o ângulo da curva? Em quantos metros é possível parar uma moto trafegando a xis quilômetros por hora?

Escolhendo ao acaso uma prova simulada, de 30 perguntas, apenas 4 lidavam com conhecimentos que aumentam a segurança. Por que será que o Detran quer exercitar a memória e a paciência dos motoristas, em vez de tentar reduzir acidentes?

Lutadores e prostitutas - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 31/12

SÃO PAULO - O que lutadores de MMA e prostitutas têm em comum? Ambas as categorias se tornaram alvo de gente que acha que sabe melhor do que os próprios envolvidos como eles devem viver suas vidas.

No Brasil, o terrível acidente com Anderson Silva inflou o coro dos que querem negar ao MMA o estatuto de esporte e até o dos que pretendem proibir a transmissão de lutas pela TV. Enquanto isso, na França, berço das liberdades individuais, o governo flerta com a ideia de tornar ilegal comprar os serviços de uma prostituta, mas não vendê-los. Segue os passos dos suecos, que adotaram medida semelhante. Não chega a ser a proibição da profissão mais antiga do mundo --a única sociedade industrializada que foi tão longe são os EUA--, mas configura um forte golpe contra as profissionais do sexo.

A lógica que alimenta esses raciocínios é a mesma: tanto os lutadores como as meretrizes são vítimas da sociedade. Trata-se, afinal, de pessoas oriundas de classes desfavorecidas que, por não ter como resistir às pressões econômicas, acabam concordando em fazer aquilo que não fariam se tivessem escolha.

Em muitos casos, mulheres caem na vida por falta de opção, não por entusiasmo com a carreira. Creio que isso é mais raro no MMA, mas admitamos que isso possa ocorrer. O problema com esse argumento é que ele é forte demais. Se generalizarmos o raciocínio, teríamos de proibir outras profissões pouco nobres, como a de limpa-fossas, que só existem porque algumas pessoas têm poucas escolhas. Ao fim e ao cabo, teríamos de, como Karl Marx, condenar todo trabalho assalariado não criativo.

No mais, não estou tão certo de que não haja lutadores e prostitutas que gostem do que fazem ou, ao menos, achem que a relação custo-benefício lhes é favorável. Para afirmar o contrário, seria necessário impor a todos um conjunto de valores morais inegociáveis, o que seria algo bem estúpido de fazer.

Segurança e privacidade - PAULO SILVA PINTO

CORREIO BRAZILIENSE - 31/12
As pessoas que nascem hoje viverão em um mundo com muito pouca privacidade, alertou Edward Snowden. Norte-americano com asilo provisório na Rússia, ele gravou uma mensagem em vídeo televisionada pelo Channel Four, da Inglaterra, na mesma hora em que a rainha Elizabeth aparecia na BBC desejando aos súditos um feliz Natal.
Snowden sabe do que fala. Ajudou a monitorar o mundo todo como funcionário terceirizado a serviço da espionagem norte-americana. Depois denunciou o esquema e escondeu-se. Agora, sentindo-se cansado e inseguro na Rússia de Vladimir Putin, quer vir para o Brasil.

O monitoramento é realmente preocupante. Mas também é poderoso instrumento de segurança. Como toda arma, pode ser usado para o bem e para o mal. Certamente precisamos estar vigilantes e limitar o poder do Estado, além de coibir as ações de bisbilhoteiros privados. Mas não se deve fazer isso deixando de lado o que deve ser observado. Do contrário, corremos o risco de sofrer as desvantagens da tecnologia sem aproveitar o que ela tem de bom.

Isso não envolve apenas a internet e as ligações telefônicas. Tome-se o caso das câmeras de segurança. Um grupo de moradores da Asa Sul tentou colocá-las na quadra, mas foi impedido exatamente sob a alegação do prejuízo à privacidade. A preocupação é razoável. Então por que o próprio governo não instala os aparelhos?

Mas não basta a tecnologia. É preciso também gente qualificada por trás dela. O episódio da pichação da estátua de Drummond no Rio, na noite de Natal, deixou isso claro. Se a imagem estava disponível às autoridades, era de esperar que a polícia chegasse correndo para pegar os criminosos. Com monitoramento eletrônico e agilidade, não é preciso um policial em cada esquina.

