sábado, maio 09, 2020

Ueba! Bozo é a mãe do ano! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 09/05

O Brasil elegeu um presidente e ganhou cinco!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Bozo e Moro: dou um pelo outro e não quero troco! Helder Barbalho decreta lockdown no Pará. E um paraense me enviou um “zap”: “O povo aqui tá achando que lockdown é parente da Black Friday”. Rarará!
Fê/Folhapress

Brasileiro sofre, teve que aprender a falar live, call e lockdown! E home office. Portugal flexibiliza isolamento e libera motéis. Mas só pode entrar uma pessoa por vez. E um amigo em quarentena pediu pro Doria: “Libera os bares pra gente beber menos!”. Rarará!

E o bafo da semana: a entrevista da Regina Duarte na CNN! Regina Duarte testa positivo pra insanidade. E negativo pra Cultura. Deu dez chiliques, elogiou a tortura e cantou “Pra Frente Brasil”! Overdose de pum de palhaço! Onde tava o Manoel Carlos? Rarará! A Viúva Pocilga! A Louca do DOI-Codi! Chama a Maria de Fátima! Rarará!

E o Bozo é a mãe do ano! O Bozo não é pai, é uma mãe praqueles capetas! Mãezona! Vai mexer com um deles, ele enlouquece. Tipo leoa com as crias! Filhocracia. O Brasil elegeu um presidente e ganhou cinco! Rarará! Os Capetas do Capetão!

E Dia das Mães em quarentena? Festival de emojis! Emoji de coraçãozinho, emoji de flor, de buquê. E tem chamada de vídeo também: “Mãe, te amo”. “Também te amo, mas aquela mesa lá atrás tá cheia de pó.” “Mãe, te amo”. “Por que você tá com essa camisa azul, não gostou da amarela que eu te dei?” Rarará!

E o chargista Hector Salas mostra o Bolsonaro fazendo supermercado: “Cloroquina, óleo de peroba, camisinhas pro 04 e um centrão”. Centrão você compra em supermercado. Aliás, centrão se compra até em supermercado. O centrão se vende até em supermercado. O centrão é um supermercado.

E o último que mandou a imprensa calar boca foi o general Newton Cruz. Tá explicado!

E os tipos de mãe! Sabe a diferença entre a mãe italiana e a mãe judia? Mãe italiana: “Come tudo senão te mato”. Mãe judia: “Come tudo senão eu me mato”. Rarará. E a mãe portuguesa achou uma camisinha na bolsa da filha e gritou: “Ai Jesus, acho que a minha filha tem pau”. Rarará. E a mãe antiga: “Mãe, o que é orgasmo?”. “Pergunta pro teu pai.” Rarará!

E o Bozo negociando com o centrão! Dez votos, cargo com verba de R$ 100 mi. Cem votos, cargo com verba de R$ 40 bi! Duzentos votos, cargo com verba de R$ 100 bi! E na hora do impeachment, todos votam a favor! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico.

Os morlocks - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S. Paulo - 09/05

De que trevas afinal vieram essas criaturas destilando ódio e ostentando ferocidade homicida?



Muita gente se fez essa pergunta às primeiras irrupções dos black blocs nas manifestações de rua de alguns anos atrás, embora sem aquele tom prazenteiro com que há mais tempo os turistas estrangeiros indagam aos cariocas onde é que aquelas mulatas esculturais das escolas de samba se escondem antes e depois do carnaval.

Muita gente agora repete a pergunta quando os militantes bolsominions saem às ruas, fantasiados de verde e amarelo, para mais uma marcha da insensatez e do orgulho nazi-fascista.

Os black blocs nada tinham ou têm a ver com os squadistri do duce brasiliense, esses belicosos gigolôs do patriotismo e do farisaísmo evangélico que nos fins de semana pressionam pelo fim da democracia e prometem deflagrar uma guerra civil, uns até já metidos em uniformes de campanha, como se viu num vídeo grotesco e criminoso veiculado nas redes sociais quarta-feira à noite.

Os black blocs – inesperados, incontroláveis e apenas visíveis no breve momento da baderna – vandalizavam símbolos materiais do capitalismo selvagem, atacavam vitrines de butiques, caixas eletrônicos, carros de luxo, jogavam pedras e outros objetos à mão; mas não agrediam pessoas física ou verbalmente; não faziam ameaças nem incitavam a intervenção de outras forças além das suas próprias, que nunca botaram para quebrar exigindo o fechamento do Congresso e do STJ, a reedição do AI-5 e o que mais pudesse resultar de um putsch militar.

De que trevas afinal vieram essas criaturas que se enrolam no pavilhão nacional e, destilando ódio e ostentando uma ferocidade homicida, agridem jornalistas e até enfermeiras, reverberando desejos trogloditas que ressentimentos incubaram, a ignorância exacerbou e o insano, narcisista e messiânico capitão-presidente não se cansa de insuflar?

Meu palpite é que saíram de lugar nada recomendável, onde, no mínimo, reina a escuridão. Como os Morlocks.

Taí um nome que lhes cai bem. Tem mais pedigree que os black blocs. Inventou-o o britânico H.G. Wells, no romance A Máquina do Tempo, a mais lida aventura sobre engenhocas que nos levam ao passado e ao futuro. Zumbis antropoides, que se homiziaram debaixo da Terra após uma guerra nuclear que quase destruiu o planeta, os morlocks viviam aterrorizando os Elois, os habitantes da superfície terrestre. As duas adaptações do livro ao cinema respeitaram sua configuração original: medonhas criaturas de aspecto simiesco (Darwin explica), inteiramente cegas (Platão explica) e canibalescas – os vilões da história.

Cinco décadas atrás, os quadrinhos dos X-Men os reciclaram como mutantes proscritos da sociedade por preconceitos físicos e raciais, que sobreviviam nos subterrâneos de Manhattan, em abandonados abrigos antiatômicos, grandes tubulações de ar refrigerado e esgotos ainda mais carregados de simbolismo. Ganharam outro status sociopolítico no auge da luta pelos Direitos Civis nos EUA, bem mais expressivo do que lhes dera Wells, ao paragoná-los, superficialmente, com a classe operária da Inglaterra vitoriana.

Nossos morlocks assemelham-se aos que nos aterrorizaram no romance e na tela: cegas e desatinadas criaturas incapazes de ver a luz.

*
Durante a ditadura militar, sempre que morria um grande artista reprimido pelo regime, alguém espanava o bordão “assassinato cultural” e o devolvia à prateleira da retórica elegíaca. Às vezes era mais uma hipérbole do que uma acusação fundamentada, um desabafo inflamado pela dor da perda e a certeza de que o autoritarismo também destrói vidas por vias tortas.

Esta semana caiu na conta do governo Bolsonaro um binômio fadado a prosperar, “suicídio cultural”. Na carta em que justificou seu gesto extremo, o ator Flávio Migliaccio deixou claro que já não aguentava mais ser velho no Boçalnistão.

“Não deu mais”, desabafou. E prosseguiu: “A velhice neste país é o caos como tudo agora”. Migliaccio, que na juventude enfrentou com destemor, tenacidade e arte a ditadura cultuada pelos morlocks, no inverno do seu descontentamento, capitulou. “Eu tive a impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este. E com este tipo de gente que acabei encontrando”, arrematou.

Como bem notou a jornalista Cynara Menezes, em sua página na internet, Migliaccio não escreveu uma carta de suicida, mas “um protesto, um apelo, uma súplica”. Mais: “um documento histórico dos tempos atuais”. Cynara foi quem melhor abordou, nas mídias sociais, a polêmica que se armou em torno da divulgação da carta, por alguns vista como uma invasão (ou evasão) de privacidade. Não confere: o ator a deixou na cabeceira da cama, para que todos a lessem.

Manifesto não se engaveta. O “caos” da velhice a que Migliaccio se refere é uma clara alusão à reforma da Previdência e ao contumaz desprezo dos atuais governantes pelos idosos, tidos como vítimas inevitavelmente preferenciais da covid-19 (uma doença que “só mata velho”) e pacientes a sempre serem preteridos por um jovem quando houver apenas um leito com respirador disponível.

Imagine-se na emergência de um hospital, com apenas um leito disponível e dois candidatos: Aldir Blanc, 73 anos, e um garotão qualquer, que não estuda, não trabalha, um inútil. A escolha esperada não é a de Sofia e merecia ser batizada com o nome do ministro da Saúde que a recomendou. Mas para que preservar a vida de um garotão, se ao que tudo indica, seu futuro é uma miragem dantesca?

Saindo ou não, churrasco é marco macabro - VERA MAGALHÂES

ESTADÃO - 09/05


A esta altura, pouco importa se Jair Bolsonaro vai de fato acender a churrasqueira e colocar carnes para grelhar. Também não muda nada o fato de não haver bebida alcoólica no churrasco anunciado com animação, ao longo de dois dias, pelo presidente da República do Brasil ao término da pior semana até aqui da pandemia do novo coronavírus.

O churras do Alvorada já está inscrito na linha do tempo de declarações lamentáveis de Bolsonaro em meio à emergência nacional. E olha que essa cronologia macabra inclui falas e atos inacreditáveis. A saber:
a primeira de uma série de idas ao Palácio do Planalto no fim de semana, ainda em 15 de março, para confraternizar com manifestantes aglomerados e portando e gritando palavras de ordem contra os demais Poderes e a favor de teses golpistas, como intervenção militar;
pronunciamento em rede nacional de rádio e TV chamando a pandemia de covid-19 de gripezinha e resfriadinho;
tentativa de enfiar como contrabando em uma medida provisória a permissão para revogar decisões de Estados e municípios na mesma pandemia;
rolês sem nenhum cuidado de distanciamento, uso de máscara ou preocupação com as pessoas, apenas para marcar o ponto de que é contra o distanciamento social e que a economia deveria ser reaberta;
marcha com empresários lobistas ao STF para pressionar outro Poder para reabra a economia na marra enquanto ainda se está no pico da pandemia;
demissão do ministro da Saúde em plena pandemia por ciúme e do ministro da Justiça uma semana depois por não ter atendido a sua determinação de trocar o comando da Polícia Federal e lhe dar acesso a inquéritos e relatórios.

