quarta-feira, fevereiro 07, 2018

Relatório Oxfam: o que de fato está distante? - ADRIANO PARANAIBA

GAZETA DO POVO - PR - 07/02

Todos queremos um mundo mais justo, e partimos do preceito de que a igualdade seria o ponto-chave, mas igualdade em quê?


Recentemente, a ONG Oxfam publicou um relatório intitulado “A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras”, e gerou uma grande repercussão, tanto exaltando suas conclusões quanto criticando suas omissões metodológicas.

Poderia me juntar ao exército de analistas que dominam os conceitos de matemática básica e estatística para tecer críticas aos colossais equívocos metodológicos e desonestidade técnica presentes no relatório, como, por exemplo, o uso de estimativas parciais e comparação entre bancos de dados incompletos. Também poderia me juntar a outros diversos pesquisadores que apontam equívocos, para não repetir a palavra “desonesta” no texto, na utilização de conceitos econômicos, como os termos “riqueza líquida” e “endividamento”. Da mesma maneira, poderia fazer coro aos tantos outros que indicam que foram ignoradas importantes informações como o Índice de Gini e relatórios da Organização Mundial da Saúde que apontam melhoras significativas na qualidade de vida ao redor do mundo. Porém, quero me ater a uma discussão sobre o que acredito ser o ponto central não só do relatório, mas da própria missão desta ONG.

No relatório existe uma forte convicção da necessidade de promover igualdade no Brasil e no mundo, partindo da perspectiva de que “não é possível erradicar a pobreza no mundo sem reduzir drasticamente os níveis de desigualdade”, conforme aponta o próprio relatório na sua página 11. Este é o ponto principal da discussão.

Ninguém quer ser igual ao vizinho ou ao colega de trabalho; as pessoas querem ter o que atenda a subjetividade de suas necessidades


Quando falamos em desigualdade, vêm à mente os ideais da Revolução Francesa de “liberdade, igualdade e fraternidade”, inspirados na análise de Jean-Jacques Rousseau em A origem da desigualdade entre os homens. Ao longo da história, diversos líderes embriagados por esta necessidade suprema de reduzir a desigualdade, para assim abolir a pobreza, obtiveram como resultado de seus experimentos sociais mais pobreza, fome e morte. Não estou sinalizando minha opinião sobre regimes socialistas, mas evidenciando fatos: mais de 100 milhões de vítimas de regimes socialistas são contabilizadas pelo The Victims of Communism Memorial Foundation. Ou seja: foi criada uma relação equivocada de causa e consequência entre desigualdade e pobreza.

Quando se fala em igualdade, ela é confundida com o conceito de justiça. Todos queremos um mundo mais justo, e partimos do preceito de que a igualdade seria o ponto-chave, mas igualdade em quê? Quem soube responder essa pergunta com maestria foi Martin Luther King Jr., que lutou pela igualdade dos direitos civis. Em vez de promover uma luta racial nos nos Estados Unidos dos anos 1960, ele fez algo muito maior, e queria a igualdade de oportunidades entre brancos e negros. Não há evidências de que ele tenha pedido cotas em escolas, mas pediu que todos tivessem o justo acesso à escola e, pelo mérito individual, cada um trilhasse seu caminho. Ademais, Rosa Parks, considerada a “mãe dos direitos civis”, se recusou a ceder o seu lugar a um homem branco em um ônibus em Montgomery (algo obrigatório pelas leis segregacionistas) por acreditar que já havia conquistado aquele lugar. Uma luta por justiça.

Além disso, a redução da pobreza pode ter mais correlação causa-consequência com as outras duas metas da Revolução Francesa: liberdade e fraternidade. A liberdade, tanto em questões pessoais quanto econômicas, é o que garante a possibilidade de as pessoas saírem da condição de pobreza e, com o anseio de buscar uma condição melhor, serem livres de escolher as possibilidades disponíveis que garantam a satisfação das suas necessidades individuais. Ninguém quer ser igual ao vizinho ou ao colega de trabalho; as pessoas querem ter o que atenda a subjetividade de suas necessidades. Um governo planejador jamais saberá a cor da camisa que deixa um cidadão mais satisfeito, e o quanto outro cidadão estaria disposto a abrir mão de um suculento filé por um ingresso para o jogo de seu time do coração.

A última meta, a fraternidade, parece ser a mais esquecida, embora seja a peça para que a humanidade avance em seu processo evolutivo como sociedade, tal qual se é propagado pelos defensores do igualitarismo. Promover a igualdade de modo coercitivo não traz mérito para ninguém. O desejo de compartilhar e ser solidário é um valor individual que deve ser cultivado, e não a retórica doutrinária de que é preciso tomar de uns em favor de outros. Essa doutrina – socialista – nos torna mais distantes da possibilidade de sermos uma sociedade que pense no bem comum, pois nos ensina a enxergar no outro o inimigo, motivados pela falácia da luta de classes. Ludwig von Mises, notável economista e filósofo do século 20, já havia predito a impossibilidade de êxito, tanto econômico quanto social, dessa mentalidade – e isso nas primeiras décadas do século passado, uma época em que a implantação de regimes socialistas era unanimidade e tida como solução para as mazelas do mundo.

Estamos, sim, distantes – cada vez mais distantes de enfrentar o que verdadeiramente aumenta a pobreza: falta de liberdade e de espírito fraterno, os verdadeiros motes para alcançar o que de fato anseia a humanidade, seja como um grupo, seja como indivíduos.


Adriano Paranaiba, economista e doutor em Transportes, é professor de Economia e Gestão no Instituto Federal de Goiás e editor-chefe do periódico acadêmico “Mises: Interdisciplinary Journal of Philosophy, Law and Economics”.

TIC, TAC - Juro subirá lá fora, e políticos não sabem o tamanho da encrenca - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/02

Se caminhamos para taxas maiores nos países ricos, reformas ficam mais urgentes

Tivemos na semana passada a última reunião do Federal Reserve sob o comando de Janet Yellen, quando se decidiu pela manutenção dos juros básicos americanos entre 1,25% e 1,50% anual, sinalizando, porém, que a taxa subirá durante o ano, ainda que deva se manter abaixo do nível que, espera-se, prevalecerá no longo prazo.

Apesar da mensagem tranquilizadora, o mercado de títulos começa a mostrar preocupação: a taxa de juros para dez anos, talvez a mais importante do sistema solar, subiu de algo como 2,5% ao ano para pouco mais de 2,8% anuais do começo de janeiro para cá, o nível mais elevado desde o observado no fim de 2014.

Não se trata, à primeira vista, de um grande movimento e, para falar a verdade, é ainda um nível historicamente baixo (para os mais curiosos, a série desde 1953 pode ser vista aqui, mas já foi suficiente para afetar não só o dólar no Brasil mas as Bolsas em todo o mundo, que sofreram forte queda.

O fato é que os dados mostram a economia americana crescendo na casa de 2% a 2,5% ao ano desde 2010, suficiente para reduzir de modo persistente a taxa de desemprego, que caiu de 10% ao final de 2009 para 4,1% nos últimos quatro meses, nível que parece representar o pleno emprego naquele país.

Apesar de outras medidas (mais amplas) de desemprego sugerirem a possibilidade de alguma folga escondida no mercado de trabalho americano, tal folga, se existir, também não é das maiores. Não por acaso, o salário médio por hora subiu quase 3% em janeiro deste ano, o ritmo mais forte desde junho de 2009. De forma consistente, as projeções no mercado de títulos para a inflação subiram para pouco mais de 2% ao ano no horizonte de dez anos.

