domingo, maio 12, 2019

"A filosofia da fraude (sem cortes)" - GUILHERME FIUZA

GAZETA DO POVO - PR - 12/05


"O fascismo contra a educação. Perfeito. Para os heróis da narrativa, esse foi o melhor bordão depois do rosa para meninas e azul para meninos. Não pense que é fácil viver como catador de lixo ideológico. É preciso ser sagaz, esperto como uma águia para ver a oportunidade – aquela xepa de panfleto dando sopa na sua frente. Aí você tem que agarrar a chance como quem agarra um cargo numa universidade pública oferecido por um padrinho do PSOL.

Contingenciamento de verbas públicas para todas as áreas (inclusive educação) cansaram de acontecer em todos os governos – especialmente em inícios de mandato. Mesmo Lula, o ídolo dos acadêmicos, e Dilma, a musa dos intelectuais, congelaram e eventualmente meteram a tesoura em corte raso nas áreas sociais – até porque roubaram tanto que precisavam compensar de alguma forma. E a resistência democrática e cultural sempre achou tudo lindo, para não estragar a narrativa que sustenta suas panelas – sempre cheias e imunes à crise.

Depois do impeachment já houve um primeiro ensaio desse teatro revolucionário. No que os parasitas do PT foram enxotados da máquina pública, começou o esforço para tapar o rombo deixado pela quadrilha do bem – e uma das medidas fiscais mais importantes foi acabar com a contabilidade criativa (que derrubou Dilma) e restabelecer um teto de gastos. A emenda que cessava a orgia foi batizada de PEC do Fim do Mundo por esses progressistas de butique – já ali anunciando um ataque malévolo (e falso) à educação. Até a ONU ajudou a espalhar essa fake news – embora isso não tenha muita importância, porque a ONU tem se prestado a papéis bem piores.

Entre os que integravam aquela claque apocalíptica estavam, curiosamente, personagens importantes para a instituição da responsabilidade fiscal no Brasil, como Fernando Henrique Cardoso. Como se sabe, o mais alto mandamento para certos homens públicos no Brasil é ficar bem na foto – e naquele momento transcorria a famosa conspiração Janoesley (criatura surgida da fusão entre um procurador-geral e um açougueiro biônico). Parte da grande imprensa infelizmente aderiu à armação e levou junto todos esses papagaios de pirata da sagrada luz midiática.

E aí está de novo a mesma claque, incluindo o mesmo FHC (que pena, presidente), gritando que o obscurantismo chegou para acabar com a filosofia e a sociologia. É o tipo de fake news que os caçadores de fake news mais gostam de perpetrar, porque cola. E como você sabe, hoje em dia boa parte desse jornalismo de campanha que lamentavelmente se espalhou por aí não precisa nem de pretexto para fazer proselitismo.

Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo a cobertura de parte significativa da imprensa, o Obama que travou a economia com sua demagogia tributária e foi pego em grave espionagem política é o bonzinho; e o Trump que ia provocar a Terceira Guerra Mundial e está melhorando todos os indicadores sociais é o nazista. Fim de papo, não adianta discutir. Cartilha é cartilha, dogma é dogma.

A impostura se torna um pouco mais patética quando você lembra que a filosofia e a sociologia no Brasil – que segundo os arautos do apocalipse estão sob ataque letal – hoje abrigam, miseravelmente, uma fraude acadêmica. Parte considerável das verbas públicas destinadas a essas disciplinas viraram subsídio para contrabando político-partidário. A tragédia das ciências humanas no país já se deu com o sequestro do conhecimento pela panfletagem – e a transformação criminosa de salas de aula em assembleia do PSOL e do PT.

Obscurantismo é isso – e o longo silêncio de vocês, bravos democratas de festim, diante desse massacre cultural é obsceno.

Assinaram embaixo dessa fraude acadêmica, e não mostraram a valentia de agora nem quando os cafetões partidários da UFRJ carbonizaram o Museu Nacional com sua incúria. Quando querem, vocês são os reis da tolerância. Não deram nem um gemido quando foi revelado que o Colégio Pedro II – que vocês agora fingem defender em nome da educação – tinha virado uma espécie de sucursal do PSOL, com comitê local e tudo.

Sob o pretexto da resistência ao obscurantismo, vocês estão escrevendo a mais vergonhosa página de picaretagem intelectual da história."

Desequilíbrio no regime geral - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 12/05

As injustiças estão na Previdência pública, mas a do setor privado também precisa mudar


Sabemos que os grandes desequilíbrios no regime previdenciário se encontram no setor público. As grandes injustiças também.

Mas há problemas também no RGPS (Regime Geral de Previdência Social), a previdência dos trabalhadores do setor privado.

Argumenta-se que a razão pela qual o RGPS tem apresentado déficit é que a crise econômica produziu enorme desemprego.

Se o desemprego caísse para 6%, a receita cresceria R$ 30 bilhões. Não seria suficiente para zerar o déficit de R$ 56 bilhões do RGPS urbano observado em 2018, já devolvendo as renúncias fiscais.

Adicionalmente, aquele argumento supõe que a taxa de desemprego de 6%, observada em 2013 e 2014, representava equilíbrio macroeconômico.

Naquele biênio, o câmbio estava valorizado, e, portanto, o déficit externo não era sustentável em longo prazo. Além disso, apesar de a inflação ter rodado a 6,5% no período, os preços de inúmeros serviços de utilidade pública e dos combustíveis e, novamente, o câmbio estavam artificialmente contidos.

Ou seja, no biênio 2013 e 2014 a economia não apresentou equilíbrio macroeconômico sustentável.

Se considerarmos que a taxa de desemprego caia para 9% --que parece ser o equilíbrio possível hoje--, a arrecadação do sistema sobe uns R$ 15 bilhões.

Há pessoas que dizem que o sistema está equilibrado pois o valor dos benefícios, em razão da elevada contribuição, corresponde a uma aplicação financeira que rende em termos reais 3% ao ano. Ou seja, os critérios de elegibilidade e valor do benefício do RGPS correspondem a uma aplicação financeira de rendimento real de 3% ao ano.

Há vários problemas com esse argumento. Primeiro, trabalho recente de Luís Eduardo Afonso, publicado na Revista Brasileira de Economia do primeiro trimestre de 2016, documenta que o benefício da aposentadoria apresenta taxa de retorno real de 5,32% por ano, bem maior do que os 3%.

Segundo problema, aquela conta não leva em consideração os demais benefícios do RGPS, como, por exemplo, auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte.

Terceiro, essa maneira de analisar o equilíbrio de um regime previdenciário considera que o RGPS funciona como um sistema de capitalização. Nosso sistema previdenciário é de repartição: os ativos contribuem para custear os benefícios dos inativos. Os recursos não foram investidos e, portanto, não foram capitalizados em alguma aplicação financeira ou em algum ativo real.

Se o nosso sistema fosse de capitalização, a taxa de poupança doméstica nacional teria sido muito maior, e as taxas de juros, muito menores. Olhando a realidade chilena, provavelmente de 2% ao ano.

Por outro lado, no sistema de repartição, o equilíbrio é essencialmente determinado pela demografia e pela idade média de concessão do benefício de acordo com critérios de elegibilidade, e não pela taxa de retorno implícita pelo sistema.

A razão de dependência de nossa sociedade, isto é, a população trabalhadora (entre 20 e 64 anos) como proporção da população idosa, é de 13%, ou seja, 7,5 trabalhadores potenciais para cada inativo.

Se, com essa razão de dependência relativamente baixa, o sistema apresenta problemas e por muitos anos registra déficit ou superávit pequeno, é sinal de enormes desequilíbrios. Um sistema de repartição com essa demografia deveria ser extremamente superavitário.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

Ataque a militares explica governo - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 12/05

O importante nos episódios recorrentes de ataques do mentor ideológico do presidente e dos seus filhos aos ministros militares é a revelação do estilo deste governo de alimentar polêmicas desgastantes, usar o tom inadequado na comunicação e de queimar os seus próprios quadros. O presidente Jair Bolsonaro emite mensagens duplas. Avisa pelo porta-voz que as discussões devem ser encerradas, e em seguida as realimenta pelas redes sociais ou em falas ambíguas.

O debate estéril que atravessou a semana inteira, e na qual teve que se envolver até o general Villas Bôas, tem que ser entendido porque é revelador. Quando Olavo de Carvalho ataca alguém, ele desqualifica a si mesmo, porque não é um debate de ideias, mas uma coleção de palavras chulas e ofensas grosseiras. Ele não tem relevância alguma, passa a ser assunto porque o presidente o colocou em um panteão particular. Lá, Bolsonaro, seus filhos e seus seguidores mais fanáticos prestam-lhe homenagens tão frequentes quanto imerecidas. Fica pior quando essa adoração envolve símbolos nacionais e recursos públicos.

A grã-cruz da Ordem de Rio Branco não é propriedade do presidente da República. O mandato acaba um dia, e a insígnia continua para ser dada pelo Ministério do Exterior a pessoas que tenham relevância. Não é definitivamente o caso em algumas das escolhas deste ano. Na Ordem de Rio Branco, o presidente foi ajudado por seu ministro do Exterior, Ernesto Araújo, cujo desequilíbrio se mede pela comparação que fez entre Bolsonaro e Jesus Cristo. Pessoas que deliram a esse grau não podem ser levadas a sério. Carvalho já estava atacando os militares do governo, quando o presidente mandou fazer um jantar em torno dele na embaixada em Washington, que custou, claro, recursos públicos.

