sexta-feira, novembro 04, 2016

Perguntas difíceis não são bem-vindas nas escolas ocupadas - EDUARDO CUCOLO

FOLHA DE SP - 04/11

BRASÍLIA - O movimento de invasão a escolas visto em várias partes do país já conseguiu atrapalhar a vida de muitos estudantes. Mas ainda não produziu alternativas às propostas que, segundo dizem, motivaram essas "ocupações".

Contribui para isso a subserviência de grande parte dos participantes a partidos e movimentos de esquerda, além do apego a ideologias.

Se fossem apartidários, não viriam a Brasília tirar fotos e confraternizar com parlamentares da oposição. Sem se importar que alguns deles sejam investigados na Lava Jato.

O controle de movimentos estudantis por partidos, aliás, não é algo novo e explica 13 anos de silêncio diante dos dois últimos governos.

Superar a doutrinação ideológica no ambiente secundarista também não é fácil. É nítida a dificuldade de apresentar a estudantes uma visão mais liberal do mundo. E propostas como a "Escola sem Partido" acabam por fomentar mais desconfianças do que discussões.

Não parece haver estudante que não defenda um currículo mais flexível. Ao mesmo tempo, surpreende o discurso de muitos para que nada deixe de ser obrigatório.

Propostas de reforma do ensino adormecem nas gavetas da Câmara. A edição de uma medida provisória, que tem prazo para ser votada e transformada em lei, no entanto, é vista como uma tentativa de acelerar debates para evitar discussões.

É possível que o Executivo recue e enterre a reforma. Afinal, é um governo com receio de se impor em temas que não sejam a PEC do teto de gastos. Com isso, fica tudo como está.

Nesse ponto, aliás, os estudantes são mais um grupo que iniciou a guerra pelos recursos mais escassos desse novo Orçamento.

O Brasil investe pouco em educação. Mas gasta muito com benefícios previdenciários e funcionalismo.

Haverá ocupação de escolas em defesa da reforma da Previdência?

Nas escolas ocupadas, perguntas difíceis não parecem ser bem-vindas.

Delações, recessão e eleições - ROGÉRIO L. FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 04/11

Não há como subestimar a tensão que vem tomando conta do Congresso Nacional


Tenso e extenuante como tem sido, 2016 ainda não acabou. Passados o afastamento de Dilma, a interinidade de Temer, a Olimpíada, a confirmação do impeachment pelo Senado, a aprovação da PEC do Teto na Câmara e os dois turnos das eleições municipais – tudo em meio aos sobressaltos da Lava Jato –, o País ainda tem pela frente mais 50 dias de tensão, até que as festas de fim de ano deem 2016 por encerrado.

Em condições normais, o Planalto teria agora tempo de sobra para cuidar da aprovação da PEC do Teto no Senado. E também para dar a público a tão aguardada proposta de reforma previdenciária e, afinal, iniciar a longa e dura batalha de convencimento da opinião pública que terá de preceder apreciação da proposta pelo Congresso em 2017. O problema é que as condições estão longe de poderem ser consideradas normais. Em Brasília e nas capitais de muitos Estados, a classe política vem tentando se firmar para aguentar o tranco da temida megadelação de dezenas de executivos da Odebrecht, cujas ondas de choque prometem superar por larga margem os piores abalos que até agora advieram da Lava Jato.

O que se teme no Planalto é que um terremoto político de tais proporções possa fragilizar o governo e desestruturar de tal modo sua base parlamentar, a ponto de comprometer a aprovação da PEC do Teto no Senado e inviabilizar a deflagração, ainda este ano, do debate sobre a reforma previdenciária.

Não há como subestimar a tensão que vem tomando conta do Congresso. Basta ter em mente a mobilização, agora ostensiva, da base aliada do governo com a aprovação, a toque de caixa, de mudanças na legislação que redundem na anistia dos financiamentos de campanha eleitoral com recursos “lícitos” provenientes de caixa 2, ocorridos no passado. Tudo à luz do dia, sem maiores preocupações com a reação da opinião pública.

Ao Planalto restou rezar para que o desgaste político dessa ardilosa operação de resgate não respingue no governo. E torcer para que a homologação das delações pelo Supremo fique para 2017, deixando entreaberta a janela de oportunidade com que contava o governo para, até o fim do ano, dar sinais de avanço inequívoco na agenda de mudança do regime fiscal.