Podemos sonhar, por exemplo, com segurança permanente nas passagens sob o Eixão. Liberdade de ir e vir a qualquer hora e o fim dos atropelamentos. Seria possível também, entre outras coisas, coibir o estacionamento irregular nas ruas de Brasília, que tanto risco traz ao fazer com que os motoristas tenham pouca visibilidade nos cruzamentos, ou tenham de trafegar pela contramão.

Por ora, porém, as câmeras registram só quem dirige em alta velocidade ou passa no sinal vermelho. Algo necessário, mas insuficiente. E que, ainda por cima, desmoraliza o Estado ao sugerir que só lhe interessa o que lhe proporciona boa arrecadação com multas - sem dar muito trabalho.

Partidos políticos e Estado - EROS ROBERTO GRAU

O Estado de S.Paulo - 31/12

Em dezembro de 2012 anotei aqui mesmo, neste espaço de O Estado de S. Paulo, que qualquer insurgência contra a face do Estado que o Supremo Tribunal Federal é afrontaria a ordem e a paz sociais, prenunciaria vocação de autoritarismo, questionaria a democracia. Pretenderia golpeá-la. Por isso - escrevi - é necessário afirmarmos, em alto e bom som, o quanto de respeito e acatamento devemos ao Poder Judiciário e em especial, hoje e sempre, ao Supremo Tribunal Federal. Quem o agride investe contra as instituições democráticas, afronta a Constituição (O STF e a República, 8/12, A2).

Diz a Constituição, em seu artigo 17, ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos. Desde que resguardados, contudo, a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana.

Observar o regime democrático, um dos traços que alinham horizontes no dinamismo dos partidos políticos, reclama a observância, entre outros parâmetros, do quanto os romanos prescreviam ao afirmar a regra do honeste vivere.

Viver honestamente, mandamento que alguns não observaram. Aqueles referidos como "companheiros injustiçados" em congresso do Partido dos Trabalhadores, aos quais se hipotecou solidariedade.

Quem concluiu que alguns descumpriram o dever de viver honestamente - e concluiu na e pela sua voz enquanto uma de suas porções, o Supremo Tribunal Federal - foi o Estado. Quem o afirmou, no processo judicial conhecido como "mensalão", foi o Estado brasileiro. Pois a autoridade do Estado é uma totalidade indivisível, sua organização em funções - legislativa, executiva e jurisdicional - prestando-se unicamente a aprimorar seu funcionamento.

Não há ideias novas em matéria de política e direito. Qualquer uma delas, podemos descontraidamente sustentar, já há de ter sido enunciada, in illo tempore, por um grego ou um romano. A afirmação da existência de três partes nos governos vem de Aristóteles, na Política. Quando essas partes estiverem em bom estado, a Constituição estará, também, em bom estado. E as Constituições distinguem-se umas das outras, prossegue Aristóteles, segundo a forma de organização e composição dessas partes. A terceira delas faz justiça. Bom estado significa, no contexto da exposição aristotélica, bem ordenadas. O sentido do estarem em bom estado essas três partes pode ser encontrado, na Ética a Nicômaco, na ideia de composição, justa medida, virtude no valor médio. Aristóteles está imediatamente atento, hoje diremos, às funções legislativa, executiva e jurisdicional do Estado.

Por isso causa espanto e estupor, horroriza mesmo o fato de um partido político, reunido em congresso nacional, desagravar "companheiros injustiçados", inusitada e desabridamente afrontando o Estado. O que vimos foi um partido político investindo não contra outro partido político (por isso são "partidos"), porém contra o próprio Estado. Contra o bom funcionamento do Estado, em benefício do qual deveriam concorrer.

Pois a auctoritas do Estado, digo-o outra vez, é uma totalidade indivisível. Isso desejo repetir, visto que os amigos do alheio, os que descumprem a regra do honeste vivere, pretendem ocultá-lo, supondo-se capazes de tapar o sol com peneira.

O mais grave está em que essa agressão ao Estado - insista-se neste ponto: o Judiciário é uma face do Estado -, isto é, o mais grave é a circunstância de tal agressão ter sido perpetrada em presença do anterior presidente da República e de quem lhe sucedeu, sem que, ao que consta, nenhum deles se tenha oposto a essa desmedida afronta à própria soberania e ao regime democrático.

O que se pretende? Viver honestamente, dever do cidadão, é regra que vincula não apenas cada um, individualmente, mas também os que institucionalmente representam grupos em que se compõem. Ou acaso supõem, os que falam por esse ou aquele partido, não ser vinculados pelas regras que prescrevem a honestidade? Que loucura é essa que autoriza aos partidários dos condenados pelo Estado enquanto Poder Judiciário investir contra quem os condenou, o próprio Estado?