É bom deixar claro que não estamos falando de gigantesca aceleração inflacionária; no entanto, na comparação com os últimos anos, período em que salários não pressionaram a inflação, trata-se de uma dinâmica visivelmente distinta.

O receio, portanto, do mercado de renda fixa, que se exprime na forma de juros mais elevados, parece refletir a percepção de que a reação da política monetária terá que ser um tanto mais rápida, e mais vigorosa, do que as três elevações de 0,25% que se imaginavam como o cenário mais provável para 2018.

Esse risco se agrava na presença do estímulo proveniente do corte de impostos aprovado no fim do ano passado, que deve elevar a demanda no curto prazo ainda mais rapidamente.

Até agora vivemos um momento muito particular da economia global: conjugamos crescimento forte e disseminado com liquidez abundante, que estimula a busca por taxas de retorno (e risco) mais elevadas.

O primeiro ajuda o desempenho das nossas exportações, portanto nosso equilíbrio externo; já a segunda tem anestesiado investidores no que se relaciona à paralisia reformista mesmo em face de um sério desequilíbrio fiscal no país.

É bom ter em mente que essa janela não permanecerá aberta indefinidamente. Se, de fato, estamos observando os primeiros movimentos da transição para um mundo mais normal, com taxas de juros mais elevadas nos países ricos, reformas se tornam ainda mais urgentes.

Pelo andar da carruagem, contudo, o mundo político ainda não se deu conta do tamanho da encrenca. Quando perceber, poderá ser tarde demais.

Vem aí um novo ciclo das commodities? - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 07/02

Mais uma vez a América Latina poderá optar entre populismo econômico e reformas



Há exatos setenta anos, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) da ONU publicava estudo do economista argentino Raul Prebisch. Tal texto mudaria para sempre a reflexão sobre o desenvolvimento.

Com bastante razão, Prebisch argumentava que uma antiga divisão internacional do trabalho em que, por exemplo, a América Latina fornecia, com vantagens, matérias-primas a uma Europa industrializada já caducara.

A dramática ascensão dos EUA ao pináculo do poder global em fins dos 1940 metade do PIB mundial vinha dos EUA, maior potência industrial e também agrícola reluzia como símbolo transição do sistema econômico internacional. Dali adiante, os termos de troca não podiam mais ser considerados "mutuamente benéficos" para diferentes partes apenas pelo conceito das "vantagens comparativas".

A única especialização dos países de menor desenvolvimento em commodities agrícolas e minerais deixava de ser uma opção. A tendência inexorável, augurava Prebisch, era a progressiva diminuição do poder de troca relativo das matérias-primas ante bens industrializados cada vez mais valorizados.

Nestas últimas sete décadas, há muito que confirmou Prebisch, sobretudo em seu diagnóstico sobre agregação de valor. Menos, no entanto, em suas prescrições em prol de uma industrialização mediante substituição de importações.

Países que realmente mudaram de patamar no período —a grande maioria deles encontrada no Sudeste Asiático— associaram industrialização à promoção de exportações. Os latino-americanos permaneceram focados em suas commodities e a um esforço industrial escudado pelo Estado e voltado a um protegido mercado interno.

O curso da história, no entanto, jamais é linear. Permite, de tempo em tempo, um revival de chance de prosperidade alicerçada na exportação de commodities. Este foi bem o caso da estonteante arremetida chinesa, em especial nos últimos quinze anos, o que fez reemergir, para países como o Brasil, lógica semelhante ao padrão Norte-Sul das vantagens comparativas do século XIX. Exportamos matérias-primas e compramos bens industrializados ou, no caso da economia digital, pós-industrializados.

Ainda assim, o boom de commodities da primeira década dos 2000, se serviu para irrigar o Tesouro dos países latino-americanos, afastou-os da disciplina fiscal e da adoção de reformas modernizantes. Passado este ciclo mais recente, tudo fazia crer que voltávamos à validade dos diagnósticos prebischianos. Por um lado, o revival das vantagens comparativas das matérias-primas teria sido alvejado pela suposta desaceleração chinesa. Por outro, o alvorecer da Quarta Revolução Industrial apenas realçaria a decrescente relevância dos países produtores de commodities.

Estes dois pressupostos, no entanto, podem ser desafiados pelo rumo dos acontecimentos. Apesar do susto nas bolsas de valores nos últimos dias, a economia global continua sua progressão a um crescimento sincronizado. Todos, emergentes ou maduros, experimentarão expansão econômica em 2018.

A propósito, uma possível leitura da recente retração nos mercados acionários diz respeito não a problemas de fundamentos nas economias dos EUA ou Europa, ou pelo temor de um estouro da divida chinesa ou de uma guerra comercial. É o prenúncio de um pacote de estímulos fiscais nos EUA, com expansão de investimentos em infraestrutura, desregulamentação e reforma tributária tudo numa economia já bastante aquecida e próxima do pleno emprego a projetar potencial inflação e consequente aumento acelerado das taxas de juros.

Nessa economia mundial em expansão, destacam-se o grande investimento infraestrutural particularmente na Ásia com o projeto OBOR (One Belt, One Road) pilotado por Pequim e a extroversão do parque industrial chinês para seu entorno geoeconômico. Tudo isso joga para cima a demanda global por commodities agrícolas e minerais.

E, na ponta daquelas atividades mais intensivas em tecnologia, características da Quarta Revolução Industrial, observam-se ganhos de produtividade que também ajudam a elevar rendas de economias mais avançadas. Nesse aspecto, é bom lembrar que mesmo naqueles países de industrialização mais madura, como EUA, Alemanha e Reino Unido, onde vozes se levantam contra a globalização, a robótica e a automação supostos assassinos de postos de trabalho a taxa de desemprego é relativamente baixa. Isso também contribui para uma recuperação do preço das commodities.

Assim, nada nos impede de pensar que há um novo ciclo de apreciação relativa dos preços das matérias-primas e dos alimentos em nível global. E, portanto, mais uma vez os países latino-americanos disporão da possibilidade de optar entre populismo econômico de pernas curtas ou reformas modernizantes que permitam agregar valor em amplo escopo de setores da economia.

Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas.

Cru é cru, não é bobo - ROSÂNGELA BITTAR

Valor Econômico - 07/02

Fernando Henrique Cardoso considerou-o ainda muito cru embora, fiel ao estilo, tenha providenciado a seguir um passo atrás e dois para o lado. Ele próprio, o candidato, se declarou despreparado para a envergadura da tarefa ao pedir a ajuda de conselheiros, dois deles ouvidos aqui neste cenário que retrata idas e vindas dos últimos dois meses. A quantidade de vezes que o apresentador Luciano Huck anunciou sua não candidatura à Presidência da República só é proporcional, porém, àquelas em que a reiterou e confirmou aos mais próximos. Tanto pelo brilho do olhar, quanto pelas consultas, pelos encontros, estudos e orientação que demandou aos sábios com quem divide angústias e planos.