A lista não termina por aí. Só a de frases inacreditáveis daria uma antologia. É por isso que fazer ou não o churrasco não é a única coisa grave de mais esse capítulo escrito por obra e graça de Bolsonaro, sem que a oposição precise mover uma palha. Só de cogitar a possibilidade, ou de brincar com ela, o presidente já afronta as famílias que perderam pessoas queridas para o vírus, a memória de mais de 10.000 mortos e aqueles que deveria conduzir em meio a uma crise de gravidade sem precedentes, mas que prefere afrontar diariamente.

E não vai adiantar cancelar o rega-bofe e depois dizer que a imprensa deturpa o que diz, que é claro que estava brincando. Essa brincadeira embute cinismo intolerável por parte de um chefe de Estado de qualquer país civilizado e democrático.


A pequena chance da cartilha Guedes - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 09/05

Bolsonaro seguirá a cartilha de Bolsonaro. Paulo Guedes deveria fixar seus pontos “valeixo”, para demarcar terreno de até onde aceitará ceder


Quando distribui cargos ao centrão, o presidente está voltando ao seu leito natural. Ele foi de nove partidos, todos fisiológicos, antes de chegar à Presidência com o discurso de combate à corrupção. Nenhuma surpresa que ele agora esteja com seu balcão de negócios ativo. O discurso contra a “velha política” sempre foi para inglês ver. A grande dúvida é quais as concessões que serão pedidas ao Ministério da Economia no projeto de blindagem do mandato de Jair Bolsonaro. Terá Paulo Guedes também o seu ponto “valeixo”, ou seja, uma questão que considere inegociável?

O presidente Jair Bolsonaro tem pressionado a Receita Federal para perdoar dívidas tributárias das igrejas evangélicas, chegando inclusive a reunir em seu gabinete o secretário José Tostes, da Receita, com o deputado David Soares (DEM-SP), filho de R.R.Soares, um dos pastores que sustentam o bolsonarismo, e cobrar uma solução, segundo informou o “Estado de S. Paulo”. A igreja dos Soares deve R$ 144 milhões ao fisco. Na equipe econômica o que se diz é que o perdão de dívidas só pode ser concedido através de lei. Não pode ser um acerto entre amigos, como quer o presidente. Os débitos das igrejas são antigos, aliás, nada a ver com a pandemia.

Guedes pode achar que isso não é intromissão, mas qualquer ministro da Economia preocupado com os cofres públicos acharia. Há muitos outros fios desencapados na economia. Esta semana, o ministro conseguiu encapar um: os aumentos futuros do funcionalismo.

Ele queria uma redução de jornada e de salário como aconteceu com o setor privado, ainda que em percentual bem menor. Mas não conseguiu. Não teve força nem para propor o congelamento de salários do funcionalismo federal, então negociou com o senador Davi Alcolumbre para que no projeto de socorro aos estados constasse a suspensão dos reajustes para os servidores estaduais, municipais e, na onda, fosse incluído o funcionalismo federal.

Quando a ideia surgiu no projeto da Câmara, o primeiro telefonema que o relator recebeu foi de um ministro militar, o segundo, de um militar ministro. Pedindo para se excluir as Forças Armadas. Aliás, no dia 5 de maio, o Diário Oficial da União trouxe uma portaria normativa do Ministério da Defesa instituindo a Comissão Permanente de Remuneração dos Militares. Ela terá a prerrogativa de se reunir com o Ministério da Economia para discutir aumentos, vai se reunir sempre antes de se mandar a LDO e o projeto do orçamento. E se propõe, entre outras coisas, a “tornar as carreiras das Forças Armadas competitivas frente a outras alternativas, sejam elas públicas ou privadas” e “prover segurança econômica aos membros da carreira militar, quando do ingresso na inatividade”.

A frase “eu sigo a cartilha de Paulo Guedes” dita pelo presidente terá vida curta. Na noite anterior, o presidente estava instruindo o líder do governo a defender a retirada de categorias da proibição de aumento. Depois, prometeu ao ministro que vai vetar o que defendera.

A verdade é que Bolsonaro seguirá a cartilha Bolsonaro, principalmente agora que está às voltas com ameaças concretas ao seu mandato. Dado a delírios persecutórios, o presidente está vendo concretizarem-se os seus temores. Já mostrou que lutará pelo mandato entregando todos os anéis que carregou nos dedos da mão que prometia praticar uma nova política. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) é um clássico do é dando que se recebe. Já foi entregue aos partidos. Mas a lista do centrão é grande e inclui até diretorias de bancos estatais.

Mesmo que Paulo Guedes ache tudo isso normal, há o passo seguinte. Quem nomeia quer defender as políticas do seu grupo de interesse. Os lobbies costumam ter um endereço: o caixa do Tesouro. Na melhor das hipóteses, Guedes passará o tempo jogando na defesa para evitar saques aos cofres públicos. É muito difícil nesse ambiente que o Ministério da Economia consiga tocar algum projeto de reformas estruturantes no pós-pandemia.

O que o ministro da Economia deveria fazer agora é demarcar o terreno com os seus “valeixos”, pontos inegociáveis, concessões que se forem exigidas ele não aceitará. Não adiantará acusar Rodrigo Maia, ou brigar com Rogério Marinho na reunião ministerial. O risco ao seu projeto virá do próprio presidente, Jair Bolsonaro.

Regina, fria, insensível e debochada - ASCÂNIO SELEME

O Globo - 09/05

Entrevista que Regina concedeu à CNN mostrou o lado mais obscuro da atriz, a sua frieza e insensibilidade, o caráter tão deformado quanto o do seu antecessor


Quando Regina Duarte foi anunciada como substituta do nazista demitido da Secretaria de Cultura há dois meses, muitos se equivocaram (este colunista inclusive) acreditando que o setor ganharia com sua nomeação. Afinal, era uma atriz com meio século de experiência e que conhecia muito bem a cultura nacional, suas necessidades e precariedades. O fato de ser aliada de primeira hora de Jair Bolsonaro fazia parte do jogo, não se podia esperar que o presidente chamasse Chico Buarque para o posto. Foi um engano terrível.

A entrevista que Regina concedeu aos repórteres Daniel Adjuto, Daniela Lima e Reinaldo Gottino, da CNN, mostrou o lado mais obscuro da atriz, a sua frieza e insensibilidade, o caráter tão deformado quanto o do seu antecessor Roberto Alvim. Debochada, a secretária zombou da morte, da tortura, fazendo uma dancinha patética na cadeira enquanto cantarolava “Pra Frente Brasil”, música-hino da seleção brasileira de 1970 mas que também serviu como propaganda do governo do general Emílio Médici, o mais brutal do ciclo militar que durou 21 anos.

Somente uma pessoa gelada pode tratar de tortura e assassinatos a mando do Estado como coisa natural. “Sempre houve tortura”, disse Regina. “Na humanidade, não para de morrer (gente)”, acrescentou desavergonhadamente. E depois, ridícula, perguntou “por que que as pessoas ficam oh, oh, oh (diante da morte), por que?”. A atriz não difere em nada dos trogloditas que avançam sobre enfermeiras, que agridem jornalistas, que carregam faixas pregando a volta do AI-5, a intervenção militar ou o fechamento de Supremo e Congresso.

Regina também protagonizou um episódio de incoerência explícita, atributo muito comum entre os radicais do bolsonarismo. Ao iniciar sua entrevista, disse que falava à CNN porque adora “essa ideia de dois lados”. A atriz quis sugerir que os demais veículos não dão os dois lados de uma história. Bobagem. O importante foi o que se viu mais adiante, quando a secretária produziu um faniquito ao vivo porque a emissora colocou um vídeo com Maitê Proença cobrando medidas da secretária de Cultura. Regina não quis ouvir o outro lado e chegou a tirar o fone de ouvido que usava.

Não preciso repetir aqui a confusão produzida ao vivo pela atriz ao perceber que um VT de Maitê estava entrando no ar para questioná-la. Mas é necessário lembrar um ponto pelo menos. Ao retirar o fone para não ouvir a colega de profissão, Regina cobrou dos jornalistas por terem colocado um contraditório na entrevista que ela imaginou ser propriedade sua. “Pra quê desenterrar uma mensagem da Maitê? Quem é você?”, perguntou a secretária para Daniela Lima, estufada de autoridade e claramente irada porque a emissora apresentou o que antes ela disse adorar, o outro lado.

Ontem, menos de 24 horas depois de a entrevista ir ao ar, os robôs do bolsonarismo começaram a torpedear Maitê e a CNN nas redes sociais. A emissora que entrou no ar há menos de dois meses passou a ser atacada pelos mesmos energúmenos habituais. Aqueles que confundem jornalismo com propaganda, os que só querem ler, ver e ouvir boas histórias. As ofensas foram as de sempre, mudando apenas o seu objeto. “Imprensa canalha, jornalismo comunista, CNN Lixo”. Bem-vinda ao clube.

Milícia de lobistas

Se não estivessem todos de terno e gravata, a turma que atravessou a Praça dos Três Poderes com o presidente Bolsonaro na quinta poderia ser chamada de milícia em rota para o confronto. Foi o que se viu. Uma tentativa de ocupação de território. Poderiam também ser traficantes, não fossem os ternos e as gravatas, querendo tomar uma boca de fumo de favela vizinha. Já havia se visto quase de tudo na famosa praça de Brasília, mas essa foi nova.