O homem, disse Paulo Mendes Campos, um dos nossos poetas de verdade, é um gesto que se faz - ou não se faz. A liberdade consiste em afirmarmos o que os do nosso tempo denominam Estado de Direito. Defendê-lo, eis o gesto que incumbe aos homens corretos. O Estado de Direito, ainda que apenas formal, em sua expressão possível no modo de produção social que praticamos, será mera ficção se não nos curvarmos ao quanto o chamado Poder Judiciário decide em sua derradeira instância, soberanamente. Qual decidiu o Estado brasileiro em sua face judicial, na expressão do Supremo Tribunal Federal. Negá-lo, isso é inconcebível se não pretender, quem o negue, subverter a ordem e apropriar-se da res publica. Em termos bem claros, recorrer a uma ditadura excludente da moralidade.

O que na ponta da linha aterroriza, além de horrorizar, é o fato de o pretexto da defesa dos interesses dos humildes prestar-se à apropriação mensaleira. Quem diz que é assim é o Estado brasileiro, por quem representa um dos seus três Poderes, o Judiciário. Tristes tempos. Tempos que prenunciam, no silêncio incontido dos que consentem com afrontas à soberania e ao regime democrático, a volta ao passado.

Há 50 anos, o pretexto da defesa da democracia justificou violência em nome da defesa das liberdades. Temo, de repente - não mais que de repente, qual diria Vinicius -, que a História se repita não como tragédia, mas como farsa. Desta feita a pretexto, desgraçadamente - embora justificável -, da defesa da moralidade. É inconcebível que um partido político pregue escancaradamente, em benefício de condenados pelo Supremo Tribunal Federal, a desobediência ao Estado.

Receita extra, mesma conversa - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 31/12

Com a arrecadação especial de R$ 35,4 bilhões no mês, o governo central converteu em superávit um déficit primário de R$ 6,5 bilhões em novembro. As autoridades podem até festejar o resultado, mas apresentá-lo como sinal de boa gestão financeira e de melhora das contas públicas é mais uma embromação. O balanço federal permanece ruim, como tem estado há muito tempo. A presidente Dilma Rousseff e sua equipe continuam devendo um esforço muito mais sério para melhorar sua imagem e reduzir o risco de rebaixamento da nota de crédito do País.

A aritmética é simples. O governo central arrecadou em novembro R$ 126,4 bilhões. Descontadas as transferências a Estados e municípios, sobrou uma receita líquida de R$ 108,1 bilhões. Subtraídos os R$ 35,4 bilhões de receitas excepcionais, restariam R$ 72,7 bilhões. Depois das despesas de R$ 79,2 bilhões, o saldo seria um déficit de R$ 6,5 bilhões. Sem superávit primário, faltaria dinheiro para a liquidação de parte dos juros da dívida pública. Esse pagamento tem sido a destinação normal do saldo primário.

As autoridades poderiam recorrer a dois argumentos para defender sua interpretação otimista dos números. Em primeiro lugar, aqueles R$ 35 bilhões de fato foram recebidos e é legítimo incluí-los no resultado primário. De fato, entraram e foram usados, mas é um erro grave e perigoso incluí-los na avaliação de resultados e perspectivas das contas públicas.

Essa receita especial foi formada por dois componentes. O novo Refis, programa de parcelamento de dívidas tributárias em atraso, proporcionou R$ 204 bilhões. Novas parcelas, menores, deverão entrar nos próximos meses, se os beneficiários do refinanciamento continuarem pagando. Em outros programas desse tipo, a maior parte dos beneficiários deixou de pagar em pouco tempo.

O outro componente, de R$ 15 bilhões, foi o bônus do leilão do Campo de Libra, no pré-sal. Não se espera novo leilão do mesmo campo. Outras licitações poderão render algum dinheiro, mas serão sempre receitas excepcionais, sem vínculo com a gestão normal das contas públicas.

Mas seria legítimo, poderia alegar algum representante do governo, incluir na "normalidade fiscal" pelo menos a arrecadação proporcionada pelo Refis. Afinal, esse dinheiro é parte dos créditos tributários do Tesouro. Seria esse o segundo argumento a favor de uma avaliação melhor da gestão fiscal.