Não há como dizer, hoje, que a candidatura de Luciano Huck ou sua negação estão definidas. Na torcida pró-Huck há dois times: os que acreditam que ele deixou passar muito tempo para lançar-se, e o cavalo não passa encilhado duas vezes... etc; e os que acham mais do que adequada a definição em março ou abril, junto com a filiação a algum partido político, quando as pesquisas já estiverem mostrando seu potencial, que se espera significativo. Esses parecem menos equivocados, pois só agora, com a saída de Luiz Inácio Lula da Silva da disputa, as chances dos demais candidatos irão se clarificando.

Muitos esperam que ele se defina ao voltar das férias, outros que só dentro de dois meses. Já pensam e preparam, contudo, um andamento mais acelerado para a campanha do apresentador. É fato que terá pouco tempo para começar uma articulação que o leve ao centro da atenção política.

Quando viajou, antes da condenação de Lula, seus interlocutores na política acreditavam que só em caso de um acidente que provocasse um buraco profundo no quadro político Huck se candidataria. Esse abismo está aberto e as pesquisas mostram que nenhum candidato potencial despertou ainda a paixão do eleitorado.

Huck poderá herdar muitos colégios eleitorais do lulismo (não do petismo), boa parte do eleitorado do tucanato que, mesmo mantendo a candidatura Geraldo Alckmin, teria uma aliança forte para o segundo turno com qualquer um dos dois que passar pelo crivo da primeira rodada.

Se há algo sobre o quê não se tem dúvidas é que Huck é uma candidatura do PSDB, filie-se a que partido for. Foi entre tucanos que militaram seus pais e padrasto, além dele próprio. Ainda tem mais essa: se desistir definitivamente, é claro que enfraquecerá o candidato do PSDB, pois deixará de fortalecê-lo e a ele somar forças.

As questões que levanta em conversas com seus conselheiros são relevantes e representam dúvidas de quem está em processo de construção de uma candidatura. Ele quer saber o que fazer com o desemprego, como levar o país ao crescimento, o problema grave e profundo da Previdência Social, as soluções para a Saúde e a Segurança e a questão educacional, uma espécie de assunto do coração do apresentador. Isso é possível? É demorado? Qual o caminho? São suas perguntas mais frequentes. Não dá tons ideológicos aos questionamentos, mas procura sempre a rota do que é necessário ao pais.

Por que acha que não está preparado? Porque não tem partido, não tem grupo político, não sabe ainda como levar adiante uma candidatura sem isso, seu pensamento não é conhecido e terá que fazer o enfrentamento de muitos interesses de grupos com ele supostamente afinados, para, por exemplo, quebrar a matriz que não deu certo.

Muitos de seus eleitores potenciais ainda acham que Huck vai ficar distribuindo geladeira na Presidência, mas é politicamente mais sofisticado do que se mostra.

O que Luciano Huck sabe que tem e seus conselheiros percebem é muito forte também: um carisma avassalador, que deixa os políticos boquiabertos, uma capacidade extraordinária de conquistar admiradores e, portanto, votos, e uma disposição infinita para enfrentar desafios. Ele é um dínamo.

Na geleia geral, Huck ainda é o melhor novo nome da atual corrida e tem condições de fazer uma campanha não populista, com uma agenda real sem promessas vãs nem dribles em assuntos com os quais não quer se comprometer para ficar livre e fazer o contrário quando no governo.

Sua decisão final, pela maturidade e autoconhecimento que vem demonstrando, dependerá da resposta interior à questão sobre se está pronto, do ponto de vista político, para fazer valer a pena a empreitada, não só para ganhar, como para governar. Uma vez decidido, é fechar o programa de TV e expor-se às feras.

O mordomo

Rodrigo Maia está há muito tempo tentando fazer um seguro de garantia que liberte a Câmara Federal de culpa pela não aprovação da reforma da Previdência, como se isso fosse possível. Fica irritado quando inquirido sobre o assunto, toma a iniciativa de livrar a cara de deputados no caso de a Previdência Social quebrar se não sofrer mudanças radicais. Seria esclarecedor se complementasse seu raciocínio com explicações sobre de quem acha que é a culpa pela derrota da reforma cuja aprovação, no momento, é atribuição dos deputados federais.

O substituto

O PT de bom senso começa a considerar um terceiro nome para substituir Lula na disputa presidencial de outubro próximo: Patrus Ananias. Jaques Wagner e Fernando Haddad estiveram em cargos e atuaram muito próximos ao esquema de financiamento de campanha coordenado pelo partido e agora sub judice.

Patrus, não, foi tocado de raspão apenas numa delação da Odebrecht, e nada mais. É leve, nos governos petistas trabalhou com assistencialismo, é conhecido do público do Bolsa Família, o eleitorado cativo de Lula que não é necessariamente o do PT. Tem fama de santo, e parece. Não tem perfil para vencer, mas seria nome ideal para fazer bancada ampla, puxando a votação.

Ele toparia, imagina-se. Não está também envolvido com o governo petista de Minas, processado judicialmente. Com ele, é possível o PT dizer ao eleitorado de Lula: não tem o que você quer, mas este é quem melhor o substitui para atender suas necessidades.

A responsabilidade da Câmara - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 07/02

Rodrigo Maia e seus colegas deputados precisam pensar menos em suas ambições eleitorais e mais nas reais necessidades do país


O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao mesmo tempo em que dá repetidas declarações de apoio à reforma da Previdência, também dá mostras de que deseja tirar o corpo fora, antevendo a possibilidade de que não haja os 308 votos necessários para a aprovação da emenda constitucional que implanta as mudanças nas regras de aposentadoria. Informações de bastidores publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo indicavam que Maia poderia até engavetar o texto. Em resposta, durante a abertura dos trabalhos legislativos, ele prometeu manter o cronograma definido no ano passado – mas o mais provável, agora, é que o dia 19, a data inicialmente prevista para a votação, acabe se tornando o dia do início das discussões.

Segundo a Folha, Maia teria se irritado com uma frase do presidente da República, Michel Temer: “Eu fiz a minha parte nas reformas e na Previdência. Agora é preciso convencer o povo, porque o Congresso sempre ecoa a vontade popular”, disse Temer ao jornal O Estado de S.Paulo. Não há como não dar razão ao presidente neste aspecto. O governo já teve o grande mérito de colocar o tema em discussão, quando gestões anteriores ignoraram a bomba-relógio da Previdência ou fizeram alterações de menor impacto fiscal. A proposta inicial era bastante dura, mas continha alguma gordura que permitia concessões durante as negociações com o Congresso e era mais “igualitária” no sentido de atacar também os privilégios do funcionalismo público, que passaria a ter regras iguais ou bastante semelhantes às dos trabalhadores da iniciativa privada.

O que Rodrigo Maia deseja é não ficar com o rótulo de mau articulador
E o que o Congresso fez? Desidratou a reforma, de modo que o propósito inicial de eliminar privilégios ficou bastante prejudicado – as categorias que souberam gritar mais alto tiveram suas regras mantidas, enquanto o trabalhador que recebe pelo INSS, a grande maioria que não tem bancada dedicada na Câmara, continua chamado a fazer o sacrifício. E, mesmo depois de tantas concessões, ainda assim os deputados, inclusive os da base aliada, relutam em dar seu apoio. O relator da reforma, deputado Arthur Maia (PPS-BA), desabafou em uma entrevista, afirmando que seus colegas estão “se lixando para o país” e só querem saber da eleição de outubro. Os próprios líderes partidários, diz o relator, já fogem do tema alegando que, como haverá troca de liderança neste ano, seria melhor deixar para comentar o assunto com seus sucessores.

