quinta-feira, novembro 21, 2013

FHC: crise e novas ideias - MARIO SERGIO CONTI

O GLOBO - 21/11

Para FHC, o Brasil vive uma profunda crise urbana, e o povo quer mudanças urgentes


“Se tivesse 15 anos a menos, eu seria candidato à Presidência”, disse Fernando Henrique Cardoso durante o almoço. “Viajaria o país inteiro, falaria a pobres e ricos, estudantes e professores, para ouvir, dialogar e agitar ideias, que é o que mais falta hoje no Brasil.” Para o ex-presidente, só com uma discussão séria de novas ideias, ou então com uma crise mais profunda do que a ocorrida em junho, a nação poderá avançar.

Na manhã do almoço, na semana passada, Fernando Henrique Cardoso recebeu exames mostrando que curara a diverticulite que o atacara numa viagem ao Peru. A inflamação intestinal, provocada por alimentos condimentados, derivados de leite e vinho branco, havia sido contraída uma semana antes em Bordeaux, na França, onde comera sempre em restaurantes. O presidente estava mais esguio e com ótima aparência, mas a dieta o levara a marcar a conversa no seu apartamento, em Higienópolis, e a brincar: “hoje não comeremos bem” — o que não foi verdade, felizmente. “Como me sinto disposto, não percebo que tenho 82 anos e preciso diminuir o ritmo das viagens”, disse.

O gume da sua análise continua incisivo. Ele pensa que o sistema político, que trava a modernização republicana, só será reformado devido a pressões vindas de fora. “Os integrantes da política institucional passaram a ter como objetivo único ganhar eleições”, disse. “Há uma exaustão de ideias que precisa ser encarada, e fazer uma campanha presidencial com esse objetivo seria uma contribuição; pena que não tenha mais idade para a empreitada.”

Ele não teme outra crise social. Embora não a deseje, acha que ela será benéfica caso seja radical e tenha consequências. Nos eventos de junho, ficou claro para ele que o Brasil vive uma crise urbana profunda: “Nunca foi tão difícil viver nas metrópoles. Tanto o pobre que anda de ônibus como o rico que fica com o carro retido em engarrafamentos vivem o problema todos os dias. E eles não se sentem representados nem veem como essas dificuldades serão vencidas”.

O seu candidato nas eleições do próximo ano é o do PSDB, Aécio Neves, em quem ele vê um político que sabe mandar e administrar. Fernando Henrique tem bom diálogo com Dilma Rousseff, que o trata com afabilidade. “De vez em quando ela fica de mal comigo pelo que escrevo em jornais, o que é bobagem porque nunca faço ataques pessoais”, disse. “Há pouco ela insistiu que eu fosse à exumação do presidente João Goulart, e infelizmente estou meio de molho e não pude ir.” Quanto a Eduardo Campos, não tem opinião formada.

“As pesquisas atuais mostram que os três candidatos postos galvanizam menos que Lula, Serra e Marina”, afirmou. A questão para todos os candidatos é o que dirão a um povo que quer mudanças urgentes. Seria necessário, no seu entender, que os candidatos elaborassem propostas factíveis para melhorar com rapidez o transporte urbano, o atendimento da saúde e as escolas.

Ele não enxerga no horizonte imediato um tumulto internacional que bata com força no Brasil. “O fim do euro não veio, a economia americana se recupera e a China segue crescendo”, observou. “Ainda assim, ao contrário do que imaginou o governo, a decadência americana não será rápida, e a China levará tempo para adquirir um papel preponderante.”

O presidente pretende se afastar paulatinamente das lides partidárias. Fará isso com o fito de aumentar a sua participação enquanto intelectual público. E está disposto a dizer coisas que, bem sabe, poderão desagradar não só o Planalto como o Congresso, governadores e parlamentares de todos os níveis da federação. “Há fadiga de materiais e interesses encastelados em todos os cantos do Estado”, afirmou. “Para defender mudanças em situações assentadas, é melhor falar de fora, sem se beneficiar com o que aconteça ou deixe de acontecer”, disse.

O debate intelectual de propostas para o Brasil o levará, em médio prazo, a reduzir a interlocução internacional. Ele precisa de mais tempo para pensar e escrever. Só na manhã do almoço, havia recebido telefonemas de Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas, da rainha Sílvia, da Suécia, e do filho do empresário mais rico do México, Carlos Slim, os dois últimos de passagem por São Paulo. Fernando Henrique convidou-os a irem à sua casa: “São relações pessoais, fico sem jeito de nem chamá-los para um café”.

FHC fez um pequeno tour de la propriété antes das despedidas. O apartamento tem janelas amplas, que dão para as encostas do Pacaembu e o alto das Perdizes. O mobiliário é de sobriedade modernista e os quadros, de bons pintores nacionais. O escritório é o de um intelectual em ação: computador ligado, livros por todos os cantos e revistas especializadas abertas sobre a escrivaninha.

A favor do tédio - CONTARDO CALLIGARIS

FOLHA DE SP - 21/11

O que é mais 'educativo' para as crianças? A diversão? Ou a chance (forçada) de se entediar?


Alguns livros recentes tratam dos malefícios de nossa constante vontade de encontrar diversões. Como sugere o título de um deles, "The Distraction Addiction", de Alex Pang (Little, Brown and Company), a vontade de se distrair seria um vício, uma forma de dependência.

Também, desde o começo do ano, leio artigos de revista sobre "os surpreendentes benefícios do fato de sentir tédio".

Os livros não me pareceram imperdíveis. E os artigos nas revistas de grande circulação citam "pesquisas" por ouvir dizer. Mas tanto faz. O conjunto manifesta um novo clima, segundo o qual a necessidade de sermos entretidos e estimulados continuamente não tornaria nossa vida mais rica e variada --ao contrário, é possível que essa dispersão empobreça nossa experiência.

Já foi dito por evolucionistas que a sorte de nossa espécie foi sua fraqueza: enquanto passávamos horas a fio escondidos e calados nos arbustos, esperando as feras passarem, a imobilidade e o tédio forçados produziram o surgimento da consciência, do pensamento e da fantasia. Que tal aplicar essa hipótese no campo da educação?

O que é mais "educativo" para as crianças? A diversão? Ou a chance de se entediar?

Umberto Eco atribui ao filósofo Benedetto Croce uma frase que ele cita com frequência: "O primeiro dever dos jovens é o de se tornar velhos". Esse slogan não tem como ser muito popular numa época em que o primeiro dever dos velhos é o de eles parecerem jovens. De fato, nesta nossa época, os adultos não ajudam os jovens a envelhecer; eles preferem mantê-los na mesma criancice que eles desejam para si.

Há pais agentes de viagem e relações-públicas, que, a cada dia, organizam programas "divertidíssimos" para seus rebentos. Esses pais procuram amigos para brincadeiras coletivas e oferecem, a jato contínuo, coquetéis de televisão, cinema, compras, videogames e até livros: qualquer coisa para evitar que a criança conheça a solidão e o enfado. Sabe-se lá quais pensamentos surgiriam numa mente entediada, não é?

Certo, é preciso estimular as crianças para que elas se desenvolvam na interação com o mundo. Mas o problema é que, sem tédio maçante, ninguém, criança ou adulto, consegue inventar para si uma vida interior. E para que serve uma vida interior? Se forem pensamentos aos quais recorremos quando não temos nada para fazer, não é mais simples a gente se manter ocupado e não precisar da tal vida interior?

O problema é que há uma boa parte da vida exterior que, sem vida interior, é totalmente insossa. Tomemos o exemplo do erotismo.

Está aberta até dia 12 de janeiro, no Metropolitan de Nova York, a exposição "Balthus: Cats and Girls" (Balthus: gatos e meninas). O catálogo, com o mesmo título, contém uma excelente introdução da curadora, Sabine Rewald.

Balthus (1908-2001) pintava com frequência gatos e meninas, juntos ou separados. Os gatos são ótimos administradores de seu tédio. Eles sabem se divertir quando a ocasião se apresenta, mas também sabem não fazer nada. Nisso, eles batem os cachorros, que sempre parecem aliviados quando finalmente têm algo para fazer.

Agora, esse dom da gestão do tédio, os gatos têm em comum com as meninas que Balthus pinta, que são todas, antes de mais nada, entediadas.

As longas sessões nas quais posavam para o pintor talvez servissem deliberadamente para produzir o tédio que Balthus queria pintar. Há as meninas quase vencidas pelo sono no meio da leitura, há as que jogam paciência no silêncio palpável da tarde numa casa de província francesa --todas parecem entregues a devaneios inquietantes.

A gente pode se indignar com a diferença de idade entre Balthus e suas modelos adolescentes, mas o fato é que os retratos das meninas são uma extraordinária ilustração de que o tédio e a indolência são as portas que levam aos pensamentos impuros.

Ou seja, é bem provável que a criança entediada tenha uma vida erótica adulta mais interessante do que a criança que cresceu de joguinho em joguinho, de amiguinho em amiguinho, de diversão em diversão.

O que me leva, aliás, a uma suspeita. Os pais que combatem o tédio dos filhos talvez estejam combatendo possíveis "pensamentos impuros" --videogames, filmes, amigos, tablets e futebol, tudo contra o espantalho da masturbação, que espreita a criança entediada e solitária.

Agora, sem pensamentos impuros na criança, o que será o erotismo do adulto no qual essa criança se tornará? Um erotismo sem vida interior, talvez.