Se esses R$ 20,4 bilhões fossem incluídos no conceito de normalidade, haveria um superávit "real" de R$ 13,9 bilhões, pouco inferior a 50% daquele inscrito na contabilidade oficial. Não há, no entanto, como invalidar as dúvidas sobre a evolução do Refis - justificadíssimas pela experiência dos programas desse tipo, sempre bem recebidos pelos devedores do Tesouro e sempre com resultados abaixo de medíocres. De fato, um dos efeitos mais notáveis dos vários Refis tem sido o estímulo à sonegação. Se é quase certo um novo refinanciamento das dívidas fiscais, atrasar o recolhimento de impostos e contribuições pode ser um negócio tão bom quanto seguro.

Mesmo com o dinheiro extra, o governo central só continua comprometido com "sua parte" (R$ 73 bilhões) do superávit primário. A meta geral foi reduzida mais de uma vez em 2013. Além disso, o governo federal conseguiu desobrigar-se de compensar o mau desempenho de Estados, municípios e estatais. Poderá até fazê-lo em parte, mas sem obrigação.

Com os números federais turbinados, o resultado geral do setor público foi um superávit primário de R$ 29,7 bilhões, o maior para o mês na série iniciada em 2001, segundo o Banco Central. O acumulado no ano ficou em R$ 80,9 bilhões, abaixo do contabilizado em igual período de 2012 (R$ 82,7 bilhões). O realizado em 12 meses totalizou R$ 103,2 bilhões, 2,17% do Produto Interno Bruto. Nos 12 meses até outubro a relação havia ficado em 1,44%.

O pulo de um mês para outro mostra o poder quase milagroso de uma arrecadação excepcional. Não muda, no entanto, a avaliação da política: continuou a gastança e os incentivos fiscais ao crescimento fracassaram e quase só resultaram em perdas para o Tesouro.

Um ano especial de teste para as instituições - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 31/12

Como é de sua índole, os ‘desenvolvimentistas’ fizeram uma aposta voluntariosa, arriscada, numa política de expansão do consumo, e o país perdeu, como demonstram diversos índices



Propícia a avaliações do ciclo de 12 meses que se encerra e adequada a estimativas e desenhos de cenários para o que se abre, esta época do ano também é período, em função do calendário religioso, adequado à renovação de esperanças. Um momento, em geral, de otimismo.

Mas espíritos materialistas, hiper-realistas, costumam questionar se uma simples volta completa do planeta em torno do Sol é capaz de inspirar mudanças — para melhor ou pior — nos seres humanos e instituições. Qual a diferença, questionam, para a vida de todos, ser 31 de dezembro ou, por exemplo, 8 de janeiro?

Neste sentido, de fato seria mais pragmático acompanhar como se desdobraram os processos durante 2013 para projetá-los 2014 adentro, considerando eventos previstos para o Ano Novo.

Como o de ser 2014 um ano eleitoral, e que, por isso, patrocinará a fusão, mais do que nunca, da pauta econômica com a agenda política.

Cabe lembrar o antigo princípio de que período de eleição corresponde a um salto no crescimento da economia, devido à injeção de dinheiro público patrocinado pelos governos para atrair votos — apesar das normas reguladoras existentes na legislação eleitoral para coibir esta e outras manobras clientelísticas clássicas.

As projeções de analistas do mercado já preveem este “efeito-clientela”. Mas a conjuntura econômica não é muito favorável a voos mais elevados do PIB, limitados a rasantes 3% ao ano. (Este é um dos aspectos em torno dos quais não faz muito diferença estarmos em dezembro de 2013 ou março de 2014.)

Não que o determinismo histórico seja bom conselheiro. Acontece que 2013 marcou a falência do modelo engendrado pelo grupo “desenvolvimentista” que começou a assumir o núcleo do poder no fim do primeiro governo Lula, com a saída de Antonio Palocci da Fazenda e o enfraquecimento de Henrique Meirelles, no Banco Central. A direção da companhia, lembremo-nos, passou para a Casa Civil de Dilma Rousseff, com a partida do mensaleiro José Dirceu.

Baixo crescimento, inflação elevada — consequência de um mercado de trabalho artificialmente aquecido, via gastos públicos desregrados —, e déficit externo são resultado do “novo marco macroeconômico” implementado sob o comando da economista Dilma. Deu no que era possível dar uma política de expansão via consumo, consequentes magros investimentos, função de uma exígua taxa de poupança e gastos públicos em custeio excessivos — estas duas contingências relacionadas entre si.