Apesar de ser a Câmara a empacar a aprovação da reforma da Previdência, Rodrigo Maia quer jogar a culpa de um eventual fracasso nas costas de Michel Temer alegando que o presidente queimou seu capital político tentando escapar das denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República. De fato, o “furacão Joesley” mudou completamente o foco em Brasília, em um momento no qual o governo parecia capaz de aprovar com facilidade mesmo reformas vistas como impopulares. Mas isso não é argumento suficiente para isentar o Legislativo da maior parte da culpa caso a reforma não seja votada ou naufrague no plenário da Câmara. O que Rodrigo Maia deseja é não ficar com o rótulo de mau articulador, neste momento em que o presidente da Câmara ainda flerta com uma candidatura ao Planalto em outubro.

Que deputados em geral, e o presidente da Câmara em particular, estejam mais preocupados com suas pretensões eleitorais que com as reais necessidades do país é muito mau sinal. A situação da Previdência, que hoje já é a maior rubrica do orçamento federal, é catastrófica, com déficits bilionários em sequência. A reforma, ainda que já tenha ficado longe da ideal após tantas alterações, pode atenuar o estrago e abrir espaço para novas mudanças no futuro, especialmente aquelas que desafiem as pressões corporativistas de setores do funcionalismo público. Os deputados precisam estar conscientes de sua responsabilidade neste momento.

EUA vão espalhar brasa no Brasil? - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SSP - 07/02

Paniquito no mercado deve passar, mas é lembrete de que dinheiro barato acabará


ESSE REMELEXO no mercado americano vai espalhar brasa sobre o Brasil? Quem soubesse com certeza tal coisa não contaria a ninguém ficaria rico.

Desde maio de 2013 espera-se que poderia haver algum problema quando o banco central dos EUA (Fed) decidisse elevar a taxa básica de juros para valer, quando a inflação voltasse, com o crescimento maior de economia e salários. Apesar de alarmes anuais, nada acontecera. Mas a era de dinheiro barato no mundo rico vai acabar, seja com um murmúrio ou com uma explosão.

Juros em alta costumam derrubar Bolsas, para começar. Aqui, elevariam juros e dólar, prejudicando nosso minicrescimento. Além do mais, em viradas econômicas ou financeiras, não raro descobre-se que o mercado estava fazendo apostas malucas, o que pode causar desastres históricos, como em 2007-08. Nesse caso, estaríamos estrepados, ainda mais agora, que temos água pelo nariz. Marola nos afoga.

Desde 2013, o Fed eleva os juros devagarinho. Muita gente graúda e entendida diz que o crescimento do mundo rico será baixo por muito tempo, que não haverá inflação relevante e, assim, não haveria alta rápida de juros. Os EUA vão completar uma década com taxa de juros de curto prazo em torno de zero.

Há quem diga, porém, que o país estaria, enfim, crescendo além da conta, com desemprego baixo demais, salários em alta e, de resto, sem a muleta da desinflação mundial propiciada até faz pouco pela China, que despejava produtos cada vez mais baratos no resto do planeta.

O que o Brasil pode fazer? No essencial, o que precisa fazer, com ou sem crise lá fora: conter o endividamento do governo. Com dívida alta e esse crescimento raquítico, uma alta de juros vai nos levar à breca.

A bagunça destes dias piorou porque a variação do preço das ações provocou perdas pesadas em um desses cantos esquisitos do mercado, até sexta-feira (2) muito rentável. Dinheiro posto em exchange traded notes (ETNs) evaporou. Houve turumbamba também em exchange traded funds (ETFs, aplicações que pretendem replicar a variação de preços de um ou mais ativos, como um índice de Bolsa, mas baseadas na posse de parte desses ativos).

As ETNs são títulos de dívida emitidos por bancos, um contrato em que um banco promete pagar a rentabilidade de um índice financeiro qualquer (como a variação de um índice de ações, para dar um exemplo de jardim da infância) e, talvez, também rendimentos atrelados de modo criativo a outro ativo.

No negócio que deu mais prejuízo, o contrato vendido por bancos era atrelado a um índice de volatilidade (variação) do mercado de ações, o VIX, por sua vez baseado na variação do preço das opções de negócios com as ações do índice S&P 500.

Em suma, ganhou-se dinheiro apostando na variação anormalmente baixa do preço das ações. O remelexo desde sexta-feira bastou para levar o VIX ao nível mais alto desde 2015.

Houve perdas totais em vários ETNs. Tentativas de evitar mais danos e riscos e de cobrir buracos levam a compras e vendas desesperadas, com efeitos em cadeia, para resumir história muito enrolada. Mais uma vez, o rabo abanou o cachorro: um canto do mercado balançou o coreto inteiro. Mas esse foi apenas sintoma de mudança maior.

Se quiser, Lula já pode fugir - RICARDO NOBLAT

REVISTA VEJA - 07/02

Sucessivas condenações desmancharão o discurso de vítima de um golpe


A Polícia Federal devolveu o passaporte de Lula que havia sido confiscado pela Justiça. E excluiu o nome dele do sistema de procurados e impedidos. Se quiser, pois, Lula está liberado para viajar o exterior e por lá permanecer até que sua sorte por aqui fique clara. Ou em definitivo caso não goste da sorte que venha a ter.

Em entrevista, ontem, a uma emissora de rádio do Recife, Lula desmentiu que pretenda fugir do país. E repetiu que será candidato à sucessão do presidente Michel Temer a não ser que acabe barrado injustamente. Disse não acreditar que será preso e nem temer a prisão. Quando nada porque foi preso na época da ditadura militar.

Há aí uma diferença que Lula jamais admitirá. Ele pode se vangloriar de ter sido preso político quando em 1980 ficou retido por 30 dias em uma cela da Delegacia de Ordem Política e Social, em São Paulo. Foi bem tratado por seu carcereiro, o delegado Romeu Tuma, depois senador e seu aliado político. E até driblou uma greve de fome chupando balinhas.

Uma vez que seja preso agora, ele ostentará a condição de político preso, acusado de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá. Nada haverá de glamoroso nisso, pelo contrário. Terá sido apenas mais um, embora o mais ilustre, dos políticos e empresários condenados e presos pela Lava Jato.

Poderá encontrar abrigo no estrangeiro – na Bolívia, Venezuela ou Cuba com toda certeza, escapando assim de cumprir pena em Curitiba ou em São Paulo. Mas seu discurso de que foi vítima de perseguição no Brasil e de um golpe que começou com a derrubada da ex-presidente Dilma Rousseff, será corroído por futuras e prováveis novas condenações.

Sim, mesmo no exílio, Lula continuará sendo processado aqui. E os que lá fora o recepcionarão com entusiasmo e pena, por fim o abandonarão ao se convencer que se trata de um preso comum, condenado por crimes comuns como ocultação de patrimônio, enriquecimento ilícito e coisas assim. Um bandido comum como tantos outros.

O que leva as pessoas a se tornarem criminosas, salvo em casos passionais, é a certeza que têm de que escaparão impunes. O que a Lava Jato, pelo menos em Curitiba, Porto Alegre e Rio de Janeiro está mostrando, é que ricos e poderosos perderam o privilégio da impunidade. Claro, eles ainda poderão ser salvos pelo Supremo Tribunal Federal. A ver.