A fragilidade da atividade cultural - JOÃO CARLOS DE FIGUEIREDO FERRAZ

Estado de S.Paulo - 21/11

Em 18 de outubro foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto n.º 8.124, assinado pela presidente Dilma Rousseff, que trouxe grande agitação ao meio cultural brasileiro. Preparado silenciosamente pelo Ministério da Cultura, esse decreto veio regulamentar a Lei n.º 11.904, que cria o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), e traz vários pontos polêmicos - que, seguramente, serão analisados tecnicamente por advogados e profissionais da área cultural e, oportunamente, deverão ser questionados pelas entidades ou pessoas físicas que se acharem por ele prejudicadas. Mas tem também conceitos que valem a pena ser discutidos.

O primeiro ponto que merece ser questionado diz respeito à sua abrangência. Diz o artigo 2.º, III, que são bens culturais passíveis de "musealização" os bens "móveis e imóveis, de interesse público, de natureza material ou imaterial, considerados individualmente ou em conjunto, portadores de referência ao ambiente natural, à identidade, à cultura e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira". Nessa definição pode ser considerada de interesse nacional para fins culturais absolutamente qualquer coisa, desde álbuns de figurinhas esportivas dos anos 1950 até rótulos de cachaça, passando por imagens religiosas que alguma família humilde tenha herdado de um parente distante, além das obras de arte propriamente ditas. Tudo, a critério de uma comissão formada em sua maioria por leigos no assunto (terá um assento para cada ministério), pode ser considerado bem cultural e de interesse nacional.

Mas até aí, tudo bem. O que causa maior preocupação e dúvida não é exatamente o que está escrito, mas o que não é especificado. É como se dizia antigamente, "o diabo mora nas entrelinhas". Refiro-me ao artigo 20, que dá ao Ibram o direito de preferência em caso de venda judicial ou leilão de bens culturais. Essa preferência é sensata e legítima, porém o critério para a sua utilização deveria ser bem definido para evitar problemas.

Todos sabemos da enorme dificuldade em que vivem as instituições culturais, públicas e privadas, no Brasil: sem verba para tocar a sua programação de exposições e eventos nem para a manutenção básica de suas instalações e, muitas vezes, sem condições sequer de manter as portas abertas. No caso de optar pela compra de um bem de interesse nacional, depois de consultar os museus e instituições interessados, como o Ibram conduzirá essa negociação? Haveria um prazo para exercer o seu direito de preferência? E depois de esgotado esse prazo, caso a negociação não se torne viável por qualquer motivo alheio à vontade do vendedor, o proprietário estaria liberado para vendê-lo a outros interessados? E se os únicos interessados na aquisição da obra forem museus ou colecionadores no exterior, o Ibram autorizaria a venda? No caso de não haver interessados no Brasil, o proprietário teria de ficar com a obra a contragosto, mesmo precisando vendê-la? Se assim fosse, seria criado um "limbo" no qual essas obras ficariam, sendo de propriedade de alguém que não poderia vendê-las mesmo quando precisasse. Não sei se isso é legal, mas é justo?

Uma obra de arte é um bem móvel vendido pelas galerias ou casas de leilão a pessoas que, com suas economias, querem adquirir algo por prazer ou por investimento. Essas pessoas, colecionadores ou não, movimentam, segundo estatísticas, cerca de 80% dos negócios e são elas que dão vitalidade ao setor cultural. Caso não tenham segurança ou garantia de que o bem que estão comprando possa ser negociado livremente, os compradores vão investir em outras coisas e a atividade cultural estanca. Se as galerias, assim como as casas de leilão, deixam de vender, os artistas, não tendo como escoar a sua produção, deixam de produzir e, aos poucos, nada restará. Os artistas serão os grandes prejudicados e, por consequência, a produção cultural brasileira.

Para não ser totalmente crítico e alarmista, porém, vale ressaltar os pontos positivos do decreto, como, por exemplo, a grande preocupação demonstrada com a integridade não apenas das obras de arte, mas de todos os bens materiais, móveis e imóveis, que pertencem ou venham a pertencer ao patrimônio cultural brasileiro. Apesar de extremamente rigoroso e policialesco, o decreto prevê processar criminalmente quem não cuidar desses bens culturais que estiverem em sua posse e não seguir os mandamentos previstos na lei.

Mas há um ponto que não fica muito claro no decreto: o acervo dos museus e instituições públicas, bem como os prédios onde estão instalados, que são de inteira responsabilidade do governo, o qual tem por obrigação zelar por sua conservação e integridade, também são protegidos por essa lei? Caso as obras do acervo de uma instituição pública estejam se deteriorando em mofo, cupins e umidade, ou se os prédios que essas instituições ocupam estiverem sofrendo por ação da natureza ou por má conservação, podem também seus diretores ser processados criminalmente? O decreto não diz especificamente qual a responsabilidade do Ibram por essas instituições, mas poderia também seu diretor sofrer o mesmo processo?

Todos sabemos da boa intenção que há nesses documentos. Sabemos que as pessoas se preocupam e fazem esses projetos de lei com o desejo de dar à sociedade a oportunidade de desfrutar a produção cultural brasileira, conviver com essas importantes obras de arte, estudá-las, analisá-las e aprender com elas. E sabemos como é importante para todos ter proximidade com a nossa cultura e os bens que ela cria. Mas essas leis deveriam ser discutidas com a sociedade, com as pessoas que, por seu conhecimento e experiência, possam contribuir. Deveríamos pensar em ações que estimulem as pessoas a abrir suas coleções, e não amedrontá-las.

Caso contrário, ao invés de apoiar, desestimulamos; ao invés de ajudar, atrapalhamos; ao invés de construir, destruímos.

Uma noite em Miami - CORA RÓNAI

O GLOBO - 21/11

Quando passeio pelo Art Deco District esqueço os carros ridículos que passam pela rua e imagino os seus personagens, aqueles judeus de classe média de vidas densas e conturbadas


Fazia tempo que eu não vinha a Miami. Tenho sentimentos ambivalentes em relação à cidade, um misto de ternura e de boas lembranças com desgosto e vergonha alheia, mais ou menos como se ela fosse uma velha tia de quem gostei muito quando criança mas que ficou gagá, perdeu a compostura com o passar do tempo e hoje abusa dos brilhos e dos decotes, carrega na maquiagem e só anda em más companhias. É um erro. Como qualquer cidade mais ou menos viável, Miami é o que a gente quer que ela seja — desde que as férias acabem antes do encanto.

A culpa do erro não é exclusivamente minha. A coitada não goza de boa reputação; ou, por outra, goza de ótima reputação, mas sempre pelas razões erradas. É difícil amar uma cidade que se vangloria dos seus excessos, e em que a principal atividade turística é ir às compras. É difícil amar a cidade em que todos os políticos corruptos da América Latina compram mansões com os lucros dos seus “malfeitos”, como poeticamente se refere a nossa presidente àquilo que nosotros conhecemos em geral por palavras de baixo calão. É difícil amar esta cidade que serve de refúgio para os personagens mais desagradáveis do noticiário, todos os Thors que decidem dar um tempo longe até a poeira baixar.

Mas Miami também pode ser amável. É uma cidade que recuperou com amor os seus edifícios antigos, que tem lindos jardins e uma quantidade de pássaros interessantes. Tem algumas ruas que não dormem, longe dos shoppings tem um comércio engraçado e original, tem vida cultural.

A Miami do meu coração é aquela em que, nesta mesma Collins Avenue em que escrevo hoje à noite, viveu, de 1977 até a sua morte, em 1991, Isaac Bashevis Singer, um dos meus escritores favoritos. Quando passeio pelo Art Deco District esqueço os carros ridículos que passam pela rua e imagino os seus personagens, aqueles judeus de classe média de vidas densas e conturbadas que, fugidos da Europa ou do frio de Nova York, como ele, continuaram, aqui, o que era, afinal, a extensão da antiga vida dos shtetls desaparecidos.

Ninguém pode tirar de Miami a glória de ter visto nascer tantas dessas histórias maravilhosas, os últimos monumentos do Yiddish, uma língua fantasma.

Vim a Miami pela primeira vez em 1967, dez anos antes de Bashevis Singer se mudar para a cidade — o que, confesso, me assusta um pouco em relação à minha idade. Eu era garota, e meu Pai havia sido chamado para trabalhar como professor convidado na Universidade da Flórida, em Gainesville; Miami foi a primeira parada da família antes de seguirmos para a cidadezinha que seria o nosso lar durante um ano letivo. Não podia haver nada de mais diferente da Miami de hoje do que aquela cidade pequena de grandes hotéis, uma espécie de Copacabana mais modesta, mas com meia dúzia de Copacabana Palaces plantados à beira-mar.

Não consigo me lembrar de jeito nenhum do nome do nosso hotel, mas até hoje me lembro do cheiro. Eu não gostava muito nem de um nem do outro. Enquanto os hotéis glamourosos tinham nomes como Fontainebleau ou Royal Palm, o nosso tinha nome de gente, um Fulano de Tal (ou seria uma Fulana?), que ficaria melhor num hospital. O cheiro era o cheiro decente de um detergente qualquer, que se traduzia em limpeza, e não em aventura — mas para mim, já naquela época, viajar era a expectativa de cheiros novos. Esse gosto não vinha da vida real, naturalmente, porque até então eu mal tinha posto os pés fora de casa, mas dos livros que eu devorava e que me falavam de um mundo de sensações exóticas. Em nenhum deles, mas nenhum mesmo, o Lysoform entrava como elemento de atração.