Reconheça-se que a presidente e candidata à reeleição admitiu, em alguma medida, a falência da sua receita. Afinal, consumo sem que a oferta interna seja ampliada por investimentos gera, como sempre se soube, inflação e déficit externo. É o que acontece. Bom sinal que a presidente tenha enfrentado a postura antiprivatista do PT e começado a tornar os leilões de concessão mais atrativos. Não importa que jamais reconheça que errou, desde que, como afirmou JK, demonstre “não ter compromisso com o erro”.

Em 2014, analistas e as agências de avaliação de risco de países e empresas continuarão a acompanhar com lupa o comportamento fiscal do governo brasileiro. Mesmo que se saiba que será expansionista, em função das urnas, analistas e agências buscarão sinais sobre se o discurso de alguma seriedade no manejo da política fiscal é mesmo para valer. Até agora não tem sido.

Disso dependerá a formação ou não da “tempestade perfeita”, temida até por economistas simpáticos ao Planalto: a coincidência entre a perda do “grau de investimento”, concedido por agências ao Brasil em 2008, com o consequente aumento da pressão pela desvalorização do real, e o andamento da já iniciada retirada dos bilionários estímulos monetários à economia americana, cujo efeito sobre a moeda brasileira é idêntico. O resultado desta “tempestade” serão mais pressões inflacionárias, pela via da desvalorização cambial, contra as quais o BC terá de continuar a elevar os juros, já de volta aos dois dígitos (10%). A situação preocupa, pois o IPCA só está em “apenas” 6% porque o governo arrocha artificialmente os preços de combustíveis e contém, da mesma forma, tarifas públicas. Não é aconselhável fazer o mesmo em 2014, sob o risco de aumentar ainda mais a já preocupante herança tarifária maldita para quem assumir em 1º de janeiro de 2015. Inclusive a atual presidente.

Como o Brasil de Dilma caiu na surrada armadilha de permitir “um pouco mais de inflação” para obter “um pouco mais de crescimento”, foi apanhado no contrapé de uma inflação muito alta pelo mais que esperado recuo americano nos estímulos monetários internos, de inexoráveis efeitos externos.

Vários outros países (México, Peru, Chile), em que a elevação dos preços é bem mais modesta, podem, agora, executar uma política monetária menos apertada, mesmo com a desvalorização de respectivas moedas. Ou seja, crescer mais. Deu errado para o Brasil, porque fez uma aposta míope, voluntariosa, como é da índole do “desenvolvimentismo”.

No plano político, por sobre este complexo quadro econômico, e que pode ser condicionado por ele, decide-se nas urnas a continuidade de um projeto de poder histórico, que pode vir a ser o mais extenso da República, em anos consecutivos —16, um a mais que Getúlio Vargas (1930-45). Com o primeiro mandato de Dilma, PT e satélites completarão 12 anos no Planalto, dos 29 de democracia desde o fim da ditadura militar, quatro a mais que a Era tucana.

Justiça se faça, ao contrário de Getúlio, caso vença Dilma as eleições, os 16 anos que se completarão em 2018 de PT e ecléticos aliados no Planalto serão todos vividos na democracia, em que pesem atentados desfechados contra ela, como no mensalão, em que a vontade dos eleitores passou a ser contrariada no Congresso em troca de favores pecuniários pagos por dinheiro público desviado. Mas o Poder Judiciário, por meio do Supremo, cumpriu a missão de defender a Carta ao condenar poderosos, até trancafiando alguns, algo de importância para além da história da própria República.

Aliás, o julgamento do mensalão é um daqueles casos que abalam os métodos “científicos” dos deterministas que consideram a História simples encadeamento de equações. Quem esperaria que um Supremo com a maioria dos ministros nomeados por Lula e Dilma carimbaria o currículo do PT com enorme mancha ética?

Porém, mesmo considerando a sempre constante possibilidade do imponderável, 2014 não será um ano qualquer, por misturar na mesma agenda ingredientes-chave políticos, eleitorais e econômicos. Será um período especial de teste para as instituições republicanas.