O PIB e as eleições - FÁBIO ALVES

O Estado de S.Paulo - 07/02

Os últimos indicadores de atividade apontam para um desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 mais forte do que o consenso dos analistas está projetando e será justamente no terceiro trimestre, quando as eleições presidenciais estiverem caminhando para seu desfecho, que os brasileiros deverão sentir intensamente o impacto do crescimento mais acelerado da economia.

Nas últimas semanas, economistas do banco UBS, da Santander Asset Management e da consultoria MB Associados, por exemplo, elevaram suas projeções para o crescimento do PIB em 2018 após os dados mais recentes de atividade econômica, como a produção industrial de dezembro, que subiu 2,8% ante novembro, na maior alta desse indicador desde junho de 2013.

O UBS, por exemplo, elevou sua estimativa para expansão do PIB neste ano de 3,1% para 3,3%, a Santander Asset Management espera agora crescimento de 3,8% (ante 3,3% da projeção anterior) e a MB Associados melhorou sua previsão de desempenho do PIB de 2018 de 3,1% para 3,5%.

E uma nova rodada de revisão para cima das projeções do PIB deste ano poderá ocorrer com a divulgação, nesta sexta-feira, das vendas ao varejo de dezembro. Por enquanto, a mediana das estimativas dos analistas consultados na pesquisa Focus, do BC, aponta para uma alta de 2,70% neste ano. Mas certamente essa projeção deverá caminhar para, no mínimo, 3,0%.

Apesar das incertezas que um ano eleitoral traz, especialmente para as decisões de investimentos, são dois os motivos que alimentam essa melhora das projeções de crescimento da economia brasileira neste ano.

O primeiro é um efeito simplesmente estatístico: o desempenho mais forte do que o previsto para a economia no último trimestre de 2017 significa que o “carry over” (ou o carrego) para 2018 aumenta, ou seja, ao se terminar 2017 melhor, o ponto de partida da economia neste ano é mais alto. O efeito seria diferente se a atividade tivesse começado o ano mais forte e terminado no último trimestre mais fraca, resultando, estatisticamente, num vetor menos favorável para o desempenho do ano seguinte.

O segundo motivo que deve levar a uma revisão para cima nas projeções do PIB de 2018 é a sensível melhora no sentimento dos agentes econômicos, reflexo do aumento dos índices de confiança e das condições financeiras mais frouxas.

Em janeiro, segundo a FGV, o índice de confiança empresarial subiu para 94,9 pontos, maior nível desde abril de 2014, enquanto o dos consumidores atingiu 88,8 pontos, patamar mais alto desde outubro de 2014. E é esmagadora a aposta de que o BC vai reduzir os juros em 0,25 ponto porcentual, para 6,75%, ao fim da reunião do Copom hoje.

A condenação unânime do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região poderá dar um impulso adicional à atividade econômica. Isso porque ao tornar o petista inelegível, a incerteza de investidores e empresários sobre o desfecho das eleições presidenciais não deve mais se arrastar até o 3.º trimestre. Ou seja, o “fator Lula” pode pesar menos sobre as incertezas da eleição. Com isso, as decisões de investimentos e, por tabela, o impulso ao crescimento, poderão acontecer mais cedo no ano.

A projeção de maior crescimento em 2018 deve desempenhar um papel relevante no desfecho da eleição, porém, ainda não na definição de candidaturas, especialmente aquelas que representam a continuidade da atual política econômica tocada pelo governo Michel Temer, uma vez que os efeitos mais fortes de atividade acelerada não devem ser sentidos até meados do ano. Mas a partir de julho, quando o impacto de melhores indicadores de emprego, de produção industrial, entre outros, começar a ser sentido, até refletindo integralmente na atividade o ciclo de corte de juros pelo BC, a economia deverá ser um cabo eleitoral precioso para o candidato de centro ou da atual base de apoio do governo.

A inflação, que poderia ser um grande vilão caso a economia voltasse a crescer de forma mais acelerada, não dá sinais de que sairá do controle. Afinal, mesmo que o PIB cresça mais forte do que o esperado neste ano, essa recuperação ainda é insuficiente para compensar o estrago causado pela recessão de 2015 e 2016.


Todos são iguais perante a lei ou não? - JOSÉ NÊUMANNE

ESTADÃO - 07/02

Não está em jogo a coerência de Lula, mas a existência de exceções ao direito à igualdade


No Brasil, discute-se hoje a validade da cláusula mais pétrea da ordem constitucional de um Estado de Direito que se preze, a de que todos são iguais perante a lei. Como se fosse algo banal, que possa ser abandonado sempre que algum potentado se sentir prejudicado por ela. O princípio, que já não é respeitado a rigor agora, pode ser definitivamente jogado no lixo caso Lula não possa ser preso após a condenação em segunda instância e seja autorizado a disputar a Presidência da República, como se fosse inocente e elegível. Não pode!

É público e notório que o petista foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, a nove anos e seis meses de cadeia. Até aí, morreu o Neves, pois as ruas brasileiras estão cheias de condenados desfilando impunes para que se atenda a outro preceito sagrado, do Direito Penal: a presunção de inocência.

Só que o panorama visto da ponte mudou desde o dia 24 de janeiro, quando o acusado de ter trocado um apartamento triplex na Praia das Astúrias, no Guarujá, por favores prestados com dinheiro público à empreiteira OAS, acusada de pagar propinas a figurões da política e da máquina pública, teve essa condenação confirmada. A confirmação foi por decisão unânime (3 a 0) da 8.ª turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Os desembargadores acharam por bem aumentar sua pena para 12 anos e um mês e com isso o ex-presidente se tornou inelegível por dispositivo da Lei da Ficha Limpa, norma eleitoral de iniciativa popular, aprovada no Congresso e sancionada pelo próprio condenado, em 2010.

Não se cobra coerência do signatário, nem ao populismo que ele professa, ou do Partido dos Trabalhadores (PT), que esperneia pelo fato de Dilma Rousseff ter sido deposta da Presidência por decisão do Congresso, confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro do STF Gilmar Mendes diz que a inelegibilidade de Lula é “matemática”.

Matemática também é a decisão do TRF-4 ao negar presunção de inocência ao condenado. Qualquer calouro de Direito sabe que a decisão – em especial quando unânime, como é o caso – em segunda instância interrompe a discussão sobre a materialidade (o fato) do crime. As fartas provas contra Lula, aceitas pela unanimidade dos julgadores, encerram a discussão do ponto de vista factual. Só por isso, é possível definir neste texto impresso, com responsabilidade legal, que Lula é criminoso por corrupção e lavagem de dinheiro. Ponto final. Ficam em aberto discussões de natureza apenas de Direito, que podem ser levadas ao próprio TRF-4, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, em último caso, ao STF.

Com o açodamento de rotina, a politicamente histérica e juridicamente ineficaz defesa do criminoso lança mão de recursos possíveis e chicanas suspeitas para empurrar a discussão da inelegibilidade, tornar sua candidatura à Presidência possível e evitar sua prisão, ou seja, a execução da pena. Não se persegue a perfeição, da qual, como se sabe, a pressa é inimiga figadal, mas se investe no reino da fantasia e, sobretudo, da confusão retórica para ganhar tempo e resgatar o que reste de salvados do incêndio.