Mais tarde, durante os anos da bolha da tecnologia, passei a vir a Miami uma ou duas vezes por mês. Não havia lançamento de produto, feira, congresso ou conferência que não se realizasse na cidade, espécie de capital oficiosa da América Latina. Os colegas de viagem eram quase sempre os mesmos — não havia tanta gente cobrindo informática ou telecomunicações no nosso continente —, mas os hotéis variavam tanto que, ontem à noite, caminhando pela Collins Avenue, percebi que já fiquei hospedada em praticamente todos os vizinhos do The Raleigh, onde estou agora.

A noite estava gostosa, com uma brisa fresca e uma lua cheia, e, a uma distância segura dos shoppings, me senti bem. Andei vários quarteirões, comprei revistas, fiz fotos e, finalmente, me sentei num barzinho para tomar um suco. Em todo o trajeto, não ouvi uma única palavra em inglês. As pessoas por quem passei falavam português, os porteiros dos hotéis e a garçonete falavam espanhol.

Enquanto esperava a mistura de mamão, laranja, abacaxi e agave (que, pelo que entendi, é o que se usa aqui como adoçante nas lojinhas “verdes”), contemplei as palmeiras da rua, iluminadas com capricho, e os hotéis com a sua velha dignidade restaurada. E senti uma onda de carinho por esta cidade que, afinal, tem tantas qualidades, e tem tanto para ver. É só olhar.

Fatos e lendas - LUIS FERNANDO VERISSIMO

O Estado de S.Paulo - 21/11

No dia 22 de novembro de 1963, a Lucia e eu éramos as únicas pessoas felizes numa certa rua de Copacabana. Todas as outras (está bem, imagino que quase todas as outras) estavam no mínimo preocupadas com o que tinham acabado de saber, a notícia da morte do presidente Kennedy em Dallas. Pobre do presidente Kennedy. Tão moço, tão simpático, com uma família tão bonita. O que significava aquela morte? O que viria depois daquilo? Era um golpe? Não era um golpe? Que país maluco! A Lucia e eu tínhamos acabado de ficar noivos. É, naquela época se noivava. Já estávamos com as alianças, compradas numa joalheria da Santa Clara, e fomos tomar uma Coca-Cola no "Cirandinha" para comemorar. Felizes da vida.

Depois, ficou difícil não se emocionar com a imagens que viriam. O enterro, o garoto fazendo continência para a esquife do pai, as caras desoladas na multidão, todas as esperanças da nação no jovem e dinâmico presidente abatidas por um assassino - ou mais, até hoje se discute quantos. Nos anos que se seguiram, a emoção e a memória daqueles dias alimentaram o mito. Mas, ao contrário do que costuma acontecer com os mitos, o do Kennedy foi perdendo o lustre com o tempo. Livros sobre "o verdadeiro" Kennedy se tornaram tão comuns quanto teorias conspiratórias sobre a verdadeira história do seu assassinato.

Kennedy devia sua presidência ao dinheiro e ao poder do seu pai, que tinha ligações notórias com o submundo do crime organizado. Seus atos heroicos na guerra e sua experiência diplomática eram forjados. Ele e Jacqueline formavam um par perfeito, pelo menos visualmente, mas ele a enganava desde o começo do casamento. Ele não tinha feito tanto pelos direitos civis dos negros quanto dizia o mito. Se iria ou não retirar as tropas americanas do Vietnã se não tivesse sido assassinato, é debatível. Até sua atitude firme na crise dos mísseis russos em Cuba, segundo muitos o seu melhor momento, é criticada pelo novo revisionismo. Ele teria cedido mais do que o necessário aos russos.

Como é mesmo aquela frase do filme do John Ford? Quando os fatos desmentem a lenda, publique-se a lenda. Lyndon Johnson, que substituiu Kennedy, foi mais radical do que ele nas questões dos direitos civis e de programas sociais. Mas sofreu com a comparação, não com os fatos do governo Kennedy, mas com o mito, com a lenda do que poderia ter sido. E nenhuma revisão ainda conseguiu acabar totalmente com a lenda.

Socuerro! O Hulk desbundou! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 21/11

O Cristiano Ronaldo joga 90 minutos e não tira um fio de cabelo do lugar. É o Ken, do 'Toy Story 3'


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Me diverti com essa rodada da Copa! Brasil x Chile! O Hulk desbundou! O Hulk ficou verde, rasgou o calção e GOL! Bateu a bunda na mesa! Rarará!

E o Robinho tá um saci de duas pernas! E um amigo disse: "Se eu fosse o Felipão, não convocava ninguém com a letra R', só pra sacanear com o Galvão". Rarará!

E o Cristiano Ronaldo? Com aquele look de "boneco de apartamento"? Três gols! Vai pedir um fado no "Fantástico"! O Cristiano Ronaldo joga 90 minutos e não tira um fio de cabelo do lugar. Saiu do campo como entrou, todo arrumadinho, o calção não tem uma mancha! É o Ken de "Toy Story 3"!

E a Grécia tava ganhando da Romênia de um a zero, fez gol contra e se empatou. Empatou-se a si mesmo! Rarará! E a França se classificou com duas bolas do Sakho! Rarará!

E o Papudo da Papuda? Diz que o Zé Dirceu tá gostando do beliche da cela. Ele dorme embaixo e o ego em cima!

E eu tô com dó do Genoino. Além de doente, tem que dividir a cela com o Zé Dirceu! Pena dobrada! Dobraram a pena do Genoino. Tô com pena da pena do Genoino!

E a moda agora é semiaberto! Supremo decreta: a tendência pra esse verão é o semiaberto!

E as charges geniais do Duke! Escrivão pergunta pro casal: "Em qual regime vocês pretendem se casar?". "Regime semiaberto." Já sei, de dia vai pro motel com a amante e de noite volta pra cadeia pra dormir com a mulher! Ou vice-versa!

De dia, a mulher vai pro motel com o amante e de noite volta pra cadeia pra dormir com o marido. De dia, cama redonda e de noite, cama quadrada! Rarará!

E mais essa: "Bacon, hambúrguer, pizza e macarrão só posso comer entre 7h e 19h. Tô fazendo regime semiaberto". O regime ideal! Rarará!

E o Galvão tá assim: qualquer comentário serve pra elogiar o Neymar!

É mole? É mole, mas sobe!

Os Predestinados! Mais três para a minha série Os Predestinados! Funcionário da empresa PeopleOne: Marciano Verdi! Claro, alguém já viu marciano amarelo? Rarará.

E direto da Bahia, a especialista em reprodução humana: Geneviéve Coelho! Aí não é mais reprodução, é multiplicação! Rarará!

E esse gerente de vendas da Hyundai: César Coreia! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

A vida como ela é - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 21/11

No momento em que, por causa da prisão de mensaleiros, cresce o debate sobre nosso sistema penitenciário, a socióloga Julita Lemgruber alerta para a dramática situação dos presos provisórios no Rio.
Pesquisa CESeC/Ucam mostra que, no ano passado, 42% dos acusados de crimes ficaram mofando nas cadeias por semanas ou meses para, no final, serem absolvidos ou condenados a penas que não os levariam à prisão.

Ou seja...
“Ficaram presos ilegalmente porque, em sua maioria, são pobres e não têm como pagar advogados”, conclui Julita.

A morte do filme
O produtor Barretão, 85 anos de dedicação ao cinema brasileiro, concorda com o diretor Domingos Oliveira que, aqui, protestou contra a dificuldade de exibir muitos filmes nacionais:
— A Ancine engessa a produção de filmes e deixa correr solto o mercado distribuidor que assassina muitos filmes brasileiros.

Sempre ele
A Câmara dos Vereadores do Rio vai dar medalha para Ana Paula Maciel, a ativista brasileira do Greenpeace libertada na Rússia, após dois meses presa. Houve apenas um voto contra. Adivinha de quem? Carlos Bolsonaro, filho de quem o nome sugere, que a considera “uma anarquista”.

No mais
Teve brasileiro grudado na TV Justiça ontem por quase cinco horas (a sessão do STF começou às 14h32m e acabou às 19h02m), na esperança de algum debate ou mesmo bate-boca sobre mensaleiros, que não ocorreu.
Em compensação, ficou bem informado sobre o Plano Verão e salários de juízes. Com todo o respeito.

A namorada do Chico
Thaís Gulin, a cantora e compositora que namora Chico Buarque, poderá arrecadar até R$ 801.200, pela Lei Rouanet, para produzir seu terceiro CD.
A grana servirá também para organizar uma turnê por oito capitais brasileiras.

O genro do Chico...
Carlinhos Brown, o grande artista brasileiro, pode captar até R$ 1.426.820 pela Lei Rouanet para o desfile de seu trio elétrico, no carnaval de 2014, em Salvador. O MinC já autorizou a captação da grana.
Segundo o projeto, não haverá cordas de isolamento.

Deus perdoa!
Mais da metade dos passageiros do voo JJ 3866, que saiu, às 9h de ontem, do Galeão, com destino a Curitiba, era flamenguista! A turma estava indo para o primeiro jogo da final da Copa do Brasil, contra o Atlético-PR.
No fim do voo, o comandante anunciou que o avião se preparava pra pousar e terminou dizendo que era Atlético.
Foi o estopim para o coro: “Ei, piloto, vá tomar no...” Você sabe!

Saúde no céu
O Copa D’Or parou, segunda, para ver Luciano Huck e Angélica.
O querido casal chegou de helicóptero ao hospital em Copacabana, onde o apresentador fez um check- up.

Nair na Lapa
O busto de Nair de Teffé que foi a leilão, como saiu aqui, vai ficar na Lapa.
Esculpido em mármore carrara pelo uruguaio Juan D’Aniello, foi arrematado por Plínio Fróes por R$ 18,5 mil.
A peça estará na exposição que o empresário promoverá, na Galeria Scenarium, em homenagem à primeira caricaturista mulher do mundo.