O governo tem plena consciência de que tais sinais precisam ser dados com a máxima urgência. A própria recuperação da economia parece estar à espera de um choque decisivo de confiança. Para grande decepção do Planalto, os indicadores mais recentes da evolução do nível de atividade sugerem que o PIB poderá permanecer em queda por mais um trimestre. Tudo indica que o fim do longo e dramático movimento recessivo em que a economia foi metida ficará para 2017.

Em meio a todas essas dificuldades, o governo ao menos tem boas razões para comemorar o desfecho do processo eleitoral encerrado no domingo, por mais difícil que seja extrair conclusões gerais e incontestes do complexo mosaico formado por resultados de eleições disputadas em cerca de 5.500 municípios.

Mais uma vez, haverá amplo espaço para que os analistas divirjam sobre o que de fato as urnas quiseram dizer. E para que se debrucem sobre o real significado dos porcentuais extremamente altos de abstenção e votos brancos e nulos em várias das maiores capitais em que houve disputa em segundo turno. No Rio, em Belo Horizonte e em Porto Alegre, cerca de 40% dos eleitores preferiram se abster, votar em branco ou anular o voto, no segundo turno.

Mas a verdade é que o governo não tem por que reclamar. Os principais partidos que lhe dão apoio tiveram bom desempenho. E os que lhe fazem oposição ou foram simplesmente devastados ou saíram do pleito com muito pouco a mostrar. O temor de que as eleições municipais pudessem trazer uma mensagem de repúdio ao presidente Temer e a seu programa de governo revelou-se completamente infundado. O que, para o Planalto, a esta altura do jogo, não é pouco.

*Economista e doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

É urgente flexibilizar a cláusula de conteúdo local - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 04/11

Integrantes do governo Temer têm deixado claro que será alterada a política em vigor nos governos petistas de estabelecer uma proporção elevada de insumos produzidos no País nos contratos com a indústria petrolífera


No contexto de uma nova política para o setor de petróleo e gás, baseada no sistema de concessões e não mais de partilha para áreas do pré-sal, o governo terá de decidir o mais breve possível a questão do conteúdo nacional dos bens e serviços necessários para a exploração, desenvolvimento e produção no setor de hidrocarbonetos. Integrantes do governo Temer têm deixado claro que será alterada a política em vigor nos governos petistas de estabelecer uma proporção elevada de insumos produzidos no País nos contratos com a indústria petrolífera. Mas, até agora, não se sabe exatamente o que vai ser feito.

Segundo a diretora-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Magda Chambriard, que deixa o cargo hoje, o País ainda se ressente de instrumentos que permitam extinguir o sistema de multa por descumprimento da cláusula de conteúdo local. Assim, quando uma petroleira descumpre o porcentual previsto nos contratos, a ANP não tem alternativa senão impor pesadas multas. Nem a Petrobrás escapa das multas.

A manutenção do requisito de conteúdo local, evidentemente, onera a produção nacional de petróleo e desencoraja empresas nacionais e estrangeiras de investir no setor. Como o governo conta com a retomada dos leilões do pré-sal em 2017, a cláusula precisa ser modificada.

Em entrevista ao Estado, Magda Chambriard preveniu as autoridades de que não era possível que as petroleiras adquirissem no País todos os bens de que necessitam, mas deixa para o sucessor – o executivo Decio Oddone – examinar a possibilidade de adoção de um sistema de incentivos em lugar de penas pecuniárias pelo não cumprimento de altos porcentuais de máquinas e equipamentos nacionais pelas petroleiras que querem investir no País.

Se é verdade que a indústria fornecedora de insumos gera mais empregos do que as petroleiras, a experiência tem demonstrado quanto é contraproducente a exigência de conteúdo nacional em níveis irrealistas. Uma solução pode e deve ser buscada no bojo de uma política industrial que leve em conta o papel hoje desempenhado pelas cadeias produtivas globais, às quais a indústria instalada no País terá de se inserir.

A lei para quase todos - FERNANDO GABEIRA

ESTADÃO - 04/11

Por que parlamentares se apegam tanto ao foro especial e desqualificam os outros magistrados?


Foro privilegiado, ou foro por prerrogativa de função? Cláusula de barreira ou cláusula de performance? As palavras, principalmente em política, costumam expressar posições bem definidas.