Imposto sobre férias - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 31/12
Milhares de brasileiros sentem desde sexta-feira o gosto amargo da traição. De malas prontas, câmbio feito e cartão pré-pago contratado para a sonhada viagem de férias ao exterior, foram surpreendidos com o dissabor que sente o investidor procedente do mundo civilizado toda vez que o governo brasileiro exerce seu voluntarismo na economia. Alterar regras no meio do jogo gera incertezas e mina a credibilidade no país.
Em desesperada corrida para evitar o agravamento da situação fiscal - deteriorada pela incapacidade de controlar gastos com o custeio da máquina pública -, o governo parece disposto a fazer de tudo para tirar mais dinheiro do bolso do contribuinte. Desta vez, agiu no escurinho do intervalo entre o Natal e o révellion para aplicar autêntica rasteira em quem acreditou ter o direito de planejar com alguma segurança a viagem e as comprinhas no exterior. Por não ocupar cargo no governo nem contar com parentes importantes, a maioria que viaja tem passaporte de cidadão comum. Sabe que, na volta, estará sujeita aos rigores da alfândega. Por isso mesmo, opta por meios de pagamento mais em conta.

É o que explica o sucesso do cartão pré-pago em moeda estrangeira, versão mais prática do que o velho cheque de viagem (ainda em uso). Além de escapar da variação cambial (ultimamente desfavorável ao real), ambos recolhiam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pela civilizada alíquota de 0,38%. Sem mais nem menos, o governo turbinou o imposto sobre essas modalidades, subindo a alíquota para 6,35% - aumento de escandalosos 1.579%, que entrou em vigor no dia seguinte.

É improvável que turistas cancelem viagens contratadas. Mas é certo que a tributação vai ajudar a reduzir os embarques que ocorreriam nos próximos meses, principalmente de famílias de menor renda, recém-incluídas nesse mercado. Isso pode comprometer a expectativa do governo de arrecadar R$ 552 milhões por ano só com essa garfada.

Malvadeza à parte, não falta entre os economistas do governo quem considera a medida oportuna para refrear o deficit na balança do turismo verde-amarelo. O que ganha este país de povo receptivo e incontestáveis belezas naturais com a visita de estrangeiros é quase quatro vezes menos do que gastam os brasileiros no exterior.

De janeiro a novembro, a relação era de US$ 6,1 bilhões para US$ 23,1 bilhões. A diferença (US$ 17 bilhões) pesa no deficit de US$ 72,7 bilhões das transações correntes do país com o exterior. Mas não parece adequado combatê-la com medidas típicas do malogrado kirchnerismo argentino - fechar a saída de brasileiros em vez de promover o aumento da entrada de estrangeiros.

Mais inteligente será completar o trabalho da natureza oferecendo segurança e transporte público eficientes, preparação do pessoal receptivo, serviço decente de telecomunicações, controle de endemias, limpeza das cidades, pronto-atendimento de saúde, preços honestos e boa qualidade em hotéis e restaurantes, além, é claro, de carga tributária que não espante o freguês.

Feliz alíquota nova - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 31/12

Em vez de uma reforma tributária inteligente e de uma redução nos gastos públicos, a única resposta que o governo tem é o mero aumento de impostos


O governo federal reservou um presente de fim de ano a brasileiros de diferentes estratos sociais: aqueles que viajam ao exterior, predominantemente das classes A e B (embora a possibilidade de conhecer outros países esteja cada vez mais acessível à nova classe C), pagarão mais Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) ao gastar em moeda estrangeira; e, com o reajuste abaixo da inflação na tabela do Imposto de Renda (IR), brasileiros que ganham pouco menos de R$ 1,8 mil e eram isentos até agora passarão a ter imposto retido na fonte.

No caso das viagens ao exterior, a alíquota costumava ser de 0,38% até março de 2012, quando o governo determinou que os gastos com cartões de crédito passassem a pagar 6,38% de IOF, mantendo os 0,38% para saques em dinheiro e despesas com cartão de débito e os chamados “cartões pré-pagos” em moeda estrangeira, adquiridos e carregados no Brasil. Mas, desde o sábado passado, também essas modalidades pagarão os 6,38% de IOF. O Ministério da Fazenda chegou a justificar o aumento alegando “isonomia” entre as diferentes maneiras de gastar no exterior; obviamente, a mesma isonomia poderia ser atingida reduzindo a alíquota do cartão de crédito de volta ao patamar do início de 2012, ou usando uma alíquota comum que ficasse a meio caminho entre os 0,38% e os 6,38%, mas seria demais esperar tal raciocínio da equipe de Guido Mantega.