Arco-íris portelense
Domingo, a Velha Guarda da Portela se reuniu na antiga quadra da escola (que será o museu dos baluartes) para inaugurar um terceiro banheiro, com a marca do arco-íris.
A decisão foi tomada sob aprovação unânime dos velhinhos da azul e branco.

Segue...
No meio da reunião, um senhorzinho subiu ao palco e pediu a palavra para apoiar a mudança. E avisou:
— Sou gay.
Maravilha.

EM NOME DA FILHA - MÔNICA BERGAMO

FOLHA DE SP - 21/11

José Dirceu prefere cumprir pena em um presídio do Distrito Federal para ficar perto da filha caçula, Maria Antonia. O ex-ministro não vai pedir para ser transferido para São Paulo, segundo seu filho mais velho, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR). "Ele quer ficar perto da minha irmã de três anos que mora em Brasília."

EM NOME DA FILHA 2
Zeca Dirceu usou a prerrogativa de parlamentar para visitar o pai anteontem, sem ter que esperar o dia de visitas. "As minhas irmãs que moram em São Paulo estão querendo mudar de cidade, então pra ele é melhor ficar em Brasília, onde eu também vou poder vê-lo com mais frequência", explica o deputado. Zé Dirceu é pai também de Camila e Joana e declarou, pouco antes de se apresentar à polícia, que a distância dos filhos seria o mais penoso na prisão.

ACABAR EM PIZZA
"Mensalão à italiana" é delírio, segundo Walter Maierovitch, presidente do Instituto Giovanni Falcone. O jurista entende que para haver novo julgamento na Itália não basta Henrique Pizzolato se apresentar às autoridades. "O governo brasileiro é que teria de solicitar, o que nunca faria, pois seria uma esculhambação para o Supremo Tribunal Federal, que o condenou por unanimidade."

ACABAR EM PIZZA 2
O tratado entre o Brasil e a Itália foi assinado em 1989. "E foi rasgado pelo governo brasileiro no caso Cesare Battisti", diz Maierovitch. Um outro ponto a ser considerado é que o foragido cometeu os crimes no Brasil. "A Itália vai respeitar o princípio da territorialidade. O foragido não teria por que ser julgado lá", diz o jurista.

NATURAL
Irmã caçula de Beyoncé, Solange Knowles só pediu o básico --água, sucos e frutas-- para o camarim de seu show hoje no Cine Joia, em SP. No Rock in Rio, Beyoncé exigiu itens como amêndoas, queijos, orquídeas, forro branco e tapetes. Trouxe até o próprio cozinheiro.

MEMÓRIA
Objetos pessoais de Raul Cortez vão ser expostos a partir de maio de 2014 no Centro Cultural dos Correios, no Anhangabaú. A mostra reunirá fotos, cenários e figurinos do ator, morto em 2006.

PARA RIR
O trailer de "Crô", longa de Bruno Barreto com o personagem de Marcelo Serrado em "Fina Estampa", foi visto por 250 mil pessoas em 24 horas no YouTube. Marca que supera outras comédias campeãs de bilheteria. Segundo a produtora Paula Barreto, os levantamentos nas redes sociais levam à projeção de 2 milhões de espectadores. O lançamento, dia 29, será com 400 cópias.

IMAGINAÇÃO
Oscar Maroni vai distribuir panfletos ousados para atrair o público da Fórmula 1 ao Bahamas no fim de semana. Um dos anúncios tem a foto das pernas de uma mulher de short agachada diante de um homem com botas de piloto. Outdoors de casas noturnas com imagens semelhantes foram retirados pela prefeitura na época do Grande Prêmio de 2005. Maroni reabriu há dois meses seu clube, que ficou interditado por seis anos sob acusação de favorecer a prostituição.

SEM CLIMÃO
Lethicia Bronstein, estilista que já vestiu famosas como Juliana Paes, Sabrina Sato e Carolina Dieckmann, vai lançar coleção de Réveillon "mais em conta" para venda em seu site. As roupas vão custar em média R$ 2.000 --abaixo da faixa habitual de R$ 6.000. Serão produzidas no máximo cem peças, entre vestidos, saias e camisas, predominantemente brancos. "Não quero que todo mundo chegue às festas de roupa igual", diz ela.

MULTIARTISTA A cantora Vanessa da Mata fez sessão de autógrafos de seu primeiro romance, "A Filha das Flores", anteontem, na Livraria Cultura da Paulista

ÂNGULOS DIFERENTES
O fotógrafo Fabrizio Fasano Jr. inaugurou a exposição "Nova York Diferent Angles" anteontem, no Espaço Minas Gerais, em Higienópolis. A diretora do local, Gabriela Cordeiro, o casal de empresários Sergio Waib e Regina Moraes Waib e a chef e apresentadora Heaven Delhaye foram ao vernissage.

APAGARAM TUDO
A apresentadora Veridiana Bressane e o diretor de cinema Pedro Morelli foram à pré-estreia do filme "Cidade Cinza", anteontem, no Espaço Itaú de Cinema, na Augusta. Guilherme Valiengo e Marcelo Mesquita, diretores do longa, receberam o humorista Rafinha Bastos, o grafiteiro Ise e Paulo Morelli, diretor e sócio da produtora O2.

CURTO-CIRCUITO
Ná Ozzetti faz show hoje, às 21h, no Teatro Anhembi Morumbi. 12 anos.

Murilo Benício, Bruno Gagliasso e Danielle Winits estarão no camarote da Shell na Fórmula 1, domingo.

O americano William Ury, especialista em negociação, faz palestra hoje no Encontro Nacional Dotz e Varejo, no Grand Hyatt.

A Spezzato lança coleção na Vila Nova Conceição.

Menahem Ben-Sasson, da Universidade Hebraica de Jerusalém, entrega hoje prêmio a Morris Dayan, em jantar na casa de Marcia e Daniel Borger, nos Jardins.

O livro "Para Copacabana, com Amor" (vários autores) será lançado hoje, às 19h30, em Copacabana.

Dias contados - ILIMAR FRANCO

O GLOBO - 21/11

A situação do chefe de gabinete do ministro Guido Mantega (Fazenda), Marcelo Fiche, é “insustentável”. Depois das férias, deve ser afastado. A explicação de que possui um Audi com valor de mercado de R$ 250 mil porque comprou num leilão da Receita Federal pegou mal. O governo entende que houve conflito ético. Sem contar a denúncia de que recebia propina de empresa. 

Faz de conta 
A Câmara instalou ontem comissão especial para votar a PEC dos mensaleiros, que faz com que deputados e senadores condenados percam automaticamente os mandatos. Mas a ordem dos partidos afetados pela PEC é a de impedir que seja votada este ano. Faltam 14 sessões para o recesso. Pelo regimento da Câmara, a PEC precisa ficar na comissão, no mínimo, dez sessões. Ou seja, assessores técnicos e deputados terão que derrubar cinco sessões. A tarefa é considerada uma moleza pelos mais experientes da Casa. Com isso, a proposta dificilmente atingirá João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PT-SP), José Genoino (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT). 


“Em alguns dias, a bancada de deputados presidiários na Câmara será maior do que a do PSOL, com três parlamentares” 
Varderlei Macris 
Deputado federal (PSDB-SP) 

Via-crúcis 
O percurso que o deputado Valdemar Costa Neto ( PR-SP) precisa fazer diariamente do seu gabinete até o plenário para registrar presença dura cerca de oito minutos, ida e volta, sem pausa para conversas. Tudo para não ter desconto no salário. 

Daqui não saio 
Condenado à segunda maior pena do mensalão, o publicitário Ramon Hollerbach está satisfeito com a Papuda, em Brasília. Recebeu atendimento médico, assistente social, tem acesso à biblioteca, e está em cela individual. Disse ao advogado Hermes Guerrero que pensa em não pedir transferência para Minas Gerais, onde mora sua família. 

Vida mansa 
Kátia Rabello e Simone Vasconcelos buscam adiar a transferência para o Presídio do Gama. No batalhão da polícia dentro da Papuda, não estão sujeitas a regras rígidas, não usam uniforme, e convivem com policiais, em vez de detentas. 

Sem nova CPMF 
A bancada da Saúde na Câmara, PMDB e PSDB se uniram para derrotar projeto do PT que criaria a Contribuição Social para a Saúde, imposto similar à extinta CPMF. A CSS geraria R$ 29 bilhões a mais por ano para o setor. Sob o lema “mais Saúde, menos impostos”, tucanos e peemedebistas, muitos ligados às Santas Casas, isolaram PT e PCdoB, favoráveis ao imposto. 

Duas versões 
O Planalto teve que redigir duas vezes o documento em que os líderes da base se comprometeram a não votar até o fim de 2014 projetos que criem novas despesas à União. A primeira versão, contam, era muito ruim. 

Debandada 
Os líderes da Câmara se rebelaram ontem contra o presidente, Henrique Alves (PMDB-RN). Esperaram uma hora por Alves para uma reunião. Desistiram e foram embora. O presidente pediu à assessoria para se desculpar com todos eles. 

A CÂMARA aprovou convite para que o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) explique a fuga de Henrique Pizzolato para a Itália. 

Aspirações 'modestas' - VERA MAGALHÃES - PAINEL

FOLHA DE SP - 21/11

A pressa do PSD em ser o primeiro partido a anunciar oficialmente apoio à reeleição de Dilma Rousseff não deve render ao partido de Gilberto Kassab um novo ministério. Embora haja essa expectativa na sigla, a única legenda a ser contemplado com vaga no primeiro escalão na reforma ministerial prevista para o início de 2014 é o PTB. Ao Planalto, Kassab não pediu cargos, mas apontou como prioridade o aval do PT à reeleição do governador Raimundo Colombo, em Santa Catarina.