O alvo durante vários dias foi o chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz. O ministro tem um currículo militar impressionante, e uma história pessoal de superação. Fez sua carreira com brilho incomum e teve destaque internacional no comando de tropas da ONU, de paz e de guerra. Assumiu com planos de diálogo mesmo com quem tem pensamento oposto ao seu. Nesse papel ele encontra com frequência os limites do próprio governo, que tem um entendimento muito primitivo de como lidar com divergência de pensamento. Os disparos contra Santos Cruz poderiam ser ignorados, mas ganham destaque porque são feitos por aquele que o presidente elegeu como sendo seu mentor ideológico. Se Olavo de Carvalho recebe tantas homenagens do governo e ataca desta forma um dos ministros, a dúvida recai sobre o próprio presidente: o que ele quer com essa automutilação?

A fritura neste governo começa de forma gratuita e é mais violenta. Desta vez foi usada uma frase de entrevista antiga dada pelo ministro. O que transformou esse pequeno truque em onda forte foram os comentários que o presidente e seus filhos fizeram nas redes sociais. Mesmo quando as postagens não faziam referência direta ao assunto ajudavam a inflamar toda a torcida que se formou. Ela é minoritária, mas a histeria é sempre barulhenta.

A ambiguidade do presidente é que é o problema. E as anomalias que ele estimula. Bolsonaro permite que pessoa em tudo desimportante, alheia ao debate nacional, imersa em ressentimento, imiscua-se em assuntos de um ministério estratégico como o da Educação, indique o chanceler e ofenda os militares que ele nomeou para o governo. É Jair Bolsonaro que está em questão, dado que ele é o presidente eleito para administrar o Brasil por quatro anos. Quatro meses se passaram e com atos e palavras ele atinge o seu próprio governo, como se a ele fizesse oposição. O presidente pode demitir o ministro Santos Cruz da Secretaria de governo, mas é estranho que condecore e renda homenagens a uma pessoa que ataca quem ele mesmo nomeou. E após as agressões continue a cultuá-lo.

Eu já escrevi aqui que o movimento mais arriscado dos militares brasileiros foi a simbiose com o atual governo. A ditadura foi uma exceção, mas as Forças Armadas sempre tiveram por missão unir o país. E este governo investe em conflitos. Nos episódios desta semana, em que generais foram alvo, ficou evidente a confusão mental do presidente da República e seus métodos estranhos de governar.

Sobre o contingenciamento e a regra de ouro - JOÃO LUIZ MAUAD

INSTITUTO LIBERAL

É tanta confusão e tanta dificuldade do governo para explicar o tal contingenciamento, que resolvi tentar eu mesmo.

O contingenciamento é necessário para que a administração se mantenha dentro da chamada “regra de ouro”, que permite ao governo aumentar a dívida pública somente para pagar dívidas antigas ou fazer investimentos – e nunca para pagar despesas de custeio (salários e outras despesas). Essa regra só pode ser quebrada, como deseja o governo, com autorização do Congresso, através da abertura de crédito suplementar, que deve necessariamente ser aprovado até 30 de junho. É o que diz a Constituição:


“Art. 167. São vedados:

III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;”

O contingenciamento já foi feito diversas vezes em governos anteriores, sem todo esse estardalhaço, pois o desrespeito à “regra de ouro” implica em crime de responsabilidade. Logo, a menos que Bolsonaro quisesse sofrer um processo de impeachment, não tinha outra alternativa, pelo menos enquanto o congresso não aprova o pedido de crédito suplementar, de $ 248 bi.

PS: sobre o tal corte de 30% nas universidades federais, ao contrário do que vem dizendo a imprensa, ele é falso. O corte total é de aproximadamente 7%. De onde vêm os 30%? Esse é o percentual a ser aplicado, mas apenas em cima das verbas discricionárias, não alcançando salários e outras despesas obrigatórias.

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

“Garantistas” - J.R. GUZZO

REVISTA VEJA

“Quando a lei existe para proteger o crime, defender a lei é defender o criminoso”

Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Operação Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes. É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.

Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549.

Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa. Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil.

Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime. O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais venham a ser as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a lei, na realidade prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.

“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.


Greve, o miolão do Congresso e tsunami - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 12/05

Protesto dos professores e derrotas na Câmara preocupam agentes do governo


Os professores fazem greve nacional contra a reforma da Previdência na quarta-feira, dia 15, com manifestações no centro das principais cidades do país. O protesto terá pelo menos o apoio de estudantes, incitados pelas declarações ferozes do ministro da Educação.

Também pelo meio da semana, o governo deve tomar uma traulitada do parlamentarismo de improviso da Câmara, cortesia das lideranças do miolão. Trata-se do ajuntamento de dois terços dos deputados, uns 340 personagens à procura de um autor, bloco majoritário e maior que o velho centrão, nem governista nem oposicionista.

Mais ou menos sob a liderança de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Casa, o miolão pretende ser um governo-sombra ou paralelo, que imponha limites a Jair Bolsonaro e invente uma pauta própria de projetos para si e até para o país.

Protestos e traulitadas talvez sejam o "tsunami" de que o presidente da República falava na sexta-feira (10). Pelo menos era o que causava nervosismo no Gabinete de Segurança Institucional.

Em abril de 2017, houve uma greve que praticamente enterrou a já então estertorante reforma da Previdência de Michel Temer. O Joesley Day de maio foi pá de cal na morta.

Era uma "greve geral", no entanto. Além do mais, teve repercussão e adesão mais amplas do que o universo das centrais sindicais que convocaram o protesto e dos paredistas mais costumeiros (pessoal de transporte, servidores, bancários, petroleiros). Por exemplo, professores de escolas privadas aderiram; milhares de paróquias católicas faziam campanha contra a reforma. Para facilitar, o presidente era unanimidade nacional. Além da margem de erro, ninguém apoiava Temer.

Por enquanto, um terço dos eleitores acredita que Bolsonaro é bom ou ótimo. Por mais azedo que esteja o Congresso, não há projeto parlamentar organizado de enterrar a reforma previdenciária, ao contrário, apesar da baderna palerma do Planalto. A ideia é mais colocar uma corda no pescoço do governo do que decapitá-lo, ao menos por enquanto.

É possível que as lideranças do miolão arranquem mais um tanto do couro de Sergio Moro, votem uma lei de abuso de autoridade, aumentem o valor das emendas parlamentares ao Orçamento, limitem o poder presidencial de baixar medidas provisórias e aprovem outras "pautas próprias", como é o plano registrado desde março nestas colunas. Mas não querem afogar o governo no tsunami.

Óbvio, o miolão é um partido da ordem, situacionista quando se trata dos poderes do país, um ônibus em que, de um lado do corredor, viajam os interesses das castas burocráticas, e, de outro, o das elites econômicas privadas. No miolão cabe quase tudo, menos o PT e o PSL.

Sim, Bolsonaro deve apanhar bem nesta próxima semana. Há riscos, tanto que suas milícias virtuais também estão preocupadas e começam a difundir uma campanha contra o miolão do Congresso e o STF, além dos militares. Não há, porém, um movimento de cerco, que juntaria ruas e parlamentares.

Nem ainda há rua, nem os parlamentares estão nessa onda. A elite, o dinheiro grosso em particular, está um tanto desesperada em fazer com que "algo dê certo" (reforma da Previdência, trabalhista 2.0), que se evite uma recessão, que Bolsonaro valha parte do que custa.

Decerto, haverá pelo menos mais seis meses sem nenhum alívio econômico, clima seco propício para revoltas. O protesto do dia 15 talvez sirva para dar algum rumo à oposição, quando ela voltar de viagem.

Indo à forra - VERA MAGALHÃES

O Estado de S.Paulo - 12/05

Presidente Jair Bolsonaro governa com o espírito de ‘agora é minha vez’


A vitória de Jair Bolsonaro, contra o establishment e todas as previsões, e quebrando um ciclo de alternância de poder no campo da centro-esquerda, levou ao poder um presidente e um entorno imbuídos do sentimento de revanche. “Agora chegou a nossa vez”, parecem pensar, ou mesmo dizer, a cada anúncio de casuísmos travestidos de políticas públicas.

Depois de anos acusando a esquerda de vitimização e de fazer mimimi identitário, o que mais se vê são os filhos do presidente, ministros e assessores colocados em cargos para aparelhar o Estado com uma conversinha jeca de que a direita passou anos sufocada, lendo Olavo de Carvalho quase como sinal de resistência heroica, e agora foi finalmente reconhecida pelo povo oprimido pela sua superioridade ideológica e, portanto, está legitimada para empurrar essa agenda goela abaixo da sociedade, do Congresso, do Judiciário e de quem mais ousar reclamar.

Bolsonaro foi multado praticando pesca submarina em local proibido? Revogue-se a multa! Libere-se a pesca! Vamos transformar a região de Angra dos Reis na Cancún brasileira.

Estudo de impacto ambiental e de viabilidade turística da região? Para quê, ora bolas? O presidente curte esse esporte, um dos poucos que poderá praticar agora, depois do atentado que sofreu. Vamos liberar logo, de preferência por decreto.

O “capitão” adora armas, paixão que passou para os filhos 01, 02 e 03. Passou a vida como parlamentar do baixo clero defendendo essa pauta, que levou à campanha eleitoral e aos discursos de posse. Então vamos tratar de liberar a posse e o porte de armas, sempre por decreto.

Ao voluntarismo e aos caprichos de um presidente ansioso em transformar o Brasil na extensão de seu condomínio na Barra da Tijuca somam-se a legião de fanatizados e os lobbies interessados na liberação das armas.

Diante de tal conluio, às favas com escrúpulos mínimos, como verificar a constitucionalidade de se mudar a legislação por decreto quando o próprio ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, tem projeto de lei a respeito e deu inúmeras entrevistas admitindo que, diferentemente da posse, o governo sabia que não poderia mexer no porte sem que isso passasse pelo Congresso.

O mesmo espírito de “agora é a nossa turma que está no poder” perpassa políticas ambientais, educacionais e culturais. Bolsonaro sempre foi criticado nos meios universitários, intelectuais e artísticos?