DNOCS

Mais uma vez o governo entrega o controle do órgão que cuida do maior drama nordestino a um partido político. Criado em 1909 pelo presidente Nilo Peçanha como Inspetoria de Obras Contra a Seca (IOCS), o órgão virou Departamento em 1959, centralizando todos os gastos federais (mais de R$ 1 bi/ano) necessários para levar água até localidades onde ela não chega naturalmente. Desde os primeiros dias, o Dnocs serve a interesses políticos. Seus dirigentes já foram indicações de partidos ancestrais como UDN, PTB e Arena. Nos últimos anos, o órgão abrigou indicados de PMDB, DEM, PP, PT e similares. Hoje, pertence ao Progressistas do senador Ciro Nogueira (Lava-Jato, organização criminosa e desvios de recursos públicos). O anterior, José Rosilonio Magalhães de Araújo, pertencia ao Solidariedade do deputado Genecias Noronha (condenado em segunda instância por improbidade administrativa por contratar sem necessidade e sem concurso 2,6 mil servidores para uma cidade cearense com 31 mil habitantes).

Pede o boné

O ministro Paulo Guedes levou dois tocos do presidente Jair Bolsonaro em 15 dias. O primeiro foi o anúncio do programa Pró-Brasil, que estabelecia gastos bilionários sem que Guedes fosse consultado. Agora foi a questão da suspensão por dois anos do reajuste do funcionalismo, quando o presidente autorizou a inclusão de exceções na Câmara, contrariando orientação do ministro. Em ambas, Bolsonaro voltou atrás. No ano passado, ao ser criticado no calçadão de Ipanema em razão da sua fala deselegante sobre a mulher do presidente francês, Guedes disse que se ocorresse outra crítica pública como aquela pegaria o boné e iria embora. Não falou sobre tocos presidenciais. Esses podem ser múltiplos e com certeza vão ocorrer outros.

Anitta arrebentou

Se Anitta já estava em alta desde que Nelson Motta escreveu a primeira coluna sobre sua inteligência, força e determinação, cresceu ainda mais depois do corretivo que aplicou no deputado Felipe Carreras (PSB) numa live na internet. O parlamentar tinha incluído na MP 948 uma emenda estabelecendo novas regras no recolhimento de direitos autorais. Beneficiaria produtores culturais que recolheriam menos e prejudicaria todo o segmento musical. Anitta desmascarou Carreras, que recuou e retirou a emenda. O deputado é produtor cultural em Pernambuco.

Aliás

A Medida Provisória 948 atende demanda do setor de turismo, estabelecendo regras para o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão da pandemia de coronavírus. Foram propostas 279 emendas, quase todas de correção de texto, alteração de vigências ligadas diretamente à questão. Dois jabutis atropelaram o tema, ambas do deputado Carreras. A já citada, que reduziria pagamento de direitos autorais, e outra baixando para zero o percentual de cobrança de contribuições para o PIS/Pasep, Cofins, CSLL e ISS sobre receitas decorrentes das produções culturais que forem realizadas nos próximos 12 meses.

Pelas manhãs

O jornalista Ricardo Lessa escreveu para informar que há mais uma razão para Bolsonaro ser tão intratável pelas manhãs. Ele sofre de refluxo e por isso dorme muito mal quase todas as noites. Se não for sintoma da Covid-19, a tosse desses últimos dias indica que o refluxo piorou, o que colabora com o enfezamento.

Minas merece?

Leitor de Belo Horizonte achou errada nota publicada aqui na semana passada dizendo que Minas não merecia um governador como Zema. “Estado que já elegeu Aécio Neves e Fernando Pimentel fez por merecer Romeu Zema”, escreveu o leitor.

Desigualdade e coesão social - MARCOS MENDES

FOLHA DE SP - 09/05

Recuperação pós-crise exigirá um acordo social que ainda não fomos capazes de construir


O Brasil é muito desigual desde o início de nossa história. Pessoas com nível de renda tão díspares vivem em mundos diferentes, dentro do mesmo país. Frequentam escolas e hospitais distintos. Não compartilham os mesmos meios de transporte e espaços públicos. Não se veem como iguais.

Desigualdade gera baixa coesão social. Sociedades pouco coesas não têm aptidão para negociar em prol do bem coletivo. Não há confiança de que o outro cumprirá a sua parte.

Falam mais alto os interesses imediatos de cada grupo social, restringindo o espaço para cada um aceitar perdas imediatas em prol da construção da prosperidade conjunta.

Prevalece o incentivo a extrair benefícios do resto da sociedade ou para ela empurrar perdas. O governo, acumulando dívidas a serem pagas pelas próximas gerações, e tributando de forma pouco transparente, é o instrumento em que se dá o jogo do mico preto.

O Estado deixa de ter como função primordial ser um prestador de serviços, como segurança jurídica, proteção dos contratos, educação e segurança. Converte-se em um transferidor de rendas, com programas que vão desde a política social para os pobres até a Bolsa Empresário, passando pela classe média da aposentadoria precoce e a classe alta da universidade gratuita e do emprego público bem remunerado.

Esses programas têm custo e, depois de três décadas de expansão do Estado, levaram a carga tributária e a dívida pública a níveis muito altos, além de prejudicar o crescimento da economia. O conflito distributivo se aguça, e renovam-se as pressões por mais subsídios e políticas sociais.

A Covid-19 nos alcançou quando já amargávamos seis anos de recessão e baixo crescimento, gerados por esse modelo autofágico.

Reagimos à crise como sociedade fraturada que somos.

Nada mais ilustrativo que o líder do governo no Congresso defendendo a preservação do “direito” a aumento de salário de servidores públicos, quase todos entre os 10% mais ricos, em um momento em que empregos e renda no setor privado estão sendo pulverizados.

Os lobistas de sempre já engataram o discurso da proteção comercial em prol da autossuficiência de produtos essenciais. Só esqueceram que por décadas aplicamos as mais altas tarifas do mundo na importação de produtos médico-hospitalares, sem que isso levasse a uma produção local diversificada e competitiva.

Por outro lado, surgem propostas inconsistentes de programas assistenciais, como a criação de renda mínima permanente para mais de 30% da população brasileira, perenizando-se o atual auxílio emergencial de R$ 600.

Ainda que o valor dessa nova bolsa fosse de R$ 200 por mês, e as concessões, limitadas à metade dos prováveis 70 milhões de beneficiários do auxílio emergencial, teríamos um gasto anual de R$ 84 bilhões por ano. Outros programas já aprovados, como linha de crédito subsidiado a pequenas empresas e expansão do Bolsa Família e do BPC (Benefício de Prestação Continuada), levam a conta para mais de R$ 100 bilhões. De onde tirar esse dinheiro?

Esse valor equivale a 40% da receita de CSLL e IRPJ em 2019. Aumento de carga tributária dessa monta, em plena crise, inviabilizaria as empresas que ainda resistem. A fórmula populista de “tribute-se o capital” não resiste à aritmética.

Não dá mais.

A recuperação pós-crise exigirá um acordo social que até agora não fomos capazes de construir. Quem sabe o fato de que a doença está matando igualmente ricos e pobres nos ajude a perceber que estamos todos no mesmo mundo?

O objetivo de médio e longo prazo deve ser a redução da pobreza e da desigualdade, de forma consistente, sem populismos, dentro da realidade fiscal. Focar a assistência social nos realmente pobres, e investir no capital humano de todos, reconvertendo o Estado em um eficiente prestador de serviços essenciais. Aumentar a produtividade da economia, derrubar protecionismos, desmontar mecanismos oportunistas de apropriação de renda.

Se não formos capazes de empreender esse redesenho do Estado, o cenário será de agravamento da pobreza, da desigualdade e da tensão social.

Marcos Mendes
Pesquisador associado do Insper, é autor de 'Por que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil?'

A volta ao “normal” - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - 08/05/

“O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho ainda não é mensurável”



O presidente Jair Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes para pôr uma saia justa no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Acompanhado de ministros e um grupo de empresários com os quais havia se reunido, fez-lhe uma visita surpresa, na qual apelou para que as medidas restritivas motivadas pela crise do coronavírus sejam amenizadas nos estados e municípios. A iniciativa coincidiu com a sua decisão de autorizar o funcionamento da construção civil e das indústrias, que o governo federal passou a considerar atividades essenciais, ou seja, fora do regime de isolamento social.

Toffoli justificou as decisões da Corte em favor dos entes federados: estados e municípios têm prerrogativas constitucionais reconhecidas pelo Supremo para adotar o distanciamento social, conforme orientação das autoridades sanitárias, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS). Toffoli também sugeriu que essas ações sejam coordenadas entre União, estados e municípios. A assessoria de comunicaçao do Supremo confirmou que o encontro foi marcado de última hora e não estava na agenda. Bolsonaro decidira fazer a visita durante a reunião que teve com representantes da indústria, no Palácio do Planalto.

A travessia a pé da Praça dos Três Poderes lembrou, com sinal trocado, a ida do senador Antônio Carlos Magahães (PFL, hoje DEM-BA), então presidente do Senado, ao Palácio do Planalto, para tomar satisfações com o presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da intervenção no Banco Econômico, por ocasião do PROER, programa de reestruturação do sistema financeiro adotado em razão do Plano Real. Imaginem uma situação inversa: os ministros do Supremo atravessando a Praça dos Três Poderes de toga, para cobrar a entrega do vídeo da reunião ministerial na qual Bolsonaro teria tentado interferir na atuação da Polícia Federal (PF), conforme acusa o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Para alguns ministros do STF, Bolsonaro está tentando constranger o Supremo e dividir o ônus da pandemia de coronavírus com a Justiça federal, que vem dando decisões favoráveis a estados e municípios, em todos os níveis, contra medidas da União que atropelam a autonomia dos demais entes federados, como reter respiradores adquiridos pelos governos estaduais. Acompanhado dos ministros militares e do ministro da Economia, Paulo Guedes, a reunião de Bolsonaro com Toffoli foi transmitida ao vivo, numa live, por assessores da Presidência. Guedes foi dramático ao dizer que o Brasil corre o risco de viver uma crise de abastecimento semelhante à da Venezuela ou de desindustrialização, como a Argentina. Um dos empresários disse que a indústria está na UTI e que pode morrer de inanição. Houve evidente exagero, porque muitos setores da indústria, sobretudo construção civil, energia e alimentação, estão funcionando.