Vem pra rua No evento em que o PSD aderiu à aliança reeleitoral, Dilma deu uma leve bronca em sua equipe, que esqueceu de anotar os nomes de alguns deputados do partido na lista de agradecimentos: "Vamos protestar contra o protocolo. Eu me junto a vocês nesse protesto".

Agrega valor Kassab fez questão que Henrique Meirelles participasse do ato de ontem. Para ele, a presença do ex-presidente do Banco Central, hoje presidente do conselho da holding J&S e chairman do banco Lazard Américas, é um bom sinal ao mercado, arredio com o governo.

Status Já a presença de Aloizio Mercadante (Educação) no evento foi vista como um gesto do governo, apontando que o PSD passará a ter a mesma interlocução política dedicada a outros partidos de grande porte da coalizão.

Cotonete Aliados de Eduardo Campos atribuem a reação do Planalto às críticas que o governador fez a Dilma ao temor com o distanciamento entre a presidente e o PIB. "Eduardo tem uma qualidade que Dilma não tem: ele sabe ouvir", diz o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).

Delay Tucanos ironizam a decisão de Campos de enxugar a máquina do governo, comparando-a à reforma que Aécio Neves (PSDB) fez em Minas. "Saudamos a chegada de Campos ao choque de gestão, ainda que tardia", afirma o deputado Marcus Pestana.

Pressão 1 A OAB federal e a CNBB anunciam hoje que, além de pedir ao STF pressa no julgamento da Adin que proíbe que empresas façam doações a candidatos e a partidos, vão apresentar um projeto de lei de iniciativa popular com o mesmo teor.

Pressão 2 As duas entidades já coletaram mais de 360 mil assinaturas para a proposta e querem chegar a 1,5 milhão de adesões. Farão um ato público para mobilizar a população para a ideia na próxima quarta-feira, em frente à catedral de Brasília.

Precedente O presidente da OAB, Marcus Vinicius Coelho, diz que essa proibição já vigora em vários outros países. "A doação de empresas favorece a corrupção e fere o princípio da igualdade, ao dar à pessoa jurídica um peso maior que ao cidadão nas eleições", justifica.

Saia justa Embora publicamente o partido faça manifestações de apoio e desagravo a seus filiados condenados no mensalão, na cúpula do PT aumenta o constrangimento com a situação de João Paulo Cunha e José Genoino, que já está cumprindo pena.

Que tal? Pessoas do grupo político dos deputados acreditam que, uma vez esgotados os recursos, se a Câmara ainda não tiver tomado uma decisão sobre a situação dos parlamentares condenados, os dois deveriam renunciar para que suplentes da coligação assumissem.

Sabatina Em reunião do grupo que acompanha as investigações estaduais, Metrô e CPTM prestaram novas explicações sobre como definiram os preços das licitações em que atuou o cartel atuou. O documento com questionamentos sobre a prática será divulgado no próximo encontro da comissão.

com BRUNO BOGHOSSIAN e PAULO GAMA

tiroteio
"Por onde passa boi, passa boiada: na mesma fronteira em que entram armas e drogas, passou um mensaleiro condenado à prisão."

DO LÍDER DO PSDB NA CÂMARA, CARLOS SAMPAIO (SP), relacionando a fuga de Henrique Pizzolato à falta de controle nas divisas do Brasil com outros países.

contraponto


Brilho próprio
O ministro Marco Aurélio Mello se preparava para conceder entrevista a jornalistas após tomar posse como novo presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Enquanto se posicionava em frente às câmeras, recebeu um lenço para que pudesse limpar o suor do rosto, já que havia enfrentado uma longa fila de cumprimentos um pouco antes da coletiva.

Ao perceber a insistência de uma assessora para que estivesse com o rosto seco e sem oleosidade, o ministro brincou com os repórteres que o aguardavam:

--Percebam que ela não está querendo que eu brilhe!

E Renan trucou - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 21/11

O adiamento da votação da emenda constitucional do voto aberto em todas as situações foi mais um lance do truco entre os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e o da Câmara, Henrique Eduardo Alves. A ordem entre muitos senadores é adiar enquanto der a apreciação dessa emenda em segundo turno para forçar uma posição de Henrique.

Se o presidente da Câmara quiser votar a cassação dos deputados condenados no processo do mensalão apenas pelo voto aberto, ele terá que agir. Ou busca a aprovação da emenda do senador Jarbas Vasconcelos, que estabelece a perda automática dos mandatos de parlamentares condenados, ou o texto do voto aberto para perda de mandato, já votado pelo Senado. Afinal, como diz Renan a seus amigos, não tem um senador envolvido no processo do mensalão, portanto, não precisa de pressa. A leitura desses amigos foi assim: “Te vira, Henrique!”

Alegria de governo...
... É igual de pobre: dura pouco. O tal pacto da responsabilidade fiscal, fechado no Planalto na terça-feira, esfarinhou. A Comissão de Seguridade Social aprovou uma proposta que amplia o orçamento da Saúde em R$ 18 bilhões no ano que vem e não em R$ 6 bilhões como prevê o texto aceito pelo Poder Executivo. PT e PCdoB ficaram sozinhos ao lado da proposta governamental.

CEB responde
A CEB já enviou à Aneel seu plano de ação para reequilíbrio financeiro, conforme solicitado, mas ainda não recebeu resposta. A empresa promete reduzir gratificação de função, gastos com plano de saúde dos servidores e, ainda, os contratos com terceirizados, hoje em torno de R$ 20 milhões. Os investimentos, que este ano, atingiram R$ 200 milhões, também terão uma redução no ano que vem.

Juntos, mas separados
O apoio do PSD à presidente Dilma Rousseff não será 100%. Em Minas Gerais, parlamentares pessedistas apoiam Aécio Neves.

CURTIDAS
Rompidos/ A governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini, do DEM, e o líder do partido, José Agripino Maia (foto), nem se cumprimentam mais. Ou seja, ela realmente não terá legenda para ser candidata.

Cronômetro ligado/ A presidente Dilma Rousseff calculou os mínimos detalhes da sua ida ao evento do PSD que declarou apoio à reeleição dela no ano que vem. Chegou às 12h22 e saiu às 13h50. Dentro do horário de almoço.

Expectativa / O filho do ex-presidente João Goulart, João Vicente Goulart, acompanhou in loco a sessão de ontem do Congresso Nacional. Parlamentares votariam um projeto de resolução que anula a decisão de 1º de abril de 1964, que tornou vaga a Presidência da República. Ao vê-lo, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) falou: “hoje vota”. João Vicente respondeu: “o que é um dia para quem já esperou 50 anos?”

Artrite, presidente?!/ A comitiva da República Tcheca que visitou o Senado presenteou Renan Calheiros com uma garrafa de Becherovka, uma bebida com 38% de teor alcoólico, feita a partir de sementes de anis, canela e outras 32 ervas. Os tchecos comentaram que esse bitter de ervas era usado como remédio para artrite. José Sarney, o mais jovem de espírito dos presentes, disse que não era com ele.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 21/11

Com R$ 300 mi, grupo do Nordeste instala seu 11º shopping na região
Antes de concluir as obras de seu primeiro shopping center em Fortaleza, o grupo JCPM --um dos maiores do segmento no Nordeste-- planeja seu segundo empreendimento na cidade.

O novo projeto receberá R$ 300 milhões em investimentos e será instalado na região norte da capital do Ceará. A companhia calcula que outros R$ 150 milhões sejam injetados pelos lojistas.

Há pouco mais de um ano, a empresa começou a construir uma unidade na parte sul da cidade. Para esse shopping, foram destinados cerca de R$ 600 milhões.

Os dois empreendimentos não devem competir entre si, de acordo com o presidente do grupo, João Carlos Paes Mendonça.

"Cada um ficará em uma região. Fortaleza é uma cidade grande", afirma.

Apesar de Mendonça dizer que "faz shopping para todas as classes [sociais]", o projeto mais avançado está sendo instalado em um bairro com maior poder aquisitivo.

A JCPM não tem, por enquanto, planos de entrar em outros Estados do Nordeste.

"João Pessoal, Natal e Maceió estão bem servidas. Quase não tem mais espaço para novos shoppings. Teresina já fica muito longe. É até mais fácil ir para São Paulo de avião do que para lá, por causa das conexões."

O grupo também não tem intenção de instalar empreendimentos em São Paulo --onde é dona de 20% do Villa-Lobos e de 25% do Granja Vianna--, mas não descarta entrar como sócio em projetos já existentes.

PARCERIA PARA INVESTIMENTO
A Votorantim Asset Management vai lançar uma parceria estratégica para distribuir a investidores brasileiros fundos da Allianz Global Investors.

Sabine Bettzüche, diretora da Allianz, está no Brasil para anunciar o acordo inédito, celebrado anteontem, com a gestora de recursos do Banco Votorantim.

"Fomos escolhidos pela Allianz para fazermos a distribuição no Brasil de seus fundos para o mundo institucional, ou seja, os fundos de pensão, de previdência complementar fechada e aberta", afirma Robert Van Dijk, responsável pela área de "wealth management".

"Poderemos oferecer também os produtos da companhia a outros eventuais investidores, como family officers' e private banking", acrescenta.

Na América Latina, a companhia já atua na Colômbia, no Peru e no Chile.