A hora é de implodir isso aí, talquei? Ir à forra, jogar o peso do Estado sobre os antigos detratores, nem que seja ao custo de provocar a paralisação de pesquisas, estigmatizar toda uma indústria que gera emprego e renda, como a da cultura, e condenar alunos de Humanas à asfixia de seus cursos. O que vale é a narrativa, é esmagar o inimigo, nem que seja imaginário.

Tudo isso anabolizado por postagens delirantes do filho estrategista e que mostram um fascínio indisfarçado pela perversão: assim como o vídeo do golden shower brotou primeiro nas redes militantes e foi alçado à expressão do carnaval brasileiro, cenas de pessoas peladas ou de sexo grupal são postadas e enviadas por WhatsApp como se representassem o dia a dia das universidades públicas. É ridículo e acintoso que autoridades adotem esse tipo de mentira de forma deliberada.

Mas a cantilena está cansando e não cola para além dos convertidos e defensores da revanche. Bolsonaro deve enfrentar protestos robustos nesta quarta-feira contra o desmonte da Educação. Seria de bom alvitre entender que governar não é decorar a casa com as bugigangas cafonas de que gosta, mas propor políticas baseadas em necessidades, dados e evidências e que atendam à maioria da população, independentemente de sua ideologia ou de em quem tenha votado.

A China quer tocar seu coração - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 12/05

Ofensiva de Pequim alcança também a mídia


A nova saraivada (de tarifas, no caso) de Donald Trump contra a China provocou análise de Jamil Anderlini, correspondente para a Ásia do Financial Times, na qual diz que há um consenso bipartidário, nos Estados Unidos, de que “uma China autoritária e expansionista representa uma ameaça existencial à ordem mundial”.

Parece exagerado. A China não aparenta pretender destruir a ordem mundial e, sim, assumir o papel de copiloto de uma ordem mundial redesenhada, ao lado dos Estados Unidos e de quem mais fizer méritos para subir ao cockpit.

O veículo mais saliente de tal pretensão é a BRI (Belt and Road Initiative), também conhecida como Nova Rota da Seda.

Trata-se de iniciativa do governo chinês que o Council on Foreign Relations considera o “mais ambicioso pacote de projetos de infraestrutura jamais concebido”. Segundo os chineses, a BRI já chega a 4,4 bilhões de pessoas de 150 países e, no total, prevê investimentos na Ásia, Europa e África de mais de US$ 1 trilhão. Está avançando também na América Latina.

Mas a BRI vai bem além de infraestrutura: Le Monde informou, na quinta-feira (9), que o presidente Xi Jinping lançou a Belt and Road News Network ou Rede de Notícias da BRI. Objetivo: “Contar as histórias sobre a BRI de uma maneira que possa modelar uma opinião pública sadia e ajudar que tal iniciativa
aporte resultados substanciais às pessoas que vivem nos países abrangidos pela BRI”.

“Um novo instrumento de propaganda”, resume, adequadamente, o correspondente do Monde na China, Frédéric Lemaître.

Que é disso que se trata, vê-se por artigo do paquistanês Sarmad Ali, presidente do Grupo de Mídia Jang: para ele, os países que participam da BRI necessitam uma plataforma comum porque “a mídia ocidental tem uma percepção negativa da BRI e criam dúvidas sobre a eficácia dos projetos que levam esse rótulo”.

Há, de fato, dúvidas, mas a mídia só faz reportá-las, e não criá-las. A grande dúvida é chamada de “armadilha da dívida”: significa que os empréstimos contraídos por determinados países para fazer as obras previstas na BRI criam um endividamento eventualmente impossível de pagar.

Para constatar que a BRI da mídia é parte da pretensão chinesa de disputar a liderança global com os Estados Unidos basta ler Li Congjun, ex-responsável pela agência chinesa Xinhua e membro do Comitê Central do Partido Comunista Chinês: “É necessário criar uma nova ordem mundial da mídia. Se não, o lugar será ocupado por outros, o que representará um desafio ao nosso papel dominante na condução da opinião pública”.

A China não fica apenas na teoria: multiplica programas de formação para jornalistas, a exemplo do que fazem países ocidentais, especialmente os Estados Unidos. Segundo Le Monde, 3.400 repórteres de 146 países já participaram de um dos programas (o mais curto é de 26 dias;
o mais longo é de 10 meses).

Cabe lembrar que, segundo Repórteres sem Fronteiras, a China ocupa o 177º posto entre 180 países em matéria de liberdade de imprensa.

Também não custa lembrar que, enquanto o governo Bolsonaro fica caçando fantasmas (o comunismo que já morreu) ou inventando outros (o globalismo, o marxismo cultural), a China avança, e o Itamaraty não é capaz de definir uma política para lidar com o fenômeno.

Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

A revolução que baixará os juros - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

Inovações institucionais e a tecnologia ampliarão o crédito


Em 2018, o crédito ao setor privado nos Estados Unidos atingiu 29,3 trilhões de dólares. Os bancos representaram 38% desse total. Excluídos os títulos adquiridos de empresas, o porcentual cai para 20%. Lá, 80% do crédito nasce no mercado de capitais.

O sistema bancário americano compete com várias instituições financeiras que investem em títulos emitidos por empresas, em recebíveis e em outros instrumentos. São os investidores institucionais — fundos de investimento, seguradoras e fundos de pensão.

O crescimento dos investidores institucionais também tem ocorrido no Brasil. Eles já representam 70% da poupança financeira, segundo cálculos do economista Carlos Antonio Rocca. O mercado de capitais será, pois, a grande fonte de crédito do país.

Essa é uma das pontas de uma revolução. A outra é a Selic, a taxa básica do Banco Central, hoje em nível historicamente baixo (6,5%). Se a reforma da Previdência passar, o risco do país cairá. Será maior a confiança na economia. A Selic diminuirá.

Ademais, a criação da Taxa de Longo Prazo eliminou subsídios nas operações do BNDES e reduziu a segmentação do crédito, o que aumentará a potência da política monetária e permitirá o controle da inflação com uma Selic cada vez menor. Haverá redução das taxas de juros e do spread bancário.

Inovações institucionais e a tecnologia digital diminuem custos e assimetrias de informação. A duplicata eletrônica e o registro centralizado de direitos creditórios por empresas credenciadas pelo Banco Central reduzirão custos, riscos operacionais e fraudes. A oferta de crédito, mais segura, se ampliará.

A nova lei do cadastro positivo aumentará as informações. Agora, a adesão será obrigatória, a menos que os clientes se oponham. O processamento será feito também por birôs de crédito, embora leve tempo para que outras instituições acumulem a mesma quantidade de dados detida pelos bancos.

A avaliação de risco de crédito terá mais qualidade e será acessada por um crescente número de instituições, incluindo fintechs. Isso tende a resolver o maior desafio das startups financeiras, o de precificar corretamente seus riscos.

O BC acaba de dar o passo inicial para a implementação do Sistema Financeiro Aberto (Open Banking). A medida vai contribuir para reduzir os efeitos da concentração bancária. Com isso e com o uso de plataformas digitais, instituições de menor porte competirão em pé de igualdade com as grandes. Para a Serasa Experian, o crédito passará de 47% para 67% do PIB.

Nada disso virá da noite para o dia. Dependerá também da preservação da estabilidade macroeconômica e do aumento da taxa de recuperação de créditos, hoje de apenas 13% (62% nos países emergentes), dado o viés anticredor do Judiciário.

Essa revolução aumentará a concorrência entre bancos, reduzirá juros e ampliará o acesso ao crédito, inclusive via celular. Ganharão sobretudo as pequenas empresas e as pessoas de baixa renda.


Atualidade de relembranças - PEDRO MALAN

O Estado de S.Paulo - 12/05

A democracia moderna precisa de serenidade para enfrentar seus desafios de forma eficaz



Em 9/11/2003 publiquei neste espaço artigo intitulado Dois livros e um discurso. Os livros eram O Elogio da Serenidade, de Norberto Bobbio, bela defesa dessa virtude tida como não política, “virtude fraca, mas não dos fracos”; e Insultos Impressos, de Isabel Lustosa, excelente trabalho sobre os primeiros anos de nossa imprensa à época da independência. O discurso, por sua vez, era do então deputado Fernando Gabeira, pronunciado no Congresso por ocasião de seu desligamento voluntário do PT, que teve como chamada Sonhei o sonho errado.

Passados 15 anos, volto aos dois livros por razões que espero possam atrair o interesse do leitor que acompanha a falta de serenidade e o nível de agressividade de nossas polarizadas redes sociais, bem como as baixarias dos insultos que ali imperam. Estão a nos faltar mais da serenidade de um Fernando Gabeira e menos do linguajar das redes sociais.

À época, escrevi que acreditava, ou esperava, que ofensas pessoais (ou insultos impressos) gratuitas e inconsequentes tendessem a perder peso relativo no debate em favor de substância, conteúdo e respeito aos fatos – ainda que nunca desaparecessem por completo, porque não existe política sem emoção. Que acreditava, ou esperava, que a serenidade, como postura, atitude, tenderia gradualmente a ser vista como imprescindível e reconhecida virtude – inclusive política. Que acreditava, ou esperava, que o aprofundamento do discurso sobre “sonhar sonhos errados”, estimulado por Gabeira, pudesse ter implicações para o debate político e econômico dos três anos que se seguiriam. E julgava, sim, como julgo hoje, que os temas dos dois livros e do discurso estavam ligados. Por isso a eles volto.