O que chamamos foro privilegiado nem sempre foi visto assim. No passado era pior. As pessoas tinham direitos a partir de sua origem, de sua classe social, algo que as acompanhava até à morte. Nesse sentido, ao limitar o foro especial ao exercício de uma função, houve um avanço indiscutível. Perdido o cargo, retorna-se ao destino comum.

Deputados e senadores só podem ser processados pelo Supremo Tribunal. Em princípio, não é uma coisa boa se você fez algo errado. Os juízes do Supremo são mais competentes e, portanto, mais capazes de desarmar todas as tramas da defesa. Além disso, ao ser condenado pelo Supremo, não há para onde correr, não há chances de recursos a uma instância superior, como na vida aqui embaixo, onde os condenados se veem às voltas com juízes de primeira instância.

Por que os parlamentares se apegam tanto ao foro especial? Por que desqualificam os outros juízes, considerados por Renan Calheiros juizecos de primeira instância? Por que preferem o que deveriam temer?

A resposta está no tempo, isso que nem sempre sabemos definir, mas sabemos muito bem o que é. Os processos no Supremo levam anos para ser julgados, o tempo corre a favor dos acusados.

Segundo os últimos números, cerca de 224 parlamentares são objeto de investigação ou ações no Supremo. De 1988 para cá, 500 foram investigados e apenas 16, condenados.

Os números atuais são um recorde. Alguns parlamentares respondem a mais de um processo. Há os recordistas, como o senador Lindberg Farias (PT-RJ)ou o ex-deputado Paulo Cesar Quartiero, hoje vice governador (de Roraima), com 13 inquéritos cada um.

Nada tenho pessoalmente contra Quartiero. Desenvolvi mesmo uma visão crítica sobre a delimitação da área indígena Raposa-Serra do Sol. Mas andei por lá em algumas ocasiões, inclusive num momento em que Quartiero destruiu suas instalações de beneficiamento do arroz que produzia, revoltado com a perda de suas terras.

Como fiz algumas fotos, a Justiça me chamou para depor. Fui lá, no dia e hora e marcados, e contei o que vi. E disse que tinha as fotos. Por precaução salvei algumas e as mantive na mesa do computador.

Nunca mais fui chamado. De vez em quando, olhava as fotos e pensava comigo mesmo: vou mantê-las aí, pode ser que se interessem, que queiram ao voltar ao tema. Com o tempo retirei-as da minha vista. Nunca mais soube de nada a respeito desse assunto e, na verdade, perdi o interesse.

Claro que quero voltar a Uiramutã e pernoitar numa pensão de R$ 20 por noite, rever todas as belezas daquela região de Roraima, na fronteira com a Venezuela e a Guiana. Mas o destino da Raposa-Serra do Sol, tão discutido no passado, não é mais pauta de reportagem. Teria de fazer uma grande ginástica narrativa para que as pessoas se interessassem pelo que, de fato, aconteceu depois da delimitação da área indígena.

Tudo o que é sólido se desmancha no ar. A frase de Marx, adaptada por Marshall Berman para o continente americano, tem plena validade para o Brasil. Estou falando de um dos 500 casos que, por coincidência, se entrelaçaram com a minha trajetória pessoal.

Um dos inquéritos mais antigos de Renan Calheiros é o que envolvia sua amante mantida por empreiteira. O caso revelou uma riqueza pessoal insuspeitada e também se dissolveu no ar. Todas as etapas foram cumpridas no tempo. Acabou em pizza, o que em termos amorosos quer dizer: em poses para uma revista masculina.

A passagem do foro privilegiado para o comum não significa necessariamente uma solução perfeita para o problema. Lembro-me de que o deputado Bonifácio de Andrada muitas vezes enfatizou, em conversas sobre o tema, como é perigoso ser perseguido por um juiz no interior, sobretudo no momento eleitoral, em que as paixões políticas se acendem.

Atualmente, fala-se numa espécie de Corte dedicada exclusivamente aos parlamentares e outros detentores de foro especial. Não me parece a melhor saída. No entanto, a pior de todas é continuar empurrando com a barriga, enquanto os processos dormem no Supremo.

Aquele célebre momento em que Dilma nomeou Lula para protegê-lo de Sergio Moro deveria ser um ponto de inflexão. Na verdade, o mensageiro acabou ofuscando nossa memória da mensagem. Quem não se lembra do Bessias? Depois que Dilma caiu, todos queriam saber do Bessias, por onde andava, se estava recebendo seu salário, que futuro teria o Bessias num país sem Dilma na Presidência... Se, de repente, começarmos a chamá-lo de Messias, sua mensagem pode ter um significado mais amplo. Seu tropeço anunciaria um novo tempo, sem truques e artimanhas.

