domingo, maio 01, 2016

Funcionalismo inchado e caro - EDITORIAL O ESTADAO

O ESTADO DE S.PAULO - 01.05

O governo Dilma Rousseff bateu mais um recorde. Em 2015, o peso das despesas com o pagamento dos servidores públicos federais foi o maior em 17 anos. Segundo dados do Ministério do Planejamento, o governo gastou 39,2% de suas receitas com a folha de pagamento do funcionalismo federal. Ainda que o porcentual não ultrapasse os limites legais – desde o ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o governo só possa gastar até 50% de suas receitas correntes líquidas com a folha de pagamento –, trata-se de mais um dado a confirmar a triste situação das finanças públicas do governo federal.

Na série histórica sobre a relação entre despesas com pessoal e receitas, o maior porcentual foi verificado em 1995, quando 54,5% das receitas eram usadas com gastos de pessoal. Depois, o menor nível ocorreu em 2005, quando 27,3% das receitas foram usadas para pagar funcionários públicos.

De acordo com o Ministério do Planejamento, até novembro de 2015 o governo federal tinha nos Três Poderes 2,19 milhões de pessoas em sua folha. Desse total, 55,3% estão na ativa, 26% são aposentados e 18,7%, pensionistas. O total da folha de pagamento em 2015 foi de R$ 255,3 bilhões, dos quais R$ 151,7 bilhões foram destinados ao pagamento de salários, R$ 66,2 bilhões a aposentadorias e R$ 37,3 bilhões a pensões.

O aumento do peso econômico do funcionalismo para o País pode também ser observado na proporção entre despesas com a folha e o Produto Interno Bruto (PIB). Em 2015, o gasto com o funcionalismo representou 5,3% do PIB. Trata-se do pior resultado desde 1995.

Em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, as despesas com o funcionalismo representaram 5% do PIB. Em 2010, último ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o porcentual ficou em 4,7%. No primeiro ano de governo Dilma Rousseff, o porcentual caiu para 4,5%. Depois, durante os três anos seguintes, ficou em 4,3%.
A curto e médio prazos o problema tende a agravar-se, seja pela recessão econômica – que diminui a arrecadação do governo –, seja pelos acordos firmados em 2015. No ano passado, cerca de 90% dos servidores do Executivo chegaram a um acordo com o governo de reajuste salarial. A maioria assinou acordos com vigência de dois anos e reajuste de 10,8% em duas parcelas. Já as carreiras de Estado optaram por acordos de quatro anos, com reajuste de 27,9%. Segundo o Ministério do Planejamento, os acordos firmados em 2015 terão um impacto de R$ 4,23 bilhões neste ano, R$ 19,23 bilhões em 2017, R$ 17,91 bilhões em 2018 e R$ 23,48 bilhões em 2019.

Ao invés de aproveitar a crise para diminuir os gastos com o funcionalismo, o setor público continua contratando. Segundo o Ministério do Trabalho, em março, por exemplo, foram abertas 4.335 vagas formais na administração pública. O total de contratações no setor público no primeiro trimestre é de 13.489. Se o arrocho do setor privado é forte – nos primeiros três meses de 2016 foram 319 mil vagas a menos –, a área pública parece esquecer a forte crise fiscal pela qual atravessa o País.

Essa atitude é bem diferente da que se observou na Europa após a crise econômica de 2008. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), todos os países da União Europeia reduziram o tamanho do funcionalismo público entre 2008 e 2013, exceto a Suécia. Outro estudo, da entidade Initiative for Policy Dialogue, com sede na Universidade de Columbia (EUA), revelou que, desde 2010, quase cem governos reduziram o valor gasto com o funcionalismo.

Diante da gravidade da atual crise econômica – segundo o IBGE, o Brasil tem hoje 11 milhões de desempregados – o setor público não pode fechar os olhos à realidade. Além das nefastas consequências para o equilíbrio fiscal, novas contratações no setor público representam uma situação de privilégio, como se o Estado fosse um mundo à parte.