Em Insultos Impressos, Isabel Lustosa nota três circunstâncias daquele momento histórico que fizeram o debate alcançar surpreendentes níveis de violência: “A situação de instabilidade e indefinição política que o país vivia; (...) a democratização do prelo, trazendo para a forma impressa elementos de oralidade no que tinha de mais popular e coloquial; a emergência de quadros da elite brasileira sem hábitos de vida pública anterior que, a partir de sua inserção no debate político, trouxeram para o espaço público, por meio da palavra impressa, atitudes da vida privada”. Como nota a autora, “cada um escrevia e assinava o que bem entendia (...) um processo de liberalização política sem precedentes em nossa história”.

A autora registra que notável orador religioso tinha por hábito anotar nas margens dos textos de seus sermões a serem lidos lembretes do tipo: “Aqui, elevar a voz porque o argumento é fraco”. Não só decibéis mais altos podem compensar a falta de substância. Ofensas pessoais também podem fazê-lo. Assim como críticas genéricas a “tudo isso que aí estava” também podem expressar dificuldades de reconhecer e enfrentar, na prática, com serenidade e determinação, olhando à frente, os inúmeros e inegáveis problemas do presente e do futuro – obrigação de qualquer governo. Particularmente daqueles que tanto se empenharam em estimular sonhos, esperanças e expectativas de rápidas e profundas mudanças.

Aqui entra o “sonhar o sonho errado” de Gabeira. Todos os jornais registraram sua primeira explicação: “Confiei que poderíamos fazer tudo aquilo que prometíamos rapidamente, num período de quatro anos ou imediatamente”. Mas o que Gabeira escreveu a seguir não mereceu, surpreendentemente, tanta atenção: “O sonho foi pior ainda, foi confiar que era possível transformar o Brasil a partir do Estado, quando o dinamismo se encontra na sociedade”.

A primeira explicação de Gabeira tem mais que ver com a velocidade esperada de realização do sonho no tempo. Afinal, a arte da política – ou melhor, do exercício do poder – é começar a fazer o necessário e continuar a trabalhar para tornar possível amanhã aquilo que parece difícil ou mesmo impossível hoje. Sua segunda explicação é, a meu ver, mais relevante e tem por trás a outra visão clássica sobre o poder, que Maquiavel imortalizou como a arte de conquistar, preservar, consolidar e ampliar o poder do Estado. Não como fim em si mesmo, mas para, “a partir do Estado”, realizar “grandes coisas” (a expressão é do próprio), que é o mesmo que realizar grandes sonhos.

Enquanto uma sociedade dinâmica, complexa, heterogênea e desigual, acreditando pouco em si própria, achar que só é possível realizar “grandes coisas” – como, por exemplo, o desenvolvimento econômico e social – fundamentalmente a partir do aparelhamento do Estado, permanecerão vivos entre nós traços de três fenômenos nefastos de nosso passado: o messianismo salvacionista, o voluntarismo explícito e o autoritarismo exercido em nome do povo. Os três incompatíveis com um republicano Estado Democrático de Direito.

Uma democracia moderna precisa, tanto na sociedade quanto no governo, de serenidade para enfrentar seus inúmeros desafios de forma eficaz. A serenidade é uma postura, uma atitude em relação aos outros e às coisas – incluídas as que se deseja transformar. Sem usar a palavra serenidade, Bobbio definiu uma vez o que chamou de maior lição da sua vida: “Respeitar as ideias alheias, deter-se diante do segredo de cada consciência, compreender antes de discutir, discutir antes de condenar. E rejeitar todo tipo de fanatismo”.

Se conseguirmos, como parte de um processo de melhoria da qualidade do debate público informado, reduzir o peso relativo dos insultos digitais (em favor do conteúdo da discussão), valorizar mais a serenidade e a prudência-com-propósito como virtudes políticas e aprofundar mais a discussão sobre sonhar sonhos errados e sobre sua realização “a partir do Estado” ou “a partir do dinamismo da sociedade” (um falso dilema), estaremos contribuindo para continuar mudando, para melhor, um país complexo e difícil como o nosso. Ou, pelo menos, sonhando sonhos certos, o que deveria incluir, seguramente, não ter ilusões sobre as dificuldades de realizá-los.

Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC.

Patologia da ideologia - DORA KRAMER

REVISTA VEJAedição nº 2634


Se não reage, Bolsonaro incorpora insultos à equipe que escolheu


Foge à compreensão das mentes normais a razão de o presidente do Brasil assistir de maneira complacente à enxurrada de insultos dirigidos a figuras da República, entre as quais o vice-presidente e alguns ministros, por aquele antagonista residente na Virgínia, cujo nome passo a me abster de pronunciar por considerá-lo a materialidade gráfica do baixo calão. O assunto aqui não é ele. É o presidente. Mais que tolerante, Jair Bolsonaro é submisso e até reverente ao autor das ofensas que em última análise lhe são dirigidas, pois atingem profissionais que escolheu porque achou capazes de ajudá-lo a governar o país. Nesse aspecto, não faz diferença se civis ou militares.

Bolsonaro alega que é “dono do próprio nariz” para justificar sua indulgência e afirmar que cada um age como quer no controle da própria vida. Pois se existe alguém impedido de dizer e fazer impunemente o que lhe dá na telha é exatamente o chefe da nação. É o mais comprometido dos brasileiros com o dever de dar satisfação, de medir consequências de seus atos, palavras e até omissões, de atuar no estrito limite da ordem constitucional. Ocupa o cargo por delegação de quem passou a ter a propriedade do nariz presidencial desde a eleição.

E aqui se incluem todos os brasileiros. Os que votaram nele ou deixaram de votar movidos por convicção e os que o escolheram motivados pela rejeição ao adversário. Uma das hipóteses para que o presidente seja dócil ao tratamento hostil é que não queira dar aos cidadãos que compartilham não necessariamente do estilo mas das crenças do autor referido no início a impressão de que esteja cedendo a gente identificada com ideias opostas e aí dando uma demonstração de fragilidade ante o eleitorado de raiz.

É verdade que nas pesquisas Bolsonaro encontra ainda apoio significativo nesse segmento. Mas é verdade também, e até mais eloquente, que perde credibilidade entre os que optaram por ele achando que se livravam das amarras ideológicas do PT e agora deparam com atuações patológicas avalizadas pelo presidente, que, assim, consegue a façanha de ver boa parte do Brasil pensante aplaudir a presença de militares no governo, algo antes temido e tido como sinal de alerta para o risco de retrocesso.


Nada a ver com esquerda, com partidos de oposição. É questão de bom-senso, e Jair Bolsonaro se coloca do lado contrário de maneira arriscada para ele. Da grita em redes sociais, o repúdio ao clima de sarjeta transbordou para o Congresso, no qual crescem as manifestações de solidariedade aos ofendidos enquanto caminha com lentidão a reforma da Previdência. A sociedade reage e as instituições se posicionam. Logo chegará a vez de o Judiciário pronunciar-se a respeito.

Com isso, o presidente da República cava o isolamento e, paradoxalmente, se põe cada vez mais sob a tutela daqueles que são alvo dos ataques porque são eles que recebem o crescente respaldo da opinião pública. É de perguntar até quando isso vai durar se Bolsonaro não parar de falar em páginas viradas e não puser um ponto-final na balbúrdia em que se transformou o seu governo.


Por que a regulamentação econômica pode ser muito ruim para a sociedade? - OG LEME

INSTITUTO LIBERAL
Regulação ou regulamentação significa imposição de regras, normas ou leis. Ela se dá, então, por via legislativa ou administrativa. Desregulamentação corresponde à redução ou eliminação das normas existentes. No caso brasileiro, propor uma redução das regras vigentes equivale a reconhecer que elas superabundam entre nós, aumentando desnecessariamente os custos de transação, engessando os mercados, deformando a estrutura de estímulos e desestímulos para produzir, desalentando a iniciativa privada, comprometendo a eficiência média da economia e, consequentemente, o bem-estar material dos brasileiros.

É sabido que não há possibilidade de vida grupal ou social sem um conjunto de regras de conduta, sejam elas formais ou informais. Trata-se de um fato de validade universal, independente da história, geografia, etnia, cultura e do nível de renda. Ele se impõe entre virtuosos e pecadores, valem tanto para o Exército da Salvação como para qualquer “máfia” ou grupo de detentos.

É igualmente sabido que qualquer tipo de ordem concebida como conjunto de normas de conduta é melhor do que a anomia, isto é, a ausência de normas. Mas é forçoso reconhecer que alguns tipos de ordem social podem ser melhores que outros, especialmente se o critério de avaliação se baseia não apenas na sobrevivência do grupo ou país, mas também na sua capacidade de oferecer a seus membros melhores condições de vida e maior longevidade. Critério de avaliação equivalente é o da capacidade que tem essa ordem social de ensejar aos membros da comunidade “a busca individual, em segurança, da felicidade”. É equivalente porque são exatamente as sociedades propiciadoras dessa condição as que caminham no rumo da prosperidade. Não se trata de hipótese ou ato de fé, mas de realidade histórica fundamentada em evidência empírica.

Conforme se disse antes, não há possibilidade de vida grupal num vácuo normativo (estado de anomia). Mas tampouco há sobrevivência social satisfatória com excesso de regulação. Da mesma forma que a vida individual necessita de de água para sobreviver, mas também pode acabar por excesso dela, a sobrevivência social se torna precária com excessos regulatórios que entorpecem e degradam a ação humana.

Deve haver, então, um grau ótimo de ordenamento que, além de assegurar a sobrevivência social, possa oferecer às pessoas as melhores condições possíveis de vida. A história nos tem ensinado que esse ponto ideal é encontrado quando o governo e sua contrapartida, o processo político de decisões coletivas, se limitam a fazer aquilo que o mercado e sua contrapartida, o processo de decisões individuais, não são capazes de fazer a custos sociais suportáveis.