Bolsonaro insiste em criticar as medidas de isolamento social , devido à necessidade de retomada da economia, sem levar em conta que a epidemia no Brasil entrou numa escalada violenta e que o sistema de saúde pública, em vários estados, está em colapso, entre os quais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Amazonas . Ontem, o Ministério da Saúde divulgou um balanço no qual foram registradas 610 mortes nas últimas 24 horas. Estamos no limiar dos 10 mil novos casos por dia de coronavírus, num total de 135 mil casos. São Paulo continua sendo o epicentro da epidemia, com quase 40 mil casos e mais de 3,2 mil mortes. Até hoje Bolsonaro não visitou nenhum hospital, nem demonstra o luto pelos que morreram. Trata a epidemia como uma fatalidade, com a qual devemos nos conformar.

“Novo normal”

A narrativa de Bolsonaro em relaçao à economia mira a parcela da população com mais dificuldades econômicas e reflete o lobby dos empresários mais atingidos pela pandemia, como se a recessão fosse consequência apenas das decisões de governadores e prefeitos. Na verdade, a recessão é mundial. E a recuperação da economia é uma variável que depende muito de o sistema de saúde não entrar em colapso. Se isso ocorre, aí sim, a paralisação será totaL, com a adoção do “lockdown”, como aconteceu na Itália e na Espanha. No Brasil, onde já há colapso, a medida está sendo adotada em bairros, cidades e regiões por alguns estados.

No mundo, os países que adotaram medidas de isolamento mais rigorosas conseguiram evitar uma disparada dos casos de covid-19. Itália, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos enfrentarem situação muito pior porque demoraram a adotar as medidas. O Brasil até que estava conseguindo “achatar a curva” da epidemia, mas a saída de Luiz Henrique Mandetta da Saúde, mas o estímulo à volta às ruas por parte de Bolsonaro e seus apoiadores provocou o relaxamento do distanciamento social e a explosão do número de casos. Agora, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, constrangido e ainda meio perdido na pandemia, corre atrás do prejuízo.

A grande questão com relação ao coronavírus é que não existe possibilidade de volta à plena normalidade. Em termos sanitários, nada será como era antes enquanto não houver uma vacina ou medicamento eficaz contra o vírus, que pode continuar circulando nos próximos anos. O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho, em muitos aspectos, pode ser irreversível e está sendo chamado de “novo normal”. No caso do Brasil, por causa das grandes desigualdades sociais e da vastidão da economia informal, essa mudança terá características sociais dramáticas, porque muitas atividades serão bastante reduzidas ou simplesmente deixarão de existir.

A ocupação do STF - OSCAR VILHENA VIEIRA

Folha de S. Paulo - 09/05

O tribunal não pode se omitir diante de tentativas de intimidação


Tribunais e cortes supremas, quando cumprem devidamente seu papel de guardar as respectivas constituições, têm o dom de enfurecer autocratas das mais variadas afiliações ideológicas. De Chávez a Orbán, a emasculação de tribunais tornou-se uma cena corriqueira no enredo das escaladas autoritárias.

Vargas aposentou compulsoriamente sete ministros do tribunal e restringiu as prerrogativas da corte para controlar seu governo. Nesse período foi escrita uma das páginas mais constrangedoras da história do Supremo, que permitiu, vencidos os ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espínola, a entrega de Olga Benário aos nazistas.

Em 1969, o general Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva após a edição do AI-5, que suspendeu as garantias da magistratura e excluiu da apreciação do Judiciário as ações praticadas com fundamento em atos institucionais. A porta se abria para o período mais obscuro da ditadura.

Mais recentemente o Supremo vem sofrendo formas inusitadas de intimidação. Em 2018, o comandante do Exército tomou a liberdade de advertir, por Twitter, como deveria o Supremo decidir um habeas corpus. Nesta última quinta-feira (8), o Brasil testemunhou uma ocupação relâmpago do STF. Sob a batuta presidencial e do ministro da Economia, os ocupantes reivindicaram a flexibilização de medidas de saúde pública, por entenderem que essas ameaçam a vida de muitos CNPJs.

Nada foi dito ou solicitado para prevenir a morte de milhares de pessoas ou sobre a necessidade de prover meios e condições básicas para que os mais pobres possam sobreviver durante a pandemia.

Desde a campanha eleitoral têm aumentado as ameaças ao Supremo. Os vícios e idiossincrasias do tribunal o deixaram mais vulnerável nos últimos anos. A recente escalada de ataques, no entanto, decorre sobretudo de suas virtudes.

Se o Supremo vinha sendo deferente --omisso para alguns-- em relação a diversas ações controvertidas aprovadas pelo atual governo, com o início da pandemia passou a adotar uma postura muito mais responsiva, no sentido de não negar resposta àqueles que buscam sua jurisdição, como demonstrou Eloisa Machado em arguto artigo nesta Folha.

Em um curto espaço de tempo os ministros do Supremo foram capazes de assegurar a integridade da Lei de Acesso a Informação, impediram o lançamento de uma campanha genocida de volta ao trabalho, asseguraram a competência das autoridades estaduais e municipais no campo da saúde pública, autorizaram a abertura de investigação sobre eventual conduta ilícita do presidente e suspenderam a tramitação de ações judiciais que questionam a demarcação de terras indígenas, em face das ameaças da Covid-19, para ficar apenas em alguns exemplos.

Grande parte dessas decisões foram tomadas monocraticamente, o que é um problema antigo do tribunal, que deveria ser corrigido por uma mudança no regimento, como proposto pelo ministro Marco Aurélio. Não procede, no entanto, a acusação de ativismo. Esse é um adjetivo simplista, usado sobretudo por aqueles que querem atacar uma decisão judicial da qual discordam.

Como salientou o ex-ministro Sepúlveda Pertence, "o Supremo tem competência para uma série de intromissões em atos de outros Poderes. Não para substituir-se a eles, mas para conter ilegalidades e abusos. Se se resguardasse, numa visão extremamente contida dos poderes judiciais, o Supremo estaria se demitindo desse papel fundamental que a Constituição lhe atribui". E não é isso que precisamos neste momento.

Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Aliança com centrão devolve Bolsonaro às origens - JOSIAS DE SOUZA

UOL 09/05


Toda campanha eleitoral tem um quê de teatro. Em 2018, Bolsonaro exagerou na teatralização. Fez isso, por exemplo, quando criticou o então rival tucano por se aliar ao centrão. "Obrigado, Geraldo Alckmin, por ter unido a escória da política brasileira", declarou na época. Agora, Bolsonaro enfia dentro do seu governo a escória.

Não é que a aliança com o rebotalho deixe Bolsonaro diferente. A questão é que Bolsonaro volta a ser quem ele era antes do teatro de 2018. O capitão já passou por sete partidos políticos. Entre eles o PP de prontuários notórios como Paulo Maluf, Arthur Lira e Ciro Nogueira —legenda com a qual se reencontra agora.

Na fase de composição da chapa, Bolsonaro buscou uma aliança com o PR de Valdemar Costa Neto, agora rebatizado de PL. Mas o ex-presidiário mensaleiro preferiu Alckmin. E Bolsonaro passou a cuspir no prato em que Valdemar não permitiu que ele comesse.

Ao escolher o partido pelo qual disputou a Presidência, Bolsonaro optou pelo PSL, um pedaço daquilo que chamava de escória. O PSL compôs, ao lado do centrão, a milícia parlamentar de Eduardo Cunha. Na apreciação das duas denúncias criminais contra Michel Temer, a bancada do PSL juntou-se à ala dos coveiros, ajudando a sepultar as acusações da Procuradoria.

Graças ao excesso de teatro, Bolsonaro cavalgou a Lava Jato como um jóquei antissistema, como se não carregasse sobre os ombros 28 anos de mandato. O reencontro de Bolsonaro com o centrão apenas reforça a noção de que, na política, o novo pode ser uma coisa muito antiga.

Depois da vitória eleitoral Bolsonaro teve a oportunidade de fazer algo diferente. Mas ele nem tentou. Agora, entrega cargos a apadrinhados de investigados. Como o deputado Sebastião Oliveira, do PL, que recebeu a visita dos rapazes da Polícia Federal um dia depois de copatrocinar a indicação do novo chefe do Dnocs, o Departamento Nacional de Obras contra Seca.

Sebastião Oliveira é varejado pela polícia porque o acusam de desviar algo como R$ 4 milhões das obras de uma rodovia. Bolsonaro não esboçou reação. Nada! Nem mesmo uma cara de nojo. Acabou o teatro. A aliança com o centrão devolve Bolsonaro às origens. Em tempo de isolamento social, o capitão reencontrou sua turma.

Segredo que Bolsonaro quer esconder é strip-tease - JOSIAS DE SOUZA

UOL - 08/05

Aos pouquinhos vai sendo revelado o grande segredo contido no vídeo citado por Sergio Moro em seu depoimento. A julgar pelos detalhes que chegam ao noticiário, a gravação de 22 de abril expõe não uma reunião da alta cúpula do governo, mas o strip-tease de uma administração chinfrim.

Além das já conhecidas cobranças pela consumação de uma interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal, seguida de ameaça de demissão do então ministro da Justiça, há no vídeo: um presidente desbocado, ofensas à China, ataques de calão rasteiro a ministros do Supremo, referências à opção preferencial do governo pelo fisiologismo e bate-boca entre ministros.

No seu esforço para evitar a propagação do vídeo, o Planalto sustentou junto ao ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que foram tratados na reunião "assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado". Hummm...

Em verdade, o que parece haver de sensível na fita, além da confirmação do depoimento de Moro, é a revelação de que os membros da cúpula do governo se reúnem como se estivessem encostados no balcão de um boteco de quinta categoria. Ou com os cotovelos recostados numa mesa de ferro —dessas que têm os pés em formato de 'X' e o tampo apinhado de garrafas de cerveja vazias.

A exposição desse tipo de cena pode revelar ao país que o rei está nu. Mas a nudez do monarca é, hoje, um segredo de polichinelo. Bolsonaro desnuda-se em público diariamente.