As responsabilidades políticas - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O GLOBO - 01.05

O pano de fundo da situação política atual é a tremenda crise econômico-financeira na qual os governos do PT jogaram o país. Em resumo retórico e exagerado: o Tesouro quebrou. Há um endividamento acelerado pelo alto custo da dívida pública federal (mais de 14% de juros por ano, sobre uma dívida de mais ou menos três trilhões de reais) e pela expansão dos gastos correntes em todos os níveis.

Esse fato levou os estados a pleitear a renegociação de suas dívidas com a União em termos perigosos para o conjunto das finanças públicas do país. Além disso, só a Petrobras deve mais de quinhentos bilhões de reais e precisará ser capitalizada. Fora as dívidas não reconhecidas, os “esqueletos”, da Caixa Econômica, do setor elétrico etc. Frutos da péssima gestão e de irresponsabilidade fiscal.

É com este pano de fundo que o Congresso está votando o impeachment da presidente. É constitucional derrubar uma presidente porque é má administradora e perdeu a popularidade? Não. Mas não é disso que se trata. Trata-se de que houve, sim ,“crime” de responsabilidade, seguido de um brutal enfraquecimento político do governo.

No que consiste o crime de responsabilidade? Em a presidente ter utilizado os bancos públicos para mascarar a verdadeira situação fiscal da República e ter autorizado gastos sem aprovação pelo Congresso. Pôs em risco a credibilidade do governo perante o “mercado” e pior, perante o povo, que está pagando as bravatas financeiras com o desemprego, a inflação e a falta de crédito.

O ministro do Supremo que presidiu o julgamento no Senado do ex-presidente Collor, o jurista Sydney Sanches, deu uma explicação cristalina sobre em que consistiu o “crime” de responsabilidade naquele caso. A alegação fundamental era a de que o presidente recebera um automóvel de presente. O Senado considerou que houve “quebra de decoro”.

O ministro Sanches concordou com a interpretação e disse mais: desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal e fazer gastos sem autorização do Congresso são formas de quebra de decoro. Entretanto, Collor foi absolvido pelo Supremo, na acusação de crime comum (corrupção), com o voto do próprio Sanches. Por quê?

Porque não ficou provado que da quebra de decoro tivesse decorrido qualquer benefício para quem o presenteara com o carro. Logo, o “crime” de responsabilidade não é um crime capitulado no Código Penal, mas na Constituição, com duplo aspecto: jurídico-administrativo e político.

Do impeachment nada mais decorre senão a substituição de quem está no poder e a perda dos direitos políticos por oito anos. Não se trata de condenar alguém criminalmente, mas de afastar um dirigente político que desrespeitou a Constituição e perdeu sustentação política.

Alguns alegam que o impeachment atual é irregular, porque as “pedaladas” fiscais deram-se sobretudo no primeiro mandato de Dilma e teriam sido praticadas por outros presidentes. No caso destes, houve apenas breves atrasos no repasse de pequena monta de recursos do Tesouro aos bancos. No caso do atual governo, os atrasos se acumularam ao longo de mais de um ano, alcançando quase R$ 60 bilhões.

Quanto à questão dos atos em causa se referirem ao mandato anterior, tanto a Constituição como a lei de 1950 que regula o impeachment não poderiam fazer a distinção entre o primeiro e o segundo mandatos, porque inexistia a possibilidade de reeleição.

De um possível e mesmo provável afastamento da presidente, decorre, pela Constituição, sua substituição pelo vice-presidente. Trata-se de uma determinação constitucional e não de uma escolha. Quanto à nulidade da eleição de 2014, sob o fundamento de que houve abuso do poder econômico ou mesmo corrupção, é matéria afeta ao Tribunal Superior Eleitoral.

Dificilmente isso acontecerá este ano; se ocorrer no próximo, o Congresso escolherá o novo presidente, com menor participação do eleitorado do que a simples assunção do vice, que teve o mesmo número de votos que a presidente.