Ex-governantes sofrem crueldades, assim como repórteres investigativos. Uma delas é a dispersão de processos, o que os obriga a correr de um lado para o outro, tornando-os escravos de uma defesa de Sísifo: mal se explica aqui e já é preciso sair correndo para se explicar a alguns quilômetros de distância.

Com todas essas pedras no caminho, é preciso buscar uma saída. Dizem que uma das conquistas da Lava Jato foi demonstrar que a lei vale para todos. Mas vale mesmo?

A cadeia de Curitiba está cheia de gente sem mandato. Quem tem mandato tem polícia particular, com sofisticadas malas para desmontar grampos, assessorar bandidos no Maranhão. E ministros no Supremo para, com a rapidez de um relâmpago, livrá-lo das complicações. Mexam com os jagunços de terno preto e gravata e não faltará uma sumidade jurídica para nos esfregar a Constituição na cara.

A lei vale para todos? Felizmente, ainda não estão prendendo quem responde a essa frase com uma gargalhada.

*Jornalista

Viés autoritário - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 04/11

SÃO PAULO - Acho importante que estudantes se envolvam com política. É saudável que, de vez em quando, tomem uma escola e lá permaneçam por poucos dias, para mostrar que são uma força que precisa ser ouvida. Há, porém, algumas coisas no atual movimento de ocupações que não consigo entender.

Para início de conversa, vejo uma tremenda falta de solidariedade para com os colegas que desejam ter aulas ou querem fazer o Enem. Essa descortesia é ainda pior quando se considera que seria em tese possível manter a mobilização sem prejudicar os interesses dos alunos mais preocupados em estudar e tentar ir para a universidade. Afinal, a principal prioridade de quem diz defender a educação deveria ser garantir que todos possam ter aulas.

Passemos à pauta de reivindicações, que é a rejeição da PEC 241 e da MP do ensino médio. De minha parte, penso que a criação de um teto de gastos para o governo é necessária. Ainda não inventaram mágica que permita ao Estado gastar indefinidamente mais do que arrecada. Mas compreendo a inquietação dos que acreditam que a PEC levará no médio prazo ao corte de gastos sociais. É uma possibilidade real. Acho apenas que a ação estudantil não deveria ser contra o mecanismo que estabelece a necessidade do equilíbrio fiscal e sim centrar-se no que precisa ser reformulado para que os cortes não recaiam sobre a educação.

Em relação à MP do ensino médio, eu concordo, e já disse aqui, que o governo errou ao propor essa reforma via medida provisória e não projeto de lei. Mas, pelo menos para mim, que cresci sob as ondas de choque do "é proibido proibir" de maio de 68, não dá para acreditar que os estudantes de hoje estejam contra o fim da obrigatoriedade de disciplinas. Ao fazê-lo, estão dizendo que cabe a um burocrata de Brasília e não a cada aluno decidir as matérias que vai cursar. Já não se fazem estudantes como antigamente.

Militância fora do tribunal indica que Moro está, sim, candidato a algo - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 04/11

"Lula vai ser preso?" Essa é a pergunta número um das bocas, dos becos e dos botecos. A minha resposta: "Não sei". Outro dia arrisquei: "Com corte de gastos, reforma da Previdência e reforma trabalhista, seria preferível uma condenação em regime aberto. Não gosto de heróis presos em períodos de crise. Mas que se cumpra a lei". A pessoa ficou brava. Não foi uma resposta adequada a esses tempos de redes sociais. Nestes dias, quem indaga quer ver apenas a própria cara refletida no "black mirror", na tela. Ou nada de "like" pra você.

Uma segunda questão começa a ganhar corpo em versos e trovas e a sair do breu das tocas: "Sergio Moro vai ser candidato?" Com alguma frequência, deixa-se de lado o complemento nominal porque parece tão óbvio que a palavra "candidato", nesse caso, é intransitiva! Só pode ser "à Presidência". E eu: "Seria melhor que não fosse". E a cara contrariada do outro lado: "Por quê? Você imagina alguém melhor?".

Oh mares! Oh temporais! Oh Cícero dos falsos cognatos!