Num país onde os problemas econômicos são em sua grande maioria solucionados pelo mercado, caberia ao governo apenas algumas importantíssimas tarefas: administrar a lei, manter a ordem pública, zelar pela segurança, desempenhar funções diplomáticas e cuidar dos problemas envolvendo externalidades e bens públicos. Nos casos de externalidades e bens públicos, há diferenças entre custos e benefícios sociais e individuais, de maneira que, deixados a cargo do mercado, há a possibilidade de haver menos oferta de certas coisas do que o desejável (por exemplo, saúde pública e segurança) e mais de outras (por exemplo, poluição).

Essa divisão de atribuições entre o mercado e o setor público pode ainda ser ampliada a favor do segundo, quando os direitos de propriedade não são bem definidos ou eficazes e quando são elevados os custos de transação. Em tais casos pode haver razão para a regulação pública, desde que exercida com sensatez e sabedoria, porque ela é uma agressão aos direitos de propriedade e onera os custos de transação. É preciso muito cuidado, portanto, para que o remédio não se transforme em veneno.

Os custos de transação são o valor que excede o preço do bem ou serviço comprado, representado pelo que se gasta na obtenção de informações sobre a coisa transacioniada, dos recursos consumidos na negociação entre as partes envolvidas na transação e, finalmente, no custo de tornar os contratos efetivos.

Isso é o que diz a teoria econômica fundamentada na razão e nos fatos. Mas nem sempre os seres humanos agem de acordo com as boas lições da economia. Se em boa parte do século XIX a economia mundial se aproximou do bom receituário de Adam Smith, fundamentado pela responsável liberdade dos agentes econômicos e no livre intercâmbio das nações, a maior parte do século XX sucumbiu ao estatismo, ao intervencionismo governamental, à substituição do mercado pelo arbítrio dos detentores dos poderes coercitivos do Estado. Mas antes que o século e o milênio terminassem, ruíram várias das desastrosas experiências no campo da engenharia social (o construtivismo de Hayek) com o frcasso do nazismo, do fascismo e do comunismo.

Não obstante, continua de pé a advertência do Prêmio Nobel James Buchanan: “o socialismo morreu, mas o espírito do Leviatã continua vivo”. Isso significa não mais a substituição completa do mercado pelo planejamento central, não mais a substituição da propriedade privada e da economia de mercado, mas as duas instituições passam a ser “orientadas” ou “conduzidas” pelo governo, por meio de vários tipos de instrumentos, entre os quais os da regulação econômica. A regulação econômica é uma das formas mais sub-reptícias e insidiosas de agressão à propriedade privada: finge-se manter a propriedade privada, mas os titulares desses direitos são obrigados por força da lei ou de decreto a usar seus ativos de acordo com a vontade das autoridades.

A justificativa para esse tipo de violência não varia muito: a correção de “falhas de mercado” (como se o governo não as tivesse e em grau maior), proteção ao meio ambiente e às espécies em extinção, proteção aos menos possuídos (empregados e mulheres), redistribuição de rendas, incentivo ao crescimento econômico etc. Parte dessa onda intervencionista é baseada em boas intenções, parte é apenas demagogia.

É oportuno citar um exemplo de uma boa intenção desastrada. No final da década de 1980, os ativistas do ambientalismo estavam procurando convencer as autoridades responsáveis pelo suprimento de água do risco de carcinomas produzidos pelo uso do cloro. Na época, as autoridades peruanas, que se viam às voltas com uma crise orçamentária, aproveitaram-se da ideia de acortar a despesa com o uso do cloro na água para evitar o mal maior do câncer e, assim, contornar uma crise financeira. A desastrada decisão contribuiu para a disseminação acelerada da cólera na América Latina nos anos 1991-1996, causando a contaminação de 1,3 milhão de pessoas e a morte de 11 mil. O relato dessa custosa ocorrência está num artigo de H.I. Miller e G. Cronko, “The Perils of Prevention”.

Provavelmente estão cheias de boas intenções as pessoas que defendem o salário mínimo e procuram “proteger” o trabalho feminino. Isso não basta, porém, para evitar que o salário mínimo prejudique o trabalhador menos qualificado (exatamente o mais carente) nos tempos de crise; ou para impedir a discriminação contra a mão de obra feminina que resulta do seu encarecimento que a suposta “proteção” produz.

As bem intencionadas tentativas nos Estados Unidos de melhorar a segurança dos motoristas com regulamentos que obrigavam as montadoras a adotar uma série de inovações acabaram encarecendo os automóveis. Com preços mais altos, os usuários passaram a estender o prazo de renovação de seus carros, com o consequente envelhecimento da frota. Carros mais velhos equivalem a mais poluição atmosférica, que foi a triste consequência de mais uma boa intenção.

As experiências com regulamentação para impedir a extinção de espécies animais têm sito mal-sucedidas, especialmente quando esses animais são de propriedade comum. Os países africanos que admitem a propriedade privada de elefantes e dão eficácia a esse direito têm visto seu estoque de elefantes crescer. Os países em que a propriedade de elefantes é comum não têm conseguido frear a queda do estoque desses animais na base da regulação.

A existência de direito eficaz de propriedade é fundamental no caso de externalidades, de preservçaão ambiental e de manutenção de espécies animais. Nos Estados Unidos, houve praticamente extinção dos búfalos, que eram propriedade comum; houve, por outro lado, generosa expansão do rebanho bovino, que é de propriedade privada. Estão universalmente ameaçadas de extinção as baleias e as tartarugas, de propriedade comum; continuam, crescendo os estoques de galinhas e perus, de propriedade privada.

Mas há regulamentos gerados por boas intenções e que eventualmente dão certo, por assim dizer. Mesmo quando a regulação parece haver atingido seus objetivos, seu custo social pode ser altíssimo se resultar em excesso burocrático e elevação dos cursos de transação. O economista peruano Hernando de Soto publicou um livro (El Otro Sendero) há alguns anos que se tornou mundialmente famoso pela percuciente análise que faz da economia informal no Peru. O autor mostra, por exemplo, que para a obtenção de um alvará para o funcionamento de uma fabriqueta de roupas de “fundo de quintal” são necessários quase 300 dias naquele país. Esse alvará pode ser obtido em 3 dias em, por exemplo, Tampa, na Flórida (EUA).

O sistema tributário brasileiro já foi chamado de “manicômio tributário” pelo falecido jurista Alfredo Augusto Becker. Desde a sua morte, a situação piorou: hoje, temos mais de 60 tributos regulamentados por uns 6 mil diplomas legais, conforme estudo recente do jurista Cândido Prunes, a ser publicado na revista Think Tank.

Talvez o setor da economia brasileira mais seriamente afetado por uma regulação exorbitante e insensata seja o do mercado de trabalho, poluído por pseudodireitos, mutilado na sua flexibilidade e tornado artificial e desnecessariamente dispendioso, a ponto de onerar em mais de 100% as folhas de pagamentos com benefícios trabalhistas. Um dos resultados é a perda da competitividade dos produtos brasileiros no mercado mundial.

O espaço disponível não comporta mais exemplo, mas os citados bastam para ilustrar os problemas criados por uma regulamentação exagerada:

1 – Engessamento ou perda de competitividade dos mercados;

2 – Deformação do sistema de preços e da cadeia de estímulos e desestímulos, com a consequente perda de eficiência econômica;

3 – Entorpecimento da iniciativa empresarial;

4 – Estímulo à corrupção devido ao aumento dos poderes da burocracia e do próprio processo político;

5 – Expansão da economia informal;

6 – Aumento dos custos de transação (o chamado ‘custo Brasil’);

7 – Comprometimento da capacidade de competir no mercado mundial;

8 – Agressões continuadas a direitos de propriedade;

9 – Degradação da ética (dos ‘bons costumes’) pela prática do “jeitinho” e da corrupção decorrentes das necessidades de driblar as dificuldades criadas pelos regulamentos;

10 – Institucionalização do cinismo, juntamente com a degradação das instituições.

Essa relação que envolve custos econômicos morais e institucionais não esgota provavelmente a capacidade deletéria da regulação exacerbada, mas certamente é suficiente para convidar-nos, a nós brasileiros, a pensar seriamente na revisão saneadora dos regulamentos vigentes. Leva-nos a considerar seriamente a urgente necessidade de desregulamentar a nossa vida social e econômica. Desregulamentar não significa obviamente a pura e simples eliminação dos regulamentos atuais, mas a sua adequação a um processo econômico do mercado que dependa do setor público apenas para as tarefas em que as decisões privadas individuais se mostram inapropriadas.

Artigo retirado do livro de crônicas Og Leme, um liberal, editado pelo Instituto Liberal em 2011.

Ministro fabrica em tempo recorde ameaça de greve na educação - BRUNO BOGHOSSIAN

FOLHA DE SP - 12/05

Weintraub escolheu a tática do confronto e adotou idioma da retaliação política

Ao ouvir os planos desvairados de Abraham Weintraub para as universidades, um político calejado perguntou se ele não temia greves e protestos. O ministro respondeu que conhecia o risco de paralisações, mas não deu bola e disse que estava preparado para enfrentá-las.

O governo Jair Bolsonaro serviu um coquetel inflamável a alunos e professores. O novo ministro da Educação adotou como idioma oficial um discurso de retaliação política, fez ameaças à autonomia das instituições e escolheu a tática do confronto para anunciar bloqueios no orçamento da área.

Weintraub transformou em propaganda ideológica aquilo que deveria ser um congelamento de despesas duro, mas relativamente comum. Ao contingenciar 30% da verba não obrigatória, o ministro disse que puniria universidades que promovessem “balbúrdia”.

A pasta levou uma semana para corrigir o disparate. Primeiro, Weintraub estendeu o corte a todas as instituições. Depois, saiu a público com chocolatinhos e sua conhecida expressão de injustiçado para explicar que o congelamento representava só 3,4% do orçamento.