"Acredito que haverá no país muito interesse em nossos produtos do segmento de ações", diz Bettzüche, sem informar números que a parceria envolve.

A companhia de 60 anos, que pertence à seguradora Allianz, tem € 304 bilhões (aproximadamente R$ 935) sob sua gestão global.

Prazo prolongado
O prazo para apresentação de estudos conclusivos exigidos pela Anivsa para registro de novos medicamentos foi ampliado para casos excepcionais. A decisão foi tomada na terça-feira em reunião entre representantes do setor farmacêutico, Anvisa e Ministério da Saúde.

Até então, se a empresa não entregasse as pesquisas ainda na fase inicial da análise do registro, o pedido de era negado.

Os estudos poderão ser apresentados numa fase recursal. Assim, remédios que antes eram descartados do processo de registro poderão entrar no mercado.

SEM PRESSA
"Vamos entrar devagar", afirma Stephane Lemonnier, diretor da Maison Rochas, que veio ao Brasil para inaugurar, no shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo, a primeira loja de moda "prêt-à-porter" masculina no país.

Lemonnier não define datas, mas, a depender da receptividade, a grife vê espaço para ter quatro lojas no país em cinco anos.

"Lentamente", arrisca em português. "Uma próxima loja poderá ocorrer em três anos. Ainda em São Paulo e possivelmente no Rio."

Nessa volta ao mercado nacional, diferentemente de outras grifes, Rochas preferiu deixar as roupas femininas para depois.

"Para as mulheres, trabalhamos mais em multimarcas ou em corners'."

Tendências da moda não estão no horizonte da grife.

"O espírito Rochas é de sobriedade. Não estamos no luxo ostentatório. É um vestuário atemporal. Não vamos tentar estar à frente nas últimas cores ou formas, pelo contrário, queremos nos distinguir", diz Lemonnier.

A marca chega com dois sócios: um argentino, a Profit Labels S.A., que detém o licenciamento para as Américas, e um brasileiro, Carlo Vettori.

Os ternos vão de R$ 2.041 a R$ 3.402. Um tuxedo sai por R$ 2.900.

Mal comparando - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 21/11

Chile, México, Peru e Colômbia estão reduzindo suas taxas de juros para turbinar o crescimento. Já no Brasil...



Há uma maneira fácil de ser campeão em tudo: escolher bem os adversários, um para cada tipo de jogo. Taxa de desemprego, por exemplo. A do Brasil é de 5,4%, contra o desastre de 27,6% na Grécia. Fácil.

Querem competir em inflação? Pois o principal índice brasileiro, o IPCA, mostra alta de preços de 5,8% nos últimos 12 meses. Vamos deixar de lado a Venezuela, cuja inflação passa dos 50%. Seria covardia pegar um país tão desorganizado. Mas considerem a Índia, que não está numa fase muito boa, mas trata-se de um Bric grande: preços subindo ao ritmo anual de 10%. E, aliás, com taxa de desemprego também na casa dos 10%, de modo que o Brasil ganha nos dois quesitos.

O que mais? Crescimento da economia? O Brasil não está lá essas coisas, mas pode salvar uma expansão do PIB de 2,5% neste ano. A Grécia, para voltar ao saco de pancadas, está andando para trás. Seu produto vai encolher espantosos 4%. Querem outro, grandão? A Alemanha deve crescer neste ano magérrimos 0,5%. Os EUA talvez consigam uns 2%.

Poderíamos seguir indefinidamente com essa história. Mas não vale a pena. Esses números, assim jogados, não contam a verdadeira história dos jogos. Mesmo porque pode-se fazer a comparação contrária.

Taxa de desemprego, por exemplo, uma bandeira sempre desfraldada pela presidente Dilma. E, não, a taxa brasileira não é a menor do mundo, nem dos emergentes nem da América Latina.

Japão e China, com 4%, oferecem proporcionalmente mais empregos a seus cidadãos. Na Coreia do Sul, a taxa de desemprego é ainda menor, 2,8%. No México, 4,9%.

Em boa parte dos países, o desemprego está em queda em consequência da recuperação, ainda que moderada, da economia global. Nos EUA, por exemplo, essa taxa, que encostou nos 10% na sequência da crise financeira, já caiu para 7,3% e a tendência é de baixa.

Portanto, não é exato dizer que o Brasil gera empregos num mundo que destrói vagas — como sugeriu a presidente Dilma várias vezes nesta semana.

No quesito inflação, é até fácil encontrar adversários com taxa menor que a brasileira. Querem países grandes e ricos? Pois então: EUA, com inflação anual de 1,2%, mesmo número da Alemanha. O Japão vai de 1%. Comparar com emergentes? Pois a China mantém preços subindo, também em ritmo anual, na faixa de 2,5%. Entre os países importantes da América Latina, tirante Argentina e Venezuela, todos registram inflação menor — e bem menor que a brasileira. Tanto é verdade que esses países, como Chile, México, Peru e Colômbia, estão reduzindo suas taxas de juros para turbinar o crescimento. Já no Brasil, mesmo precisando acelerar a economia, os juros estão subindo porque o governo relaxou no controle da inflação.

E, por falar em crescimento, aqueles latino-americanos, exceto o México, vão mais rápido que o Brasil. Chile e Colômbia crescem pouco mais de 4% ao ano, Peru vai a 5%. Fora da região, a Coreia do Sul tem expansão em torno de 3% — bem melhor que os 2,5% brasileiros, pois se trata de um país com renda mais alta.

E a China, convém nem considerar.

A presidente Dilma também sugeriu que o Brasil é campeão em superávit primário, alto, e dívida pública, baixa. Aqui, é até mais fácil confundir do que explicar, dada a complexidade e a variedade das contas.

Mas, considerando a Dívida Líquida do Setor Público, em proporção ao PIB, o Brasil defende hoje uns honrosos 36%. Para quem já esteve acima dos 60%, está muito bom.

Mas aqui pertinho, na América Latina, o México ganha apertado nesse quesito, com 34%. Mas o Chile dá de lavada. Tem superávit. Peru e Colômbia usam mais outro indicador, a Dívida Pública Bruta, com confortáveis 30% para a colombiana e baixíssimos 16% para a peruana. Nesse quesito, o Brasil tem dívida de 60% pelo critério do governo, 67% pelas contas do FMI.

Também poderíamos seguir indefinidamente por estas comparações. E vou dizer: é mais fácil achar países que estão em situação melhor. Especialmente quando, em vez de fazer campeonatos parciais e arranjados, considera-se o conjunto da obra. Como têm apontado economistas brasileiros das mais variadas tendências, inclusive pró-governo Dilma, o Brasil foi apanhado numa armadilha de baixo crescimento com inflação elevada e contas públicas desarrumadas.

E por falar em inflação: quem for à página do Banco Central (bcb.gov.br) verá que a meta de inflação no Brasil é de 4,5%. E verá que, para contornar situações excepcionais, admite-se uma banda de variação de dois pontos. Ou seja, 6,5% não é a meta, mas o teto da banda de variação. E mesmo os 4,5% formam uma inflação elevada para os padrões globais.

Troca de xerife - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 21/11

A demissão do truculento ministro Guillermo Moreno, da Argentina, é o reconhecimento tardio do fracasso da atual política econômica do governo de Cristina Kirchner. Mas não é garantia de conserto.

Formalmente apenas o secretário do Comércio Interior, Moreno era quem imperava de fato na política econômica do seu país. Para obter seus objetivos, intimidava, insultava, perseguia, falsificava. Chegou a receber negociadores com revólver sobre sua mesa de trabalho.

Foi Moreno quem destruiu a credibilidade do Indec, o organismo encarregado das estatísticas oficiais, porque o obrigou a falsificar dados sobre inflação, PIB e desemprego. A inflação foi artificialmente baixada para a casa dos 9% ao ano enquanto a real, apontada por consultorias independentes, oscilou em torno de 25%. A revista The Economist anunciou em 2012 que deixaria de publicar, como de fato deixou, as estatísticas econômicas da Argentina, porque não tinham credibilidade.

Para tentar segurar a inflação, Moreno impôs o congelamento de preços e ameaçava com devassas, multas asfixiantes e bloqueio de matérias-primas os empresários que tentavam driblar seus despachos. Para evitar a fuga de dólares, foi também ele quem perseguiu os operadores do câmbio paralelo e impôs restrições à compra de moeda estrangeira (cepo cambial). Não teve escrúpulos em pagar despesas correntes do governo com reservas cambiais e impôs a política de travas às importações argentinas que tanto prejudicou o comércio do Mercosul.

O resultado dessa política foi a paralisia dos investimentos, desabastecimento (até mesmo na área do trigo, cuja produção é uma das maiores do mundo), prostração e, não menos importante, derrotas do governo nas duas últimas eleições regionais.

Bueno, se fué Moreno, qué sucede ahora? A área econômica será comandada por nova dupla: pelo ministro da Economia, Axel Kicillof, e pelo chefe de Gabinete, Jorge Capitanich. O próprio Moreno chamava o intervencionista e radical Kicillof, de quem não gosta, de "el soviético".

É possível que seu primeiro movimento seja divulgar os números verdadeiros da inflação e restabelecer a credibilidade do Indec. Mas isso só retifica registros oficiais e pode consertar alguns aparelhos de medição. Os problemas subjacentes exigem soluções dramáticas e não se sabe se o combalido governo de Cristina está disposto a pagar o preço delas.

A ideia de estabelecer um regime de câmbio múltiplo, defendida por Kicillof, crava um dólar para exportações, outro para importações, outro para operações financeiras e outro ainda, para viagens ao exterior. É receita infalível para novas distorções, como superfaturamento das exportações e subfaturamento das importações.