O que é que se fez da dúvida nesta terra? Quem pergunta não espera ouvir uma resposta. Quer uma reiteração, uma redundância, um pleonasmo. Num mundo em que só há certezas, a inteligência especulativa se torna, por óbvio, subversiva.
Avanço um pouco. Moro já é candidato. E sacio a fome de complemento de quem não suporta a gramática da dúvida: é candidato "a alguma coisa". Que ele já não caiba mais no molde do juiz, disso estou certo.

Mandam-me um vídeo em que o "esposo", Moro, lê o trecho de um discurso de Theodore Roosevelt contra a corrupção. O americano, que falava suavemente, carregava, como se sabe, um grande porrete, o imortalizado "big stick". Encerra a gravação sem esquecer de um agradecimento: "E fica essa leitura aí para ser apresentada nessa página, que é mantida, muito gentilmente, pela minha querida esposa".

A tal página, no Facebook, é a "Eu MORO com ele". Traz, logo na abertura, uma foto com as palavras "DE AMOR POR VOCÊ". No primeiro caso, um trocadilho; no segundo, uma elipse trocadilhesca: "[Moro] de amor por você". Assim, já se sabe a quem remete o pronome "Ele", que não mais substitui um nome, um substantivo, mas alude a um mito em fermentação.

A página da "minha [dele] gentil esposa", para a qual "Ele" grava vídeos, faz a defesa do fim do foro especial por prerrogativa de função, chamado, sem a devida vênia jurídica, de "foro privilegiado"; reproduz a foto de uma criança de oito anos que se fantasia com os "pretos sobre preto" da vestimenta do juiz; faz militância política aberta sobre temas que estão por aí, em trânsito.

Em suma, "Eu MORO com ele", "muito gentilmente tocada" por sua "querida esposa", é uma página de militância política. Inclusive contra o Supremo, para onde vai boa parte dos políticos da Lava Jato com foro especial. Sugestão evidente: "Ele" pode fazer Justiça; já aqueles do STF...
E que mal há na existência de uma página com essas características? Nenhum! Desde que "Ele" não concentrasse hoje poder de vida e morte sobre a reputação de pessoas num mercado do qual "Ele" decidiu fazer parte.

E o leitor tem todo o direito de considerar —e a minha avaliação não é muito distinta- que ninguém está na "Vara do Moro" porque andou se comportando bem no verão passado. Ocorre que a gramática da Justiça exige uma isenção incompatível com a gramática da política.

O nosso "Tirano de Siracusa" (pesquisem) já está candidato. O tempo vai dizer o que será que será.

Facebook: https://goo.gl/X9PYqA

Desde criancinhas - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO-04/11

Nada como um inimigo em comum, como Alckmin, para aproximar Serra e Aécio


Bastou o governador Geraldo Alckmin (PSDB) botar a cabeça de fora na sucessão presidencial, como o grande vitorioso das eleições municipais, para seus dois adversários tucanos não só se mexerem, mas até se reaproximarem. Sim, senhores e senhoras, o senador Aécio Neves e o ministro José Serra andam no maior tititi e com um discurso comum: eleições municipais são municipais, eleições presidenciais são presidenciais, e uma coisa não tem nada a ver com a outra. Certamente, Alckmin discorda.

Presidente nacional do PSDB e “dono” da máquina partidária, Aécio foi solidário com Serra e até se ofereceu para soltar uma nota do partido para defendê-lo quando requentaram a informação de que a campanha dele recebeu doações da Odebrecht no exterior. Conversa daqui, conversa dali, ambos concluíram que tal nota teria efeito bumerangue, chamando atenção para a delação e voltando-se contra Serra. Mas abriu-se o canal.

Os contatos continuaram, os dois têm se falado por telefone com frequência e vão se encontrar amanhã em São Paulo para botar o papo em dia, deixar as divergências (por ora...) de lado, fazer um balanço das eleições municipais e discutir posições comuns nas disputas que estão logo aí: pela presidência da Câmara, pelas lideranças tucanas na Câmara e no Senado e pela presidência do próprio partido, além de prévias para escolher o nome de 2018.

Na Câmara, encorpa a tese de manter Rodrigo Maia (DEM), considerado pelo deputado Roberto Freire (PPS) como “o nosso Itamar”, em uma referência ao ex-presidente Itamar Franco, que chegou ao Planalto pelo destino, sem grandes pretensões, mas capaz de dialogar à esquerda e à direita e a tocar o barco com pouca resistência e alguma competência. Quanto mais Centrão, PSDB, PMDB e a oposições se digladiarem – e se neutralizarem –, mais a opção Maia cresce.