O ministro parece disposto a fermentar uma oposição entre o governo e os campi. Ele cortou bolsas de pesquisa, apresentou a intenção de interferir no financiamento de ciências humanas e indicou que não respeitará a tradição de nomear para reitorias os primeiros colocados das eleições internas das universidades.

Como resposta, professores ameaçam parar e estudantes planejam manifestações. Interessado no embate, o governo deve reagir com uma política de desocupação de prédios públicos e corte de salários.

A autoconfiança costuma trair governantes nessa área. FHC enfrentou duas greves de mais de cem dias ao ignorar reivindicações de professores e atropelar a escolha de reitores. Em 2012, Dilma Rousseff deu de ombros para uma paralisação parcial e corriqueira. O movimento se expandiu para 58 das 59 universidades federais e durou quatro meses.

Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA)
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Enquanto o País derrapa, Bolsonaro cuida de armas - ROLF KUNTZ

O Estado de S.Paulo - 12/05

Devotado a seu guru, o presidente se absteve de repelir a ofensa brutal ao general Villas Bôas


Nem o governo aposta mais num mísero e constrangedor crescimento econômico de 2% neste ano, e uma nova projeção oficial é esperada para os próximos dias. Mas a palavra “governo” é um tanto imprópria, nesse caso, porque seu significado inclui, normalmente, a Presidência da República. O presidente Jair Bolsonaro tem mostrado, de fato, menos preocupação com a economia do que com outros assuntos, provavelmente mais altos em sua escala de prioridades. Enquanto o pessoal do Ministério da Economia refazia as contas e o ministro Paulo Guedes batalhava no Congresso pela reforma da Previdência, o chefe de governo cuidava de um decreto sobre porte de armas. Estava cumprindo, segundo explicação de gente do Executivo, uma promessa de campanha. Faz sentido. O último balanço trimestral apontou apenas 13,4 milhões de desempregados, número muito menor que o dos beneficiários potenciais do decreto do bangue-bangue. Segundo cálculo do Instituto Sou da Paz, informou o Estado, cerca de 19 milhões de pessoas poderão ter acesso facilitado a armas – e a armas pesadas, anteriormente permitidas apenas a policiais e a membros das Forças Armadas. Alguém poderá, no entanto, propor uma comparação diferente.

Como ficaria a discussão se fôssemos além dos 13,4 milhões de desempregados e tomássemos como referência a população subutilizada, formada por 28,3 milhões de pessoas? Os desempregados, medidos segundo critério internacional, são apenas uma parcela desse conjunto. O contingente dos subutilizados supera o dos potenciais portadores de armas. Talvez pudesse merecer, portanto, maior atenção do presidente. Mas isso ocorreria somente se ele estivesse disposto a cuidar de um assunto mais complicado. Ele tem mostrado certa aversão a esse tipo de exercício, embora se tenha declarado capaz, há pouco tempo, de criticar a metodologia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mas o presidente, é preciso reconhecer, vem cuidando da educação, apontada como prioritária por apoiadores e também por críticos do governo. Pelo decreto das armas, menores de 18 anos poderão exercitar-se em clubes de tiro sem autorização judicial. Bastará a permissão de um responsável legal. Com isso, o processo educacional ficará menos burocratizado, com vantagem para a formação de crianças e jovens.

A preocupação do presidente com a educação é visível, também, na seleção cuidadosa de ministros e secretários para a área. O atual, Abraham Weintraub, exibiu admirável modéstia, em depoimento no Senado, ao apontar seu currículo como superior à “média dos últimos 15 ministros”. Essa média é um conceito um tanto obscuro, mas pode-se deixar de lado o detalhe. Vale a humildade: por que levar em conta só os “últimos 15 ministros”?

Ele também mostrou, como o chefe Bolsonaro, pouco apreço a pormenores insignificantes. Referiu-se a Kafta, quando talvez quisesse mencionar Kafka. Estaria com fome? Lembrou ter sido processado administrativamente na universidade onde trabalhou e comparou os condutores do processo a agentes da Gestapo.

Poderia ter lembrado o caráter esquerdista da Gestapo, organização a serviço do governo nazista. O nazismo, já disse o presidente Bolsonaro em visita a Israel, foi um movimento de esquerda, detalhe ignorado no Museu do Holocausto.

Fiel ao estilo de seu chefe, o ministro tem mostrado em várias ocasiões seu desprezo a ninharias. Qual a importância de escrever “insitaria”, como num de seus tuítes, em vez de “incitaria”? Em outra ocasião, numa transmissão ao vivo com o presidente, confundiu 3,5 chocolates com 30, mas esse, de fato, é um tropeço muito menos importante do que as trapalhadas sobre os orçamentos das universidades.

Um corte de 30% foi apresentado inicialmente como punição a três instituições federais, por ele acusadas de balbúrdia. Em sua opinião, ministro tem de controlar festinhas e impedir gente pelada e drogas, além, é claro, de fiscalizar ideologicamente as aulas e as disciplinas. O corte, ou contingenciamento, acabou sendo generalizado e atingiu também universidades estaduais, pela suspensão de bolsas de pesquisa.

Enquanto isso, a economia se arrasta, o governo é acuado no Congresso, ninguém sabe como ficará o projeto de reforma da Previdência e o futuro permanece embaçado. No mercado, a mediana das projeções de crescimento econômico em 2019 já caiu para 1,49%. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC) enfatiza, em comunicado, a dificuldade de tomar decisões num ambiente de muita incerteza. Até o BC?

Já se fala, no Ministério da Economia, em liberar mais dinheiro do Fundo de Garantia para estimular o consumo e os negócios. E o presidente? Continua dando mais atenção a seu guru Olavo de Carvalho que ao vice Hamilton Mourão e a vários ministros, incluído o da Economia. Quando o guru ofendeu o general Eduardo Villas Bôas com uma grosseria incomum, ministros e políticos de vários partidos condenaram a agressão e prestaram homenagem ao ofendido.

Sem dizer uma palavra contra o ofensor, o presidente o elogiou. “Olavo de Carvalho”, escreveu Bolsonaro referindo-se à carreira do mestre, “rapidamente tornou-se um ícone, verdadeiro fã para muitos”. Ícone ou fã? Como sempre, as palavras são tratadas com o desprezo adequado a coisas menores. Bolsonaro reserva sua atenção às coisas e pessoas de fato importantes, como Olavo de Carvalho, por ele condecorado com a Ordem de Rio Branco.

Mas o tuíte, com a homenagem ao guru e a desatenção ao general brutalmente ofendido, vale algumas perguntas. Seu aspecto mais notável será o linguístico? Será o político, pelo culto reiterado a um ícone boquirroto, conselheiro na nomeação de ministros, censor de outros e orientador do governo? Ou o mais importante, enfim, será a qualidade moral da posição de Bolsonaro em relação a ofensor e a ofendido?

Jornalista

Tsunami - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 12/05

Ao mirar o Meio Ambiente, Bolsonaro assusta e alimenta a oposição a ele na sociedade



Está cada vez mais claro que os alvos do presidente Jair Bolsonaro são ditados por ideologia, numa guerra santa contra “esquerdopatas”, reais ou imaginários, em áreas estratégicas do País. De um lado, escancara a posse e o porte de armas. De outro, atira em universidades, pesquisas, área de Humanas, ambiente, ONGs e conselhos.

Ao reagir ao tal Olavo de Carvalho, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas disse que, “substituindo uma ideologia pela outra, (ele) não contribui para (...) a solução concreta dos problemas brasileiros”. Perfeito. Nota mil.

Pois o presidente Bolsonaro governa como se não houvesse nada além de direita versus esquerda. Depois de tantos anos sujeito aos erros da esquerda, o Brasil está à mercê dos erros da direita.

Depois de partir para cima das universidades, onde jovens continuam sendo jovens, aqui e em toda a parte, o governo desloca suas metralhadoras, fuzis, revólveres e todos os cartuchos contra o Meio Ambiente, uma das áreas do Brasil com maior prestígio no mundo, pela biodiversidade invejável, pelo rigor das leis, pela credibilidade de especialistas e técnicos.

Desde a campanha, Bolsonaro já demonstra, no mínimo, um desconhecimento e um desdém pela preservação e a sustentabilidade. Seu chanceler, Ernesto Araujo, foi além ao falar ironicamente em “ambientalismo”, que seria uma militância a serviço das esquerdas internacionais, junto com Direitos Humanos, por exemplo, para destruir os valores cristãos do Ocidente.

Depois, Bolsonaro pensou até em extinguir o ministério. Desistiu, mas escolhendo um ministro praticamente alheio à problemática ambiental, o advogado e administrador Ricardo Salles. E, ao assumir a Presidência, passou a usar o cargo para uma revanche.

Em janeiro, o Ibama anulou a multa aplicada ao cidadão Jair Bolsonaro por pescar na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ), o que é proibido por lei. Em março, o fiscal que cumpriu a lei foi exonerado. Na semana passada, a retaliação foi ampliada para a própria Estação de Tamoios, quando o agora presidente, numa “visão progressista”, disse que ela “não preserva nada” e defendeu transformá-la na “Cancún brasileira”, trazendo bilhões de reais para o turismo.

Essas investidas combinam à perfeição com todos os passos do Ministério do Meio Ambiente, que pretende, por exemplo, liberar leilões de exploração de petróleo no Parque Nacional de Abrolhos (BA), um santuário ecológico admirado em todo o mundo.

Além de trocar especialistas e técnicos do Ibama e do Instituto Chico Mendes por militares, o ministro também anuncia, como vem noticiando o Estado, que vai promover uma revisão geral das 334 áreas de proteção ambiental do País e abrir a concessão de paraísos como os Lençóis Maranhenses (MA), a Chapada dos Guimarães (MT) e o Parque Nacional de Jericoacoara (CE) à iniciativa privada. Nada contra a iniciativa privada, mas é preciso saber exatamente como e com que objetivos esses tesouros nacionais serão usados.