Entre mortos e feridos, o PT quer dar fôlego à legenda e evitar que se fine. Para tanto conta com a ferocidade de seus dirigentes e militantes e a passividade, mais do que compreensiva, cúmplice dos bandos de suspeitos que contam com a prerrogativa de função, mais do que com a presunção de inocência, para evitar condenação similar à de Lula. Por isso, até agora é de duvidar que a cúpula do Judiciário confirme que há magistrados independentes em Brasília, repetindo o moleiro prussiano que contava com juízes em Berlim para impedir o arbítrio de seu soberano ao tentar desapropriar o moinho dele e atender a interesses exclusivos de sua majestade. Haverá juízes na capital? A ver...

Logo após a confirmação da condenação de Lula, a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), e o líder da bancada petista no Senado, Lindbergh Farias (RJ), misturaram o lema pacifista de Gandhi (resistência passiva) com as palavras de ordem nazi-fascistas de “rebelião cidadã” e da “luta nas ruas” para ameaçar não as autoridades, mas o Estado de Direito. Gleisi, cuja batata está assando no Judiciário, disse que “mexeram num vespeiro”, sem que haja evidência de picadas de vespas pelo País afora. Escudados no foro privilegiado, eles têm podido blefar à vontade, sem que os responsáveis pela manutenção da lei e pela higidez da democracia reajam à altura. Lula, que acusou a Suprema Corte de “acovardada”, agora promete combater as instâncias inferiores, sem fazer mossa nos ministros do STF e do STJ. O que dirá a presidente do STF, Cármen Lúcia, tão ciosa da defesa corporativa da magistratura?

É que Lula e o PT não estão isolados nessa luta. Torquato Jardim, ministro da Justiça do governo do “não investigável” Temer, já fez suas contas e pontificou que relativa é a verdade aritmética inamovível de que os seis votos que derrotaram cinco no STF representam maioria a ser respeitada na decisão sobre prisão após segunda instância. Não é que ele despreze a tabuada, mas entrou na fila de quem tenta garantir privilégio e imunidade (com pê no meio) com a aplicação da regra do “quem pode mais chora menos” em terra de Cabral e Cunha. Repete a lição que o próprio Lula lhe deu quando tentou retirar o ex-inimigo e agora aliadíssimo Sarney da vala dos cidadãos ordinários sem mandatos nem cargos comissionados. Valha-nos Deus!

Não se engane com lorotas de cúmplices e falsos oponentes. O pretexto mais fascistoide desta pátria de desigualdades, “eleição sem Lula é fraude”, que pelo menos é sincero e apaixonado, é irmão siamês dessa canalhice do “prefiro derrotar Lula nas urnas”. Está aí o lema que melhor define e mais confirma que, na verdade, está é a República dos canalhas.

*Jornalista, poeta e escritor

A Polônia massacra a História - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 07/02
Num retrato da intolerância europeia, a ‘Lei do Holocausto’ pune com três anos de cadeia quem falar o que não deve

Na semana passada, o Senado polonês aprovou uma lei “protetora da reputação” do país, que pune com até três anos de prisão quem sustentar “publicamente, contrariando os fatos”, que “a nação polonesa ou a República da Polônia é responsável ou corresponsável pelos crimes cometidos pelo Terceiro Reich”. Simulando uma defesa da liberdade de expressão, excluiu do alcance da lei “atividades artísticas ou acadêmicas”.

A menos que a pressão internacional cresça, o presidente Andrzej Duda sancionará o texto. Ele já declarou que o povo polonês “como nação” jamais participou do Holocausto. Isso não quer dizer nada. O que se vê é seu governo querendo calar uma discussão incômoda.

Poucas coisas seriam piores para a reputação da Polônia do que essa “Lei do Holocausto”. Até as pedras sabem que os campos de extermínio de Treblinka e Auschwitz foram concebidos, construídos e administrados pelos alemães. O problema está mais adiante: na atividade de poloneses que massacraram judeus e saquearam suas propriedades.

Em 1941, quando a Alemanha invadiu a parte do país ocupada pelos soviéticos desde 1939, poloneses mataram judeus sem a participação da tropa do Reich. Na cidade de Jedwabne, de 2.500 habitantes, seus 1.500 judeus foram massacrados nas ruas ou queimados vivos num celeiro. Metade dos homens adultos de Jedwabne participou do massacre e foi nominalmente identificada. (Em outra cidade, o pai de Yitzhak Shamir, que veio a ser primeiro-ministro de Israel no século passado, foi morto pelos vizinhos depois de fugir dos alemães.)

Atrás do antissemitismo, em Jedwabne, Varsóvia, Viena e Berlim, estava o poderoso fator da cobiça de seus bens. Poloneses que escondiam judeus pediam-lhes que não revelassem suas identidades, por medo de serem saqueados ou mortos. Quem viu o filme “Ida” aprendeu uma parte dessa história.

Terminada a guerra, as terras vizinhas ao campo de Treblinka viraram uma Serra Pelada, com centenas de poloneses escavando-as em busca de corpos de judeus. Quando alguém achava um crânio, levava-o escondido para casa e lá procurava por ouro nas arcadas dentárias. O livro “Golden Harvest” (“Colheita dourada”), de Jan Gross, está na rede, com sua capa estarrecedora.)

Em maio de 1946, quando já havia sido instalado o Tribunal de Nuremberg para julgar a cúpula do III Reich, 42 judeus foram mortos na cidade de Kielce. Entre julho e setembro, 63 mil judeus fugiram da Polônia para a Alemanha ocupada. No primeiro ano do pós-guerra, poloneses mataram perto de 1.200 judeus.

O antissemitismo de uma parte considerável da nação polonesa conviveu com o regime comunista. Em 1969, a ditadura do proletariado forçou a saída de 20 mil dos 30 mil judeus que ainda viviam no país.

A Polônia não precisa ser marcada pela “Lei do Holocausto”. Sua história é maior que esse espasmo radical da xenofobia e do racismo europeu redivivo neste início de século. A resistência polonesa ao Reich foi maior, de longe, que a dos franceses e a dos italianos, somados. A guerra custou ao país 20% de sua população, um terço dos moradores de suas cidades desapareceram. Metade dos advogados, 40% dos médicos e um terço dos professores universitários e padres católicos morreram. E três milhões de judeus.

Um susto e um alerta - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 07/02

Pode ter sido só um susto, por enquanto, mas quem tem juízo, especialmente se for brasileiro, deve ter levado a sério a turbulência nos mercados nos últimos dias


Pode ter sido só um susto, por enquanto, mas quem tem juízo, especialmente se for brasileiro, deve ter levado a sério a turbulência nos mercados nos últimos dias. No mínimo, o tombo de várias bolsas e o sobe e desce de ontem valem como mais um aviso, desta vez muito mais difícil de ignorar. O quadro internacional, até agora luminoso e favorável às economias emergentes e em desenvolvimento, pode mudar em breve e converter-se num cenário de tormenta. Quando isso ocorrer, tanto pior para quem estiver despreparado, com as finanças públicas em desordem e os fundamentos econômicos vulneráveis a choques. Este é o caso do Brasil. O País escapou da recessão e voltou ao caminho do crescimento, mas com reformas apenas iniciadas e o ajuste das contas de governo ainda bem longe da conclusão. O impasse a respeito da Previdência é o mais forte sinal da vulnerabilidade brasileira.

Se as condições internacionais mudarem, o acesso ao financiamento ficará mais difícil, os fluxos de capital mudarão, o comércio global será prejudicado e as cotações dos produtos primários, muito importantes na pauta brasileira de exportações, serão quase certamente derrubadas.