Ok com o home office. Mas há problemas - CELSO MING

ESTADÃO - 09/05

No trabalho remoto, funcionários não podem se desplugar da cultura da empresa em que trabalham


O trabalho profissional executado em casa, e não no local da empresa previsto para isso, não é propriamente uma novidade neste mundo altamente conectado, mas foi uma das mais relevantes descobertas desta temporada de reclusão.

Graças à sua grande capacidade de redução de custos, veio para ficar e, mais do que isso, será cada vez mais praticado no Brasil e no mundo. Mas atenção: para ser adotado definitivamente, o home office, como o preferem chamar os anglófilos, enfrenta um punhado de problemas, especialmente no Brasil, que precisam ser previamente equacionados.

Para começar, a empresa tem de estar disposta a partilhar seus arquivos e seus sistemas de processamento, sem medo de que dados sigilosos possam ser acessados por terceiros e escapar para onde não devem. Se esse ponto não estiver bem resolvido, mais cedo ou mais tarde, a empresa corre riscos de enfrentar dores de cabeça.

Outro problema é o de que nem todos os funcionários dispõem em casa de instalações adequadas para tocar seu trabalho, como escritório, por mais simples que seja, cadeira confortável e equipamentos eletrônicos em bom estado de funcionamento.

E há a exasperante instabilidade das conexões pela internet. Nestas primeiras semanas de confinamento no Brasil, as reclamações de queda do sistema proporcionado principalmente pela Claro e pela Vivo foram recorrentes e até agora não foram satisfatoriamente atendidas. O fornecedor vende um plano de banda larga a uma velocidade de 300 megabits por segundo e entrega uma fração disso.

Em casa, os funcionários estão também muito mais sujeitos a interrupções do trabalho por fatores aleatórios. Se chove um pouco mais forte, é comum nas cidades do Brasil a queda do fornecimento de energia e, para esse caso, é preciso prover baterias ou nobreaks que podem ser acoplados imediatamente aos computadores.

E não é só por essa via que surgem imprevistos. Computadores, impressoras e equipamentos periféricos estão sempre sujeitos a defeitos, bugs e tilts. Numa empresa organizada, sempre há uma equipe de plantão para proporcionar socorro imediato. Em casa, é mais complicado. Contratempos mais simples podem ser resolvidos a distância por técnicos, por meio de aplicativos do tipo TeamViewer, mas sempre podem acontecer quebra de conexão com servidores eletrônicos ou avarias mais sérias no próprio hardware do equipamento.

O diretor executivo de tecnologia da consultoria Accenture na América Latina, Fernando Teixeira, observa que, neste momento, o home office foi implantado às pressas, sem que todos os requisitos técnicos tenham sido cumpridos. Por isso, tanto os funcionários como seus chefes devem se munir de dose especial de paciência para enfrentar imprevistos. Qualquer um pode ter filhos ou pessoas idosas na família que, a qualquer momento, podem exigir cuidados especiais que interrompem tarefas em execução. “Mas se o sistema do home office for adotado permanentemente, situações como essas pedirão solução também permanente. Não pode haver perda de qualidade no trabalho”, diz.

Teixeira observa, também, que o regime de trabalho em casa não pode se submeter às mesmas condições de controle convencional, como registro de ponto, cálculo de horas extras e atualização de banco de horas. Embora já existam aplicativos que, sem invadir a privacidade, monitorem a tela do computador e contabilizem automaticamente as horas trabalhadas, nem as empresas nem a legislação preveem as situações novas, como essa.

Para o sócio da consultoria PwC Federico Servideo, “é um pouco incongruente o trabalho remoto com controle de jornada”. Além de atualizações na legislação, ele sugere que, para não ficarem presos ao registro de ponto, empregador e empregado definam metas a serem cumpridas ao longo de um determinado período, como de um ou dois dias, semana ou mês, como acontece nos serviços contratados por empreitada. “O home office requer trabalho muito mais por resultado do que por tempo de serviço.”

Afora isso, nem todos os problemas de uma rotina podem ser resolvidos a distância. É preciso prever, também, temporadas presenciais que incluam não só reuniões de grupos com as chefias, mas também execução de determinadas tarefas também no escritório central da empresa. Tudo bem executar as tarefas em casa, mas o funcionário não pode se desplugar da cultura da empresa. / COM GUILHERME GUERRA

Impasse do congelamento - ADRIANA FERNANDES

O Estado de S. Paulo - 09/05

Paulo Guedes colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamento



O embaraço político e econômico que marcou a votação do congelamento de salários dos servidores públicos pelo Congresso mostra que a pressão pelo gasto não tem limites no País.

Muitos senadores e deputados defenderam a exclusão de várias categorias do congelamento de salários com a justificativa de que a medida é inócua porque não haverá dinheiro para os aumentos por conta do impacto da covid-19 na economia e nos cofres públicos.

É má-fé dos parlamentares ou mesmo ignorância sobre o que tem acontecido nas últimas décadas no Brasil. Faltou também sensibilidade dos parlamentares para a opinião pública. Sim, o outro lado: trabalhadores da iniciativa privada, que tiveram cortes de salários ou perderam o emprego para a pandemia da covid-19. Esse lado também pode fazer a diferença.

Mesmo com o Estado quebrado em todas as esferas de governo (União, Estados e municípios), podemos ver que a opção que tem prevalecido é pelo mau uso do dinheiro público.

O Rio, integrante do chamado “grupo dos três” Estados mais quebrados do País, ao lado de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, aprovou lei que autoriza o Executivo a promover alterações no orçamento de 2020 para permitir a revisão das remunerações dos servidores estaduais. O governador disse que não vai aumentar, mas sancionou a lei. Tudo isso em plena pandemia.

Foi também com espanto e assombro que vimos esta semana a decisão do procurador-geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, de criar uma “ajuda de custo” para procuradores, promotores e servidores desembolsarem gastos com a própria saúde. Apelidado de “bônus covid”, o benefício terá um valor de R$ 500 para servidores efetivos e comissionados. Os procuradores e promotores ganharão o dobro: R$ 1 mil. O MP de Mato Grosso diz que os recursos já estavam previstos no orçamento deste ano. “Não se trata de um dispêndio financeiro sem lastro orçamentário.”

Se havia sobra no caixa, por que não direcionar os recursos para o combate da pandemia voltado aos mais vulneráveis?

Mas garantir esse repasse para ajudar no enfrentamento da doença, o Congresso não quis aprovar. A proposta de destinar a sobra no caixa dos demais Poderes para o enfrentamento da covid-19 não vingou.

Se o projeto tivesse sido aprovado antes, o “bônus covid” de Mato Grosso não teria sido adotado. O projeto aprovado pelo Congresso proíbe a criação ou aumento de auxílios, vantagens, bônus, abonos, benefício de cunho indenizatório, para servidores de todos os Poderes e seus dependentes, inclusive militares. Medida muito importante.

Alguém duvida que, se tiverem oportunidade, governadores, prefeitos e representantes de outros Poderes não reajustam os salários ou arrumam algum tipo de bônus?

Quem mais se apropria desses ganhos é a elite da burocracia do funcionalismo como se viu no “bônus covid” dos procuradores.

Se esse risco não existisse, por que tanta pressão para deixar várias categorias de fora do congelamento? A mobilização se intensificou para que Bolsonaro vetasse a proibição até dezembro de 2021 da contagem do tempo para o período aquisitivo necessário para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios e licenças-prêmio. Esse tipo de bônus não existe mais no governo federal mas tem peso grande no crescimento da folha de Estados, principalmente na área de segurança.

De acordo com fontes da área econômica, o alívio total é de cerca de R$ 40 bilhões. Nos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, esses benefícios correspondem a um terço do crescimento da folha. Nos do Nordeste, chegam até 50%. É, portanto, gasto na veia cortado e não apenas “promessa” de reajuste salarial, como querem taxar aqueles que não acreditam na importância do congelamento. Não é verdade que a medida não gera economia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamento. Com transmissão ao vivo, Guedes, ao lado do presidente, defendeu o veto das categorias que ficaram de fora do congelamento e ganhou a promessa de Bolsonaro. Fica desmoralizado sem o veto. Por isso, a tensão do momento. O Congresso terá a palavra final, mas que nenhuma liderança venha depois com o papo furado de sempre de que todos têm responsabilidade fiscal se o cenário piorar pós-covid-19.

Deputados e senadores, tenham coragem: não derrubem o veto.

Constituição, a âncora da democracia - MARCUS PESTANA

O TEMPO - MG - 09/05


Existe atualmente no ambiente do nosso país um visível mal estar. É inacreditável. Em meio a uma violenta pandemia e tendo pela frente uma das maiores recessões de nossa história, ver nas ruas e nas redes sociais pessoas agressivamente pedindo um novo AI-5, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal - guardião da Constituição, em outros termos, o fim da democracia. Percebo em conversas com amigos, familiares, conhecidos, um sentimento misto de temor, apreensão, incredulidade, indignação e surpresa com os rumos políticos de nosso Brasil. Eu, que como vereador coordenei a campanha das diretas na minha cidade, em 1984, jamais imaginei que parcela significava da população viesse a se mobilizar algum dia defendendo um retrocesso catastrófico. Afinal até o samba enredo da Imperatriz Leopoldinense clamava: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.

Minha geração, que na metade dos anos setenta, tentou reencontrar o fio da meada histórico da geração de 1968, abraçou com vigor, determinação e coragem a agenda democrática – anistia ampla e geral, eleições diretas para Presidente e todos os demais cargos e Constituinte livre e soberana. A utopia que movia nossa generosa militância era ver um país mais justo e democrático.