Mas, lembrando que Aécio e Serra têm mandato no Senado, enquanto Alckmin fica a distância de Brasília, como governador de São Paulo, os dois já discutem até um candidato comum para a liderança na Câmara: Marcus Pestana, de Minas. Ele é tido como o principal articulador de Aécio no Congresso, mas é economista, vem da juventude católica e tem um passado mais à esquerda, como Serra. E não é que Serra e Pestana vão conversar na terça-feira?

Na segunda-feira, entre o encontro de Serra com Aécio e o de Serra com Pestana, Alckmin estará onde mesmo? Em Belo Horizonte de Aécio, em um dos 20 eventos suprapartidários de lançamento em vários Estados da nova vacina contra a dengue, um excelente pretexto para que o principal vitorioso das eleições municipais circule livremente pelo País... em campanha. Na capital mineira, aliás, Alckmin vai aproveitar para confraternizar com o atual prefeito, Márcio Lacerda, do PSB. Em São Paulo, o PSB já é “alckmista”. Dizem que em Minas está começando a ser.

Enquanto isso, Aécio foca o PSDB para manter a tropa unida – em torno dele, claro – e Serra usa a trincheira do Itamaraty para fazer a política externa repercutir na interna. Passou o feriado telefonando para os chanceleres da Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile, pedindo que venham a Brasília ou enviem alguém com status de ministro para a reunião de segurança de fronteiras, no dia 16. Então, todo mundo diz que a eleição municipal não tem nada a ver com a presidencial, mas que mexe com os nervos dos presidenciáveis lá isso mexe. Só não mexe mais do que a Lava Jato.

Recordar é viver. Como o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB) incluiu o presidente Michel Temer e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entre suas testemunhas de defesa, vale lembrar que isso tem um efeito mais psicológico do que prático. Em 2011, o coronel Brilhante Ustra chamou como suas testemunhas o ex-presidente José Sarney e o ex-ministro Jarbas Passarinho. Nenhum dos dois deu as caras e ficou por isso mesmo.

A próxima medida - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 04/11

Com a aprovação na Câmara por ampla maioria da proposta de emenda à Constituição que limita o crescimento dos gastos públicos, é provável que a votação final no Senado ocorra sem modificações até o final deste ano.

Para não perder tempo, o governo de Michel Temer (PMDB) já se debruça sobre a próxima medida, de difícil convencimento popular, mas necessária para o saneamento das contas e a retomada do crescimento: a reforma da Previdência.

As mudanças começaram na prática com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à chamada desaposentacão.

A corte fechou a porta pela qual passavam pessoas que se aposentaram cedo e continuaram trabalhando depois disso. Pleiteava-se e conquistava-se na Justiça o direito de trocar o valor do benefício previdenciário por um novo, recalculado com base nas contribuições efetuadas no período que deveria ser de inatividade.

Ao impedir essa prática, o STF evita despesas adicionais estimadas em R$ 7 bilhões ao ano, sem contar novos processos. Uma ajuda considerável para o governo, que precisará se preocupar com um item a menos na sua proposta.

Para que tenha credibilidade e apoio social, qualquer reforma da Previdência precisará ser pautada por dois princípios: isonomia de regras e realismo demográfico.

Enquanto o deficit do INSS para 2017 é estimado em R$ 181,3 bilhões (2,7% do PIB), cobrindo 34 milhões pessoas, o rombo no setor público federal chegará a R$ 114 bilhões, mas para atender cerca de 1 milhão de pessoas.

Não há mais espaço para regimes especiais e privilégios. Será preciso igualar definitivamente as regras, bem como proibir o acúmulo de benefícios e acabar com as pensões exorbitantes.

Quanto à demografia, estima-se que, até 2060, a atual parcela de pessoas acima de 65 anos terá sido multiplicada por quatro, pressionando o gasto do INSS até ele consumir todo o orçamento da União.

Não há como escapar da fixação de uma idade mínima para a aposentadoria —espera-se que o governo proponha inicialmente 65 anos para homens e mulheres—, com uma regra de transição que não seja longa demais.

Apenas casos excepcionais, como os de trabalhadores pobres que iniciaram a labuta muito cedo, podem ter tratamento diferenciado.