Vários perigos foram invocados pelos especialistas para explicar a onda de preocupação nos mercados. Em vez de ser um fator de tranquilidade, a prosperidade americana, com vigoroso crescimento econômico e rápido aumento de empregos, foi incluída na conta dos sinais assustadores. Uma economia muito aquecida – é o argumento – será motivo para um aperto monetário mais forte. Os aumentos de juros pelo Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, poderão ser quatro, neste ano, em vez dos três inicialmente previstos, segundo as especulações.

Segundo alguns analistas, a queda de cotações americanas na segunda-feira pode ter sido apenas o início de uma normalização dos mercados, depois de uma longa fase de valorização das ações. Isso pode ser verdade, mas o impulso de normalização pode perfeitamente combinar-se com os temores de uma reversão mais veloz da política monetária muito branda e expansionista.

O aquecimento da economia, no entanto, ocorre muito além das fronteiras americanas. O crescimento econômico na zona do euro tem sido maior que o previsto, disse na segunda-feira o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi. A declaração foi feita em discurso no Parlamento Europeu. O pronunciamento foi positivo e otimista quanto às perspectivas de expansão dos negócios e de estabilidade financeira. Mas o sucesso da política monetária do BCE pode traduzir-se numa inflação mais próxima de 2% e, em seguida, no abandono gradual da estratégia expansionista. Se isso se combinar com um aperto mais acentuado nos Estados Unidos, a fase eufórica dos mercados deverá acabar. Um dos desdobramentos poderá ser um forte ajuste nos preços de alguns ativos, supervalorizados durante anos de dinheiro fácil. Empresas muito endividadas também poderão encontrar dificuldades.

Algumas dessas advertências têm sido repetidas há uns dois anos, ou pouco mais, por economistas de instituições multilaterais. Numa linguagem mais branda, dirigentes do Banco Central do Brasil vêm alertando para o risco de mudança de um cenário externo até agora descrito, várias vezes, como benigno.

O Brasil estará entre os países mais afetados por uma reversão do quadro internacional, se o aperto for razoavelmente forte. A segurança proporcionada por cerca de US$ 380 bilhões de reservas poderá ser muito limitada, a depender de quanto piore o humor de investidores e financiadores. Não há como duvidar da urgência de ajustes mais amplos. A reforma da Previdência deve ser a primeira medida. A chamada base governista será mais que suficiente para garantir essa reforma, se os seus parlamentares se dispuserem a cumprir as obrigações de legisladores. Os efeitos de uma nova crise serão muito duros, especialmente para os mais pobres e mais desprotegidos. Um parlamentar deve ser capaz de entender esse dado evidente.

Brasil parece ensaiar uma refilmagem de 1989 - RANIER BRAGON

FOLHA DE SP - 07/02

Collor, Lula, o novo... Atual disputa guarda semelhanças com eleição de 1989

Com um discurso lido de 22 minutos, Fernando Collor lançou formalmente nesta terça (6) sua pré-candidatura à Presidência.

Sorumbático, como de hábito, citou Schopenhauer: a vida embaralha as cartas, e nós jogamos. De fato, o mesmo misturador de cartas de 1989 parece estar mexendo nelas de novo.

Naquele ano, o país foi às urnas escolher o presidente depois de quase três décadas, também em um clima de muita instabilidade política.

Governador de Alagoas, Collor surgiu do nada, ganhou em um país dividido e fez uma gestão destrambelhada, que acabou em impeachment.

No discurso desta terça, ele teceu loas a si próprio e prometeu moderação, equilíbrio e maturidade, tudo o que lhe faltou há 30 anos. Não falou um a sobre os graves motivos que o derrubaram, entre os quais as relações com o ex-tesoureiro PC Farias. Nem que hoje continua tão enrolado quanto, sendo réu na Lava Jato.

Mas Collor-2018 não reencarnará Collor-1989. Não é mais o novo, é velho conhecido: 44% do eleitorado diz que não vota nele de jeito nenhum.

Aspira ser o novo, no atual remake, o apresentador Luciano Huck. Ele descartou a candidatura, mas foi ditar regras sobre o Brasil que queremos no Domingão do Faustão. E ganhou, nesta terça, incentivo de FHC, segundo quem Huck bota em perigo a política tradicional.

Nada indica que 2018 repetirá 1989 ou que Huck é Collor mas também nada indica o contrário.

Na esquerda, mais semelhanças. Lula é Lula. Sai Brizola, entra Ciro Gomes. No tucanato, a desempolgação com Mário Covas lembra Geraldo Alckmin. E o governismo se debate em igual abismo de impopularidade e falta de empatia, a exemplo de José Sarney e Ulysses Guimarães, que terminou em sétimo. Há até Enéas, com a diferença que Jair Bolsonaro decolou antes graças às redes sociais.

A eleição presidencial de 1989 ocorreu após vácuo de três décadas. Outras três separam aquela desta. Que comecem os jogos vorazes.
Eleições 2018

Quanto maior a altura - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 07/02

Queda das Bolsas revela temores quanto ao desmonte das políticas de juros baixos



O que é bom desta vez não durou tão pouco assim. Com a queda aguda e abrupta dos últimos dias, o S&P 500, índice de referência do mercado de ações dos Estados Unidos, encerrou um raro período de quase dois anos de alta sem maiores sobressaltos.

Apenas do início de 2017 até a semana passada, o indicador mostrava valorização de 28%. No período, a economia global passou a crescer de modo mais rápido sem elevar a inflação, o que manteve os juros em patamares baixos. Tal combinação é perfeita para as Bolsas.

Embora o Fed, o banco central americano, venha elevando suas taxas gradualmente, seus congêneres na Europa e no Japão, outros grandes centros financeiros, ainda mantêm o custo do dinheiro próximo de zero.

Alertas de riscos não vinham faltando recentemente. Como é regra em episódios desse tipo, a bonança prolongada induz investidores a aumentarem cada vez mais suas apostas, muitas vezes recorrendo a financiamentos.

Quando os preços começam a cair, promove-se uma liquidação acelerada que por vezes ganha contornos de desespero. O crescimento do papel de computadores e algoritmos que operam de forma autônoma agrava essa predisposição.

Com a poeira ainda alta, começa-se a indagar o que há de concreto por trás das oscilações —e se a queda dos preços é prenúncio de algo errado na economia mundial.

Teme-se, em especial, que possa estar perto do fim o ciclo de crescimento da economia americana —que, acumulando quase nove anos, já se mostra o segundo mais extenso do pós-guerra.

A prosperidade recente reduziu o desemprego para 4,1%, uma das menores taxas já observadas. Depois de longa letargia, os salários dão sinais de aceleração, embora ainda haja muito a percorrer.

O perigo é que a conjuntura econômica já seja condizente com a aceleração indesejada da alta dos preços. Nos EUA, a inflação ainda está abaixo da meta de 2% ao ano, mas seus principais condicionantes já apontam para um ritmo mais forte.

Especulações à parte, parece haver certa discrepância entre o bom momento da economia mundial e a permanência de juros baixos, típicos dos momentos recessivos.

Ajustar a política monetária sem causar grandes turbulências é o desafio que ocupa os bancos centrais. Não será uma tarefa fácil. Enquanto o crescimento do PIB global persistir, as taxas devem continuar subindo, assim como a insegurança dos investidores.