Descobrimos e experimentamos o autoritarismo nos livros e na vida real. Quantos foram os encontros visando à reconstrução da UNE e das UEEs reprimidos? Comecei a acordar para a longa e tenebrosa noite do autoritarismo vivida pelo país aos 16 anos, em 1976. Estudava na Academia de Comércio de Juiz de Fora e liderei um dia de greve e uma passeata no recreio do turno da manhã. As razões eram afetivas e administrativas, nada de conteúdo político e ideológico. No dia seguinte, fui informado que seria enquadrado no Decreto-Lei 477, de 26 de Fevereiro de 1969, que definia infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dava outras providências. Aí descobri que havia fortes restrições à liberdade de opinião, organização e mobilização e que poderia ser expulso do colégio e sofrer outras penalizações. Foi aí que despertei para a imperiosa e inescapável participação no movimento pela redemocratização do país.

Mais à frente, em 1979, já como coordenador do Diretório Acadêmico de Economia da UFJF e membro da direção do Comitê Brasileiro da Anistia local, fomos vários de nós julgados com base na Lei de Segurança Nacional por “crime de opinião”. Defenderam-nos o ex-presidente da OAB/JF, Winston Jones Paiva, e o ícone do direito brasileiro, Heleno Fragoso. Toda a cidade acompanhou o julgamento. Foi um fato histórico que anunciava o esgotamento do autoritarismo. Tinha 18 anos, mas parecia ter muito menos. Só não gostei de uma passagem quando o grande jurista Heleno Fragoso, que me tinha à sua esquerda no púlpito, virou-se para a junta militar e argumentou: “Olhem este rapaz aqui, quase uma criança, ele pode arranhar a segurança nacional?”. A plateia toda caiu na gargalhada. Quase levantei, pedi um aparte e disse: “Me desculpe, mas o Senhor não me conhece bem, sou perigoso pra caramba”.

Em 1981, já como presidente do DCE da UFJF, convocamos uma manifestação contra a divisão do vestibular. Foram mais de mil jovens que cursavam o pré-vestibular, quase todos menores. Portanto, a responsabilidade era totalmente minha. Na véspera, fui chamado pelo Delegado Regional de Segurança, uma pessoa doce e amigo de minha família, que transmitiu o recado: “Se houver passeata, haverá repressão”. Nosso precário e juvenil sistema de inteligência detectou que havia dois caminhões com a tropa de choque postada na Avenida Rio Branco e na Rua Santo Antônio. Ou seja, se saíssemos dos jardins da reitoria em passeata, o pau ia quebrar. Logo ao final do encontro, de cima de um caixotinho e com megafone na mão, dispersei organizadamente a turma, sob os protestos veementes de duas militantes trotskistas, vindas de Volta Redonda, que tentavam tirar o megafone de minha mão para propor a passeata, aos gritos de: ”stalinista, stalinista”.

Memórias, memórias. Apenas para registrar que os meus verdes anos e de minha geração foram voltados integramente à luta pela democracia e pela liberdade. Daí nossa surpresa e indignação com as atuais e inconstitucionais manifestações pedindo o retorno aos tempos sombrios da ditadura.

Steven Lewitsky e Daniel Ziblatt em seu best-seller “Como as democracias morrem” advertem que os governos autoritários podem nascer de rupturas como no Chile de Pinochet, no Brasil em 1964 ou na Cuba de Fidel. Mas podem nascer pela deterioração institucional de governos democraticamente eleitos. Discutem com profundidade experiências históricas assim, à direita e à esquerda, como Fujimori no Peru, Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália, Chávez na Venezuela, Trump nos EUA, Putin na Rússia, Daniel Ortega na Nicarágua, entre outros. Demonstram que não bastam Constituições e instituições democráticas. Há que se enraizar a cultura democrática em normas não escritas: “a tolerância mútua, ou o entendimento de que as partes concorrentes se aceitam umas às outras como rivais legítimas, e a contenção, ou a ideia de que os políticos devem ser comedidos ao fazerem uso de suas prerrogativas institucionais”. O Brasil caminha perigosamente na direção contrária.

A Constituição brasileira de 1988, que ancora nossa democracia, é fruto de um processo amplamente democrático e participativo. Não é perfeita, é prolixa e detalhista, mostra disso é que ela própria previu sua revisão e as inúmeras emendas constitucionais aprovados em curto espaço de tempo. Mas ela é a bússola e a base da nossa democracia, que está acima de todos, absolutamente de todos. Vale relembrar o antológico, excepcional e denso discurso do Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, feito no plenário do Congresso Nacional, na promulgação da nova Carta Magna: “A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo”. “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afronta-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério”. “A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia”. Os atuais manifestantes a favor do retrocesso deveriam ter a humildade de ouvir este marcante discurso, momento maior de nossa vida política recente.

Não basta a Constituição. Não basta a necessidade de difundir e enraizar a cultura democrática. Faz-se necessária a existência de Poderes independentes e soberanos e de instituições permanentes de Estado, que garantam o efetivo cumprimento dos mandamentos constitucionais. O Congresso, o Poder Judiciário, as Forças Armadas, o Ministério Público, a Polícia Federal, a imprensa livre, são patrimônio da sociedade e organizações de Estado, que geram os famosos freios e contrapesos, e são absolutamente indispensáveis para a democracia. Quantas cabeças confusas e atormentadas no Brasil de hoje confundem esses conceitos e ideias basilares para a vida democrática e para a preservação da liberdade. A Polícia Federal Brasileira é uma instituição de Estado, não está a serviço de governos, seja qual for, não é a Gestapo nazista, nem o KGB soviético, não é uma polícia política. Assim também as Forças Armadas. Em boa hora o atual Ministro da Defesa, General Fernando Azevedo e Silva, em sua Nota oficial de 04 de maio último, pontuou com firmeza: “As Forças Armadas cumprem sua missão constitucional. Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País. A liberdade de expressão é requisito fundamental de um País democrático... As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso”.

Minha geração que lutou pela redemocratização cometia erros, sem dúvida, mas tinha clareza de valores, objetivos e convicções para tomar as ruas e praças e defender ideias. Não sei os manifestantes de agora em favor do retrocesso e do AI-5 se têm alguma clareza de qualquer coisa. Deveriam ler “Como as democracias morrem”, o discurso de Ulysses e a nota oficial do General Azevedo e Silva. Uma boa causa não pode nascer de poucas palavras no Twitter ou algumas linhas de Whastapp.

O momento é sombrio. É preciso a eterna vigilância em defesa da liberdade. A perplexidade, a indignação e o medo despertados pelas faixas nas ruas pedindo a volta do autoritarismo não podem derrotar a esperança e a fé na democracia. Não podemos nos entregar. A história dá muitas voltas, mas não abriremos mão da democracia como valor permanente e universal.

Bolsonaro traiu os velhacos do centrão? - JULIANNA SOFIA

FOLHA DE SP - 09/05

Presidente trapaceia com novos e antigos aliados


Neoaliados de Jair Bolsonaro, comandantes do bloco de partidos fisiológicos conhecido como centrão vivem com a Justiça no encalço. O pepista Arthur Lira, líder do grupamento, coleciona ações judiciais desde falcatruas içadas pela Lava Jato a acusações de apropriação de salários de servidores e de recebimento de propina —teve um assessor preso com dinheiro nas meias num aeroporto.

São sujeitos desse naipe que Bolsonaro busca trapacear. Depois de avalizar um acordo alinhavado pelo centrão para garantir aumento para o funcionalismo na votação do projeto de socorro aos estados, o presidente acena na direção oposta e promete à equipe econômica vetar a medida.

Há certa incredulidade sobre a real disposição do presidente para levar adiante a promessa pública feita ao ministro Paulo Guedes (Economia). Se consumá-la, colocará à prova a fidelidade de sua base parlamentar recém-conquistada via entrega de nacos da administração pública. No jogo do toma lá, dá cá, os velhacos calculam como reagir a um movimento hostil do presidente: responderão à traição com a derrubada do veto ou manterão juras de lealdade pela permanência nos cargos?

Trapaçaria de Bolsonaro também com os aliados de primeira hora, que compraram seu discurso da nova política. Ministros agora são obrigados a engolir quietos ameaças de demissão caso se recusem abrigar os indicados do centrão em suas pastas. No Congresso, bolsonaristas fazem malabarismo retórico para justificar a cooptação da trupe de Lira e argumentam que nenhuma corrupção será tolerada.

Nesta sexta (8), dois dias após a nomeação de um afilhado para a direção do Dnocs, o deputado pepista Sebastião Oliveira tornou-se alvo de operação da Polícia Federal para apurar desvios em obras da BR-101.

O Dnocs administrará neste ano R$ 1 bilhão, em projetos como a construção de barragens e açudes.

Nas horas seguintes à ação policial, o novo diretor da PF foi visto entrando no Palácio do Planalto.

Julianna Sofia
Jornalista, secretária de Redação da Sucursal de Brasília.

A escassez é um fato da vida - EURÍPEDES ALCÂNTARA

O Globo - 09/05

Governos podem emitir moeda, mas não podem criar riqueza


‘Porque o dinheiro é escasso, a comida é escassa, a gasolina é escassa, as pessoas no Ocidente pensam que o amor também é escasso. O amor não é escasso. Quanto mais você dá, mais você recebe.” Essa frase é do guru indiano Rajneesh, o “Osho”, que foi um dos ópios da juventude na década de 1980. O guru, que foi revisitado em um documentário recente, pregava o sexo livre, tinha uma frota de carros Rolls-Royce, fundou uma comunidade no Oregon, mas entrou em declínio, voltou para a Índia e morreu em 1990, aos 58 anos.

A pregação de Osho sobre o amor é correta. A parte da escassez também. A escassez é um fato da vida. A Covid-19 deixa isso cruelmente evidente todos os dias. Quando a pandemia for debelada, e a vida voltar a seu novo normal, a escassez continuará impondo sua lei. Não há amor ao próximo que a revogue. Escassez, limites e tetos são inerentes à existência humana. Tetos de gastos inclusive — seja de pessoas, empresas ou governos. Fora de certas ilhas da fantasia em Brasília e de suas seitas econômicas de apoio não existe a possibilidade de um país quebrado se levantar do chão emitindo moeda indefinidamente.