O reajuste da tabela do Imposto de Renda abaixo da inflação não é uma novidade: vem sendo assim há 18 anos. Até este ano, era isento quem recebia salários menores que R$ 1.710,78. A partir de 2014, quem receber R$ 1.787,78 mensais já terá descontado na fonte o equivalente a 7,5% do salário. O IPCA de 2013 só será conhecido no ano que vem, mas o IPCA-15 do ano já está fechado, e ficou em 5,85%. Um trabalhador que esteja pouco abaixo da linha de isenção pelos valores atuais e receba como aumento salarial a mera reposição da inflação muito provavelmente passará a ter IR retido. Considerando que a regra nas negociações salariais vem sendo o ganho real, acima da inflação (estudo do Dieese publicado em agosto mostrou que quase 85% das negociações do primeiro semestre de 2013 resultaram em aumento real), a conclusão é de que cada vez mais trabalhadores se verão atingidos pelo Fisco. Ironicamente, a tabela do IR foi reajustada em 4,5%, o centro da meta de inflação estabelecida pelo Banco Central e que o governo praticamente já desistiu de perseguir, contentando-se em manter o índice abaixo do teto de 6,5%. Pelo menos agora já se sabe para que serve o centro da meta.

A nova alíquota do IOF gerou reclamações, mas é improvável que ela afaste do exterior os brasileiros. Mesmo com os 6,38%, muitos produtos continuarão muito mais baratos nos Estados Unidos e na Europa que no Brasil, graças a nosso sistema tributário disfuncional, a margens de lucro maiores e ao desestímulo à competição que se vê no Brasil. Pior é a manobra que levará cada vez mais brasileiros a pagar Imposto de Renda, mesmo ganhando quase R$ 1 mil a menos que o valor calculado pelo Dieese para um salário mínimo que contemplasse as necessidades básicas previstas pela Constituição.

Mas revoltante mesmo é a convicção de que a arrecadação adicional pouco fará para trazer os serviços públicos “padrão Fifa” que a população exige: o provável destino do dinheiro (só com a nova alíquota do IOF o governo espera mais R$ 522 milhões por ano) é tentar consertar o rombo que o desperdício e o inchaço da máquina pública vêm causando nos cofres públicos, a ponto de o governo viver recorrendo à “criatividade contábil” para fechar suas contas. Não por acaso, a responsabilidade fiscal, um dos tais “cinco pactos” propostos por Dilma Rousseff após os protestos de junho, nem foi mencionada no pronunciamento de fim de ano da presidente.

O descompasso entre a carga tributária que o brasileiro paga e a qualidade dos serviços que recebe em troca deveria fazer os gestores públicos corarem de vergonha. No entanto, em vez de uma reforma tributária inteligente e de uma redução nos gastos públicos, a única resposta que o governo tem é o mero aumento de impostos, mostrando que não há nenhum compromisso com o uso racional dos recursos públicos.

Todos conectados - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 31/12

Nunca, na história da humanidade, uma virada de ano teve tantos registros em imagens e textos como esta de 2013 para 2014. Jamais as pessoas tiveram tanto poder nas mãos para fotografar, descrever e repassar instantaneamente para qualquer parte do mundo tudo o que lhes parece interessante. Os smartphones e as redes sociais consolidaram-se como instrumentos da comunicação instantânea, reduzindo distâncias, aproximando pessoas, possibilitando o compartilhamento de informações e até mesmo de intimidades.
As facilidades de acesso a essa nova forma de comunicação geraram também extravagâncias como a flagrada pela argentina Paula Sibilia, no seu livro O Show do Eu: a intimidade como espetáculo, no qual demonstra que o indivíduo atual legitimou uma cultura da observação do outro conjugada com a exposição de si próprio. É neste admirável e desconcertante mundo novo que se encontram os desafios da modernidade, a mudança de paradigmas culturais, a substituição de atividades profissionais, as transformações em diversas áreas do conhecimento e os contrastes cada vez mais acentuados entre as gerações de seres humanos.
O Brasil é personagem e protagonista deste processo, com mais da metade de sua população já inserida na era digital e mais de 90% das escolas públicas e privadas do país utilizando computadores e acessando a internet, de acordo com o Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da comunicação (Cetic). Falta-nos qualificar a educação para que os jovens possam tirar melhor proveito da tecnologia e utilizá-la para a construção de um país melhor.
O momento é mais do que apropriado para este avanço. Neste 2014, o Brasil promoverá a sua segunda Copa do Mundo e terá eleições presidenciais. As atenções do planeta estarão voltadas para os brasileiros. Receberemos delegações de todos os continentes e teremos a oportunidade de mostrar, na prática, se o nosso país está mesmo preparado para saltar da condição de emergente para a de desenvolvido. Vale o mesmo para o teste de democracia que promete ser o pleito de outubro, ocasião em que o país escolherá seus governantes para os próximos quatro anos.
Tanto o mundial de futebol quanto o estamento político foram fortemente questionados nas manifestações de junho, quando multidões saíram às ruas para protestar e pedir reformas. Tais movimentos, vale lembrar, tiveram origem exatamente nesta nova forma de comunicação proporcionada pelas redes sociais e pelos avanços tecnológicos. Ao descobrir novos caminhos para o exercício da cidadania, os brasileiros também assumem o desafio de contribuir para a solução dos problemas apontados nos protestos.
Neste contexto de transformações, Zero Hora chega ao seu cinquentenário (a ser completado em maio próximo) com o compromisso de manter a sintonia com os seus públicos e com a era digital, sem renunciar aos valores que a transformaram no jornal preferencial de milhões de gaúchos e brasileiros.