Oito ex-ministros do Meio Ambiente, de diferentes partidos e tendências, estão estupefatos e preocupados. Eles defendem o diálogo e focam no governo, não em Salles. Acham que ele não sabe nada da agenda ambiental federal, estadual e internacional e “age como o ministro da agricultura, da exploração e da mineração na área ambiental”.

Bolsonaro previu “um tsunami” nesta semana. Não se sabe o que será. O fato é que ele atrai a ira de professores, estudantes, artistas, ambientalistas, a área de direitos humanos e a comunidade internacional. Mas isso é política. O principal é que o meio ambiente não comporta arrependimento. Depois de destruir, é impossível recompor.

O exemplo do general - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 12/05

O que parece importar para Villas Bôas

Noite. Depois de deitado na cama, não há nada a fazer. Não há como se levantar e passear pela casa ou mesmo mover os braços para ler um livro.

Na imensidão da noite, resta apenas recontar o passado. A doença inviabiliza os músculos, porém não o cérebro. Pode-se pensar, mas não coçar o nariz.

Existem muitas variações da doença. A mais conhecida tem o nome de um jogador de beisebol, Lou Gehrig.

Famoso pela vitalidade, foi apelidado de “cavalo de ferro” e admirado pela sua técnica e tenacidade. Participou de 2.130 jogos consecutivos, façanha que apenas foi batida em 1995, 56 anos depois. Seus muitos recordes tornaram-no celebridade. Apesar disso, despediu-se da vida nomeando uma síndrome devastadora.

Em 1939, aos 35 anos, Gehrig pediu para ficar no banco de reservas. A força nos braços e nas pernas se esvaia. Ele foi diagnosticado comesclerose lateral amiotrófica (ELA) e o prognóstico era de morte em três anos.

Em sua despedida no estádio de basebol, Gehrig foi aclamado por uma multidão: “Nas últimas duas semanas, vocês têm lido sobre o golpe do azar que recebi. No entanto, hoje me considero o homem mais sortudo do mundo”.

No discurso, ele agradece às pessoas com quem tivera a sorte de conviver, e elas eram muitas. Gehrig morreu dois anos depois. Ele tinha 37 anos.

Tony Judt escreveu um livro monumental sobre a Segunda Guerra Mundial e a Europa da segunda metade do século 20. São muitos os dados surpreendentes. A Alemanha de Hitler, por exemplo, precisou de menos de 2.000 servidores para administrar a França ocupada. A resistência de verdade ao nazismo ocorreu na Europa do leste.

Há pouco mais de dez anos, Judt descobriu que sofria da mesma doença que afligiu Lou Gehrig. O historiador, devastado pela doença, ignorou a revolta. Preferiu passar suas noites longas resgatando memórias para ditá-las na manhã seguinte.

Seus artigos foram publicados na New York Review of Books. Foi lá que me surpreendi com o perturbador e comovente “Noite”, que veio a ser o primeiro capítulo do seu último livro, “Chalé da Memória”.

Conheci o general Villas Bôas já em meio a sua longa noite. A máscara de oxigênio dificulta-lhe a fala, mas não os argumentos. O homem gentil e curioso queria ouvir sobre a economia e os nossos desafios. Encontrei-o mais tarde em seminários de dia inteiro em que se discutiam temas de política pública, como educação.

Impressionou-me assistir ao ex-comandante do Exército atento aos temas técnicos e querendo conversar com quem pensa diferente. A sua força não está nos braços e nas pernas. Está na compaixão. Está na compaixão. O enfrentamento dos problemas que afligem a maioria, em meio a intrigas bizarras da corte, parece ser o que importa para o general durante a sua longa noite.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia

Derrotas de Moro - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/05

Ministro da Justiça perde com desarticulação política e medidas armamentistas do governo; deixar bolha brasiliense pode ser uma alternativa


Sergio Moro chegou à pasta da Justiça como um representante de grandes esperanças do eleitorado de Jair Bolsonaro (PSL). Mais do que o cargo de ministro, teria recebido um mandato para combater de forma implacável o crime, a corrupção e os maus costumes do velho sistema político nacional.

Além disso, o currículo de servidor muito atuante sugeria que o ex-juiz pudesse formular políticas públicas fundamentadas, o que não é característico do bolsonarismo.

Entretanto Moro parece se perder na tormenta da desorganização política e administrativa do governo. A inexperiência no jogo parlamentar e a desarticulação com movimentos da sociedade civil contribuem para o desnorteio do ministro, alvo de revanches por parte de figuras do Congresso.

Sua grande iniciativa até aqui, o pacote anticrime, tem avançado pouco ou nada, em parte por ter sido elaborado sem diálogo suficiente com setores envolvidos.

Mais importante, ficou emparedado pelo conflito entre Executivo e Legislativo. Tende a ser absorvido por um projeto mais amplo, se assim o quiserem deputados e senadores, talvez no final do ano.

Também a estrutura administrativa planejada para o ministério corre grande risco de ser desfeita devido à desarticulação do governo e sua base parlamentar, além de vinganças políticas.

Com as dificuldades do Planalto na tramitação da medida provisória que reorganizou as pastas da Esplanada, Moro pode perder o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), tido como peça central para os planos de combate à corrupção. De quebra, receberia de volta as por ele indesejadas questões indígenas.

Sua sorte não é muito melhor nos corredores do Executivo. Por duas vezes, Bolsonaro desconsiderou o conselho de seu ministro da Justiça a respeito das novas normas de posse e porte de armas. A mudança mais recente, ressalte-se, é questionada por defeitos jurídicos.

Em episódio sintomático, o ministro teve de recuar até na nomeaçãode uma suplente de conselho ligado a sua pasta, a colunista da FolhaIlona Szabó, barrada pela ala ideológica do governo.

Expandir sua atuação para além da aridez brasiliense seria uma alternativa para Moro. Uma política nacional de segurança pública, afinal, depende substancialmente dos governos estaduais. Sem esse entendimento, fica limitado o alcance da atuação federal.

Também importante é o diálogo com entidades e centros de pesquisa dedicados a estudar planos de prevenção e enfrentamento da violência. Entre as muitas sugestões está a criação de bancos de dados nacionais e programas orientados por evidências e investigação inteligente, não pela escalada armamentista do bolsonarismo.

Iniciativas do gênero levariam oxigênio democrático, pensamento e, quem sabe, apoio político para uma pasta atropelada por medidas irrefletidas ou autoritárias. Moro não se mostra um superministro, mas tampouco precisa seguir os caminhos tortos do governo.

Os excessos da Justiça - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 12/05

O TRF-2 excedeu-se ao determinar a prisão preventiva de Temer. Na mesma semana, o STF reconheceu que não houve abuso no indulto natalino.


Na mesma semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que o então presidente Michel Temer, ao conceder o indulto natalino em dezembro de 2017, não excedeu suas competências constitucionais, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2) excedeu-se em suas prerrogativas, determinando a prisão preventiva de Michel Temer apesar de não estarem preenchidas as condições legais. Ainda que o desfecho do processo do indulto tenha feito jus ao que manda a Constituição, os dois casos mostram como, às vezes, a Justiça pode ser causa de graves abusos contra o Direito.

No art. 84, a Constituição estabelece que “compete privativamente ao Presidente da República conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”. E o art. 5.º, XLIII prevê quais crimes não podem ser anistiados: “a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”.

Apesar de o Decreto 9.246/2017 respeitar perfeitamente as condições constitucionais, a Procuradoria-Geral da República (PGR) questionou no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade do indulto natalino, entendendo que ele “ampliou os benefícios desproporcionalmente e criou um cenário de impunidade no País”. O indulto de 2017 é, de fato, mais amplo do que os de anos anteriores.

Com o Supremo em recesso, o processo foi remetido à então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que suspendeu, por decisão liminar, os efeitos do Decreto 9.246/2017. Era o início de uma interferência do STF em seara do chefe do Executivo federal. Em março de 2018, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, permitiu a aplicação parcial do decreto, considerando que, em algumas situações, não havia motivo para sustar o benefício. Ao atuar assim, o relator reescreveu o indulto, assumindo uma competência exclusiva do presidente da República.

Quando o caso foi a julgamento pelo plenário, em novembro de 2018, logo se formou maioria a favor da constitucionalidade do Decreto 9.246/2017. No entanto, um pedido de vista do ministro Luiz Fux suspendeu o andamento. Agora, o plenário reconheceu, por 7 votos a 4, a plena validade do decreto de Michel Temer. “Não pode o subjetivismo do chefe do Poder Executivo ser trocado pelo subjetivismo do Poder Judiciário”, lembrou o ministro Alexandre de Moraes. Foram mais de 16 meses para que o Supremo reconhecesse que ele não tem poderes para alterar o indulto presidencial. Ainda que o decreto seja passível de críticas, trata-se de um ato discricionário do presidente da República, dentro de suas atribuições constitucionais.

O que não está dentro das atribuições constitucionais é a Justiça decretar prisão preventiva fora das hipóteses legais, como voltou a ocorrer nesta semana com Michel Temer. De forma surpreendente, a 1.ª Turma Especializada em Direito Penal do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, por maioria de votos, cassou a liminar concedida pelo desembargador Ivan Athié e restaurou a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer e do coronel Lima.