Governos podem emitir moeda, mas não podem criar riqueza. As ajudas emergenciais em dinheiro nesse vale de lágrimas da pandemia precisam existir e chegar às mãos de quem precisa o mais rápido possível. Mas elas não podem se perenizar. Não podem no sentido exato da palavra. Se existe poder terrestre capaz de multiplicar a moeda, só o poder divino pode multiplicar o pão. Brasília tem como ajudar emergencialmente os estados da Federação a recompor seus caixas esvaziados pela queda na arrecadação, mas não tem poder para manter essa operação de salvamento por muito tempo. A vida não pode ser uma emergência.

Plano Marshall com o próprio dinheiro não existe. O plano de reerguimento da economia europeia depois da Segunda Guerra Mundial, que ficou conhecido pelo nome de seu criador, o general George Marshall, foi feito com dinheiro dos contribuintes americanos — não sem interesse ou por filantropia como às vezes se dá a entender. Quem exporta capital importa demanda. Essa é outra lei da economia pouco conhecida. Os americanos ajudaram a levantar a economia da Europa e ganharam um excelente mercado consumidor de seus produtos.

É assim que o mundo real funciona. Os americanos derrotaram e, depois, salvaram o Japão em 1945. O alto comando do general Douglas MacArthur, que recebeu em mangas de camisa a rendição japonesa na famosa cerimônia a bordo do encouraçado Missouri fundeado na Baia de Tóquio, redigiu uma nova Constituição para o Japão que vale até hoje sem nenhuma emenda. Em troca, os Estados Unidos ganharam fatias relevantes de grandes empresas japonesas e um aliado político de peso na Ásia, que hoje é essencial para contrabalançar o poder da China naquela região.

O verdadeiro Plano Marshall brasileiro para depois da pandemia, como escreveu o cientista político Luiz Felipe D’Avila no VirtuNews, é arrumar as finanças e diminuir a burocracia dos governos brasileiros em todos os níveis com o objetivo de nos tornarmos atraentes aos investidores estrangeiros. Por mais que pareçam objetivos distantes nesse instante dramático em que tentamos, pelo menos, diminuir o número de mortos pela Covid-19 no Brasil, o que D’Avila propõe é o correto. Temos que fazer as reformas estruturais do Estado de modo que o capital privado estrangeiro e brasileiro possa ver retorno em investir com segurança jurídica no saneamento e outras deficiências crônicas do Brasil para as quais o Estado brasileiro não tem solução. Fora isso, a saída é acender um incenso para a alma do guru Rajneesh e orar para que, além do amor, o dinheiro, a comida e os combustíveis também deixem de ser escassos.

Carta a um não confinado - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 09/05

Consertamos a economia depois, todos juntos, sem individualismo


Não ponho o pé na rua há semanas. Leio, aproveito meu pacote da Netflix, experimento receitas, até comecei a pintar. Exercito-me na esteira da sala. Peço tudo por aplicativo. Faço sacrifícios: sinto falta do Iguatemi, dos meus restaurantes preferidos, de viajar.

Você, não confinado, sabota meus sacrifícios, espalhando o vírus. Devo qualificá-lo como um ser antissocial.

Não há vacina ou remédio confiável. O governo Bolsonaro ignora a pandemia, fechou o Ministério da Saúde, não coordena esforços de testagem. São mais motivos para ficar em casa, nossa única salvação.

O renomado cientista Miguel Nicolelis disse que a quarentena é para "evitar contágios". Itália e Espanha estão flexibilizando a medida com, respectivamente, 1.552 e 2.397 contágios médios diários na última semana. Seus governos irresponsáveis deram as costas à ciência. Você nunca a seguiu.

Leio na Folha as palavras sábias do sanitarista Claudio Henriques, que adiciona prazos à meta expressa por Nicolelis. A quarentena deve perdurar por "mais de um ano" e precisará ser reforçada por períodos de "lockdown" com "cerca de duas semanas cada". Ok: home office direto, via Zoom. Perdi um naco de renda; meus gastos, porém, também diminuíram. Mas essa extensão de meus sacrifícios só terá sentido se você ficar em casa, como eu. Hora de chamar a polícia, Doria!

Os restaurantes, graças aos céus, ainda não podem abrir na Itália. Seus proprietários iniciaram um movimento coletivo de entrega das chaves aos prefeitos. Mercenários: pressionam pelo desconfinamento em nome do vil metal. Vocês, donos de lojinhas e serviços não essenciais que furam a quarentena no Belém, no Brás, no Pari, são ainda piores que eles. Chega, né, Covas? Tem que trancar tudo, com multas exemplares.

Guedes boicota a rede emergencial de proteção social, atrasando o pagamento dos vouchers para os pobres. São meros R$ 600. Ok, acho pouco. Mas nada disso desculpa as cenas das favelas que retomam a normalidade. A vida é o bem maior. Você, informal desconfinado, revela sua ignorância ao desrespeitar a norma sanitária ditada pela ciência. Todos estamos no mesmo barco: dê sua cota de sacrifício, como dou a minha.

Quarentena tem, afinal, coisas boas. O planeta descansa, a natureza respira, a humanidade usa o tempo livre para reaprender a solidariedade. Louvo os corajosos médicos que estão na linha de frente. Postei homenagem no meu Insta, que ganha seguidores.

Vejo imagens de crianças descalças jogando bola na rua de uma favela, não sei se na zona oeste ou na leste. Serão filhos de auxiliares de enfermagem? Pouco importa: um sacrifício não justifica uma negligência. As escolas fecharam para evitar o tráfego do vírus pela ponte dos assintomáticos. Meu filho brinca no playground do prédio, quando desliga o celular. De quantas mortes você precisa para segurar as crianças em casa?

Sigo, atento, as estatísticas da Covid-19. A curva sobe, sinistra. Leio projeções sombrias de queda do PIB. Cinco milhões perderam empregos ou tiveram cortes salariais. Há, nesses milhões, gente como você, que se desconfina --e diz ao Datafolha que a quarentena deve terminar. Por falta de escola, você não aprendeu a ordem das coisas: a distinção entre gráficos relevantes e insignificantes. Economia, consertamos depois. Daqui a um ano pensamos nisso. Todos juntos, sem individualismo.

O Ocidente fracassou --e nem falo dos EUA. A Alemanha reabriu todo o comércio num dia com 282 óbitos, mais de mil contágios. É deboche da ciência. A China, sim, funciona. Lei marcial. Queria ver você lá, em Wuhan, onde dão valor à vida. O isolamento em São Paulo caiu a 47%. Covas, fracote, desistiu de bloquear avenidas. Mas disse certo: "As pessoas não entenderam a mensagem".

Basta. "Lockdown" já! Com esse zé povinho não dá. Odeio você.

Assino: um cidadão informado. Volto às séries.

Demétrio Magnoli
Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Um governo deteriorado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 09/05


À medida que os fatos políticos vão ocorrendo sem que as barreiras institucionais sejam eficazes para conter o ímpeto corrosivo do presidente Bolsonaro, preocupa que militares antes considerados capazes de incutir bom-senso ao governo estejam avalizando uma visão paranóica da situação política.

O General Vilas Boas, ex-comandante do Exército e figura icônica entre seus pares, encontrou palavras para elogiar a entrevista à CNN da ainda secretária de cultura Regina Duarte onde ela, em vez da “sensibilidade” que o general vislumbrou, demonstrou uma absurda indiferença diante das mortes pela Covid-19, das torturas e mortes na ditadura militar.

A mesma insensibilidade que o presidente Bolsonaro explicitou ao ir de supetão ao Supremo Tribunal Federal (STF) pressionar pelo fim da quarentena, num momento em que o país claramente entra na fase aguda da pandemia e tem o número de mortes diário aumentando dramaticamente.

A presença de seus ministros de origem militar na comitiva mórbida indica que eles pensam igual a Bolsonaro, ou se submeteram a seu desprezo pelo sofrimento alheio, numa visão utilitarista da vida em sociedade.

Ainda ontem, quando novo salto levou os óbitos à casa dos 700 diários, caminhando para a trágica marca de 10 mil mortes devido à Covid-19, Bolsonaro fez troça sobre uma churrascada que pretende realizar hoje no Palácio da Alvorada.

O estilo provocador do presidente já é conhecido de todos. Ele pretende constranger aqueles que lhe impõem limites, mesmo instituições como o Supremo, que tem o papel de indicar ao presidente quando ele saiu do que a Constituição determina.

Foi assim que assessores como o General Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ou o chefe do Gabinete Civil General Braga Neto, ou o Chefe da Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos, transformaram-se em meros cumpridores de ordens, perdendo a qualidade de formadores de políticas governamentais.

Os três estão arrolados como testemunhas no inquérito do Supremo sobre a tentativa de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal, e em conjunto sentiram-se afrontados pelos termos usados pelo ministro Celso de Mello ao convoca-los.

O que é uma formalidade burocrática, afirmar que os que não comparecerem na data marcada terão que fazê-lo “coercitivamente, ou debaixo de vara”, foi considerado uma afronta aos militares, que se consideram acima de qualquer suspeita.

O mesmo tratamento foi dado aos deputados que estão convocados e demais servidores públicos, sem que os termos fossem contestados. Esse sentimento de estar acima dos procedimentos normais em casos como esse desbordou em uma nota oficial do Clube Militar, que acusa o ministro decano do Supremo de ter ódio do governo federal, e considera “falta de habilidade, educação, compostura e bom-senso” o tratamento recebido pelos militares.

Esse sentimento alimenta as convocações para manifestações este fim de semana, contra o Supremo e o Congresso, e a favor da intervenção militar. Essa é uma demonstração de que os militares não deveriam participar da vida política do país, pois vestem ternos civis, mas se consideram uma casta diferenciada.

O recente balão de ensaio, que não prosperou diante da reação negativa, de colocar o General Luiz Eduardo Ramos no comando do Exército em lugar do General Edson Leal Pujol, faz parte dessa paranóia de Bolsonaro de só ter em seu entorno pessoas que digam amém sem contestar.