Contra a corrupção - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 31/12

Embora tenha avançado em casos importantes de desvio de recursos públicos, Justiça deve celeridade em episódios de menor repercussão


Carregado de simbolismo, o julgamento do mensalão chegou ao fim para a maioria dos réus neste ano. Diversas penas até já são cumpridas pelos condenados sem direito a mais nenhum recurso --situação, por exemplo, do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT).

Também em 2013 remeteu-se ao Supremo Tribunal Federal (STF) a investigação sobre o escândalo do cartel em licitações do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) durante sucessivas administrações do PSDB no Estado de São Paulo.

O mesmo tribunal ordenou, neste ano, a prisão do deputado federal Natan Donadon (ex-PMDB-RO), condenado a 13 anos em regime fechado por crimes de peculato e formação de quadrilha. Foi a primeira prisão de um político determinada pelo STF desde a promulgação da Constituição de 1988.

Ainda nessa seara, prevê-se que o caso do mensalão mineiro, ou tucano, seja julgado pelo Supremo no primeiro semestre de 2014.

São demonstrações de que o Judiciário procura responder, pelo menos em circunstâncias de grande repercussão midiática, aos anseios de moralização da política.

Tais episódios, todavia, não representam com exatidão o funcionamento da Justiça nesse campo. Segundo meta estipulada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os tribunais deveriam julgar neste ano todas as ações relativas a corrupção e desvios dos cofres públicos distribuídas até 2011.

O ano termina, no entanto, sem que o objetivo tenha sido alcançado. Apenas 54% do plano foi cumprido: das 114 mil ações dessa natureza no estoque judicial, só 62 mil foram julgadas.

É lamentável que uma iniciativa de tamanha importância simbólica --mostrar à sociedade que políticos que lesem o patrimônio público não terão privilégios na esfera judicial-- seja tratada com descaso por alguns tribunais.

Finalizar tais processos traria um relevante efeito concreto. Políticos condenados por um órgão colegiado, conforme a Lei da Ficha Limpa, ficam impedidos de disputar eleições por oito anos.

Poucos Estados, contudo, chegaram perto de cumprir a meta, e alguns mostraram inexplicável descaso --na Bahia e no Piauí, por exemplo, o número de processos julgados não passou de 11%. São Paulo só deu conta de 54% dos casos sob sua responsabilidade.

Sem que tenham honrado o compromisso assumido, os presidentes dos tribunais brasileiros estenderam a diretriz do CNJ para 2014. No intuito de deixar o atraso menos vexatório, decidiram alargar o objetivo, incluindo o julgamento de ações distribuídas durante 2012.

Demonstração de avanço, sem dúvida; em outros tempos, talvez dessem de ombros. Mas o sinal que mais se aguarda é o de que todos os casos de corrupção serão julgados com celeridade e rigor. E esse, porém, o Judiciário ainda não deu.

TERÇA NOS JORNAIS

- O Globo: Ônibus vão à justiça por reajuste cancelado 

- Folha:  Novo ataque amplia para 34 as mortes na Rússia

O Estado de S. Paulo: Aécio diz que Dilma vê País como ‘ilha da fantasia'

Correio Braziliense: Qualificação é o desafio do trabalhador para 2014

Estado de Minas: 2013 Um ano explosivo 

Jornal do Commercio: IPVA vai ficar 4,62% mais barato em 2014

Zero Hora: Negócio de futuro - Plano gaúcho para criar polo de inovação