A eventual moralização da inflação, por sua vez, deverá acirrar pressões por reajustes de preços e de salários. Por trás de tudo está a estratégia não revelada da sobrevivência política da presidente Cristina nos seus dois últimos anos de mandato.

Esparadrapos e estagnação - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 21/11

Governo corre para apagar alguns dos incêndios que criou, remenda sua política e desiste de outras


PARECE QUE VAI para o brejo o projeto governista de renegociar as dívidas de Estados e municípios com a União ("governo federal"), sugere reportagem publicada nesta Folha.

O próprio governo deixaria esse projeto de lei afundar no brejo. Primeiro, porque estava pegando muito mal (seria mais um fator de "crise" nas contas públicas). Segundo, porque o governo viu mesmo que está na pindaíba.

Melhor assim, melhor que nada, mas não deixa de ser tristemente ridícula essa tentativa do governo de apagar incêndios que ele mesmo causou (receita de menos, gasto demasiado, descrédito da política econômica).

A dívida seria recalculada por uma taxa de juros mais baixa. O saldo devedor seria reduzido. Com menos dívida, cidades como São Paulo iriam se livrar de uma restrição legal para fazer novos empréstimos. Enfim, a lei era feita para beneficiar sobretudo a cidade de São Paulo.

Grosso modo, Estados e municípios poderiam gastar mais, reduzindo sua parcela no esforço total do setor público de poupar e conter o aumento da dívida. Assim, ou a dívida geral do setor público aumentaria, ou o governo federal teria de fazer superávit primário (poupança) ainda maior, para compensar, ora inviável.

Governo e governistas dizem que a situação fiscal (receita menos despesa) de 2014 estará "sob controle" porque pode voltar a cobrança de impostos que haviam sido reduzidos; porque deve ser repassado para o cidadão a alta represada do custo da energia elétrica. É verdade. Tirar e colocar esparadrapos não é difícil, mas não é medicina.

Para piorar, algum impacto tais reajustes terão na inflação de 2014, assim como pesarão o reajuste de algumas tarifas reprimidas neste ano de protestos e o reajuste da gasolina. A manipulação do preço da gasolina, que vem dos anos Lula e piorou sob Dilma Rousseff, foi uma das políticas "micro" mais desastrosas da última década no Brasil.

Sim, melhor começar a arrumar a bagunça de tanto preço básico e administrado pelo governo. Mas por que precisávamos chegar a isso? Os truques com preços não resolveram problema algum e criaram outros.

Não, não haverá "descontrole" da inflação. Nem é preciso tal exagero para ficar evidente que temos problemas. Temos inflação no topo da meta desde 2008, em torno de 6% (2009 não conta, pois foi ano de recessão). 2014 tende a não ser muito diferente.

Pode haver surpresas boas no preço dos alimentos. Mas haverá o impacto dos reajustes represados. Haverá uma alta chatinha do dólar --talvez chatona, devido à mudança na política econômica dos EUA e às incertezas eleitorais no Brasil. Há riscos difíceis de prever, como o de uma febre de altas de preços devida à Copa.

Considerando a perspectiva menos exagerada, as previsões de inflação rodam em torno de 6%. Isso com a taxa de juros básica subindo pelo menos a 10,5% ao ano.

Assim, apenas com muita sorte, quase mágica, cresceremos mais de 2% no ano que vem, o que tende a ser a média dos quatro anos de Dilma Rousseff. Considerando que se faça uma faxina básica na casa em 2015, o primeiro ano do próximo governo não deve ser muito melhor.

Cinco anos perdidos. É isso que se chama de quase-estagnação.

Desconstruindo o sucesso - JOSEF BARAT

O Estado de S.Paulo - 21/11

O historiador britânico Vernon Bogdanor, da Universidade de Oxford, num ensaio, pergunta o que faz um governo ser bem-sucedido. Observa que, quando o governo controla a sociedade e a mídia, há grande chance de sucesso e aprovação popular. Tal controle é prerrogativa das ditaduras, especialmente as totalitárias, e só funciona enquanto elas duram. Numa democracia, tudo é mais difícil, pois o governo depende da aprovação periódica da população e a propaganda exacerbada pode não escamotear fracassos. Ademais, numa democracia, a opinião pública é volúvel quanto aos seus líderes e os sentimentos de insatisfação muitas vezes são mais profundos que os evidenciados nas manifestações públicas. Trata-se do que o também britânico Isaiah Berlin chamou de o "tropel da História", que só os grandes estadistas com conhecimento histórico - ou com grande capacidade intuitiva - conseguem ouvir.

Voltando à Bogdanor, são três os grandes fatores que impedem o sucesso de um governo: as amarras ideológicas, que estorvam a compreensão do momento histórico; o moralismo, pela imposição de valores rígidos à sociedade; e o pânico, quando demonstra ansiedade ou medo diante de dificuldades. Com relação ao primeiro, foram o pragmatismo e a renovação dos trabalhistas britânicos pós 1995 que permitiram superar a ideologização compulsiva prevalecente desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, da mesma forma que, no Brasil, a Carta ao Povo Brasileiro desempenhou o mesmo papel em relação à ascensão do PT ao poder. O pragmatismo e a capacidade de dialogar são mais eficazes do que a estreiteza ideológica.

Quando os governos prometem instaurar o paraíso na Terra, impondo seu moralismo sobre a sociedade, suas chances de sucesso se reduzem. O exemplo da imposição da Lei Seca nos EUA, aclamada depois por Herbert Hoover como "um grande experimento social e econômico, calcado em motivos nobres e propósitos de largo alcance", mostrou-se um desastre quanto aos objetivos a que se propunha, pois estimulou o crescimento da demanda com oferta pronta e eficiente. Ociosa, é claro, a referência ao moralismo dos regimes comunistas, que prometeram o paraíso e entregaram o inferno. Finalmente, governos hiperativos e com excesso de iniciativas - por mero populismo ou porque acham que entendem mais da realidade do trabalho e dos negócios - facilmente entram em pânico e geram um clima de insegurança e apreensão na sociedade.

O que foi dito serve para ressaltar, em suma, que governos bem-sucedidos são os que, de forma pragmática, olham para o futuro, promovem reformas estruturais profundas, são cientes das suas limitações, trabalham sem estardalhaço e têm consciência clara das restrições e oportunidades do momento histórico. São governos eficientes e transformadores, mas, infelizmente, percebidos como monótonos ou "sem graça". Numa América Latina picaresca, os governos espetaculosos sempre são mais atraentes, e são objeto de desprezo os que são sérios e bem-sucedidos. Felizmente, o Brasil sempre se diferenciou dos "hermanos", pela busca de maior equilíbrio institucional e capacidade de negociação dos conflitos inerentes à governança e o seu relacionamento com a sociedade.

É preocupante, porém, que vivamos um momento de ideologização exacerbada e de afrouxamento das premissas macroeconômicas que levaram à estabilidade monetária e à maior segurança no aporte de recursos privados para os investimentos nas infraestruturas. Trocar a estabilidade da moeda por um crescimento incerto; apoiar-se no devaneio de retorno do Estado desenvolvimentista e seus protecionismos; culpar o câmbio pela baixa produtividade do sistema produtivo; afrouxar o controle nos gastos públicos, detonando a responsabilidade fiscal; estimular a "contabilidade criativa"; e ressuscitar velhas posturas nacionalistas juvenis acabarão por comprometer o sucesso do período FHC-Lula. A percepção tardia dos desacertos poderá levar ao pânico e à maior insegurança e cautela dos investidores e consumidores.


Falta reduzir as incertezas na área fiscal - RIBAMAR OLIVEIRA

VALOR ECONÔMICO - 21/11

Ganha um prêmio quem souber a meta fiscal para 2014

Ganha um prêmio quem souber dizer qual é a meta fiscal do setor público brasileiro para 2014. O governo não só aumentou o abatimento do seu superávit primário por conta dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e das desonerações, como também acabou com a obrigatoriedade de compensar a frustração da meta dos Estados e municípios. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014, que iria ser votada ontem à noite pelo Congresso, prevê um teto e um piso de superávit primário apenas para o governo federal, que são, respectivamente, de 2,15% do Produto Interno Bruto (PIB) e de 0,9% do PIB. Este último percentual é obtido com o abatimento da meta permitido pela LDO (de R$ 67 bilhões).

Mas a LDO não pode impor meta para os Estados e municípios. Essas unidades da federação não estão obrigadas a fazer resultado positivo ou impedidas de apresentar déficit primário (várias delas registram resultado negativo, embora o conjunto ainda seja positivo). Na verdade, o superávit primário dos Estados e municípios é, em grande medida, definido pelo governo federal, que controla o nível de endividamento de cada unidade da federação. Não existe, portanto, um piso para o superávit primário do setor público consolidado. Só o teto de 3,1% do PIB.

Até agora, o governo não se comprometeu com qualquer meta fiscal para 2014. Emite sinais de que está preocupado com a criação de novos gastos pelo Congresso, faz um Pacto pela Responsabilidade Fiscal com os líderes governistas, mas a proposta orçamentária do próximo ano prevê uma elevação das despesas da União em 0,4 ponto percentual do PIB, em comparação com 2013

Quem tiver a curiosidade de ler a proposta verificará que ela foi elaborada com uma meta de superávit primário de apenas 1,1% do PIB para o governo federal. Neste ano, a área econômica garante que entregará um superávit de R$ 73 bilhões para o governo federal, equivalente a 1,53% do PIB. Há, portanto, uma previsão de forte queda do esforço fiscal em 2014.