Fazer uma emenda constitucional para reduzir o mandato atual é procedimento que implica reduzir mandatos, tema altamente discutível do ponto de vista constitucional, por mais que possa ser melhor chamar eleições diretas e colocar no poder quem não esteve direta ou indiretamente envolvido com os “malfeitos” do governo atual. Demandará, de toda maneira, meses de discussão.

Havendo impeachment, espera-se que o vice-presidente assuma a responsabilidade histórica que lhe cabe: juntar o país ao redor de um programa de “emergência nacional” que dê possibilidades reais para a economia voltar a crescer. O novo Ministério precisa ter crédito junto à opinião pública e não somente junto ao Congresso.

Cabe ao presidente escolher sua equipe, assim como cabe aos partidos, especialmente ao PSDB, que não participou da antiga base governamental, apresentar a agenda indispensável para o momento e, se for o caso, referendar a escolha de ministros que pertençam a seus quadros.

É natural que cada partido avalie as consequências de suas decisões sobre a sucessão de 2018. Mas o essencial é que os partidos que vierem a apoiar o governo se preocupem com a viabilidade e a urgência das soluções que o país exige para sair da crise.

Para ingressar num governo que não é seu, o PSDB deve fazê-lo com base em compromissos claros, a serem assumidos pelo novo presidente: não interferir na Lava-Jato, dar passos inequívocos na reforma político-administrativa, recriar as condições do crescimento da renda e do emprego, e não apenas manter, mas melhorar, as políticas sociais.

Se os compromissos forem descumpridos, o PSDB deve deixar o governo da mesma maneira como eventualmente ingressar, explicando as razões de sua decisão. O governo pós-impeachment não é do PSDB e não deverá ser monopólio de qualquer partido, mas uma emergência nacional.

Caso contrário, haverá riscos de naufrágio. É hora de cada partido e cada líder assumirem suas responsabilidades perante a nação.

Bode expiatório - CARLOS HEITOR CONY

Folha de São Paulo - 01.05

Sempre fui aclamado como um notável espírito de porco, em todos os sentidos.

Em criança sempre torcia pelo bandido, quando vejo esses surfistas que aparecem na televisão, torço freneticamente pelas ondas. Sei que não agrado a ninguém, mas agrado a mim mesmo pelas canoas furadas que tomei e continuo tomando.

Tudo isso para confessar que não considero o Eduardo Cunha o vilão número 1 do nosso tempo. Qualquer catástrofe no catastrófico momento que estamos vivendo é atribuído a ele, até mesmo o desabamento da ciclovia de São Conrado, que matou pouca gente porque Eduardo Cunha não estava em seus melhores dias.

Desde os tempos bíblicos, as sociedades não podem passar sem um bode expiatório e não adianta jogá-lo ao mar como jogaram o profeta Jonas, um sujeito esperto que conseguiu se abrigar no ventre de uma baleia. Não estou insinuando que o Eduardo Cunha faça o mesmo, e pelo que sei não há baleias disponíveis em Brasília.

No passado tivemos um mega bode expiatório que era o Paulo Maluf. Nos tempos romanos tivemos Catilina, que abusou da paciência nossa - segundo Cícero e as gramáticas latinas. Aliás, é uma das primeiras manifestações do espírito de porco que me acompanha até hoje, tive um gato que batizei com o nome de Catilina. Ele realmente abusava da minha paciência.

No caso de Cunha não chego a tanto. Não o chamarei de Jonas nem de Catilina, não quero dizer que ele seja inocente, porque, na verdade ninguém é inocente, sobretudo dona Dilma. Cabe a ele e a ela provarem que não têm dinheiro na Suíça e nunca deram pedaladas fiscais.

Quando Pilatos colocou em leilão Barrabás e Jesus, a plebe rude escolheu Barrabás. Não quer dizer que prefira Cunha a Dilma. Mas ele não é responsável pelo dinheiro que o Brasil mandou para Angola e outros países.