Mercados mundiais alertam o Congresso brasileiro - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/02

A volatividade desses dias é um recado aos políticos que tratarão da reforma da Previdência, pois países com déficits como o Brasil estão expostos a choques externos


Abrusca oscilação dos mercados, de segunda para ontem, fez o tempo voltar, nas aparências, ao final de 2008, quando estourou a bolha imobiliária, cujo epicentro foi Wall Street. São, porém, situações muito diferentes. Naquele momento, ocorreu mesmo uma séria crise de liquidez iniciada no mercado de hipotecas americano, agravada pela quebra do Lehman Brothers. Ondas de choque se propagaram pelo planeta.

Viveu-se um risco real de outra Grande Depressão, como em 1929/30. Mas houve “apenas” a Grande Recessão, devido à rapidez com que o Banco Central dos Estados Unidos, o Fed, sob a presidência de Ben Bernanke, agiu, jogando os juros no chão e inundando o mundo de dólares. O oposto do que ocorrera no final da década de 20. Bernanke era um estudioso do desastre de 29/30.

Já o que acontece agora, também a partir de Wall Street, parece um caso clássico de correção por expectativa. A economia americana está muito bem (desemprego de 4,1%, crescimento acima de 2%). E ainda receberá mais estímulos com o pacote tributário de Donald Trump. Mas esta fornalha é aquecida por juros muitos baixos (entre 1,25% e 1,50%). A divulgação, sexta, de que o desemprego continuava praticamente em 4%, serviu para consolidar a expectativa de que o Fed deve puxar as taxas de forma um pouco mais forte, a fim de evitar a inflação.

Para alimentar as incertezas, Janet Yellen acaba de ser substituída na presidência do Fed por Jerome Powell, também do conselho do BC americano. Não se sabe ao certo como reagirá. Yellen elevava taxas devagar. Powell é considerado seguidor da mesma estratégia de política monetária. Porém, na dúvida, buscam-se investimentos mais seguros que ações, mesmo porque elas subiram muito — do que se vangloriou Trump no seu discurso do estado da Nação. Por ironia, quando o movimento de vendas começou a ficar perceptível.

Wall Street caiu 4,6%, e o rombo se refletiu na Europa e na Ásia. Subiu ontem, mas esta é uma característica destes momentos. Trata-se de um movimento do mercado mundial que afetará países na proporção direta de sua vulnerabilidade a choques externos, devido a dificuldades estruturais, aos fundamentos frágeis. É o caso do Brasil, diante de um déficit crescente, causado pela despesa previdenciária descontrolada.

O abalo sísmico externo vem em momento adequado, para alertar os deputados, que na segunda 19 devem começar a tratar da minirreforma da Previdência. Se nada for feito, candidatos a presidente e a população em geral devem se preparar para tempos incertos.

Quem acompanhou crises externas desde a década de 70, passando pela mexicana, asiática, russa, argentina e brasileira, sabe que os US$ 380 bilhões de reservas do Brasil são insuficientes para conter um ataque especulativo forte contra o real — deflagrado pelo conhecimento mundial do desequilíbrio fiscal grave do país. É um aviso.

A única forma de se precaver contra os tempos de volatilidade em que o mundo parece entrar, embora cresça de forma sincronizada, é o Congresso sinalizar, com a reforma previdenciária, que entende ser necessário um ajuste. Isso não parece difícil de entender.

Mensagem clara - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 07/02

Em mensagem ao Congresso, o presidente Michel Temer foi o mais objetivo e direto possível ao expor a importância de completar a agenda de reformas proposta pelo governo, em especial a da Previdência


Na mensagem que enviou ao Congresso para marcar a abertura do ano legislativo, o presidente Michel Temer foi o mais objetivo e direto possível ao expor aos parlamentares a importância de completar a agenda de reformas proposta pelo governo, em especial a da Previdência. Temer tornou a conclamar o Congresso a assumir seu papel na imensa tarefa de reformar o Estado, saneando-o e preparando-o para uma nova etapa de desenvolvimento – que não pode mais ser adiada, sob pena de se condenar o Brasil à insolvência crônica e à perene mediocridade.

A reforma da Previdência, mesmo em sua versão menos encorpada, representa um esforço nada desprezível para reverter o acúmulo, durante décadas a fio, de distorções e privilégios que acabaram por tornar totalmente inviável o regime de aposentadorias e pensões hoje em vigor. Ao estabelecer uma idade mínima para a concessão do benefício e ao submeter os funcionários públicos a limites semelhantes aos impostos aos beneficiários do INSS, a reforma encaminhada pelo governo ataca a essência dos problemas do atual sistema previdenciário, a saber: a incompatibilidade das regras de concessão com a realidade demográfica nacional, que indica envelhecimento acelerado da população e redução do número de contribuintes para a Previdência, e os inaceitáveis privilégios de servidores públicos aposentados em detrimento dos demais trabalhadores.

“O atual sistema é socialmente injusto e financeiramente insustentável”, declarou Temer na mensagem lida pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, aos congressistas. “Socialmente injusto pois transfere recursos de quem menos tem para quem menos precisa, concentrando renda. É financeiramente insustentável porque as contas simplesmente não fecham, pondo em risco as aposentadorias de hoje e de amanhã.” O texto, como se vê, foi escrito em português claro – ou seja, ninguém que o tenha lido ou ouvido, especialmente quem está em condição de interferir na realidade, como é o caso dos parlamentares, pode alegar que não entendeu a extensão do problema.

Ainda há, é claro, quem aposte na desinformação para oferecer aos deputados indecisos argumentos aos quais possam se agarrar para justificar uma eventual rejeição da reforma. Espalhou-se por aí a versão segundo a qual trabalhadores terão de contribuir até a beira da morte para conseguirem se aposentar, ou que os trabalhadores rurais perderão o benefício de se aposentar antes do trabalhador urbano, entre outras mentiras evidentemente criadas por quem não tem a menor disposição de negociar nada. É aos parlamentares que recusam a reforma apoiando-se nesse tipo de argumento – de inegável caráter eleitoreiro – que Temer parece ter se dirigido especialmente.

É uma missão ingrata, a julgar pela reação do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que disse, também em discurso, que “não podemos admitir uma reforma que prejudique aqueles com menos condições”. Com isso, Eunício, que já declarou voto em Lula da Silva nas próximas eleições, reproduz o tipo de demagogia que mina o apoio à reforma da Previdência, a despeito do fato de que, como pode constatar qualquer um que se disponha a ler o texto encaminhado pelo governo, não há nenhuma mudança que ameace os mais pobres. Temer, ainda assim, diz que continua a apostar no diálogo, mas o tom utilizado não deixou dúvidas sobre o grau de responsabilidade de todos os envolvidos.

“A sociedade brasileira mostra-se cada vez mais consciente de que a reforma é questão-chave para o futuro do Brasil”, declarou o presidente, lembrando que o texto “foi amplamente discutido” – e isso se traduziu nas muitas mudanças feitas na proposta original, feitas, nas palavras de Temer, para “atender a preocupações legítimas”.

Agora, só resta esperar que os parlamentares tenham entendido seu papel nesse processo. Como disse Temer na mensagem, “chegou a hora de tomar uma decisão”: os congressistas podem, como disse o presidente, aceitar o “dever de concluir a agenda de modernização de que o Brasil tanto precisa” ou podem causar imenso prejuízo ao País na expectativa de ganhar alguns votos na eleição de outubro.