A situação é ainda mais preocupante porque, em 2014, realizam-se eleições gerais no país e a política fiscal não costuma ser contracionista em ano eleitoral. Ao contrário, ela tende a ser expansionista em qualquer parte do mundo democrático. Além disso, nos últimos dois anos, o governo só consegue cumprir a meta fiscal com a ajuda das receitas atípicas ou extraordinárias. No ano passado, a área econômica foi obrigada a sacar uma poupança de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) para que o superávit primário do governo federal fechasse em 1,93% do PIB, quando sua meta inicial era de 2,15% do PIB.

Neste ano, o governo usará cerca de R$ 27 bilhões de receitas atípicas (R$ 15 bilhões do bônus de assinatura do campo de petróleo de Libra e, provavelmente, R$ 12 bilhões da reabertura do Refis da crise e de dois outros parcelamentos de débitos) - algo como 0,6% do PIB. Por coincidência, a previsão para as receitas extraordinárias na proposta orçamentária de 2014 é de R$ 27 bilhões. Mas não há garantia de que esses recursos ingressarão nos cofres do Tesouro, pois não está prevista licitação de novo campo do pré-sal e nem outro Refis.

O atenuante da situação é que não haverá perdas adicionais de receita por conta de novas desonerações tributárias, garante o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Ao contrário, de acordo com ele, as atuais reduções das alíquotas dos tributos acabarão nos prazos estipulados. A proposta orçamentária de 2014 prevê que a recomposição das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes nos automóveis dará uma receita de R$ 2,8 bilhões a mais do que em 2013. No total, a recomposição de alíquotas e o aumento de outras sobre produtos específicos (sobre o fumo, por exemplo) elevará a arrecadação em R$ 4 bilhões.

Além disso, o governo espera que a reabertura do Refis da crise e os parcelamentos de débitos que favorecem os bancos, seguradoras, coligadas e controladas permitirão não apenas recuperar os créditos existentes, mas elevar os fluxos mensais dos pagamentos das empresas. Os efeitos favoráveis da recomposição das alíquotas e do Refis sobre a receita podem ajudar o governo a obter um maior superávit primário.

As incertezas sobre a política fiscal no próximo ano são, portanto, grandes e precisam ser reduzidas. Com baixo crescimento econômico e com juros em alta, os analistas do mercado começam a se perguntar se a trajetória da dívida brasileira é sustentável. Nesse cenário, cristaliza-se a percepção no mercado de que é necessário um superávit primário do setor público entre 2% e 2,5% do PIB, realizado sem descontos e sem truques. Para ancorar as expectativas, o governo teria que anunciar a meta e se comprometer com ela.

Uma alternativa é discutir uma banda para o superávit primário que seja compatível com o atual cenário de elevação do risco Brasil. O ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa chegou a propor uma banda de 1,5% e 2,5% do PIB. Houve certa desconfiança do mercado, pois ninguém garante que o resultado primário efetivo não ficará sempre no piso da banda .

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, elaborou uma fórmula engenhosa. Ele propõe um sistema que esteja associado ao crescimento da economia, de modo a criar um mecanismo de ajuste automático da política fiscal em relação ao ciclo econômico - com política mais expansionista quando a economia cresce pouco e mais contracionista quando o crescimento é forte.

Assim, quando o crescimento da economia se situar entre 3% e 4%, o superávit primário, sem nenhum tipo de abatimento, teria que se situar entre 2,5% e 3% do PIB. Quando o crescimento fosse superior a 4%, o primário seria de 3% do PIB. Quando a economia crescesse entre 2% e 3%, o primário poderia situar-se entre 2% e 2,5% do PIB. E quando crescesse menos do que 2%, o primário poderia ficar no intervalo de 1,5% e 2% do PIB. Para Borges, essa regra teria que ser estabelecida formalmente, o que daria maior clareza aos agentes sobre a execução da política fiscal, asseguraria com probabilidade bastante elevada a sustentabilidade intertemporal da dívida brasileira e ajudaria a atenuar as oscilações de crescimento econômico.

Impostos na AL e no Caribe segundo o BID - ROBERTO MACEDO

O Estado de S.Paulo - 21/11

Foi lançado no Brasil um livro cujo título em espanhol traduzi como Arrecadar não Basta - os Impostos como Instrumento de Desenvolvimento. Preparado pelo Departamento de Pesquisas e pelo de Instituições para o Desenvolvimento, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e editado por Ana Corbacho, Vicente Fretes Cibils e Eduardo Lora, do staff desse banco, teve a colaboração de dezenas de autores e outros colaboradores. O livro tem 387 páginas e pode ser baixado gratuitamente por meio do link www.iadb.org/es/investigacion-y-datos/publicacion-dia,3185.html?id=2013#.UkMi1xukrIs. Sumários executivos em espanhol, português e inglês também estão disponíveis nessa mesma fonte. No lançamento, em Brasília, o livro foi apresentado por Vicente Fretes Cibils e, na ocasião, atuei como debatedor.

Quando convidado, recebi só o sumário. Logo na primeira página me surpreendi com a afirmação de que na região, nos últimos anos, houve "(...) progressos no sentido de aumentar a receita (tributária) total (...)". Ora, no Brasil, que o mesmo livro também aponta, ainda que sem muita ênfase, como campeão de carga tributária entre os analisados na região, ela já ultrapassou o limite do razoável. Seu aumento seria um retrocesso, e não um progresso. Ou melhor, um retrocesso da carga é que seria um progresso.

Depois, já dispondo do próprio livro, e impressionado com a amplitude, os detalhes e a complexidades que revela, procurei examiná-lo pelo que é: um olhar detido na realidade tributária latino-americano e caribenha, que culmina com a mensagem de seu título.

Quanto à carga tributária nesse contexto, chamou-me a atenção o gráfico 1.2, que mostra o excesso ou a escassez de arrecadação tributária (exceto contribuições de previdência social), medida relativamente ao produto interno bruto (PIB) de cada país, depois de comparada com o padrão ou média internacional avaliada da mesma forma entre países. Vou-me limitar a essa comparação, embora o gráfico trate também de outra.

Nele se percebe que, num conjunto de 23 países da América Latina (AL) e do Caribe, apenas seis mostram excesso de carga tributária, enquanto os demais 17 países revelam escassez. Tomando exemplos destacados pelo próprio livro, Guatemala, México, Panamá e Trinidad e Tobago têm cargas perto de 10% do PIB. Reitero que esse número exclui contribuições de previdência social. No Brasil é costume incluí-las na carga, que assim medida representa hoje cerca de 34% do PIB. Mas sem essas contribuições o Brasil fica com carga próxima de 24% - e no referido gráfico aparece como o país de maior excesso tributário, em torno de 8% do PIB.

Portanto, como a escassez tributária é predominante, é compreensível que o livro veja um aumento da carga como progresso. Mas o seu próprio título deixa claro que não se trata apenas de aumentá-la, o que, aliás, já vem ocorrendo, e o texto revela muito do que já se fez de errado. E prega que a carga precisa ser usada como instrumento de desenvolvimento. Este último termo significa mais que crescimento, pois avalia também a equidade social e a questão ambiental, entre outros aspectos.

Como a carga poderia ser esse instrumento? Ela deveria estimular a poupança e o investimento, a qualificação da mão de obra e a produtividade dos fatores de produção em geral, entre outros objetivos. Por exemplo, ontem, noutro evento, conversei com o dono de uma loja de tintas. Ele se queixou da enorme carga tributária que incide sobre o produto, que avaliou em 55% da fábrica ao consumidor, e observou que com a redução de um imposto federal, o IPI, ligada ao programa Minha Casa, Minha Vida, passou a vender mais. Mas teme que a medida seja transitória.

No livro vê-se que a composição da carga difere muito entre países. Isso era de esperar, pois em cada caso ela foi determinada ao longo de séculos de história e resultou do respectivo contexto social, político e econômico em que suas partes foram moldadas. Com isso o livro não oferece lições passíveis de aplicação generalizada, nem pretendeu chegar a elas. Mas há questões de alcance geral e, aí, o Brasil novamente não sai bem na foto.

É o caso, por exemplo, da concentração da carga tributária em impostos indiretos, como o IPI, o ICMS e outros desse tipo, que incidem sobre os preços de bens e serviços, em lugar de se recorrer mais ao Imposto de Renda. Essa situação traz dois impactos muito sérios. Primeiro, a forte oneração dos preços de insumos produtivos, como a energia elétrica, prejudicando a competitividade do País e o seu desenvolvimento. Segundo, em geral são muito altos os impostos sobre os preços de bens e serviços de consumo. Ora, se comparados à classe média e aos ricos, os mais pobres consomem parcela maior de seu orçamento e, assim, são relativamente mais onerados com esses impostos. No jargão dos economistas, impostos como esses são regressivos no seu impacto sobre a distribuição de renda. Aqui até mendigos pagam impostos sobre os preços do que compram com as esmolas que recebem.

Além de distorções como essas, o livro avança por outros aspectos, como a administração de impostos, a sonegação e sua relação com a informalização de atividades produtivas. E o da carência, crônica também no Brasil, dos recursos tributários de governos regionais e municipais. E propõe reformas de vários componentes das estruturas tributárias.

O livro é muito esclarecedor quanto ao assunto de que trata e traz lições para quem propõe uma reforma tributária no Brasil achando ter a melhor receita. É preciso perceber as complexidades da nossa estrutura tributária, a necessidade de várias reformas e de um gigantesco esforço de buscar entendimentos e consensos político-institucionais para levá-las adiante.