Na mesma estranha lógica da decisão da primeira instância, os desembargadores Abel Gomes e Paulo Espírito Santo não apontaram nenhum elemento atual que justificasse a prisão preventiva – que é uma medida excepcional e deve, portanto, ser rigorosamente fundamentada. Cabe à Justiça mostrar como o comportamento de um cidadão se encaixa nas hipóteses previstas na lei. No entanto – e é isso o que se tornou frequente nos últimos anos em muitas esferas da Justiça –, os desembargadores do TRF-2 simplesmente citaram as situações previstas em lei, sem mostrar como elas estavam presentes no caso concreto. Dessa forma, o que foi posto pelo legislador para limitar a arbitrariedade do Estado – por exemplo, só pode prender caso houver risco real da prática de novos crimes – transforma-se em autorização para o juiz fazer o que bem entenda. Esses excessos não cabem na Justiça de um Estado Democrático de Direito.

A conta de Bolsonaro está chegando - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 12/05

O governo está desarticulado e vai acabar perdendo mais do que seus antecessores na relação com o Congresso


Por simples teimosia , falta de visão e articulação política, o presidente Jair Bolsonaro apanha no Congresso Nacional como se estivesse em fim de mandato. Logo na largada demitiu aquele que melhor dialogava com a casa, o ex-ministro Gustavo Bebianno, atendendo a futricas do filho Carlos. Depois, demorou a recuar da sua decisão de não fazer concessões em torno de projetos que queria aprovar. E agora, não consegue sequer que parlamentares alinhados se entendam e aprendam a lidar com a política. E a votar a favor de suas propostas.

O que se viu na votação da comissão especial do Congresso que analisa a reforma administrativa foi um típico ajuste de contas, bem conhecido do Congresso, e sempre articulado pelos partidos de centro que buscam incessantemente espaços no poder para usar como trampolins políticos que os mantenham em cena. Analisando mais de perto os pontos aprovados e rejeitados pela comissão, dá para se entender como foi cuidadoso o trabalho fisiológico dos deputados do centrão com o apoio do PT.

1 - Tirar o Coaf do Ministério da Justiça e o devolver para o Ministério da Economia amputa uma dos braços do ministro Sergio Moro. Sem o Coaf, que controla todas as atividades financeiras do país, o xerife da corrupção perde a visão geral que teria automaticamente sobre a movimentação de fundos de pessoas, empresas, políticos ou partidos suspeitos. Quem ganha são a banda podre da política e o crime organizado (milícia, tráfico, contrabando etc). Foi o Coaf que identificou as movimentações vultosas de Fabrício Queiroz e, num passado mais remoto mas ainda vivo na memória nacional, escancarou o mensalão do PT.

2- A devolução da Funai da Agricultura para a Justiça, decidida pela mesma comissão, só tem um sentido: empilhar mais problemas na mesa de Moro. Não que a atribuição da questão indígena seja da Agricultura, não é. Mas, neste momento, o que parece ter movido 15 dos 24 deputados que votaram foi a vontade de atrapalhar, de tirar o foco do ministro que assumiu para si a tarefa de varrer a corrupção da vida pública.

3 - Foi tirada do Ministério da Economia e entregue ao Ministério da Ciência e Tecnologia a competência de formular a política do desenvolvimento industrial brasileiro. O que significa isso? Significa tirar de quem tem a missão de zelar pelo orçamento, enxugando gastos e cortando verbas desnecessárias, o poder de criar incentivos fiscais para setores industriais. Ou seja, num outro ministério fica mais fácil convencer alguém a abrir mão de receita, a conceder benefícios, a desembolsar dinheiro público, em última análise.

4 - Foram mantidos pela comissão os dois ministérios novos propostos pelo governo, o da Integração Nacional e o das Cidades. Claro, haverá mais cargos de ministros, secretários adjuntos, chefes de gabinetes e assessores, muitos assessores para serem ocupados. Além de descentralizar a alocação de verbas.

5 - O jabuti colocado em cima da frondosa árvore da reforma administrativa foi aprovado. Com ele, os auditores da receita são proibidos de investigar crimes que não tenham natureza fiscal. O auditor nada poderá fazer se identificar, por exemplo, um súbito e absurdo enriquecimento de um contribuinte qualquer, mesmo que desconheça a sua origem, se o imposto devido tiver sido recolhido. Com a decisão, indícios de corrupção e lavagem de dinheiro não poderão mais ser compartilhados pela Receita com o Ministério Público sem ordem judicial. Por quê? Quem ganha com isso? Desnecessário responder.

O governo está desarticulado e vai acabar, ao contrário do sonho de Bolsonaro, perdendo mais do que seus antecessores na relação com o Congresso. É de tal grandeza a bateção de cabeça da base no plenário, que o deputado Diego Garcia (Podemos - PR) conseguiu, numa questão de ordem, impedir a votação da proposta aprovada pela comissão. Votação que poderia inclusive derrubar o jabuti e as outras mudanças incluídas na proposta. A MP foi para o fim da fila e nenhum líder governista reagiu ou defendeu o deputado Rodrigo Maia que estabelecera a inversão da pauta, mas recuou ao ser chamado de desleal pelo deputado do Podemos. E o deputado apoia o governo Bolsonaro. Pode?

GOVERNO CIVIL

Como na guerra entre Olavo de Carvalho e os generais o presidente vem mostrando que prefere o guru aos seus outrora estimados milicos, já-já podemos voltar a ter um governo formado só por civis. O problema será o perfil dos civis que vierem a substituir os militares que saírem por não aguentar mais tanta aporrinhação. Serão do tipo Paulo Guedes, Osmar Terra e Sergio Moro ou da espécie de Damares Alves, Ernesto Araújo e Abraham Weintraub?

ARMA NO TRAVESSEIRO

Os que conhecem Bolsonaro na intimidade não se surpreenderam com o ponto do decreto de posse e porte de arma que permite menor de idade requentar clubes de tiro na companhia de um dos pais. Ele ensinou seus filhos a usar armas bem antes da maioridade dos meninos, quando era ilegal. Quem não o conhece bem tampouco deveria se surpreender com a medida, bastava puxar pela memória e lembrar da imagem do então candidato ensinando uma menina de menos de cinco anos a fazer com a mão o formato de um revólver, que virou símbolo da sua campanha. Sua fixação por armas é tão grande que ele dorme com um revólver na mesinha de cabeceira. Todas as noites. Mesmo no Palácio do Alvorada, um dos dois prédios mais vigiados e seguros do Brasil.

MILAGRE DE BOLSONARO

Nem o PSDB de São Paulo acreditou. Com a proposta de transferir o GP de F1 para o Rio, o presidente Bolsonaro conseguiu colocar novamente debaixo do mesmo guarda-chuva o governador João Doria e o prefeito Bruno Covas. Ambos contra o ele, obviamente.

IMUNIDADE X IMPUNIDADE

A decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir que Assembleias Legislativas revoguem ordens de prisão de deputados estaduais criminosos transforma em impunidade o preceito constitucional da imunidade. Por vezes, algumas decisões do STF parecem desenhadas para desacreditar a Corte. No caso, foi necessário o presidente Dias Toffoli mudar seu voto, na quarta-feira, para que se pudesse efetivamente disparar mais um tiro no pé. Mas nada como um dia depois do outro, ou um tiro depois do outro. Na quinta, o STF julgou legal o indulto de Natal que o ex-presidente Michel Temer tentou conceder no ano passado e que reduz para um quinto a pena dos que cometeram crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, formação de quadrilha e outros que alcançam toda a turma da Lava-Jato. Com o indulto autorizado pelos senhores ministros, muita gente vai voltar mais cedo para casa.

ENTREOUVIDO POR AÍ

Conversa entre duas senhoras no Metrô do Rio.

A - Você viu como mandam esses filhos do Bolsonaro?

B - Se vi. Tem um que acha que é o presidente.

A - Sim. Aquele mais gordinho e mais careca.

B - Isso, o que tem cara de bolacha.

CAFÉ QUENTE

A turma mais chegada sabe que o ex-presidente Lula adora tomar café expresso bem quente. Sirva a ele um café frio e depois aguente as consequências. Quando ocupava o trono, quero dizer, a principal cadeira do Palácio do Planalto, o pessoal de apoio levava uma máquina de expresso em todas as viagens presidenciais. Foram compradas três máquinas italianas, grandes e profissionais, de modo que numa viagem com escalas sempre houvesse um café bem quente em todas as paradas. A equipe precursora levava as máquinas para poder instalá-las de maneira a estarem em ponto de ebulição na chegada de Lula. Houve viagens com quatro escalas, sobretudo em anos eleitorais. Nesses casos, a primeira máquina depois de cumprir sua missão embarcava em voo especial para a última parada de Lula.

LEGISLANDO COM IRA

A deputada estadual Rosane Félix (PSD) caiu de patinete no Rio, quebrou três dentes da frente e resolveu fazer uma lei regulamentando seu uso. Quer tornar obrigatório o uso do capacete na condução do veículo. Quem vai pagar pelos capacetes serão as empresas que exploram as patinetes. E como mantê-las nos equipamentos sem risco de roubo? A proposta, se aprovada, vai acabar inviabilizando o negócio. Um retrocesso na busca de alternativas ao consumo de combustível fóssil. Mas dá para entender a ira da deputada, dona de um dos sorrisos mais bonitos da casa.

DOS SILLAS

Numa entrevista concedida esta semana em Caracas, Juan Guaidó sentou-se em duas cadeiras de plástico, uma encaixada sobre a outra. Talvez o autoproclamado presidente da Venezuela quisesse parecer mais alto do que é, ou ficar num plano mais alto que os demais ocupantes da mesa.

AGENDA DA DIVERSIDADE

Vai acontecer, entre 19 e 23 de junho na Paróquia da Santíssima Trindade de São Paulo, o 1º Congresso de Igrejas e Comunidades LGBTI+. A paróquia pertence à Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, pioneira na celebração de casamentos de pessoas do mesmo gênero, que realiza desde junho do ano passado.

É BIRRA?

Parece a você também ou é equívoco meu? Mas o presidente da Câmara não tem feito muito beicinho ultimamente?