Ah, se não fosse a realidade! - FERREIRA GULLAR

Folha de São Paulo - 01.05 

Devo admitir que, a cada dia, surpreendo-me com a reação de pessoas reconhecidamente inteligentes e bem informadas, em face da crise pela qual passa o país nesta fase do governo de Dilma Rousseff. Não é que não tolere suas opiniões contrárias à minha, e sim os tipos de argumentos que adotam, contrários aos fatos e aos princípios constitucionais que regem a nossa vida política e social.

A única explicação para tal atitude só pode ser a necessidade de, fora de toda lógica, insistir na defesa de determinada opção ideológica, seja ela razoável ou não.

Por que digo isso?

Porque o que tem ocorrido, no Brasil, de certo tempo para cá, não deixa dúvida quanto ao procedimento dos dirigentes petistas para, a qualquer custo, se manterem no poder. Tomemos como exemplo o escândalo do mensalão, que envolveu o Estado-maior lulista na compra de deputados do baixo clero. Pode alguém, em sã consciência, acreditar que tudo aquilo foi feito sem que Lula soubesse, quando os autores da falcatrua eram os principais auxiliares dele e no comando do governo?

Estes foram processados e condenados pelo Supremo Tribunal Federal mas a tal esquerda lulista o ignora, como se acreditasse que são inocentes.

Mas tudo bem, o mensalão são águas passadas. E o Petrolão? Segundo os entendidos na matéria, nunca houve, na história brasileira, uma corrupção de tais proporções e, ainda por cima, envolvendo o governo do país e sua maior empresa.

E, veja bem, não foi a oposição ao governo petista que trouxe à tona esse escândalo; foi a Operação Lava Jato, de que participam a Polícia Federal, procuradores do Estado do Paraná e o juiz Sergio Moro, de primeira instância. Graças à sua competência e determinação, além das delações premiadas, o país tomou conhecimento, entre outros escândalos, do assalto à Petrobras, que quase a leva à falência.

O povo brasileiro todo sabe da compra da refinaria de Pasadena, por um preço várias vezes maior que seu valor real; sabe dos orçamentos superfaturados que resultaram em propinas de milhões e milhões de reais dadas aos petistas e seus aliados. Vários dos empresários dessas empreiteiras estão presos e outros já condenados. Todo mundo sabe disso, menos aqueles fiéis seguidores do lulismo e do esquerdismo sagrado.

Essa é a conclusão a que chego, quando os leio ou ouço suas declarações na televisão. Conforme o que dizem, é como se os fatos que todos conhecemos não tivessem acontecido, seriam mentiras inventadas pelos inimigos de Lula, o defensor dos pobres. Não é que o digam explicitamente, não o dizem; apenas os ignoram. É como se nada daquilo houvesse ocorrido, muito embora Marcelo Odebrecht esteja em cana e o mesmo tenha ocorrido com proprietários e ex-presidentes de outras empresas participantes daquelas mesmas falcatruas.

Isso está todos os dias nas páginas dos jornais e no noticiário da televisão, mas, ainda assim, esses nossos amigos fingem ignorá-los. Preferem afirmar, falsamente indignados, que Dilma Rousseff está sendo vítima de um golpe, muito embora saibam que é mentira e que até ministros do STF já se mostraram indignados com tamanho descaramento.

É então que me pergunto como é que pessoas honestas, inteligentes e informadas têm o desplante de ignorar a realidade para, com isso, justificar uma atitude indefensável; claro, não há argumento que justifique o assalto a uma empresa estatal nem o recebimento de propinas para financiar partidos e campanhas eleitorais. A alternativa que lhes resta, portanto, é fazer de contas que não sabem de nada.

Muito bem. No começo desta crônica, usei a expressão "opção ideológica" para definir tal atitude e é isso que distingue estes lulistas dos outros, menos sofisticados. É que, para estes, o PT, liderado por um operário, nasceu como a esperança da verdadeira revolução proletária, com que sonhavam. Sucedeu que, logo logo, o comunismo acabou no mundo inteiro.

Lula, esperto como sempre, optou pelo populismo e, em vez de lutar contra os capitalistas, aliou-se a eles –e daí o Petrolão. Dá para entender: quem acredita que petismo é socialismo não consegue encarar tanta realidade.