O General Pujol tem uma postura mais contida na relação com a política, e teria irritado o presidente ao dar o cotovelo para cumprimentá-lo em uma solenidade, deixando-o com a mão no ar. Uma demonstração de que segue as normas internacionais e nacionais de afastamento social, interpretada por Bolsonaro como uma atitude afrontosa. O que denota um governo deteriorado por uma visão autoritária do poder.

Planalto deveria seguir lição de Toffoli - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 09/05

Há planos de saída ordenada do isolamento, em sentido contrário ao que defende o presidente


Se fez algum balanço da marcha rumo ao Supremo na quinta-feira, à frente de industriais que foram visitá-lo em audiência no Planalto, o presidente Bolsonaro, pelo seu estilo, não deu qualquer importância à sugestão que recebeu do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de se aproximar de governadores e prefeitos para constituir um comitê ou gabinete de crise a fim de juntos coordenarem a saída do país do isolamento social, de forma organizada e em bases técnicas. Não deu importância, mas deveria dar.

Bolsonaro empacou na defesa intransigente do fim do isolamento sem quaisquer planejamento e cuidado, mas a realidade não dá alternativa melhor ao Brasil, como não deu nem está dando a outros países. O presidente demitiu o ministro anterior da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, porque ele não aceitava a proposta voluntarista do chefe, nomeou outro médico, Nelson Teich, cuja posição na essência não é diferente da do antecessor. Ambos têm diplomas e carreiras a preservar.

É inócua, por insustentável, qualquer tentativa de Bolsonaro de jogar responsabilidades sobre o Judiciário, o Legislativo, governadores e prefeitos. Os tribunais têm julgado o que chega à sua pauta; o Congresso vota os projetos de emergência, e governadores e prefeitos têm trabalhado sobre o problema da Covid-19, ao contrário do presidente, que só se dedica à obsessiva campanha do fim do isolamento já.

Apesar do Planalto, o federalismo brasileiro, sustentado na Constituição, defendida pelo STF, permite a existência de programas de monitoramento da epidemia e para um controlado e paulatino fim do isolamento social, como aconselham os especialistas. Em São Paulo, estado e cidade, a Covid-19 tem sido acompanhada dessa forma, assim como em estados do Nordeste, em que foi constituído um comitê comum com apoio em cientistas. No Rio também as medidas não dependem da vontade exclusiva do Palácio.

O presidente poderia se informar sobre como o colega americano Donald Trump foi mudando de posição diante da epidemia, à medida que corpos começavam a ser empilhados em caminhões frigoríficos estacionados perto de hospitais em Nova York. Mesmo Trump, que continua querendo que a economia americana volte a rodar o mais rapidamente possível, porque tentará se reeleger em novembro, apresentou um plano de fim do isolamento, sem datas, dividido por fases em que protocolos precisariam ser preenchidos para se passar à etapa seguinte. Há planos iguais no Brasil: o bloqueio de setores do estado e de cidades só é levantado se a evolução do número de óbitos, de infectados e de índices de ocupação de leitos nos hospitais da região for positiva.

É assim que precisa ser feito, e nunca devido a compreensíveis, mas equivocadas preocupações de empresários e do presidente. Não se pode equiparar “mortes” de CNPJs, imagem infeliz de um empresário que acompanhava Bolsonaro na ida intempestiva ao Supremo, com a perda de pessoas donas de CPFs para a Covid-19. Sem as pessoas não há empresas e economia.

Desafio constante - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 09/05

Incapaz de aceitar limites, Bolsonaro constrange STF com encenação patética


Ao abrir a sessão plenária do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (6), o ministro Dias Toffoli definiu a corte que preside como última trincheira da sociedade na defesa dos direitos assegurados pela Constituição.

Pregou a harmonia entre os Poderes, condenou as agressões sofridas por jornalistas numa manifestação de apoiadores de Jair Bolsonaro no domingo (3) e cobrou respeito às decisões do tribunal, alvo predileto da turba golpista.

Tratou-se de uma resposta adequada às provocações do presidente, ainda que tardia —como corretas e demoradas, por sinal, têm sido as reações de Toffoli.

Fazia dias que, inconformado com o veto do STF à nomeação de um apaniguado para o comando da Polícia Federal, Bolsonaro ameaçara desafiar a determinação judicial e atacara o ministro Alexandre de Moraes, que assinara a liminar.

Na segunda (4), coube ao ministro da Defesa, Fernando Azevedo, reiterar o compromisso das Forças Armadas com a Constituição, numa nota em que classificou a independência e a harmonia entre os Poderes como imprescindíveis para a governabilidade.

Embora manifestações políticas das Forças Armadas sejam inconvenientes numa democracia, ainda mais quando se referem às ações do chefe do Executivo, a nota revestiu-se de caráter tranquilizador.

À boca pequena, militares do primeiro escalão do governo vinham expressando desconforto com a ingerência do STF na escolha do novo diretor-geral da PF —e o próprio Bolsonaro vangloriara-se do apoio das Forças Armadas ao participar do ato insolente de domingo.

Reafirmar constantemente as balizas estabelecidas pela Constituição, como Toffoli e Azevedo fizeram nesta semana, é necessário para conter os instintos autoritários de Bolsonaro, que não cansa de desafiar esses limites.

Ele voltou a demonstrá-lo nesta quinta (7), ao liderar uma marcha patética na direção do Supremo para fazer uma visita surpresa a Toffoli, à frente de uma delegação formada por ministros e dirigentes de associações empresariais.

A encenação, transmitida por redes sociais, transformou o STF em palco para Bolsonaro defender mais uma vez o relaxamento das medidas de distanciamento social adotadas contra o coronavírus.

Como ninguém tinha plano a apresentar nem pedido a fazer, ficou claro que a intenção do presidente era apenas constranger Toffoli e transferir responsabilidades, em vez de buscar a cooperação.

Em decisão unânime, o Supremo já esclareceu que estados e municípios têm autonomia para tomar providências para lidar com a pandemia. Tratando-se de Bolsonaro, a inação federal é o menor dos males.


A marcha dos camisas pardas - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 09/05

Um grupo de brucutus apoiadores de Jair Bolsonaro armou acampamento para organizar invasão ao Congresso e ao STF

Um grupo de brucutus apoiadores do presidente Jair Bolsonaro – chamados “300 do Brasil” – armou acampamento no entorno da Praça dos Três Poderes para organizar uma invasão ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os camisas pardas do bolsonarismo, que agora vestem verde e amarelo e roupas camufladas, programam uma marcha sobre Brasília neste fim de semana. “Nós temos um comboio organizado para chegar a Brasília até o final desta semana. Pelo menos uns 300 caminhões, muitos militares da reserva, muitos civis, homens e mulheres, talvez até crianças, para virem para cá e darmos cabo dessa patifaria”, ameaçou Paulo Felipe, um dos líderes da milícia acampada, em vídeo divulgado em uma rede social.

A palavra “patifaria” não foi escolhida ao acaso. Resulta de uma irresponsável incitação. No dia 19 de abril, dirigindo-se a apoiares reunidos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro exortou a súcia que pedia o fechamento das instituições democráticas a “lutar” com ele. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. Acabou a patifaria!”, bradou Bolsonaro, como se estivesse prestes a descer da Sierra Maestra, e não de uma caminhonete transformada em palanque.

Segundo o portal Congresso em Foco, outro que está por trás da gravíssima ameaça de assalto ao Congresso e à Corte Suprema é Marcelo Stachin, um dos líderes da campanha de formação da Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar para chamar de seu. Ainda não se sabe quando, e se, a Aliança pelo Brasil cumprirá os requisitos legais e será autorizada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Fato é que a agremiação está muito mais próxima de um movimento golpista do que de um partido político.

Nos regimes democráticos, em especial em democracias representativas como é o caso do Brasil, os partidos políticos são as organizações por meio das quais os cidadãos participam da vida pública para contribuir na construção daquilo que em ciência política se convencionou chamar de “vontade do Estado”. Como se afigura, a Aliança pelo Brasil pretende o exato oposto, qual seja, eliminar qualquer possibilidade de diálogo para a formação daquela vontade. Assumindo a ação direta, como a criminosa intentona em Brasília, assemelha-se à tropa de segurança do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, criada em 1920 e precursora da temida Sturmabteilung (SA), a Seção de Assalto de triste memória. Quem duvida que veja as imagens das agressões dos camisas pardas a enfermeiras e jornalistas.

Na essência do movimento de formação da Aliança pelo Brasil, defendido e liderado por alguns dos que estão acampados em Brasília a ameaçar o Congresso e o STF, estão todos os elementos que identificam um movimento golpista, e não um partido político: a evocação a um passado mítico e glorioso; a propaganda (não raro disseminando informações falsas ou distorcendo fatos); o anti-intelectualismo; a vitimização de Jair Bolsonaro, tratado como um bom homem cercado de “patifes” por todos os lados, o “sistema”; o apelo a uma noção de “pátria” por meio da apropriação dos símbolos nacionais; e, por fim, a ação pela desarticulação da União e da sociedade. O que pode ser mais desagregador do que um movimento que ameaça partir para a ação violenta com o objetivo de fechar a Casa de representação do povo e a mais alta instância do Poder Judiciário? Não por acaso, o STF tem despertado especial revolta entre os camisas pardas do bolsonarismo. Classificada pelo tal Paulo Felipe como uma “casa maldita, composta por onze gângsteres”, a Corte Suprema tem se erguido em defesa da Constituição contra os avanços autoritários do presidente Jair Bolsonaro.

Um ato golpista desse jaez, cujos desdobramentos são imprevisíveis, é repugnante por si só e merece imediata condenação por todas as forças amantes da lei e da liberdade no País, em especial as Forças Armadas, citadas nominalmente tanto pelo presidente como por alguns dos líderes da ação golpista. É ainda mais acintoso porque toma justamente o local que representa a essência desta República para urdir um ataque aos Poderes Legislativo e Judiciário. Terá esse episódio mais uma vez o apoio explícito do chefe do Poder Executivo?