A reforma da Previdência medirá a disposição dos brasileiros para encarar a realidade da limitação de recursos e do envelhecimento populacional. Será também uma oportunidade única para o sistema político demonstrar que está do lado da sociedade como um todo, e não das corporações.

Efeito profilático - MERVAL PEREIRA

O Globo - 04/11

O que está decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a efetivação suspensa pelo pedido de vista extemporâneo do ministro Dias Toffoli, é que, uma vez réu, o integrante da linha de substituição tem que ser afastado dessa posição, que o habilita a exercer a Presidência da República. Se o próprio presidente não pode ser réu, muito menos alguém que tenha que substituí-lo eventualmente pode sê-lo.

Isso implica que, se for recebida uma denúncia contra o presidente do Senado, da Câmara ou do STF, esse agente automaticamente deve ser afastado dessa presidência, podendo, porém, permanecer no exercício do cargo de origem (senador, deputado ou ministro do STF). O mérito da medida é impedir que uma pessoa nessas condições exerça a liderança institucional máxima.

Suposta “linha sucessória” não existe, pois há apenas um sucessor legal do presidente brasileiro, que é seu vice, que o substitui em eventualidades, ou sucede a ele em caso de vacância permanente, por doença, morte ou impeachment. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros, assim como a presidente do STF, Cármen Lúcia, portanto, não fazem parte da linha sucessória, mas substituem o presidente por no máximo 90 dias, para convocar eleições.

Do ponto de vista constitucional, portanto, Michel Temer não tem vice-presidente, assim como Itamar Franco e Sarney não tiveram, mas a Rede, que impetrou a ação que foi julgada ontem pelo plenário do STF, defende que um réu não pode substituir o presidente da República, mesmo em caráter provisório.

Após o STF confirmar o julgamento, Renan perderá automaticamente a presidência do Senado se tiver denúncia contra si recebida, e já há uma aguardando pauta. Ele não pode simplesmente “abrir mão” de assumir a Presidência da República e passar para o próximo, afirma o juiz Márlon Reis. Essa prerrogativa não é dele, mas do cargo. Por isso ele sai do cargo para que o Senado não perca a prerrogativa.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) apresentada pela Rede Sustentabilidade foi arquitetada na Faculdade de Direito da Uerj pelos advogados Daniel Sarmento, principal autor da ação no Supremo, e Eduardo Mendonça, que ficou com o escritório de advocacia do hoje ministro do STF Luís Roberto Barroso, que por essa razão declarou-se impedido de participar do julgamento.

O pedido de vista feito por Toffoli, após 5 ministros já terem dado seus votos a favor da tese, teve o efeito prático de ajudar Renan a permanecer na presidência do Senado mais tempo, provavelmente até o fim de seu mandato, em janeiro.

Como o recesso do Judiciário é de 20 de dezembro a 20 de janeiro, dificilmente haverá tempo útil para o caso voltar a julgamento nesse período, mesmo que nele seja julgado, o que é improvável, um dos 11 processos contra ele já liberado por Edson Fachin. Trata-se de decidir se a empreiteira Mendes Junior pagou pensão alimentícia à jornalista Mônica Veloso, com quem o parlamentar tem uma filha fora do casamento. O escândalo data de 2007 e provocou a renúncia de Renan da presidência do Senado, para não ser cassado.

A atitude de Toffoli foi tão extemporânea que o ministro Celso de Mello decidiu dar mesmo assim o sexto voto, que formou a maioria do plenário a favor da proibição de que um réu permaneça na linha de substituição do presidente da República.

Anteriormente, Toffoli havia sido derrotado pela maioria na primeira decisão do dia, quando se posicionou contra dar prosseguimento ao julgamento por “perda de objeto”, já que a ação original referia-se ao então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que já saiu da linha de substituição da Presidência.

A suspensão do julgamento sem a formalização da decisão que já está tomada é um favor, voluntário ou não, a Temer, que temia que a saída de Renan da presidência do Senado prejudicasse a votação da PEC do controle de gastos ainda este ano.

O juiz Márlon Reis, conhecido por sua atuação na aprovação da Lei da Ficha Limpa, considera que a Câmara e o Senado não mais elegerão réus, ou potenciais réus, para a sua presidência. “O efeito profilático da medida para o futuro é avassalador”, comemora o juiz, que lançou a tese que foi encampada pela Rede num artigo no GLOBO, a propósito de Eduardo Cunha.